segunda-feira, 27 de julho de 2020

Sabe com quem está falando?


* Publicado nesta data em coleiva.net
Parece que viraram febre, durante a pandemia, os episódios envolvendo  autoridades ou nem isso, que desacatam e humilham os agentes responsáveis pelo cumprimento das legislações municipais de resguardo. O carteiraço vem acompanhado da senha “vocês sabem com quem estão falando?”.  É de provocar vergonha alheia em quem assiste aos casos ao vivo  ou em gravações.
Hoje ninguém escapa das câmeras dos celulares, bem diferente de alguns casos do passado,  que presenciei, participei, ou tomei conhecimento e que não  tiveram maior repercussão. Por isso, prefiro tratar desses episódios com alguma dose do humor como o que envolveu cada situação.     contei  no Facebook o que aconteceu com o diretor do jornal, na velha Caldas Junior, que ao telefonar para a redação foi atendido do outro lado de forma um tanto grosseira.
- Por acaso, sabe com quem está falando? vociferou o diretor.
- Não, e o senhor sabe com quem está falando? respondeu o da redação.
- Não!
- Ainda bem,
E bateu o telefone e imediatamente se mandou da sala.
Recebi várias histórias parecidas, que teriam ocorrido em todas  as redações da cidade. O jornalista Plínio Nunes, meu revisor favorito, me relatou, por exemplo,  uma variação da mesma situação, também tendo a Caldas Junior como cenário.  O principal envolvido é um fotógrafo das antigas, o Edegar Planella, cidadão rodado  e muito chegado a uma falseta com os colegas.  Pois bem, o brincalhão deixou  um recado para o laboratorista do Departamento de Fotografia: Se a Ruth me ligar, pode xingar à vontade e dizer para não me procurar mais.( Ruth seria a namorada do momento, prestes a perder  o posto).
Eis que toca o telefone no laboratório e, do outro lado da linha, a voz feminina pergunta pelo Planella, com quem tinha combinado um contato naquele horário.
- Ruth, né, ele mandou te dizer que....-, e despejou tudo o  que tinha direito.
- Mas o que é  isso, moço! Sabe com quem está falando? atalhou a atônita mulher.
- Não, - respondeu o laboratorista.
- É a Ruth, irmã do Breno Caldas, -  esclareceu a senhorinha, que tinha compulsão por viagens e provavelmente estava à procura de fotos encomendadas ao outro profissional.
- E a senhora por acaso sabe quem sou eu?
- Não, meu filho, não sei.
- Ainda bem. Sorte a minha.
E desligou o telefone, maldizendo o colega bandalho.
E tem aquela do carteiraço às avessas, lembrada pelo querido amigo Piero D’Alascio e ocorrida em idos tempos no bairro Petrópolis. O Xaxá, um dos bêbados folclóricos e itinerantes  do bairro, já altamente turbinado, vinha passando em frente à 8ª Delegacia  de Policia, a famosa e temida Oitava, justo no momento em que saía uma viatura policial com dois agentes. Quando o que dirigia freou para entrar na avenida Protásio Alves, o nossos Xaxá enfiou a cabeça para dentro do veículo e disparou:
- Quem foi que autorizou vocês a saírem com esta viatura?
Consta que ele pegou pena até leve, um tanto pelo  desacato e outro tanto pelo  bafo de trago sobre os policiais: ficou detido de três a quatro dias, sendo obrigado a lavar os carros  da delegacia. “Pior foi ficar sem o trago”, teria se queixado depois.
O mesmo Xaxá compareceu, também com o tanque cheio, ao velório do amigo Saul e deu um ultimato, aos berros, à beira do caixão:
- Levanta daí, Saul. Tu é homem ou aranha?
Imaginem a cena. Só não foi expulso porque naquela época os velórios eram em casa e fazia parte do ritual de despedida a presença de um ou mais  bebuns representativos e amigos do pranteado.
Mas já estou me desviando do foco desta  coluna, pressionado pelas lembranças folclóricas do bairro onde nasci e me criei. Só as aprontadas do Xaxá dariam um livro.
O que eu  queria era contar um episódio de carteiraço do qual fui personagem, também no bairro Petrópolis. Recorro ao baú da memória, lembrando que lá pela década 60 do século passado o Serviço de Recreação Pública  da Prefeitura promovia em Porto Alegre campeonatos para a gurizada dos bairros. Numa rodada, o glorioso Tupy (com y para ficar charmoso), enfrentou no campo do Ararigbóia o Rolinho, que era o time B de infantis do Inter, treinado pelo saudoso e grande descobridor de talentos, Jofre Funchal.  Apesar disso e da superioridade técnica do adversário, vencemos por 2 x 1 e, se não me engano, foi de virada. O treinador Luciano D’ Alascio (irmão mais velho do Piero) foi carregado em triunfo, junto com o Cizinho, autor do gol da vitória, pela nossa numerosa e barulhenta  torcida.
 Já sem idade para disputar a categoria, aos 16 ou 17 anos, eu era o presidente do Tupy e naquela memorável tarde de sábado, após o jogo tomei o maior porre da minha vida, uma mistura de cachaça, conhaque e vermute no boteco em frente à Igreja São Sebastião, na Protásio Alves. Não satisfeito, desafiei dois brigadianos que faziam a ronda por perto, chamando-os de “Pé de Porco” (alusão aos PP nos capacetes, de Pedro e Paulo, como eram conhecidas as duplas). Na época, era o pior dos desacatos - e olha que sou filho de brigadiano. Só fui salvo da detenção graças à intervenção do Luciano, que segurou os PMs, prontos para a enérgica  intervenção,  com aquela frase:
- Vocês sabem com quem estão falando?

Diante do questionamento, os brigadianos estacaram e o Luciano emendou enfático:

- Com o presidente do Grêmio Esportivo Tupy.

A intervenção foi suficiente para permitir que eu fugasse para casa onde vomitei até os doces da minha primeira comunhão.

Às vezes o “carteiraço” funciona.

Pena que já não se façam mais daqueles de antigamente. Agora somos obrigados a assistir aos  “angelnheiros” e ”deusembargadores” tupiniquins, arrogantes, prepotentes, autoritários, cada um com sua estupidez, hostilizarem quem tem a justa  missão de  protegê-los. Ainda bem que a Internet  está aí para desmascará-los, pois chegou a hora desse pessoal saber a quem estão destratando.


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