O
repertório linguístico dos amantes é amplo e criativo. Acho que até já escrevi
sobre isso. Um relacionamento legal impõe uma comunicação diferenciada e, na
maioria dos casos, o casal estabelece códigos para se fazer entender e reafirmar
seu amor. A primeira providência é batizarem um ao outro com apelidos
carinhosos, quando não escorregam para o ridículo. Aí vale tudo e reinam os
diminutivos: Fofurinha, Bijuzinho, Morzinho, Neguinha, Tchutchuquinha. Os mais
sofisticados preferem expressões em outro idioma: Cherry, Amore Mio, Honny,
Darling. É um dengo só e homem vira piegas nessas circunstâncias.
Outro dia, um dedicado companheiro, acostumado às puladas de cerca, revelou o tratamento
que dispensa as suas novas parceiras. São as Interpostas Pessoas! Interposta
Pessoa tem um significado um tanto de jurisdiques, grosso modo, uma terceira pessoa que se
intromete em outra relação. Tudo a ver em se tratando da Outra. Mas a forma
como Interposta Pessoa é pronunciada pelo sujeito em questão, beirando a reverência,
significa, acima de tudo, uma blindagem. Quem desconfiaria que o termo pode
esconder uma pessoa real, capaz de proporcionar grandes emoções e impensáveis
prazeres? O companheiro não entra em detalhes, apenas suspira fundo e acrescenta:
- É bem
bom!
A
propósito, resgato um texto a respeito do tema:
Como
ocorre com todos os idiomas, a linguagem da infidelidade também é um processo
em constante mutação. O termo amante, por exemplo, caiu em desuso. Ou como diria
aquele empresário bem de vida e algo preconceituoso: “Amante é coisa de
despossuído. Rico tem namorada”. Preconceitos à parte, a verdade inescapável é
que dificilmente você vai ouvir, hoje em dia, alguém dizer que vai ao encontro
“da amante”. O termo ficou chulo e brega. Visitar a “outra” ou “aquela outra”
até passa. Ouço eventualmente a expressão “pessoa” e sua variação “aquela
pessoa” e implico com isso, sei lá porque. Talvez porque existam eufemismos
mais apropriados para o caso. Um deles é designar a pessoa em questão pelo
realce profissional. Observe o exemplo e constate como fica elegante na frase:
“Com licença, mas preciso sair porque tenho um encontro com a Doutora”. Vocês
já sacaram quem é a doutora, que pode ser aplicado tanto para profissionais da
área médica como do direito. Outro exemplo na mesma linha: “A professora me
espera”. No caso, pode ser realmente uma mestra do saber ou uma homenagem do
homem aos conhecimentos da parceira, por assim dizer, em outra matéria.
A tribo
dos infiéis é criativa e inventa toda a sorte de artimanhas para escapar de
questionamentos incômodos. Conhecido repórter, por exemplo, só escreve os
telefone de suas novas conquistas em linhas verticais. Para todos os efeitos é
uma operação de somar, se a anotação cair em mãos indevidas. Um sistema simples
e eficaz.
Os
códigos mereceriam um capítulo à parte. S. operador da bolsa de valores,
certamente influenciado pela sua atividade, só marcava encontros com a
companheira por meio de mensagens codificadas, enviadas por telefone ou por
e-mail. “Cotação: MA-1830”. Tradução: Encontro às 18h30 no Motel A. Ou: “Índice
Bovespa: RB-2100+MC”. Tradução: jantar no restaurante B às 9 da noite e depois
esticada ao motel C. A cada letra correspondia um motel ou restaurante já
conhecidos, então ficava fácil decodificar a mensagem. A resposta da parceira
vinha na mesma linha. Se estava disponível avisava: “É hora de comprar”. Caso
contrário, informava: “Venda as ações”. O único receio deles é que viesse a
mensagem, previamente combinada, significando que tinham sido descobertos:
“Crack da Bolsa!”
J,
desportista, também utilizava linguagem apropriada a sua área de atuação. A
mensagem “Hoje, 100 metros rasos”, significava disposição para uma rapidinha.
Já “Amanhã Maratona” era a forma de dizer que estava preparado para uma grande
noitada. As respostas às vezes eram desestimulantes, tipo “100 metros com
barreiras”, quando a parceira dava conta de que ele podia pedir o que quisesse,
mas não levaria tudo. O policial M. cifrava suas mensagens à namorada
igualmente com as expressões que estava acostumado a usar no dia a dia.
Exemplo: “Hoje acareação, 19, local do crime”. Tradução: encontro às 7 da noite
no mesmo motel de sempre. Quando não podia comparecer aos encontros, avisava:
“Elemento fugou” era a senha.
Acreditem: esses exemplos são reais e mais frequentes
do que imagina nossa vã filosofia.