sexta-feira, 23 de novembro de 2018

A propósito do Black Friday: Farofada na Fila


* Está aberta a temporada das grandes promoções, por isso reedito esse texto de 2009, mas tão atual como nunca.

Brasileiro adora uma fila, até mesmo para praguejar contra ela. Observador da cena que sou, ficava pasmo quando se aproximava o Carnaval e constatava as imensas filas que se formavam, as vésperas do início da venda de ingressos para os desfiles. É verdade que as filas carnavalescas acabaram, porque o Carnaval de Porto Alegre acabou. Antes, era uma farofada de cadeiras de praias, cozinhas e camas improvisadas, chimarrão e trago circulando de mão em mão, tudo isso pelo privilégio de serem os primeiros a adquirir os ingressos. Famílias inteiras, inclusive com bebês de colo, participavam da maratona tresnoitada, onde não faltavam garotas assanhadinhas e rapazes ativos e operantes. Tudo inútil. Sobravam ingressos, assim que a fila dos apressadinhos se dissipava.

Esse comportamento que precede os grandes eventos sempre me intrigou. Essa gente não trabalha? Se é ociosa, de onde vem a grana para os desejados ingressos? Será que não existe nada mais interessante e produtivo para passar o tempo do que marcar espaço à espera da bilheteria abrir? E a higiene desse pessoal como é que é feita? Estava ruminando acerca dessas importantes indagações e dos sacrifícios a que se submetem esses vanguardeiros, quando me caiu a ficha: é que as emissoras de TV, cumprindo uma pauta pouco criativa, estão sempre presentes para captar imagens desses grupos. Aí é festa!

Observem as imagens: sempre há alguém dormindo ou se fazendo, mesmo que o sol já esteja a pino, outros repartindo refeições e bebidas das intermináveis garrafas térmicas e uma alegria artificial de quem está recebendo o justo reconhecimento dos 5 segundos de fama a que tem direito. Não foram escolhidos para o BBB, então só resta ser celebridade na fila. Podem conferir, as imagens são sempre as mesmas, como são as mesmas as óbvias perguntas dos repórteres. “Desde quando estão aqui?” Se for antes de show de artista pop não vai faltar cerveja e um rosário de sonoras identificando as cidades de origem

Foge a minha compreensão  aqueles atropelos nas lojas dos EUA e na Inglaterra  no início das liquidações. É um comportamento que depõe contra o gênero humano. O pior é que a moda está pegando aqui no Brasil e dia de abertura de liquidação nas lojas mais populares é precedida de farofadas nas filas, com as mesmas cadeiras de praia, as mesmas garrafas térmicas, eventualmente uma barraca, gente insone, mas cheia de energia para comprar o que nem sempre precisa, mas garantir uma eventual participação televisiva. Empurra daqui, empurra dali e daqui a pouco se sobressai o fortão, carregando nos ombros uma tv de plasma, ou o casal que tenta ajeitar o refrigerador e mais os filhos numa velha Brasília. E é sempre a mesma coisa.

Estou sendo demasiadamente cruel com os hábitos populares? Pode ser, mas se um dia me virem participando de uma farofada dessas, chamem a SAMU e me internem.

*Publicado originalmente em Coletiva.net, em 8/7/2009



segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Exemplo de resistência

* Publicado nesta data no Coletiva.net

Mesmo com o encolhimento de uns anos para cá, não é exagero afirmar que  a Feira do Livro é o maior acontecimento anual de Porto Alegre. O encolhimento, pela diminuição de barracas e concentração de todas  as atividades na Praça da Alfândega,  acho até que  foi benéfico para a Feira na medida em que facilitou a circulação e interação das pessoas.  De minha parte confesso  que gosto tanto da Feira que, se pudesse, passava todos os dias lá, o que ocorria quando trabalhava no Centro Histórico. Sempre dava um jeito de escapar até a praça  para esgravatar as caixas de sebos e olhar invejoso para as estantes cheias de livros e, melhor ainda, tomar um chope ali perto no fim da tarde,

Entretanto, nego peremptoriamente que tenha participado da primeira Feira, em 1955.O idealizador do evento foi o jornalista e depois vereador Say Marques, que era diretor do extinto Diário de Notícias, da rede Associada – a Globo da época. Na época, eu tinha cinco anos apenas. Na verdade, começam pelo visionário jornalista  as minhas afinidades com a Feira, uma vez que ele era amigo do meu pai, que o tratava reverentemente como “dr. Say Marques”;  depois, porque tive o privilégio de trabalhar com a filha dele, a competentíssima Rosana Orlandi, primeiro na TVE e mais tarde na RBS TV, onde produz o Galpão Criollo.

Porém, foi quando passei a trabalhar na também já extinta Folha da Tarde, em meados da década de 70 do século passado, que comecei a frequentar a Feira regularmente.  Da redação na Rua Caldas Junior à Feira era um pulo e não havia como ficar indiferente às barraquinhas instaladas ao longo da praça.  Lembro bem o primeiro livro que adquiri. Foi  O Príncipe, de Maquiavel, que ainda faz parte da minha modesta biblioteca e é consultado sempre que necessário,  esse verdadeiro manual da arte da política. Línguas ferinas e adversários invejosos insinuam que adquiri o livro errado, que estaria à procura de O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry e me “principitei" (sim, com direito a trocadilho) levando O Príncipe. Nego peremptoriamente de novo. Mais tarde também incorporei o Pequeno Príncipe ao meu acervo para que ficasse à disposição dos filhos. 

Desde aquela pioneira incursão, minha relação com a Feira se diversificou. De leitor passei a me envolver mais diretamente com a organização por conta das minhas atividades profissionais, seja na TVE, seja na Prefeitura de Porto  Alegre. Por fim, o envolvimento foi como autor, com direito a quatro sessões de autógrafos.

Em todas as formas de relação, a obsessão pela aquisição dos livros se mantém, embora ainda não tenha batido o recorde de cinco anos atrás quando levei para casa  mais de 30 livros, entre lançamentos e saldos. Este ano já adquiri Um Gato Que Se Chamava Rex, de Lucas Barroso (um exemplar para cada neta, Maria Clara e Rafaela),  Estrada, Meu Humor, do Jorge Estrada, uma coletânea de histórias e gafes da radiofonia, A Historia de Djalma  Beyer, escrito pelo filho, jornalista Márcio Beyer, sem contar o também biográfico Ayrton Patineti dos  Anjos, com a assinatura de Márcio Pinheiro e Roger  Lerina, lançado pouco  antes da  Feira. Recomendo todos, assim como a edição das charges de Sampaio, Ria Por Favor, organizada pela filha Maria Lucia Sampaio, obra distribuída  gratuitamente na barraca da Associação Riograndense  de Imprensa.

Vou revisitar a Feira para levar pelo menos mais duas obras: O Senador Acaba de Morrer, um retrato da carreira  do senador Pinheiro Machado por seu sobrinho-neto, José  Antonio Pinheiro Machado, também conhecido por Anonymus  Gourmet, e o novo romance da bela e  talentosa Letícia Wierzchowski, O Menino Que Comeu Uma Biblioteca, com autógrafos nesta terça-feira. Preciso  resgatar também Revolução Cidadã, legado deixado pelo queridíssimo Cezar Busatto. Além disso, fico na expectativa de mais dois lançamentos, extrafeira: Cavalos e Armas, terceiro romance, já em pré-venda, de Gustavo Machado, dono de um dos  melhores textos  que conheço, e o segundo livro do meu amigo da adolescência, Léo  Ustarroz, o  instigante  Resgate em Pamplona, que tive a honra  de prefaciar.


Ainda sobre a Feira, é importante enfatizar que ela  transcende a crise do mercado livreiro e o crescente descaso que o poder publico passou a dedicar aos eventos culturais, inclusive em Porto Alegre, que se orgulhava da sua efervescência cultural. E já que o termo está na moda, resistência de verdade é com a Feira do Livro. Longa vida a ela.