segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Festival da mesmice


* Publicada nesta data, no portal Coletiva.net
Recordo que admiti em coluna anterior que sou um telespectador assíduo do horário eleitoral, de preferência o noturno. Maledicentes dirão que , na verdade,  só acompanho porque estou esperando o capítulo da  novela. Nada disso. Meu interesse é focado em avaliar como os candidatos estão respondendo aos temas que marcam a atual campanha.

Já transitei por todos os lados  dos balcões em campanhas  eleitorais e me interesso particularmente pelas formas e conteúdos desses períodos. A conclusão a que  cheguei em relação ao processo deste ano,  nas  aparições dos candidatos  proporcionais,   não me surpreendeu: trata-se de um festival de mesmices. Para não ferir a severidade da legislação, não vou, nominá-los.  Começo, porém, com  a observação sobre um candidato a cargo majoritário.  O sujeito, digno representante de um  partido nanico de  extrema, propõe no seu espaço a extinção do Senado, para o qual se candidata. É bem verdade que pelos dados  das pesquisas eleitorais  ele não tem a mínima chance de chegar lá.

Por mais estranha e contraditória   que pareça  a proposta, nem isso é novidade.  Um dos nossos atuais senadores defendia com veemência no passado o fim do sistema bicameral, até se eleger e reeleger para a Câmara Alta, uma comprovação  de que a coerência não é e não tem sido a marca dos candidatos em campanha.

Mas é nos espaços dos postulantes à Assembleia e à Câmara que ocorrem as mais  criativas manifestações. Só que não. Em duas ou três rodadas da  propaganda política obrigatória, de todos os partidos, contei quase uma dezena do impositivo “Vem comigo”, outro tanto do  suplicante  “Preciso de teu voto” e, igualmente, dos pretensiosos “Serei teu representante na...” ou “Juntos faremos a diferença” e do duvidoso “Sou ficha limpa”, que vem superando o tradicionalíssimo “É hora da mudança” e suas versões.

Pela “saúde, educação e segurança”, não necessariamente nesta ordem,   é top10 entre as propostas defendidas, só que os que dizem que vão lutar contra a criminalidade, a maioria  com formação policial ou militar, inflacionaram as nominatas  de candidatos. Estão dando de goleada nos defensores dos direitos  animais, que vinham ganhando espaço e elegendo representantes.

Observo, por outro lado o surgimento de uma nova categoria de candidatos: o candidato com naming rights e não  estou falando daquela bobagem de agregar Lula ao nome, mas de uma espécie  de patrocínio ou vinculação empresarial/funcional. Juro que ouvi uma fulana se anunciar como “a da Severo Roth”, outra a “do  Trem”,  dois outros como o “da locadora” e o ”da borracharia” , sem contar com aquele que se apresenta como o do “ (primeiro nome do candidato) do (sobrenome do prefeito...)”. O “dono” do candidato é um prefeito da Região Metropolitana.

E tem ainda os que abusam das pobres rimas ricas, coisas do tipo “sim” com Jardim, “caminho” com Toninho, “depois” com 22,  “engane” com Rejane e por    vai. Essas possibilidades de rimas é que me tiram qualquer pretensão, se um dia tive, de me candidatar a cargos  públicos. A rima  com Dutra poderia resultar  em...deixa  pra lá.

Sei que não  dá para fazer milagres em cinco segundos, mas ficar repetindo os mesmos bordões de sempre não vai ajudar às candidaturas, que precisam de  diferenciais diante da enorme quantidade de concorrentes. A questão é:  com mais tempo quantas  bobagens mais diriam nossos candidatos? Pensando bem, a lei eleitoral  foi sábia neste sentido.




quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Ah, eu sou gaúcho!

* Publicada originalmente em 20/09/2011

O chimarrão não faz parte dos meus hábitos. Jamais usei bombachas ou qualquer adereço gauchesco. A única vez que montei a cavalo quase me fui com montaria e tudo Caracol abaixo, em Canela. A vida campeira não me atrai e só uso faca afiada para a preparação do churrasco e nisso, modéstia a parte, sou competente. Ah, e não morro de amores pela Polar e por qualquer outro produto ou atitude que demonstre nosso ufanismo gaudério.

Esse distanciamento de algumas de nossas mais caras tradições e hábitos, tão exacerbados no 20 de setembro, não me tornam menos gaúcho do que o taura pilchado que desfila orgulhoso. Ainda me emociono com os acordes do Hino Riograndense e reconheço no cancioneiro do chamado nativismo jóias raras de poesia, que também mexem com a minha sensibilidade. “Guri”, de João Batista Machado e Julio Machado, é uma delas, de preferência interpretada por César Passarinho. Outro dia me deu nó na garganta na chegada da Cavalgada dos Mil Dias para a Copa, quando Elton Saldanha recebeu os cavalarianos entoando “O Rio Grande a Cavalo” - Lá vem o Rio Grande a cavalo/entrando no M'Bororé/là vem o Rio Grande a cavalo/que bonito que ele é.

É impossível renegar as origens e não ser contaminado pelo ambiente de exaltação do gauchismo que, registre-se, cresce como compensação, na medida em que o Rio Grande perde poder e espaço no contexto nacional. Talvez seja o momento de avaliar também porque um movimento que foi derrotado em armas, embora vitorioso na permanência dos seus ideais, seja tão exaltado e reverenciado, enquanto outros movimentos bem sucedidos, capitaneados por gaúchos, como a Revolução de 30 e a Legalidade, não tem o mesmo reconhecimento e a mesma força de aglutinação dos gaúchos. Estaria faltando um Paixão Cortes, um Barbosa Lessa e seus pioneiros da retomada do gauchismo para reconstruir esses momentos da nossa história e criar novas razões para nos orgulharmos?

Como História e Tradição escapam do meu campo de conhecimentos, repasso a questão para os especialistas, antes de reafirmar, com algum recato e muito orgulho: Ah, eu sou Gaúcho!

sábado, 15 de setembro de 2018

Sim, eu sou gremista

* Reeditado do original publicado em agosto de 2012.

Ainda hoje encontro gente que se surpreende quando revelo minha predileção pelo Grêmio.  Até já ouvi  uns “jurava que tu eras colorado”. Será que consegui enganar tão bem nos tempos em que militei na chamada crônica esportiva, algo como 30 anos de atividades em rádio, TV e jornal? É bem verdade que eu não tinha a visibilidade – e nem a cobrança permanente – do pessoal de microfone e de vídeo, mas era prudente afetar uma neutralidade para o público externo porque o interno sabe quem torce para quem.  

Sim, sou gremista, o único numa família de oito irmãos.  Por sorte, minha infância e adolescência se deram em tempos de Grêmio vitorioso nas décadas de 50 a 60 do século passado e, assim ,não fui muito vilipendiado pelos outros irmãos.

Hoje posso afirmar, cheio de orgulho, que em nenhum momento em minha carreira jornalística a predileção clubística teve influência para beneficiar ou prejudicar esse ou aquele clube. Talvez até fosse mais severo e exigente com o time do coração. Ou seja, não era neutro, mas buscava obsessivamente a isenção.  Não posso dizer o mesmo de alguns companheiros com os quais convivi, embora a maioria estivesse mais comprometida com o seu trabalho e com o veiculo em que atuava do que pender para esse ou aquele lado. E vamos combinar que isso não era,  e continua não sendo, tarefa fácil num ambiente grenalizado como o nosso e, por isso mesmo, marcado pelo emocional.

Agora, me permitam nesses tempos de supremacia das redes sociais e quando já estou bem longe das redações, extravasar o meu gremismo, o que procuro fazer de forma bem humorada e, às vezes, provocativa, mas sem baixarias e sem radicalismos. E aceito numa boa as flautas, sem as quais, o futebol não teria a menor graça. Mas não perco o sono nem o humor com as eventuais fases ruins do tricolor, que, aliás, já não tem sido tão frequentes.   Por isso, podem flautear a vontade, mas aceitem as cutucadas em contrário.  Fora desse contexto, vira doença, requer tratamento e, mesmo o futebol, com toda a sua força e encantamento, não vale o prejuízo. Um abraço imortal a todos, neste 15 de setembro, 115 anos de Grêmio.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Mania bem brasileira


*Publicado no Coletiva.net em 10/09/2018

Conheci o CEO de uma importante empresa que mantinha um relacionamento em paralelo com a vistosa assistente dele. Ao ser questionado sobre as implicações do caso, aliás, de conhecimento geral, saiu-se com essa justificativa:

-  Ela transa é com a instituição , - dando a entender que a moça oferecia  seus favores sexuais  mais à pessoa jurídica  que ele representava do que à pessoa física. Era uma alpinista social,  se bem que  a pejotização sexual já não é mais novidade nos ambientes corporativos.

Desde então o bilao (também apelo para os apelidos, de vez  em quando) do referido CEO  ficou conhecido  como “ a instituição”. O  código logo passou a ser compartilhado por outros diretores, também bandalhos,  da instituição, digo, da empresa, nos seus relacionamentos extraconjugais.

É  bem brasileira essa mania de usar eufemismos e epelidos ou mesmo expressões tidas como sofisticadas para tudo e  para todos. Gourmetizaram a linguagem muito além do natural dinamismo da língua. Isso ocorre sobretudo na imprensa esportiva. Cada vez mais observo o uso de termos que no meu tempo de  aplicado repórter setorista  soariam como pedantes. As entrevistas do técnico Tite na Copa eram recheadas dessa gourmetização e até hoje estou tentando descobrir, por exemplo,   o que é, do que se alimenta e onde habita o tal “externo”. Acredito que  seja o antigo ponta, mas vá  saber!

A reportalhada acaba adotando os  termos e de tanto repetirem,  eles, os termos,  se incorporam ao linguajar do dia a dia. Um exemplo clássico é o tal “desconforto muscular”, que ouço num programa esportivo sim, noutro  também. Não resisto novamente a cotejar com a  forma que usávamos no passado, quando existiam duas gradações de lesões musculares, dependendo da quantidade de fibras rompidas: a distensão, que era um problema sério e sua versão menos grave, o estiramento.  Todo o resto era contusão.

E as novas funções nas comissões técnicas, que fazem a alegria dos  cronistas mais eruditos? Eles adoram falar na importância dos fisiologistas ou dos  analistas  de desempenho, símbolos da modernidade do futebol. Bandeirinha virou “assistente” e aqueles auxiliares  que ficam atrás  do gol  atendem pelo pomposo título de “adicionais”, embora para estes eu prefira a definição do  Pedro Ernesto Denardin, que batizou os sujeitos de samambaia – apenas enfeitam o ambiente.  Já o antigo marrecão agora é  gandula e os aspirantes do passado  se transformaram no “time alternativo”.  Gourmetizaram as funções no futebol! Suspeito, mas não tenho certeza, de que seja mais um efeito do politicamente correto.

Pode parecer conservadorismo, mas ainda prefiro simplicidade nas terminologias, nas definições e nas explicações, para que  sejam mais substantivas e menos adjetivadas. Isso me remete a resposta de um conceituado escritor ao cronista estreante, sedento de elogios e falsamente modesto, que pediu uma “critica severa” sobre seus textos.

- Um influente  líder  politico brasileiro, de minhas relações,   considerava sem sentido quando alguma autoridade anunciava que ia instaurar “um rigoroso” inquérito. Para ele o inquérito  devia ser apenas um inquérito, isento e sério.  O rigor  não caberia.

E completou, direto ao ponto, num exemplo de como  uma única palavra muda tudo:

- Posso te assegurar que vou seguir a linha dele e fazer uma crítica sincera, pois severo não combina muito comigo...

Pois é, severo e sincero rimam, mas não combinam. Até concordo em latitude e longitude   com a assertiva, mas conhecendo a natureza humana e a qualidade dos textos em análise, acredito que o tal cronista  preferiria a  forma do elogio fácil.  Afinal, um pouco de cinismo nunca fez mal a ninguém.


segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Sempre as segundas e não me deixem só

* Coluna de estreia no Coletiva.net

Um novo contato com a Márcia Christofoli confirmou-se, como já havia denunciado em artigo anterior, como uma cobrança impositiva: “Olha aqui, é a Márcia, tô  te ligando pra comunicar que a partir  de agora contamos com tua participação semanal às segundas-feiras no Coletiva. Não aceito recusas. Quando vais mandar a primeira coluna?”

Não foi bem assim, mas não me tirem a possibilidade de dar dramaticidade  ao contato. E claro que ela  foi propositiva,  convincente, sem pausa sequer para um  respiro.

E aqui estou,  com um duplo, talvez  triplo, desafio: substituir o Ernani Ssó, sem ter a erudição e o talento dele, dividir as segundas-feiras com a mestra  Cris de Luca e escrever um texto minimamente atraente no dia internacional do azedume . Peço licença aos outros colunistas – Marino, Fraga, Roger, Paiva, Marcia, Grazielle, Elis, José Antonio, assim, já  afetando intimidade - , que honram este espaço nos dias menos rabugentos  e vou me achegando.   Sou de paz, normalmente bem humorado e só as vezes ligeiramente provocativo.

Gostaria mesmo de ser inspirado  como a Fernanda Yuong e o maridão Alexandre Machado que, entre outros  sucessos televisivos,  fizeram da segunda-feira um divertido personagem  no seriado Odeio Segundas, exibido no GNT entre 2015 e  2016.  A própria Fernanda interpretava a Segunda-feira, costurando com sua narração a  trama situada  em um ambiente corporativo.  Marisa Orth liderava o elenco e cada episódio se passava - é obvio - em uma segunda-feira, dia em que – é claro -  coisas atípicas ocorrem,  causando – por certo - mal entendidos e  confusões no escritório, afinal é Segunda-feira, com direito a caixa alta inicial neste caso.

  que durou pouco  o divertimento e  o seriado foi descontinuado. A Segunda-feira não se permite.  Patinho feio dos dias, dia da consciência pesada pelas esbornias do fim de semana,  dia mundial do início das dietas mal sucedidas, da milésima tentativa de parar  de fumar, de vencer a preguiça e voltar à academia, de retomar aqueles projetos sempre adiados, enfim,   dia do recomeço,  que  é sempre tão penoso. É o dia consagrado à lua,  por isso o monday inglês, o lunes espanhol ou o lunedi italiano. Aqui  preferimos a versão do latim litúrgico e sua secunda feria, o quê, ainda assim, não compensa a reverencia ao menos   expressivo dos astros, um reles satélite,  na comparação com o sol  do domingo e os grandes planetas  que batizam os gloriosos outros dias da semana. A Sexta-feira, por exemplo, é um exibimento só com essa mania de “Sextou!”. Ninguém proclama “Segundou!”.

Assim é difícil ser feliz, mas eu vou tentar. Com muitas histórias da mesa ao lado, crônicas do cotidiano e da nostalgia,  e minhas versões sobre os fatos, observador dos cenários que sou.

Aceito críticas, mas prefiro elogios, ainda mais nas segundas-feiras. Só não me deixem só.