*Publicado nesta data em coletiva.net
Quem imagina que vida
de Contador é um tédio por só lidar com números, papelada e burocracia é porque
não conhece o dia a dia do Fábio.
Ex-militar, homem disciplinado, ele se impõe junto à clientela pela
qualidade do seu trabalho, fruto de anos de experiência. Ocorre que parte da
clientela dele é formada pelo pessoal
ligado ao ramo do entretenimento sexual, incluindo muitas garotas da chamada vida fácil, que de fácil
não tem nada.
Um exemplo é aquela
proprietária de um estabelecimento de
encontros no bairro Partenon, que perdeu parte do movimento e do
faturamento e, por isso, atrasou os pagamentos ao responsável por manter a escrita da firma em
dia. A dívida foi se acumulando até que a senhora fez uma proposta tentadora ao
profissional,
- Sei que estou
devendo, mas está difícil a coisa. O senhor não prefere receber em forma de
massagens eróticas, daquelas completinhas? Garanto que o senhor vai gostar.
Quando perguntei ao
Fábio se ele havia aceitado a proposta, o safo desconversou, depois de afirmar,
afetando ingenuidade.
- Sinceramente não
entendi do que se tratava a tal massagem...
Outro episódio ocorreu
com uma cliente que se apresentou como Karyne Priscila (“Karyne com K e y, seu Fábio”). A bela moça procurou
Fábio para ter algum tipo de documento que permitisse apresentar no comércio,
revelando seus ganhos. Ficou acertado que seria a Declaração do Imposto de
Renda, aceita sem restrições para efeito de crediário. Em seguida, pediu que o
documento fosse entregue no endereço de uma movimentada rua no Centro Histórico.
Dias depois, lá se foi
nosso amigo para fazer a entrega do documento. Ao chegar no local indicado, um
sobrado antigo, deparou-se com uma escadinha que, desde cima, emitia uma música
barulhenta. Duas vezes safenado, Fábio subiu com dificuldade até o centro da
barulheira e, lá chegando, quase precisou de mais uma safena. A algazarra era
de uma festa de Hallowen em plena tarde, homens e mulheres fantasiados com
trajes sumários, luzes e gritedo em profusão. Das trevas, surgiu a feiticeira
mor, oferecendo os serviços da casa, que incluía acompanhantes e uma cabine
exclusiva.
- NÃ,NÃ,NÃO, gaguejou
Fábio. Estou procurando a Karyne, que é
minha cliente,- invertendo a lógica do local, onde os clientes são os
visitantes e não as moças.
Eis que surge uma bruxa
despudorada, de seios à mostra, chapelão pontudo e biquíni que simulava uma
teia de aranha. Era a “cliente”. Mas as surpresas de Fábio não terminaram ai. Ao
confrontar os documentos da bruxinha, descobriu que o verdadeiro nome dela era
outro: Marivalda da Silva,
- Seu Fábio, o senhor
acha que com o nome de Marivalda eu teria alguma chance nessa vidinha?,
justificou Karyne Priscila, aliás, Marivalda.
Até hoje, Fábio não
sabe se a moça tem conseguido fazer seus crediários com o nome de Karyne
Priscila. Só acrescentou: “Olha, a renda dela até permitiria fazer compras à
vista...”
E tem os casos dos
clientes de atividades que não resistiriam a uma investigação, mas não é o caso
de mexer com isso. Já o proprietário de um boteco pé-sujo num bairro pouco
recomendável parecia ter um negócio sem rolos, só que deixou Fábio cheio de
dúvidas quando fez uma estranha proposta para pagar o que devia pelos trabalhos
do Contador:
O débito era, digamos,
de R$ 1.800,00 e o cliente propôs
entregar, para saldar a dívida, um revólver38 e uma pistola, de procedências
pra lá de duvidosas. Entre pendurar a fatura ad eternum ou receber as coisinhas em troca, o homem das contas
preferiu a segunda opção. A pistola, bem conservada, renderia R$200,00 no
programa de Desarmamento da Policia Federal e o tresoitão, em vias de
aposentadoria, mais R$ 100,00, - isso sem questionamentos do órgão sobre a
origem das armas.
- Não tem aí uma
metralhadora AR 15 ou uma bazuca para
completar o pagamento?- gracejou Fábio, que, pela experiência militar, sabia das
coisas em termos de armamentos.
Diante da galeria de
tipos e situações que fiquei conhecendo, já cheguei a conclusão que sou normal
demais para figurar entre os clientes do Fábio. O homem tem cada cliente e cada
história que é prudente guardar distância.