* Publicado nesta data em coletiva.net
- Se você disse alguma
coisa não entendi muito bem,
Essa voz do além, em
forma de advertência, me persegue e constrange nos momentos mais inoportunos:
numa palestra importante, numa reunião decisiva, no transporte coletivo lotado.
É uma voz feminina que surge do nada, porque não lembro de ter acionado algum
comando do celular que justifique a vinda dela lá da nuvem onde estava
homiziada. Ato contínuo tento neutralizar o som, mas como não sou manso na
operação do celular, isso se revela inútil.
Além de invasiva, ela parece ter dificuldades de audição e eu é que passo a receber olhares de
reprovação dos circunstantes. Não faltam risinhos debochados. Bota vergonha
nisso.
Já passei por situações
mais constrangedoras ainda por causa de
certos áudios. Em evento para jornalistas, estava a me exibir para uma moça do
interior quando recebo uma mensagem pelo
Whatsapp e decido verificar do que se tratava. Era o auge de uma relação
sexual, com gritos histéricos da parceira. Eu devia desconfiar que aquele
bandalho só me mandava mensagens de natureza erótica ou piores. Resultado: o exibimento acabou, ainda
mais que a moça, olhou a tela e sentenciou:
- Bah, mas o que é isso?
Que pouca vergonha!
Jogue a primeira pedra
quem já não passou por uma situação
parecida, mas sejam honestos. Jogue a primeira pedra também quem nunca replicou uma mensagem repleta de sacanagens para o endereço errado,
o grupo da família, o chefe carola ou para aquela amiga para a qual você faz
olhinhos com pretensões maldosas para o futuro.
Menos mal que agora o Whatsapp implantou o dispositivo que permite
deletar as mensagens, mas o bagaceira tem que ser ágil.
Um assunto puxa outro e
acabo perdendo o foco, talvez perturbado pela lembrança dessas situações
vexaminosas. Na verdade, queria falar do empoderamento feminino pelas vozes das
assistentes virtuais, tipo a que me atormenta em momentos indevidos. A Siri, da
Apple, a Cortana, da Microsoft, a Alexa, da Amazon são algumas das mais populares. O Bradesco tem a Bia, a Oi a Joice,
a Vivo a Vivi, o Carrefour a Carina e por aí vai. Maravilhas da Inteligência
Artificial. E tem a voz anasalada do
GPS, aquela que pede para a gente virar à direita, a esquerda a 100 metros...
Registre-se que são nomes majoritariamente femininos, a
exceção do Theo, da Sicredi e criou-se
uma dúvida, pelo menos para mim, em relação ao gênero do dispositivo Echo, da
Amazon, que sugere um nome masculino, mas que tem na Alexa a assistente virtual
para comandos de voz em português. Isso me leva a suspeitar que se trata de um
dispositivo trans, o que faz sentido nestes tempos de plena aceitação da diversidade.
E, de novo, estou a
divagar, escapulindo do tema do empoderamento feminino pela voz das assistentes
virtuais. A razão para a preferência das mulheres, segundo estudos acadêmicos
nos EUA, seria porque as vozes femininas são mais acolhedoras e geram empatia.
Outro argumento dá conta de que o cérebro é desenvolvido para gostar mais de
vozes femininas. A predisposição se originaria desde cedo, já que os bebês atendem mais a uma voz feminina,
mais compreensiva, do que a masculina,
que teria um quê de autoritária.
Há controvérsia, porém.
Os tiques vocais das mulheres, apontam outros estudos, são criticados com mais
frequência do que os dos homens. Teria ainda uma motivação mais cultural: a
escolha das vozes femininas seria um caso de machismo, uma vez que as
assistentes virtuais são criadas para seguir ordens e, assim, a mensagem que
fica é a de que as mulheres seriam subservientes aos homens. Como são homens
que geralmente criam essas assistentes, com vozes e nomes femininos, isso
refletiria como os homens enxergam as mulheres: elas não são totalmente
humanas. “Seria, portanto, uma extensão
da objetificação feminina”. Bah! Coloquei entre aspas e me apresso a informar
que a opinião é da inglesa Kathleen Richardson, especialista em Ética e Cultura
da Robótica da De Montfort
University Leicester (Reino Unido)
A academia tem tempo e disposição para esses debates controversos,
cujo resultado, ao fim e ao cabo, é nenhum. E como no caso da voz do além,
confesso que não entendi muito bem os argumentos.
Ah, eu queria falar ainda
da Iris Lettieri, dos aeroportos a voz mais bela, mas acho que já esgotei o
espaço e a paciência de vocês.