sábado, 26 de novembro de 2016

Bom de cama

O caso da jurada que tirou um cochilo em pleno depoimento do acusado de atropelar os ciclistas na Cidade Baixa e, com isso, obrigou o atropelador a refazer sua defesa, me remete aos constrangimentos que já passei por dormir em público e em situações as mais inusitadas.

Lembro que em determinado período era forçado a participar de demoradas discussões salariais com sindicalistas e eventualmente dormia no meio do encontro. Só era acordado quando o ronco ultrapassava os decibéis dos bate-bocas entre as partes.  Outro caso: como assessor comparecia aos debates eleitorais de um candidato a cargo no executivo e desenvolvi uma técnica que sempre deu certo, eis que conseguia despertar do soninho assim que meu candidato devia perguntar ou responder. Em uma dessas situações, o assessor de outro candidato fotografou a dormida e postou nas redes sociais, com um comentário malicioso. Quando fui acordado parti para cima do sujeito, que era mais alto, mais forte e bem mais jovem do que eu, enchi ele de desaforos, sem que o cacalhão reagisse. Baixinho enfezado é fogo.

Já fui flagrado cochilando no Tá na Mesa da Federasul e olha que o palestrante era dos bons, além de apagões em reuniões de diretoria e de comitês. Num congresso em Canela, em que o presidente da empresa ia palestrar, resolvi sentar na segunda fileira, só que o baba ovo aqui não levou em conta que a apresentação se dava logo após o lauto almoço. Aí aconteceu o inevitável, uma vontade quase insuperável de jiboiar quando as luzes foram reduzidas durante as projeções da palestra. O companheiro ao meu lado não resistiu e se entregou a Morfeu, aumentando a minha aflição, ao imaginar que o presidente poderia pensar que, naquele escurinho, era eu o roncador. Mas bravamente consegui superar aquele momento de puxa-saquismo explicito na fila do gargarejo.

Pior mesmo foi o período em que dormia com o carro parado em sinaleiras, aproveitando aqueles 30 segundos de sinal vermelho, até ser acordado pelas insistentes buzinadas dos outros motoristas. 

Esses casos confirmam que sou bom de sono, o popular ¨bom de cama¨. À noite, deito e logo durmo, mesmo que quase sempre dê uma “pescada” durante a novela, ainda mais se a janta foi acompanhada de uma taça de vinho. É que cada vez mais não consigo resistir aquele apelo ao soninho que vem vindo lá do fundo, os olhos pesam e, de repente, apago. 

Contando assim até parece que sempre tive o melhor dos sonos. Ledo engano. Meu sono era pesado, interrompido várias vezes, até que no laboratório, onde a gente passa a noite cheio de fios conectados, os exames registraram que eu era recordista em apneias, ou seja, tinha qualquer coisa como umas 50 paradas repetidas ou temporárias da respiração por hora. Sobrevivi porque devo ser um forte. Agora aderi ao tratamento recomendado, uso um aparelho que me devolveu a tranquilidade do sono e acabou com os resmungos da Santa, que não conseguia dormir por causa dos meus roncos.


Gostaria de saber mais sobre o caso da jurada dorminhoca. Vai ver a coitada está casada com um sujeito que assumiu o posto de recordista em apneias.

sábado, 19 de novembro de 2016

Enfrentando o medo pânico

Das poucas coisas que me desestabilizam a principal é ter que falar em público. Beira o medo pânico, mas já foi pior. Nos tempos de ginásio no Rosário nas aulas de português o grêmio literário era uma atração para quem gostava de brilhar frente aos colegas, declamando poesia, discursando ou recitando uma redação. Todos os alunos deviam se apresentar pelo menos uma vez e quando chegava a minha era como se fosse para o patíbulo. E lá ia eu para a frente da turma gaguejando um texto, enquanto o pessoal do fundão da aula se divertia com minha timidez em público, diante do olhar reprovador do mestre.  E olha que eu era um estudante bem integrado com os outros colegas, já escrevia razoavelmente bem para aquele período escolar, fazia redações para os outros, mas no dia do malfadado grêmio literário tinha um bloqueio.

Mais tarde, essa dificuldade de me expressar em público contribuí certamente para que não tentasse falar no microfone nos tempos em que atuei em rádio, deixando de investir numa carreira que poderia me ampliar as ofertas no mercado de trabalho da comunicação.  Preferi a retaguarda, um tanto invejoso dos colegas que dominavam a arte de tagarelar  para grandes e pequenas audiências.

Quando assumi certas funções públicas que eventualmente exigiam que fizesse algum pronunciamento não tinha como escapar. Assim que o pessoal do cerimonial informava que deveria obrigatoriamente dirigir algumas palavras à assistência em determinado evento eu queria me enfiar num buraco, sair pela janela, fugar pelos bastidores ou torcer para que uma catástrofe natural qualquer interrompesse a cerimônia. Mas isso nunca aconteceu e aí tive que dominar minha timidez e o bloqueio e inventar alguns artifícios para enfrentar as situações com um mínimo de dignidade.

A primeira lição que ofereço a quem padece do mesmo mal é falar pouco e já anunciar essa disposição no início, especialmente naqueles atos de muitos discursos.  Sempre que possível, pedia ao cerimonial para ser o primeiro a falar,  na esperança de que o meu titubeante pronunciamento seria esquecido na sequência das outras participações, normalmente de cobras criadas na arte de discursar. Além disso, sendo o primeiro, poderia apresentar uma ou outra ideia original, sem o risco de ficar repetitivo.

Também fazia ´parte do meu repertório de enganação, quando representava algum figurão, abrir com o anuncio de que trazia o ¨fraterno abraço¨ e o ¨reconhecimento dele ao valoroso¨ (aqui pode haver uma variação de termos, tipo generoso, aguerrido, corajoso, etc) ¨ao trabalho desenvolvido¨ pelo segmento presente e sua inestimável (aqui também cabem variações como importante, imprescindível,  indispensável, etc) ¨contribuição ao  desenvolvimento da nossa terra¨, ou ¨para beneficiar nossa gente , ou ¨para o pleno exercício da democracia¨, e por aí vai.

Depois era só alinhar mais duas ou três ideias bem básicas, agradecer a acolhida, elogiar os organizadores, sempre olhando em rodízio para a plateia à esquerda, à direita e ao fundo. Quando estava mais seguro, até tentava fazer uma graça. Só que,  como não tinha muito jeito para bancar o engraçado, passei por saias justas, como quando tive que falar num evento promocional pré Copa do Mundo em Punta del Este, diante de representantes do corpo consular. Ao destacar o esforço dos uruguaios para realizar a Copa de 30, fiz referência ao fato de que, naquele tempo, ¨vejam vocês, nem existiam celulares ainda¨, uma bobagem que ninguém entendeu e nem sei porque inclui na peça oratória. Pelo menos me obrigou a abreviar a lengalenga.   

Por fim, sempre que era possível, acrescentava um entusiasta desejo de ¨longa vida à...¨, e customizava à atividade ou aos profissionais presentes. Funcionou sempre e, em contrapartida, até mereci aplausos mais prolongados de plateias menos exigentes.

E assim consegui sobreviver a essa provação que é enfrentar o público, mesmo admitindo que ainda não me livrei de um  incômodo ¨tᨠao final das frases, tá, que não sei quando começou, tá, mas que provavelmente incorporei como bengala, tá, para emendar a frase seguinte, tá.



sábado, 12 de novembro de 2016

Nos tempos do Maipu


¨Na mocidade frequentava todas as noites o Maipu¨.  Foi assim que o Neni abriu a conversa na mesa ao lado. Embora a presença feminina fosse maioria naquele fórum etílico e gastronômico, a sentença do Neni foi a deixa para que os talheres e as taças de espumante ficassem de lado e toda a atenção concentrada no que seria relatado depois. Aqui convém esclarecer que o Maipu era um afamado cabaret que marcou época nos anos 40 e 50 do século passado, com diversificado e qualificado elenco de moças. Ficava no Centro de Porto Alegre e tocava tangos e boleros.  Exceto pelo cardápio musical, seria um Carmen´s Clube de hoje.

O fato de recordar o Maipu e de usar o termo mocidade são reveladores da senioridade do Neni, ele que já foi um guerreiro pegador dos mais bem-sucedidos.

Pois na mocidade o nosso amigo batia ponto todas as noites e arrastava uma asa para uma das moças mais bonitas da casa, mas não era correspondido.

- Eu era um pelado, vivia de mesada e ela dizia que de graça nem pensar.

O tempo foi passando e o Neni curtindo aquele desejo reprimido e rejeitado, até que um dia a sorte lhe sorriu.

- A moça aquela me procurou e disse que queria passar uma noite comigo.

Parece que ouvi um ohh de aprovação das colegas de mesa, enquanto o Neni continuava sua narrativa:

- Eu ainda expliquei para a moça que não tinha dinheiro para ela, nem para o quarto e o táxi, que era o mínimo que a gente oferecia nessas circunstâncias...

De novo parece que ouvi um outro ohh, mas em tom de frustração, até que Neni retomou o assunto em tom triunfal.

- Aí ela disse que eu não me preocupasse porque naquela noite era tudo com ela.

E lá se foram para um hotelzinho de encontros que existia no Menino Deus.  Era o clímax da história e dava para sentir uma tensão quase física no ar, ao redor da mesa ao lado. O clímax virou anticlímax diante da revelação de Neni:

- Na hora H, tudo pronto para uma grande noitada, eu vacilei...

O tal vacilo foi a forma atenuada de dizer que havia brochado, o que arrancou ohhs solidários de um lado e decepcionados de outro. Pior foi enfrentar a ira da parceira, como contou.

- Eu banquei tudo, motel, táxi e nem estou cobrando a minha grana e a única coisa que não podia acontecer era tua  brochada. Que papelão, não me procura mais. Aliás, nem me olha mais, - teria dito a moça, diante de um Neni envergonhado e à beira de uma depressão.

Ficou tão abatido e de tal forma preocupado com o episódio que decidiu consultar um psicólogo, pai de um amigo também frequentador do Maipu.

- Olha, acho que a não ereção se deveu a tua ansiedade, meu rapaz, - ensinou o especialista. E sugeriu:

- Faz o seguinte: consegue dinheiro com teu pai e parentes e tenta de novo com outra moça. Se não funcionar, volta aqui.

Neni seguiu à risca a receita e garante que dessa vez funcionou, sem dar maiores detalhes, obtendo mesmo assim ohhs vitoriosos das senhoras e senhoritas da mesa.

Foi então que me dei conta que tinha começado lá atrás, com um enorme fracasso, a trajetória de grandes e variadas conquistas amorosas do querido Neni. As derrotas, como se sabe, podem ser pedagógicas para os que sabem tirar delas lições para outros enfrentamentos. E foi assim que Neni havia se transformado num mestre e alvo de minha confessada inveja, eu que nunca mereci ohhs da mesa ao lado.




quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Se fosse o contrário

Um instigante exercício a ser feito é descrever como os analistas relatariam as causas da derrota de Marchezan, se este fosse o caso. Certamente falariam das suas intermináveis caminhadas pela cidade nos programas de TV, dando a entender que caminhava demais para compensar seu pouco conhecimento da cidade. A equipe de Comunicação seria responsabilizada pelo equívoco. 

Alegariam ainda que seu pavio curto se manifestava nos debates em respostas ríspidas e agressivas às investidas do adversário. Desconstituiriam suas propostas, especialmente as dos pardais denunciadores de carros roubados e a do atendimento médico por telefone.  Parece que estou lendo: ¨O eleitorado não se deixou enganar por tais propostas¨.  Mais ainda: apontariam que o fato de não assumir que fora governo no município e no Estado seria decisivo para a rejeição do eleitorado, que havia flagrado a deslealdade.

Falariam da falta de apoio explícito das lideranças nacionais do partido e do aporte financeiro dos mais ricos.  Até o porte físico em comparação com o adversário seria cotejado: ¨Ele era sempre sorridente mesmo diante de temas complexos, enquanto o oponente se revelava sisudo, preocupado com os problemas em debate¨, alguém por certo escreveria.

Não faltariam outros exemplos, mas a verdade verdadeira é que a história é escrita pelos vencedores.