domingo, 18 de maio de 2014

No tempo das Ondas Curtas


Certo dia na redação de esporte da gloriosa Rádio Guaíba dos anos 70, o Augustinho Licks, profetizou, com conhecimento de causa, o fim das Ondas Curtas (OC). “Nos Estados Unidos sintonizar ondas curtas é coisa de excêntrico”, explicou o Augustinho, que já era músico consagrado  e, à época, emprestava seu talento na edição dos programas esportivos.
Ninguém na Guaíba levou  a sério aquela previsão. Ao contrário, havia todo um esforço para manter as valorizadas ondas curtas de 31 e 49 metros, que eram o principal elo de ligação com os milhares de gaúchos desgarrados Brasil afora.  Eram de emocionar os relatos dos encontros dos profissionais da Guaíba, em eventuais transmissões no interiorzão do Pais, com os gaúchos que foram colonizar terras distantes. No interior do estado e Brasil afora era comum o pessoal ir ao estádio com seus radiões, preferindo o vai e vem das ondas curtas da rádio de fora em detrimento da emissora local.
Os receptores Transglobe Philco eram disputados porque comportavam várias ondas. Enquanto manuseava suas fichas e gritava “Tem gol!”, o  Antônio Augusto, pai de todos os plantões, conseguia trabalhar  com dois transglobes ao mesmo tempo, sintonizados em grandes emissoras nacionais como a Globo e a Bandeirantes, que por sua vez sintonizavam a Guaíba e a Gaúcha, como a maioria das rádios de outros estados,  para acompanhar os jogos daqui. A Loteria Esportiva, em seus tempos de glória, fomentou e sustentou esse processo pela necessidade de informar o andamento dos 13 jogos do teste semanal da loteca. Em uma viagem aos Estados Unidos o grande Armindo Ranzolin, um entusiasta das OCs,  trouxe mais dois rádios, dos modelos mais modernos e foi uma festa na retaguarda da Guaíba.
Tanto na Guaíba como na Gaúcha, trabalhando cerca de sete anos em cada uma, fui responsável pela relação com a rede de emissoras que retransmitiam as jornadas esportivas e a maioria se lincava através das ondas curtas. O som deixava a desejar, mas havia magia naquela instabilidade sonora que expressava o tom épico do rádio de então.
Hoje, em tempos de Internet e no limiar da migração da radiodifusão para o digital, poucas emissoras ainda distribuem suas programações em Ondas Curtas ou Ondas Tropicais. Mesmo as emissoras internacionais que propagavam cultura e ideologia em vários idiomas desativaram seus serviços que exigiam grandes investimentos. Engana-se, porém, quem acha que as OCs vão morrer.  A prática de se ouvir rádio,  em especial em OC, continua muito viva, ainda desempenhando papel fundamental na comunicação mundial, uma vez que se constitui  no único meio de transmissão de mensagens entre os continentes sem a necessidade de satélite.  Pra se ter uma ideia da dimensão do que isso significa,  se algum dia a Internet parar funcionar, a velha e boa OC vai ser a salvação em termos de comunicação mundial.
Nos Estados Unidos, por exemplo,  a retomada das ondas curtas  se deve a Guerra do Golfo. A venda de aparelhos com faixa OC cresceu 40% depois que uma bomba atingiu, em Bagdá, o prédio responsável pela geração de informação por satélite. Por um tempo, só as OCs traziam notícias do conflito, o que causou corrida aos rádios equipados com a onda.
*Com certeza  a importância das OCs seria mais bem explicadas pelo mestre Luiz Artur Ferrareto (radionors.wordpress.com), estudioso do meio rádio,  a quem o ViaDutra presta tributo.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Sobre traição e outros papos

Encontro com aquela minha amiga expansiva, mais as adoráveis Cali e Andara, e  o assunto deriva para a infidelidade masculina e feminina. Foi quando ouvi uma sentença definitiva sobre  tal situação e a revelação de casos tragicômicos.

- Mulher traída é vítima, homem traído é um  mero corno – foi o que ouvi da moça expansiva.


Tentei argumentar, emendei um “veja bem...”, mas como estava em minoria recolhi-me a um silencio obsequioso e fiquei ouvindo as histórias.


Uma delas dá conta do sucedido com famoso corrupto da nação que quis fazer um agrado à namorada, deslumbrante ex-miss gaúcha, e presenteou-a com  um refrigerador de última geração. Por cautela, comprou outro com as mesmas características para a esposa. Só que para a garota o equipamento deveria ir recheado de espumantes da melhor qualidade, enquanto para a titular o safado não providenciou nem mesmo um potezinho de iogurte, embutidos, patê, mortadela ou uma latinha de Kaiser.
Ocorre que o entregador trocou os destinatários e a titular, certa de que o surto de romantismo expresso pelos espumantes não lhe dizia respeito, acabou descobrindo tudo, provocando a separação. O que me leva a conclusão que a má qualidade na prestação de serviços tupiniquim conspira contra sólidos relacionamentos. Pensando bem, dar refrigerador de presente pra namorada é uma fria.

Uma história puxa outra e  logo surgiu a lembrança do engenheiro catarinense que embolsou uma grana preta em obras públicas e fugou para o exterior com a namorada, mas acabou localizado ao aparecer na TV por ocasião de um jogo de vôlei da seleção brasileira na Espanha. O cara era corrupto, mas muito patriota e torcia com entusiasmo pelos rapazes do vôlei verde amarelo quando a casa caiu.
Tentei novamente participar da conversa, defendendo a tese de que o complexo de culpa levava esse pessoal a se expor para ser apanhado, como fazem alguns amantes, deixando pistas de suas safadezas. Quase emendei o tradicional ‘Freud explica’ mas novamente caçaram minha palavra. E novamente o fizerem com um veredito arrasador.

- Infiel e corrupto burro não tem futuro.
Foi então que me recolhi outra vez ao silêncio obsequioso, enquanto as três lambisgoias detratavam mais alguns parceiros que lamentavelmente não pude defender.

 

sábado, 10 de maio de 2014

O rei das ofertas

Herdei de meu pai o hábito de buscar  as ofertas  e promoções nas lojas e supermercados.  O saudoso Coronel  Dastro (assim era conhecido e tratado, embora fosse tenente-coronel) não resistia aos preços baixos do leite e comprava caixas e caixas; azeite em oferta e a dispensa no porão da morada dos Dutra na rua Ivo Corseuil se enchia de latas de Merlin ou Primor, as marcas da época;  feijão e arroz com preço convidativo e a prateleira quase vergava ao peso dos não-perecíveis adquiridos.  Era tanta quantidade que o bom Coronel, tido como mão fechada, ficava generoso e apelava aos filhos para que levassem parte dos produtos.

A busca pelo melhor preço, por certo,  deve ter sido resultado dos tempos de penúria, quando o oficial da Brigada Militar, do qual se orgulhava, não era valorizado nos seus salários, diferente de hoje.   Além disso,  havia uma escadinha de filhos para alimentar, vestir e prover educação.  Mas sobrevivemos todos, bem nutridos e bem formados, àqueles tempos difíceis.
Pois, apesar de tudo, não enfrentei tantas dificuldades graças aos esforços dos pais, mas a atenção  às ofertas e promoções  passou à geração seguinte e me escolheu para dar seguimento à prática. Comecei meio enviesado, escolhendo a cerveja e o vinho nas gôndolas promocionais, mas muitas dores de cabeça depois, passei a refinar os hábitos e escolher ofertas com padrões mais elevados.  Nesse caso, o barato sai caro no dia seguinte.
Hoje, registro com satisfação que algumas das minhas melhores  camisas azuis foram adquiridas em promoções nas boas casas do ramo, como aquela que a etiqueta indicava custar R$ 9,90, um preço tão ridículo que me vi obrigado a comprar junto um par de meia a R$ 19,90 para não passar vergonha com as moças da caixa.  Vale o mesmo para minhas jaquetas preferidas, em quantidade maior do que  preciso, mas a maioria adquiridas sob impulso da palavra mágica – Promoção.  No exterior, dou preferência aos outlets e não tenho motivos para arrependimento.
Quem me conhece sabe que não sou mão de vaca, mas sou compulsivo diante das rebaixas., como se vê.  E tanto sou generoso que vou socializar a oferta do fim de semana no Zaffari: vinhos da bodega Casa Silva,  carmenere e cabernet  sauvignon, de honestas vinhas chilenas, a R$ 24,90. Levando dois, sai por R$ 22,90.  Levei  dois, é claro.

domingo, 4 de maio de 2014

Um outro Flávio Dutra

Já fui muito elogiado por fotos maravilhosas e textos idem publicados na revista Ícaro, da velha Varig. No começo, confesso que contrariado, tratava logo de desmentir a autoria.  Com tempo passei a não negar e também não assumia ser o autor, limitando-me a um sorriso de satisfação, até para não frustrar o interpelante.   

Mas não consegui controlar  todas as situações, como a ocorrida com um querido amigo que, vendo anunciado na mídia uma exposição do Flávio Dutra, compareceu ao vernissage.  Chegando cedo, acompanhado da mulher,  estranhou não conhecer os outros presentes (“Pensei que o Flávio Dutra tivesse amigos mais fiéis”, admitiu que pensou na ocasião) e ficou aguardando, entre drinques e canapés,  a chegada do principal personagem do evento.  O tempo foi passando e nada do Flávio Dutra aparecer.  Duas taças de vinho e meia dúzia de salgadinhos depois,  nosso amigo se animou a perguntar:  “E o Flávio Dutra quando chega?”
Foi então que descobriu que o Flávio Dutra daquele espaço e momento, conhecido professor na área de Comunicação,  já se encontrava há muito tempo no recinto, recebendo os merecidos cumprimentos pela mostra fotográfica. Só restou ao bem intencionado intruso também cumprimentar o autor e sair de fininho antes que a gafe fosse ampliada.

Que bom que todas as confusões com meu homônimo fossem divertidas assim.   Sucede que além de ser um despossuído de talentos artísticos, parece que não comungo integralmente das mesmas opiniões do outro Flávio Dutra. Nada que abale nossas distantes e respeitosas relações, mas é que tem ocorrido de divulgarem como minhas posições que são do outro Flávio Dutra.  Volto a dizer, nada que constranja ou que provoque conflito, mas a cada um com o que lhe é de direito.
Alô, professor Flávio Dutra.  Precisamos nos conhecer melhor para que não usem mais nosso santo nome em vão. Que tal um happy?

sábado, 3 de maio de 2014

Exigências de um cantor das multidões

Fim de carreira na classe artística é dureza.  Que o diga aquele cantor das multidões no século passado que foi  contratado para abrilhantar, nos dias atuais, um festival em Porto Alegre.  O show seria o ponto alto do festival, eis que os organizadores acreditavam que o veterano intérprete ainda tinha um público cativo – o que era verdade.

Foi então que começaram as surpresas, a primeira delas uma exigência incompreensível para os tempos atuais, feita pela sua empresária – ela ainda mais antiga do que ele.  A empresária bateu pé:  o cantante só viajaria se fosse de primeira classe. Foi preciso muita explicação para a senhorinha entender que primeira  classe em voos nacionais era coisa do tempo da Panair.
Aí veio a segunda exigência: hospedagem em hotel que tivesse bidê no banheiro do apartamento.  Com muita pesquisa, a produção encontrou um hotel que oferecia o equipamento onde o artista poderia refestelar e refrescar  suas já flácidas nádegas.  Não satisfeito com a escolha, cantor e empresária questionaram se o “tradicional hotel Majestic” não contava com os tais bidês.  Foi mais uma batalha verbal de explicações sobre o futuro do Majestic,  hoje Casa de Cultura Mário Quintana e diante disso a dupla perguntou sobre outro ícone hoteleiro da cidade: “E que tal o Grande Hotel, na Praça da Alfândega?”.
Não pararam aí os pedidos pra lá de estranhos. O cantor queria saber se poderia “visitar a casa da  Marli”, após o  seu show. Para quem não sabe,  em décadas passadas Marli seria o que  hoje é a Tia Carmem, mas bota passado nisso.  O que restou como lembrança das sacanagens daqueles tempos foi o batismo popular ao viaduto que fica nas proximidades de onde funcionou a famosa “casa de tolerância”, como se dizia então, na confluência das avenidas Borges de Medeiros e José de Alencar, no Menino Deus. O nome oficial do viaduto é Dom Pedro,  não sei se primeiro ou segundo, o que não vem ao caso.
Diante da negativa, o veterano  se propôs, generoso,  a dar uma canja no Maipu ou na  American Boite, “ que fica ali naquela simpática Voluntários da Pátria, se não me engano”, argumentou, para acrescentar em seguida: “Posso ir até de bonde!”.
Os pedidos e as observações do visitante quase se levaram à loucura as moças da produção, mas a verdade é que o show foi  um sucesso, a comprovar que o cantor que tinha mesmo um público fiel e saudoso do seu talento.