Certo dia na redação de esporte da gloriosa Rádio
Guaíba dos anos 70, o Augustinho Licks, profetizou, com conhecimento de causa,
o fim das Ondas Curtas (OC). “Nos Estados Unidos sintonizar ondas curtas é
coisa de excêntrico”, explicou o Augustinho, que já era músico consagrado e, à época, emprestava seu talento na edição
dos programas esportivos.
Ninguém na Guaíba levou a sério aquela previsão. Ao contrário, havia
todo um esforço para manter as valorizadas ondas curtas de 31 e 49 metros, que
eram o principal elo de ligação com os milhares de gaúchos desgarrados Brasil
afora. Eram de emocionar os relatos dos
encontros dos profissionais da Guaíba, em eventuais transmissões no interiorzão
do Pais, com os gaúchos que foram colonizar terras distantes. No interior do
estado e Brasil afora era comum o pessoal ir ao estádio com seus radiões,
preferindo o vai e vem das ondas curtas da rádio de fora em detrimento da
emissora local.
Os receptores
Transglobe Philco eram disputados porque comportavam várias ondas. Enquanto
manuseava suas fichas e gritava “Tem gol!”, o Antônio Augusto, pai de todos os plantões,
conseguia trabalhar com dois transglobes
ao mesmo tempo, sintonizados em grandes emissoras nacionais como a Globo e a
Bandeirantes, que por sua vez sintonizavam a Guaíba e a Gaúcha, como a maioria
das rádios de outros estados, para acompanhar
os jogos daqui. A Loteria Esportiva, em seus tempos de glória, fomentou e
sustentou esse processo pela necessidade de informar o andamento dos 13 jogos
do teste semanal da loteca. Em uma viagem aos Estados Unidos o grande Armindo
Ranzolin, um entusiasta das OCs, trouxe mais dois rádios, dos modelos mais modernos e foi uma festa na
retaguarda da Guaíba.
Tanto na Guaíba como na Gaúcha, trabalhando cerca de sete
anos em cada uma, fui responsável pela relação com a rede de emissoras que
retransmitiam as jornadas esportivas e a maioria se lincava através das ondas
curtas. O som deixava a desejar, mas havia magia naquela instabilidade sonora
que expressava o tom épico do rádio de então.
Hoje, em tempos de Internet e no limiar da migração da
radiodifusão para o digital, poucas emissoras ainda distribuem suas
programações em Ondas Curtas ou Ondas Tropicais. Mesmo as emissoras
internacionais que propagavam cultura e ideologia em vários idiomas desativaram
seus serviços que exigiam grandes investimentos. Engana-se, porém, quem acha
que as OCs vão morrer. A prática de se
ouvir rádio, em especial em OC, continua
muito viva, ainda desempenhando papel fundamental na comunicação mundial, uma
vez que se constitui no único meio de transmissão de mensagens entre os continentes sem a
necessidade de satélite. Pra se ter uma
ideia da dimensão do que isso significa,
se algum dia a Internet parar funcionar, a velha e boa OC vai ser a
salvação em termos de comunicação mundial.
Nos
Estados Unidos, por exemplo, a retomada
das ondas curtas se deve a Guerra do
Golfo. A venda de aparelhos com faixa OC cresceu 40% depois que uma bomba
atingiu, em Bagdá, o prédio responsável pela geração de informação por satélite.
Por um tempo, só as OCs traziam notícias do conflito, o que causou corrida aos
rádios equipados com a onda.
*Com
certeza a importância das OCs seria mais
bem explicadas pelo mestre Luiz Artur Ferrareto (radionors.wordpress.com),
estudioso do meio rádio, a quem o
ViaDutra presta tributo.