sábado, 23 de junho de 2018

Pra não dizer que não falei no Neymar


As atuações e o comportamento de Neymar estão dividindo mais os  brasileiros do que coxinhas e petralhas. Por isso mesmo não tenho dúvida em escalá-lo, ao lado de Cristiano Ronaldo e Messi, nas figurinhas douradas do meu álbum da Copa até  aqui. O CR7 dispensa justificativas e Messi figura neste pódio  porque sua trajetória em copas tem a dramaticidade de um tango, com o perdão do clichê. E aí a comparação com seu predecessor Maradona é inevitável. Carreira por carreira, sem maledicência, a de Maradona na seleção argentina dá de dez na de Messi.

Mas falemos de Neymar, o menino Ney como passou a ser chamado, não sei se carinhosamente ou de forma debochada. É assim a vida de Neymar no momento: motivo de acaloradas opiniões contra a e favor. O pênalti desmarcado contra a Costa Rica existiu ou foi mais teatro? O choro após o jogo foi sincero ou mais uma encenação? São apenas dois exemplos das polêmicas que as atitudes de Neymar provocam.

Fui buscar nas redes sociais, ainda sob a adrenalina do sufoco que foi o jogo contra a Costa Rica, uma seleção de frases sobre o desempenho do menino Ney, frases espirituosas algumas, cruéis  outras, de gente que não quer saber se ele  ainda está fora de ritmo ou se ressentindo das pancadas dos adversários.

A maioria das postagens faz referência ao cai-cai do craque, como esta, cujo autor desconheço: “A sorte de Neymar é que ele joga ao lado de Jesus. Cada vez que ele cai, Jesus fala: ‘Levanta-te e anda’. Mais esta: “Esse meu Brasil é um cai, cai, quando o Ney não cai, o Tite cai”. (Euzebio Francisco). ” O Neymar em pé faz um gooooool!!!!”(Luiz Gustavo Bordin). Mais uma nessa linha, dura não apenas com o  jogador: “Neymar cai. Tite cai. Temer que é bom, nada.” (Niria Steckel). 
Aproveito o gancho da postagem da Niria para lembrar a postagem que cometi: “Desse jeito o Neymar vai bater o Temer em rejeição.” Meu amigo Claudio Mércio pegou mais pesado ainda: “Eu não tenho vergonha de ser brasileiro. Eu tenho vergonha é do Neymar “. Nada, porém, superou a imprensa britânica que classificou o comportamento do atacante com quatro adjetivos depreciativos: “Mimado, resmungão, dramático e trapaceiro”

De minha parte ainda tentei ser condescendente, comentando numa postagem do Juremir Machado, que “o problema do Neymar é  que  não tem consciência da grandeza dele”. Para comprovar  que o assunto divide opiniões, fui contraditado em seguida num comentário de Silvana Superti: "O problema do Neymar  é que ele não tem consciência da pequenez dele. Infantil, arrogante e desonesto".  Na linha dos britânicos...
O caso recebeu inclusive versões ideológicas nas redes. Tem gente garantindo que Neymar age como um direitista fanfarrão e, para outros, por ser muito reclamão só pode ser esquerdista.

A verdade é que o menino Ney tem boas chances de se recuperar diante de seus mais ferozes críticos. Basta se manter mais tempo em pé, marcar mais alguns gols e contribuir decisivamente para o hexa. Já o Temer, citado e comparado aqui, nem a seleção campeã salva.





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quarta-feira, 20 de junho de 2018

Reflexões em tempo de Copa


As duas funções que mais evoluíram no futebol foram as do goleiro e do árbitro. Por motivos diferentes, é óbvio. O goleiro é o mais privilegiado dos  jogadores porque é o único que pode jogar com as mãos  e  também é  o único a contar com um treinador só para ele,  o que talvez explique a evolução desses profissionais da bola. Entretanto, é no uso dos pés em saídas de bola mais qualificadas, ao invés dos chutões  a deus dará, que ocorreu mais um fator  de diferenciação dos goleiros. O futsal já  usava essa estratégia do goleiro-linha e no futebol acredito que o alemão Neuer a consagrou na Copa  de 2014. Pelo menos, foi a primeira vez que assisti a um goleiro tão adiantado e tão desenvolvo  nas saídas da área, no jogo Alemanha x Argélia, no Beira-Rio.

Segundo os estudiosos do tema, a grande transformação que fez com que o goleiro fosse visto como um jogador a mais, começa a partir  de 1993 quando a Fifa proíbe que ele agarre com a mão as bolas recuadas pelos companheiros.  O objetivo era acabar com o antijogo, mas o resultado superou a isso, obrigando o goleiro a ser hábil com os pés e gerando novas possibilidades para seu time.

Antes disso, o futebol brasileiro já começara a se livrar da fama de não ser um grande formador  de goleiros, fama originada talvez no histórico de duas excepcionais seleções  nacionais contarem como titulares no gol com profissionais inconfiáveis, para dizer o mínimo, no caso  Félix (1970) e Valdir Peres (1982). É bem verdade, também, que desde as peladas na infância nossa vocação ofensivista reservava aos “perebas” a alternativa de ser goleiro, exceto se o garoto fosse o dono da bola.

Aí veio a era “vai que é tua Taffarel” nas três copas dos anos 1990 e o Brasil passou a ser exportador de craques no gol, a começar pelo próprio Taffarel,  hoje o treinador de goleiros da seleção, que saiu do Inter para os italianos Parma, depois Reggiana e mais tarde o Galatasaray (Turquia).  Não dá para esquecer de Rogério Ceni, o goleiro artilheiro do São Paulo.  Essa geração resultou numa linhagem de grandes goleiros, que se dá ao luxo de deixar Marcelo Grohe fora da seleção. Vale  lembrar que dois dos três convocados para a posição atuam no exterior, Alisson no Roma  e Éderson no Manchester  City.

Já o árbitro ganhou nova dimensão graças a tecnologia, que, afinal, chegou ao futebol, vencendo a resistência dos velhinhos da International Board, o órgão da FIFA que dita as regras do futebol. O VAR (o árbitro assistente de vídeo, em tradução livre)  e o chip, que alerta se a bola ultrapassou ou não a linha de  gol, já foram apelidados de “paraquedas das arbitragens”, embora para os críticos seja mais gente cometendo erros.

Graças a interferência do VAR quatro pênaltis foram confirmados pelos árbitros na Copa até agora.  A aplicação do sistema, entretanto,  ainda é controversa e as incidências do jogo Brasil x Suíça servem de exemplo, no caso pela omissão.  Por outro lado, a controvérsia reduz  o temor dos mais fanáticos de que essa tecnologia acabaria com as acaloradas polêmicas em torno de lances duvidosos. E, dessa forma, os árbitros que deveriam ser figuras secundárias no jogo  (“árbitro bom é o que  não aparece”, é uma das máximas do futebol), foram guindados à posição de grandes destaques, merecedores, já há um bom tempo,  de credenciados observadores da sua atuação nas coberturas esportivas de rádio e tv.

A verdade é que todos os méritos dos goleiros e  os eventuais acertos do arbitro caem por terra  quando um e outro falha. No caso do goleiro, vale de novo o exemplo do Brasil: Alisson, de grandes atuações até aqui, teve a  reputação arranhada por não ter saído do gol e interceptado o cruzamento que resultou no empate  da Suíça. Já os árbitros são historicamente  responsabilizados quando o resultado não favorece ao time para  o qual se torce. O VAR pode  ajudar, mas não resolve tudo, porque a decisão da arbitragem em campo sempre estará sujeita ao fator humano, até  mesmo se deve ou não acionar o sistema.

Assim, o arbitro e o goleiro não escapam à grandeza ou à desdita do futebol, ditadas sempre pela emoção que move milhões de entusiastas pelo mundo todo.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Anotações da Copa de 94


Texto resgatado e atualizado a partir do original publicado em 28/06/2012. A propósito, vai ter Copa novamente nos EUA.

O repórter de campo anuncia no meio do jogo Grêmio x Flamengo, naquele 24 de junho de 2012:

- Vai entrar Matheus. Ele é filho de Bebeto e era o recém nascido saudado no gesto do “nana, nenê” pelo pai,  no jogo contra a Holanda na Copa de  94.

A informação foi suficiente para  voltar  no tempo e avivar minha memória, eu que era um dos tantos brasileiros presentes no velho estádio Cotton Bowl, de Dallas, e me vi torcendo descaradamente pela seleção do Parreira, contrariando minha índole de cronista esportivo sempre tão contido. Estava a serviço, pela Rádio Gaúcha,  e o jogo Brasil x Holanda, pelas quartas de final,  foi um dos dois únicos a que assisti ao vivo, em estádio em uma Copa, e que jogo! – o outro foi Arábia Saudita x Suécia, no mesmo Cotton Bowl, com Renato Marsiglia no apito.

1994: depois de coordenar quatro copas do mundo na retaguarda fui finalmente escalado para a Copa dos Estados Unidos.  Quase não cheguei lá.  No voo intercontinental , ainda no tempo da saudosa Varig, Varig, Varig tive uma  queda de pressão tão forte que pensei que ia retornar  ao Brasil num pijama de madeira, encoberto pelo pavilhão nacional e da RBS. Em frações de segundos passou o filme da minha vida e eu me desesperei só de pensar que não veria mais meus filhos.  O atendimento dos comissários, entretanto, foi eficiente e eu ainda contei com a assistência de uma verdadeira junta médica, um grupo de profissionais paulistas reunidos a bordo rumo a um congresso nos EUA.  Logo me recuperei, mas o companheiro de viagem e de uma jornada de 52 dias em Dallas não sossegou. A cada movimento meu, nos desconfortáveis bancos da classe econômica, o engenheiro Gilberto Kussler tinha um  sobressalto.  Mas sobrevivemos os dois.

Durante a Copa, convivendo a toda hora no nosso estúdio do Centro Internacional de Radiodifusão, em  Dallas , o nosso Giba, gringão de Casca, profissional dos bons, tanto assim que hoje presta serviços a rede Globo de rádios,  tinha, porém, momentos de rabugice especialmente quando eu escapava para fumar.  Mas quando os trabalhos se encerravam lá pelas 10 da noite,  era um grande parceiro para jantar e tomar uma cervejinha.

Numa dessas incursões noturnas descobrimos o London, London ,um restaurante ao lado do nosso hotel com uma comida maravilhosa, cerveja sempre gelada e atendimento atencioso.  Atencioso até demais, eu diria.  Já na primeira noite, o garçom perguntou se gostaríamos de ficar num lugar mais reservado. Recusamos a oferta e tratamos de comer, beber e, cansados da longa jornada, nos recolhemos logo ao hotel.  No segundo dia, voltamos ao restaurante e foi aí que notamos a estranha movimentação de casais do mesmo sexo nas mesas. Homem com homem, mulher com mulher em discretas mas intensas confraternizações.  A essa altura o garçom já estava imaginando que o alemão Kussler e eu formávamos mais um casal gay. A verdade é que a comida e a bebida do London, London caíram no nosso gosto e, até pela conveniência  e pelo preço da refeição, continuamos a frequentar o local, se bem que evitávamos manifestações mais expansivas, mantendo sempre uma postura circunspecta, como convinha.

Nosso hotel era o Melrose,  uma construção vitoriana na entrada do bairro que lhe empresta o nome. O bairro de Melrose é uma espécie de mistura de Cidade Baixa com Bom Fim de antigamente, zona boêmia de Dallas, de muita diversidade em todos os sentidos.  O hotel tinha um dos melhores bares do gênero em todos os EUA, frequentado pela fina flor de Dallas, mas nas sextas e sábados transformava-se num treme-treme pelas festas particulares e de empresas, que bloqueavam um andar inteiro para os executivos e suas acompanhantes.  Se aqueles corredores, elevadores e quartos falassem...

Minhas reminiscências daquela Copa   da estada no Texas me obrigam a voltar ao jogo Brasil x Holanda para afirmar, sem dúvida, que o juiz da Costa Rica garfeou o time laranja, não marcando pênalti de concurso do Mauro Silva.  Na real, seria uma injustiça perder aquele jogo épico, depois dos belos gols de Romário, Bebeto – o gol da cena do “nana,nenê” – e daquela falta cobrada pelo Branco, um canhonaço que garantiu a vitória.

À noite, as ruas centrais de Dallas foram invadidas por torcedores do Brasil e da Holanda,  estes com suas lindas loiras e homens de cabeleiras laranjas, numa saudável confraternização, regada a muita cerveja.

Hoje, passadas cinco Copas, pergunto  quantos estádios os Estados Unidos construíram para o mundial de 94? Depois da hesitação do interlocutor, respondo: Nenhum! Os americanos deram um trato em seus velhos estádios, adaptaram para o futebol os campos destinados a outros esportes, enveloparam antigas instalações e a sempre exigente FIFA não chiou na época, aceitando tudo em nome da abertura de um novo e promissor mercado para o futebol.

Em compensação, os aeroportos, a hotelaria, os outros serviços dos EUA...

domingo, 10 de junho de 2018

O misterioso KA

A  rua Osmar Meletti, onde moro há mais de 35 anos no bairro Espírito Santo, é uma via sem saída, de um lado cinco casas e do outro a praça Lagos, que deve ser uma homenagem à capital da Nigéria.  A morada dos Dutra é  a última da rua, em frente a um largo que serve de espaço para o estacionamento de um bom número de carros, especialmente  quando recebemos visitantes para o churrasco dominical.  Quando  nos mudamos era a rua 8 da Vila Esplanada, mas achava de péssimo gosto morar numa rua com nome de número, por isso consegui por meio de meu irmão Luiz Vicente, então vereador, homenagear meu ex-colega de rádio Guaíba, recém falecido, com o nome da charmosa rua.

Nada de mais acontece na Osmar Meleti, sumiram até  os maconheiros que se reuniam todas as noites sobre a figueira na calçada da praça e garantiam, pela presença ostensiva, uma boa segurança ao local.  Hoje, a movimentação se resume ao caminhão do lixo e ao segurança com sua moto, cada vez menos  frequente nas suas rondas, além é claro do entra e sai dos poucos moradores.

Essa monotonia tem sido quebrada de um  tempo para cá pela presença de um misterioso automóvel KA.  Cinza perolizado, modelo dos antigos, tipo Kinderovo, o pequeno carro não tem hora para estacionar junto aos  três pinheiros  que  fazem as  vezes de portal para a praça. Num fim de tarde, em dia de semana,  penso ter visto um rapaz rondando o veículo e se esgueirando para o matagal da área verde. Outra vez acredito que era uma moça, vestindo calça jeans e camiseta, a figura  que saiu da porta do motorista, deu volta no carro pela traseira e retornou pelo lado do  carona. Mas foi só essa a exposição que tiveram aqueles que, por minhas observações, concluí  tratar-se de um casal nos moldes tradicionais, ou seja, homem  e mulher. Um misterioso casal, que escolheu meu canto no mundo para seu relacionamento quase diário.

O que fazem quando estão juntos, compartilhando o exíguo espaço do KA por mais de hora? Deduzi, pelas sacudidelas frenéticas do carro, em outra observação do alto da minha janela, que a dupla estava se exercitando sexualmente. E exercitando é uma definição adequada para o evento, na opinião abalizada de quem adquiriu alguma experiência nessa prática em Fucas, o avô dos Kas no ítem desconforto. Só que isso foi no passado e em locais que hoje até forças de segurança frequentam  com o devido cuidado. Os tempos mudaram desde então e os motéis se disseminaram pela cidade, não havendo, portanto, razão conhecida para encontros tão insólitos e em ambientes tão naturais.  

Por que o casal do KA insiste em desafiar as convenções e em agir assim? Que são eles? De  onde vem? A relação implica infidelidade? De  qual dos  parceiros? A escolha do local e a forma como transam é uma espécie de fetiche?

Faço esses questionamentos cada vez que observo o KA estacionado e imagino o casal, digamos, interagindo corporalmente. Até pensei em abordar a dupla e tentar descobrir o mistério que  envolve a presença dela, com tanta frequência,  junto a minha morada. Desisti, porém, da abordagem,  um tanto por  respeito à privacidade que todos os amantes merecem e outro tanto para não me privar de exercitar a ficção que a presença deles está me proporcionando.

Na verdade, preciso confessar que ajo assim como um tributo ao amor, transgressor que seja. Não parece, mas lá  no fundo sou um romântico.