segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Quando eu era milionário - parte 1

Jornalista tem mania de guardar papéis, recortes de jornal, contas pagas, documentos e similares na esperança de que um dia vai organizar tudo e que aquele manancial terá alguma utilidade. Ledo Ivo engano. A papelada acumulada serve apenas para atrair poeira, mofo e traças.

A importância que determinado documento tinha há 15 ou 20 anos se diluiu no tempo e o artigo de jornal que causou tanta polêmica perdeu seu valor. Com os recursos da informática nem faz mais sentido manter um arquivo físico nos moldes antigos.

Pois semana passada decidi enfrentar o desafio de vasculhar meus guardados para uma sessão de descarte e encontrei verdadeiras preciosidades. Descobri, por exemplo, que já fui milionário. A descoberta se deu quando encontrei a declaração de renda de 1985, atestando que eu recebi naquele ano a fortuna de 60 milhões, 286 mil cruzeiros, o que representava, em média, um salário de mais de 4 milhões e 600 mil por mês. Uma Mega Sena acumulada! Só o Imposto de Renda me mordeu em mais de 6 milhões e 700 mil retidos na fonte e ajudei a diminuir o déficit da Previdência contribuindo com 5 milhões e 400 mil.

E havia ainda a confusão com a troca de moedas.Em 1988, por exemplo, pagava 15 mil cruzadosde mensalidade na creche de um dos filhos e, no ano seguinte, 29 mil cruzados novos para outro numa escola particular. Uma verdadeira fortuna.

Devo ter empobrecido com o passar dos anos, pois em 1991 recebi míseros 5 milhões, 279 mil cruzeiros. No ano seguinte fui obrigado, inclusive, a vender um Passat, ano 78, por 2 milhões e 700 mil cruzeiros. Era dura a vida de milionário naqueles tempos de inflação galopante.

O poder aquisitivo ficava corroído da noite para o dia. A moeda ganhava novo nome a cada plano econômico, mas a desejada estabilidade durava pouco tempo ou era mantida artificialmente. Os preços eram remarcados todos os dias e o valor de hoje já não vigorava no dia seguinte. O overnight, uma aplicação bancária corrente na época, dava alguma proteção aos nossos ganhos e fez a fortuna de muitos espertalhões. Para se ter uma idéia de como funcionavam as contas públicas, o governo Collares (1990-94) se financiou graças à inflação alta: era só atrasar, sem correção monetária, o pagamento aos fornecedores por um mês ou pedalar o aumento do funcionalimo e o caixa estava garantido.

A empresa onde trabalhava na época decidiu, para preservar minimamente o poder aquisitivo dos funcionários, pagar os salários a cada 15 dias e depois semanalmente. Um expediente comum era o cheque pré-datado que permitia algum fôlego às finanças pessoais. Era comum também o pedido de antecipação de parte do 13º salário porque o montante no final do ano, com a correção monetária, ficava recomposto e ainda garantia-se um plus nos ganhos.

E assim sobrevivíamos quase numa boa, acostumados a espiral inflacionária, consumindo um pouco aqui um pouco ali, administrando as contas, fazendo ginástica com os salários e até planos para o futuros, na certeza de que mais dia menos dia nossa moeda deixaria de nos envergonhar.

Então, em 1994 veio o Plano Real.

(continua)

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Situações extremas - final

*Recomenda-se ler a postagem anterior

Outra história, baseada em fatos reais, envolveu dois repórteres esportivos, rapazes com família constituída, que decidiram dar uma escapada depois da cobertura de um Grenal noturno. Duas amiguinhas foram contatadas, toparam o programa e a noitada se prolongou madrugada à dentro. E aí chegou a hora de voltar para casa. Um dos repórteres, que identificaremos como o Desencaminhador, porque foi o responsável por todas as iniciativas, estava dirigindo o carro para devolver o Desencaminhado ao lar quando pintou o drama.

- Cara, tu estás impregnado do perfume da fulana, acusou o Desencaminhador.
- E agora o que eu faço?, desesperou-se o Desencaminhado, que era uma santa criatura.
- Vamos dar um jeito.

O Desencaminhador, escolado por muitas jornadas, era do tipo prático. A primeira providência foi sujar as mãos do Desencaminhado nos pneus, sugerindo um árduo trabalho de borracheiro. Depois, motor ligado, colocou a camisa dele junto ao cano de descarga e substituiu o perfume da parceira pelos cheiros característicos da máquina automotiva. E assim, vítima das falsetas de um carro velho, o Desencaminhado se apresentou em casa e, mais do que aplacar a fúria da patroa, virou o jogo porque sua aparência era de quem realmente tinha sido solidário no enfrentamento de problemas mecânicos e pneumáticos.

E agora vamos ao caso daquele consagrado músico gaúcho, bandalho de boa cepa, que ficou muito angustiado quando, em viagem pelo interior, deu pela falta de sua aliança de casamento. Ele costumava retirar o objeto na hora do banho e chegou a conclusão que perdera no banheiro da casa onde estava hospedado. As buscas foram inúteis. A aliança provavelmente caíra no ralo e estava irremediavelmente perdida.

De imediato acionou seu anfitrião que providenciou junto a um joalheiro local a confecção, em regime de urgência, de uma nova aliança. Por sorte, nosso amigo ainda lembrava do nome da mulher e da data do casamento, que foram gravados na nova aliança. Ele não poderia chegar em casa sem ela porque precisaria dar muitas explicações e, no entrevero, talvez surgissem desconfianças e acusações sobre suas andanças pretéritas. Estava com saldo devedor na conta corrente matrimonial e agora – que ironia! - poderia se enredar por uma situação em que era inocente. Enfim, retornou ao lar no dia seguinte e foi surpreendido com a reação da esposa:

- Amor, o que é isso aí no teu dedo?

- A aliança de casamento, benzinho.

- Ah é, vem comigo.

A mulher conduziu-o até o banheiro e lá estava a aliança original, boiando na saboneteira. Ao nosso amigo só restou contar toda a verdade, incutindo, porém, na mulher aquela dúvida que consome: “o que será que ele já não aprontou por aí?” Como penitência, passou usar as duas alianças juntas, que era a forma de expressar que aquele corpinho tinha uma dona vigilante.

Recomendo


Conheço o Alan dos meus tempos de TVE. É um cara de talento e do bem, que agora está se lançando com o grupo Cambatuque. Para assistir ao clipe da música "Subindo a Ladeira (A Face)", basta acessar http://www.youtube.com/user/cambatuque. O lançamento oficial do clipe está aí na ilustração.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Situações extremas

È dura a vida dos homens de vida dupla. O pior momento é ter que enfrentar a mulher na volta ao lar, depois de uma sessão de adultério. Acredito que com as mulheres aconteça o mesmo quando elas são agentes e não vítimas, mas não tenho elementos suficientes para julgar. Entre os homens, fica sempre aquela expectativa de que vai ser desmascarado e que ao chegar em casa encontrará as malas depositadas na sala como um veredito. “Pega tuas tralhas e some daqui, seu cafajeste”.

É uma situação extrema, mas existe coisa pior. Foi o que aconteceu com um jornalista, da área de artes gráficas, que saiu de casa no meio da tarde de um sábado de Carnaval para comprar pão, leite e frios para prover sua numerosa prole. No trajeto de volta da padaria para a casa, não mais do que quinhentos metros, nosso amigo acabou envolvido pelo baticumbum de uma banda que, na vizinhança, se aquecia para o Carnaval. Deu meia volta e se entregou para a folia. A batucada era irresistível e o time de mulatas um convite à perdição. A partir daí, sob as bênçãos de Momo, Baco e Eros, ele pintou e bordou durante os quatro dias de Carnaval, sempre acompanhado de uma bela passista que correspondeu as suas investidas.

Na quarta-feira de Cinzas, todo estropiado, lá estava ele de volta ao lar, após o meio dia. Carregava ainda, zelosamente, a sacola com os pãezinhos, o leite e a mortadela para a filharada. Ao entrar em casa, já levou o primeiro susto. A mulher o esperava, sentada no sofá da sala, armada com uma reluzente faca. Uma faca dessas de churrasco que ele mesmo havia afiado na semana anterior. Ele bem que tentou contornar a situação com um diálogo, que reproduzimos ligeiramente dramatizado:

- Pára com isso, mulher. Eu posso explicar.

- Não quero saber de explicação. Eu vou é cortar aquilo.

- Não faz isso, eu só tenho esse. Deixa eu explicar...

- Chega de conversa. Te prepara que eu vou cortar.

- Pô, eu to cansado, deixa eu dormir e depois a gente fala.

- Se dormir, vai acordar sem.

Em pânico, nosso amigo conseguiu sentar numa cadeira e ficou ali, com as mãozinhas gorduchas protegendo seu bem anatômico mais precioso. Às vezes, vencido pelo sono, ele dava uma cochilada, mas acordava em seguida com os berros da mulher e a faca rebrilhando.

- Olha que eu vou cortar.

Fiquem tranqüilos, infiéis. O cara escapou dessa. Num descuido da mulher, ele saiu porta a fora e foi se homiziar em casa de amigos até a poeira baixar. Acabou voltando ao lar pelo clamor dos filhos, que sentiam falta, não tanto do pai trêfego, mas do pão, leite e frios de todo o dia. Mas, por precaução, desde então abandonou a prática de afiar as facas de churrasco.

(continua)

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Interatividade questionável

A mídia descobriu o filão da interatividade. Rádios, tvs, jornais e portais da internet usam e abusam do recurso, certos de que a abertura de espaços para os usuários potencializa a repercussão de seus conteúdos, vale dizer, aumenta a “audiência”. E tome interatividade, agora acrescida também de torpedos telefônicos.

Chega a ser constrangedor o papel de porta-voz dessas mensagens imposto a alguns comunicadores de prestígio. Sim, porque a interatividade que deveria ser um canal de dupla mão – a fonte influenciando o destinatário da mensagem e sendo por ele influenciado, numa interpretação simplista da teoria da comunicação – foi desvirtuada por fonte (emissor) e destinatário (receptor). Pela fonte, a medida em que busca demagogicamente acarinhar o destinatário, passando-lhe a falsa impressão de que é mais do que um receptor passivo, mas um parceiro de verdade, cujas opiniões interessam e serão consideradas. É aquele negócio de “aqui você tem vez e voz”. Isso é falso e tem o mesmo valor do dólar de Burkina Fasso, sem contar que, em várias situações, a interatividade representa ganhos financeiros para a mídia, através de acordos com operadoras de telefonia, por exemplo.

Entre os receptores identificamos dois tipos de comportamento, ambos também enganadores. Há os crédulos e sinceros que ingenuamente acreditam que suas opiniões serão mesmo levadas em conta e que, a partir delas, o mundo será diferente, para melhor, é claro. E existem os mal-intencionados de carteirinha, os detratores de plantão, os raivosos de todo o dia, os metidos a engraçadinhos, os falsos moralistas, os malas opiniáticos, os comprometidos com essa ou aquela corrente política, à esquerda e à direita. Infelizmente, o segundo tipo é maioria e está contaminando todo um processo que, na sua concepção, encerra uma idéia generosa. Mais ainda: uma avaliação criteriosa revelaria que são quase sempre as mesmas pessoas opinando sobre tudo e sobre todos, o que me faz crer que se trata de um bando de ociosos, ávido de seus 30 segundos de exposição na mídia.

Excluo dessa análise as descompromissadas participações nos espaços esportivos e até sou tolerante com as chamadas pesquisas interativas, embora nem sempre fique claro na sua formulação não se tratar de uma enquête de caráter científico. Reconheço, ainda, os méritos de algumas experiências, como as do programa Gaúcha Hoje, que oferece a posição de especialistas para dirimir dúvidas dos ouvintes. Neste caso, a interatividade faz sentido e cumpre seu papel de prestadora de serviço.

Desde já refuto o rótulo de censor, que certamente virá, porque o que está faltando neste processo é filtro, para separar as contribuições de conteúdo, positivas para os debates propostos, das mal-intencionadas, que acusam sem provas, atacam pessoas de forma gratuita, julgam e condenam prévia e apressadamente. São opiniões inconseqüentes, irresponsáveis, sem compromisso com os valores da justiça e da verdade.

Publicado originalmente em Zero Hora, em 1º/10/2008

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Santa inveja: textos que eu gostaria de ter escrito

Adeus Tia Chica, como diz o outro

Paulo Tiaraju*

O outro é um personagem misterioso e onipresente no inconsciente coletivo do brasileiro; ele é quase um cúmplice das pessoas.
O outro está sempre pronto a ser responsabilizado por qualquer opinião, frase ou mesmo palavras soltas, quando quem disse não quer assumir descaradamente o que está dizendo. Por exemplo, a mulher que sugere sua disponibilidade sexual e afetiva, mas não quer fazê-lo de modo direto, o que ela diz? "Estou leve, livre e solta, como diz o outro". O outro passa a ser co-responsável por esta declaração, não foi ela quem disse. O lobista mal intencionado e covarde, o que ele diz? "Quero levar a minha beira neste negócio, como diz o outro". Com esta simples transferência de responsabilidade, ele desagrava-se: foi o outro quem disse. O outro é o bode expiatório caso dê alguma zebra. No receio de a vaca ir para o brejo, apela-se para o outro. Quem não tem cão caça com gato, como diz o outro.
Outra personagem misteriosa das lendas urbanas brasileiras é a Tia Chica. Sempre que algo dá errado, ela parte, se manda. Não quer participar daquela comédia de erros. Faz as malas e vai embora. As pessoas sensatas que predisseram o malfadado erro, imediatamente antecipam o adeus para a Tia Chica: "... Eu avisei, não quis me ouvir, agora, adeus, Tia Chica". E não por coincidência, quando Tia Chica parte, simultaneamente a Inez morre e o leite derrama. Portanto, em casos mais greves utiliza-se todas as expressões: "Não quis me ouvir, agora, adeus, Tia Chica, Inez é morta, e não adianta chorar sobre o leite derramado".
Imagino a Tia Chica fazendo as malas e o corpo de Inez estirado no chão, em meio a uma poça de leite derramado. Um gato se aproxima para beber o leite e alguém atira um pau no gato, mas o gato não morre. Um pouco antes de bater a porta, Tia Chica admira-se do berro que o gato deu. Na cantiga popular ela é descrita como Dona Chica, mas sei de fonte confiável tratar-se da mesma pessoa, não duvido.
Contudo, as metáforas não são menos interessantes quando os brasileiros falam dos seus problemas. Para omitir a gravidade deles buscam inspiração em produtos horti-fruti-granjeiros. O pepino, óbviamente pela evidente alusão a sua forma fálica e o risco e o temor que isto representa, é amplamente utilizado. Por exemplo, meu prazo para escrever esta crônica começou a se esgotar, eu estava com um baita pepino. Depois me dei conta da diferença entre pepino e abacaxi. Escrever nunca é um abacaxi. Claro, há sempre o risco de, na falta de assunto, falar-se em abobrinhas. Neste caso eu precisava fazer deste limão uma limonada, sob pena de levar uma banana do editor. Sei não, com esta crise que anda rondando, muitos cronistas estão aceitando numa boa protestos em que as pessoas atiram ovos e tomates, desde que estejam frescos e prontos para o consumo – e, se a moda pega, solicitamos que atirem sapatos aos pares, e de preferência de número 42.

*Paulo Tiaraju
paulotiaraju@terra.com.br
Paulo Tiaraju é publicitário, diretor de Criação da agência Match Point, cronista e violeiro. Foi o primeiro criativo gaúcho a ganhar o prêmio Publicitário do Ano, concedido pela Associação Riograndense de Propaganda (ARP). O texto foi escrito para o portal Coletiva.net

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Inclusão sexual

Depois do "Bolsa Celular" agora só falta o Lula instituir o "Bolsa Tia Carmem"...

E então a briga começou...

Sexta-feira bate uma preguiça, por isso resolvi editar essa série de situações, que encontrei na internet. Quero crer que são baseadas em fatos reais:


1) Minha esposa sentou-se no sofá junto a mim enquanto eu passava pelos canais.

Ela perguntou, "O que tem na TV?
"Eu disse, "Poeira. "

E a briga começou...

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2) Minha esposa estava dando dicas sobre o que ela queria para seu aniversário que estava próximo.

Ela disse, "Quero algo brilhante que vá de 0 a 200 em cerca de 3 segundos. "

Eu comprei uma balança para ela.

E então a briga começou...

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3)Quando cheguei em casa ontem a noite, minha esposa exigiu que a levasse a algum lugar caro.

Então eu a levei ao posto de gasolina.

E então a briga começou...

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4)Minha esposa e eu estavamos sentados numa mesa na minha reunião de colegial, e eu fiquei olhando para uma moça bêbada que balançava seu drinque enquanto estava sozinha numa mesa próxima.

Minha esposa perguntou, "Você a conhece ?"

"Sim," disse eu, "Ela é minha antiga namorada...Eu sei que ela começou a beber logo depois que nos separamos há tantos anos, e pelo que sei ela nunca mais ficou sóbria."

"Meu Deus!", disse minha esposa, "quem pensaria que uma pessoa poderia ficar celebrando por tanto tempo?"

E então a briga começou...

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5) Depois de aposentar-me, fui até o INSS para poder receber meu benefício.
A mulher que me atendeu solicitou minha identidade para verificar minha idade.

Chequei meus bolsos e percebi que a tinha deixado em casa.
Disse à mulher que lamentava, mas teria que ir até minha casa e voltar depois.

A mulher disse, "Desabotoe sua camisa."

Então, desabotoei minha camisa deixando exposto meus cabelos crespos prateados.
Ela disse, "Este cabelo prateado no seu peito é prova suficiente para mim," e processou meu benefício.

Quando cheguei em casa, contei entusiasmado o que ocorrera para minha esposa.
Ela disse, "Por que você não abaixou as calças? Você poderia ter conseguido auxilio-invalidez também.... "

E então a briga começou...

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6)A mulher esta nua, olhando no espelho do quarto de dormir.
Ela não está feliz com o que vê e diz para o marido, "Sinto-me horrível; pareço velha, gorda e feia. Eu realmente preciso de um elogio seu. "

O marido retruca, "Sua visão está perto da perfeição. "

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7) Eu levei minha esposa ao restaurante.
O garçom, por algum motivo, anotou meu pedido primeiro.
"Eu vou querer churrasco mal-passado, por favor."

Ele disse, "Você não está preocupado com a vaca louca ?"

"Não, ela mesma pode fazer seu pedido."

E então a briga começou...

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O Circo de Petrópolis vai à Praia - final

*Recomenda-se ler a postagem anterior, em 18/11


O aguerrido exército brancaleone de Rondinha, em 1974, na Praia da Cal: da esquerda para a direita, acima, Roberto, Medina, este que vos fala, Piero, Mário e Beto; agachados: Sérgio Português, Dedé, Falcetta, Juquinha e Julinho Sarará. (Foto Arquivo Caldas Junior)

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Outra alternativa para as viagens era lotar uma Kombi, pilotada pelo Rebelde, com partida na noite de sexta-feira, utilizando a Capivari-Osório e depois a Inrterpraias e a beira da praia. Junto iam os instrumentos musiciais, aos cuidados do mestre Galego, porque onde estivesse a turma de Petrópolis estaria também a banda. A chegada daquele verdadeiro exército brancaleone à Rondinha era uma festa. As cervejas estavam nos esperando e às vezes era servido um carreteiro com muito arroz e pouca carne, seguidos das primeiras performances musicais.

Durante o dia o ponto de encontro era a lancheria do seu Lotufo, junto a Rodoviária, onde se podia comer um honesto sanduíche para contrapor às muitas cervejas. O Hotel Rondinha, que hospedava os veranistas do SESC, era freqüentado sempre na esperança de tentarmos uma integração maior com as comerciarias. Conheço gente que se deu bem na empreitada sesqueana. Na época, o fornecimento de energia elétrica era precário e só nos fins de semana a pequena usina que abastecia e região prolongava o abastecimento até mais tarde, permitindo os bailarecos na Saron ou o mexe-mexe na boate Biafra, outra invenção do Beto que adaptou uma peça da sociedade para atrair a gurizada da praia. Nos outros dias, ali pelas dez da noite, vinha o sinal com três piques na eletricidade anunciando que em seguida seria cortada a luz. Casais recém formados aguardavam com ansiedade o corte de luz para uma pegada mais firme, que ninguém era de ferro e a escuridão, um manto protetor. Gente,é incrível, mas nem faz tanto tempo assim.

As noitadas se prolongavam, não interessando se havia jogo na manhã seguinte. E assim o valoroso time de Rondinha ganhou conjunto, mas fora de campo, nas mesas de bar e nas rodas de samba, dando início a amizades que perduram até hoje. Isso porque o time foi formado a partir da reunião de um grupo de petropolitanos aos quais se agregaram os amigos dos amigos. O resultado dessa mescla até que era promissor em termos esportivos não fosse o fato de que todos compartilhavam o mesmo prazer pela cerveja e pelas noitadas. Realmente, neste sentido, era uma equipe homogênea.

Nossa chave era a Norte, enfrentando adversários fortes e tradicionais como Torres, formado pelo pessoal da terra que apelidamos de marisqueiros, Praia da Cal, time de caxienses com o Pauletti, craque do salão, Bom Jesus, que sempre apresentava boas equipes e Arroio do Sal, à época ainda distrito de Torres e que não era páreo para os demais. O time de Rondinha era esforçado, brigador e com alguns jogadores de boa técnica, mas na hora da bola rolar pesava o retrospecto das atividades fora de campo. Além disso, a areia fofa da beira da praia exigia mais, exaurindo logo os atletas tresnoitados. O resultado é que viramos saco de pancadaria da chave. A exceção era Arroio do Sal que nos salvava do vexame completo.

Na última temporada, precisávamos de pelo menos uma vitória e o jogo final seria contra Arroio do Sal, que já estava desmobilizado. Domingo de manhã cedo reunimos o pessoal, só Deus sabe em que condições, e nos tocamos para Arroio, cerca de dez quilômetros ao Sul, em busca de uma vitória redentora. Lá chegando, encontramos o adversário com apenas seis jogadores. A regra é clara, como diz o Arnaldo: time com menos de sete jogadores leva WO. E nós precisávamos fazer placar para tentar o milagre da classificação. O pessoal de Arroio do Sal que não tinha nada a perder, a não ser a dignidade, para dar quorum concordou em enxertar um ou dois jogadores recrutados na hora. O representante da Federação, que eu conhecia da redação da Folha, fez vistas grossas e o jogo saiu. Ainda assim penamos para fazer três gols e a memória me trai para saber se foi suficiente para passarmos à fase seguinte. Mas a vitória nos reanimou e ali mesmo em Arroio do Sal começaram as comemorações que se estenderam a Rondinha e tarde a dentro. Regadas a cerveja, é claro.

Todos os ventos do Litoral

Vento sul é céu azul
Vento norte não tem sorte
A lestada é chuvarada
Nordestão é viração
Se vai da terra é terral
Se vem do mar é maral
Todos os ventos me levam
Pras bandas do litoral”

Da música Todos os Ventos do Litoral, de Elton Saldanha e Ivan terra

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Circo de Petrópolis vai à Praia - parte 1

“Era tanta palhaçada que para virar circo só faltava a lona”.

O campeonato praiano de futebol era a sensação esportiva dos verões gaúchos, nas décadas de 60 e 70 do século passado. O torneio era organizado por uma tal de Federação Gaúcha de Esportes de Praia, mas na prática quem mandava mesmo era o Jair Cunha Filho, editor de esportes da Folha Esportiva e depois da Folha da Tarde, da velha Caldas Junior. Os jornais respaldavam e abriam amplos espaços para os jogos. Na organização, funcionava o Flávio França, um figuraço que era repórter da Folha e técnico de futebol de salão, e avesso ao banho. Naqueles tempos de poucos atrativos no nosso litoral, o Praiano era o grande acontecimento nas tardes de sábado e manhãs de domingo, mobilizando as sociedades de cada praia, veranistas e moradores.

Diferente do futebol de areia de hoje, o Praiano gaúcho era na base de 11 contra 11, com as regras do futebol de campo. Os árbitros vinham da Federação Gaúcha de Futebol, alguns aspirantes ao primeiro nível na época, como Carlos Martins, Rui Canedo, Valdir Louruz. O Praiano dava prestígio aos árbitros, além de uma experiência desafiadora de apitar jogos sem qualquer proteção da torcida, que ficava em cima da quadra de areia, separada apenas por uma corda, gritando e xingando. O detalhe é que a arbitragem sempre era “boa”, pelo menos na ficha técnica do jornal.

Havia rivalidades memoráveis, como a das duas representações de Cidreira, a Sociedade Amigos de Cidreira e a Cidreira Praia Clube, ou destes times contra a Sociedade Amigos de Tramandaí, a SAT, ou ainda da SAT contra Capão, de Capão contra Torres, Torres contra Praia da Cal. A proximidade, como se vê, alimentava a rivalidade. Em certas temporadas, praias menores formavam grandes equipes, recrutando ex-jogadores profissionais, e surpreendiam os balneários tradicionais. Lembro de ter visto os irmãos Cléo e Paulo Souza, do grande Grêmio da década de 60, disputando jogos pela Praia do Barco. O Marino, centroavante de chute forte que atuou na dupla Grenal, também foi visto marcando gols nas areias do litoral norte.

Fiz toda essa introdução para contar que no início da década de 70, o Beto D’Alascio decidiu formar um time em Rondinha Nova para disputar o Praiano. Esguio e habilidoso, o Beto atuava em várias posições, além de ser um empreendedor nato. A Sociedade Amigos de Rondinha Nova (Saron) respaldava com seu nome a iniciativa e só. O resto era por conta da determinação do Beto, dos recursos de cada um e das ajudas mútuas. A casa da família D’Alascio comandada pela dona Teresa em Rondinha, serviria de base para o time. Dona Teresa era mãe do Beto, do amigão Piero e do nosso técnico Luciano. A garagem foi transformada em concentração, agregando cinco ou seis atletas em camas improvisadas.

Em uma das temporadas daqueles anos dourados, o Beto inventou a Femarisco, a pomposa Festa Nacional do Marisco, que consistia num barracão a beira da praia onde as senhoras veranistas comercializavam quitutes à base daqueles bichinhos e de outros frutos do mar. E tinha gente que comprava! Beto levava a sério a rivalidade com a Rondinha Velha, situada dois ou três quilômetros acima e pretendia, com a Femarisco e mais o time praiano, elevar bem alto o nome do balneário, especialmente diante da já decadente rival. Como ambas eram praias de gringos, gente de Caxias, Canela, Bento e arredores, acredito que a rivalidade fosse decorrente da natureza própria da gringalhada. A verdade é que essas iniciativas movimentavam a pequena Rondinha, acolhedora, mas sem outros atrativos.

Chegar às praias do norte naqueles tempos pré-Freeway e sem a Estrada do Mar era uma aventura. A volta não era diferente. Até Capão da Canoa, pela estrada de Santo Antonio e BR 101, demorava, mas tudo bem. O problema era dali em diante. A Interpraias existia mais nos mapas do que na realidade. Por isso, a principal opção era seguir pela beira da praia, buscando os trajetos de areia mais firme, atolando e desatolando, ultrapassando arroios – e como tem arroios naquele pedaço! –, com cuidado para o carro não apagar. Quando isso acontecia era uma mão de obra secar o motor e empurrar o veículo para que pegasse no tranco. Consumia-se quatro ou cinco horas de viagem.

Recordo de uma vez que retornamos debaixo de mau tempo e para evitar os arroios transbordando, arriscamos num comboio de três carros os caminhos da Interpraias. Foi a pior viagem. Até chegarmos a BR 101, atolamos pelo menos meia dúzia de vezes. E a viagem iniciada às 6 da tarde, terminou em Porto Alegre por volta das 4 da manhã, ai incluído o tempo para umas geladas em Arroio do Sal. Depois dessa indiada, o Tadeu, meu irmão, que havia comprado seu primeiro carro, um fuquinha bem ajeitado, desistiu de colocar o veículo a serviço da equipe rondinense. A solução foi apelar para o ônibus pinga-pinga da empresa Santos Dumont, que saia sábado de madrugada completamente lotado. Viajávamos em pé, a maioria tresnoitada, e chegávamos estropiados em Rondinha, depois de o ônibus descarregar gente e apanhar mais gente, por todas as bibocas do caminho.

O que restava de bom dessas viagens era o lado folclórico. O Piero lembra um episódio ocorrido pouco antes do ônibus chegar a Rondinha. O coletivo e um carro com vidros abertos chegaram juntos ao arroio Caniço, acidente geográfico importantíssimo antes do balneário. Na passagem pelo arroio, o ônibus deu um banho geral no pessoal que estava no automóvel. Na chegada a rodoviária de Rondinha, o indignado motorista do carro foi tirar satisfações do motorista do ônibus e acabou brindado com uma frase desaforada:

- Não qué se molhá, manda asfartá a pralha.

Dito isso, entrou no ônibus e arrancou, deixando o outro motorista e família aparvalhados e sem ação.

(continua)

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Sobre hienas e lobos

Cansa este negócio de escrever sobre coisas ditas sérias. Por isso, decidi voltar às futilidades, para fazer um importante alerta: cuidado, muito cuidado, atrás de um lobo sempre vem uma hiena. A advertência nem é minha, mas do meu bom amigo LFA depois de ler a crônica Lobos em Ação, que cometi no ano passado e Coletiva.net se atreveu a publicar. Tenho boas razões para suspeitar que o próprio LFA seja um lobo disfarçado, daqueles que atacam em eventos musicais. Convém lembrar que os lobos são aquelas criaturas que, na busca de suas conquistas amorosas, atuam em locais e horários diferenciados, cercando suas presas com sutileza e determinação. Distinguem-se dos comuns mortais pelo gosto ao inusitado, pelo enfrentamento das adversidades, pela ousadia na ação e pela técnica refinada na abordagem. O maior risco que as mulheres correm com essa espécie é de terem suas expectativas atendidas, porque o verdadeiro lobo valoriza suas conquistas e quer fazê-las felizes.

Já as hienas são lobos fracassados. Elas bem que gostariam de ascender a condição maior, mas lhes falta finesse e, porque são hienas, ficam com as sobras. Alguns, de tanto viverem à sombra e no rastro dos lobos, acabam aprendendo e ocasionalmente podem se transformar em lobos juniores, mas jamais chegam a seniors e muito menos a masters.

A diferença entre as duas espécies não está na condição social ou em qualquer outro tipo de segmentação, mas na atitude. O lobo prima pela finura, a hiena é sinistra; o lobo é pacencioso, a hiena é afoita; o lobo é seletivo, a hiena está aí para o que der e vier. Mas não é justo afirmar que a hiena só tem defeitos. É ainda o LFA quem observa que, embora cheguem depois, nem por isso as hienas têm uma tática menos ofensiva e letal. Podem parecer desengonçadas, mas são resistentes, capazes de perseguir suas presas por muito tempo sem esmorecer.

É o caso da Hiena Eleitoral que só participa de caminhadas de partidos nanicos, mas suporta carregar bandeiras com mastros enormes sem jamais perder o alvo de vista. SCA. analista de sistemas, se encaixa neste perfil. A preferência pelos partidos menores e mais radicais se explica: ele entende que grupos reduzidos já estabelecem uma seleção natural para escolher a presa que vai ser atacada e acredita, ainda, que o radicalismo das moças pode se transformar em intensidade na hora do vamos ver.

VJB., que se apresenta como bacharel em direito, mas na verdade atua como despachante, é outra hiena típica. Ele até freqüenta as baladas mais descoladas, mas é traído pelo medalhão no peito, pelo vistoso anel de formatura, pelas cantadas sem rodeios e o resultado final é zero. Por isso, a esticada é nos festerês mais populares, onde é conhecido como a Hiena dos Bailões. Entre músicas do Sidnei Magal, Wando, pagodeiros românticos e vanerões modernosos, ele se sente em casa. Aí ataca com fúria. È dois pra lá, dois pra cá e ele já começa a percorrer a anatomia da vítima. Quando sente reciprocidade, vai direto ao ponto:

- Tá na hora da gente partir.

A Hiena dos Bailões garante que a cada duas dessas abordagens uma pelo menos funciona, o que determina que ele trabalhe em dobro para não terminar a noite invicto.

A hiena tem uma linguagem toda própria para se relacionar com suas vítimas, que podem ser honradas com expressões tipo “minha Deusa”, “Gatosa” , “minha Ídala” e outras meiguices do gênero. PNS., corretor imobiliário, prefere usar “minha Diva”, certo de que esse tratamento confere algum requinte as suas investidas. Ele é conhecido como “Hiena Bus Stop” porque seu habitat são as paradas de ônibus na região central, onde atua no final da tarde, à espera das moças que terminam seus turnos nas repartições públicas, bancos e comércio em geral. O elenco é numeroso e ele tem o cuidado de rejeitar as universitárias que se dirigem aos cursos noturnos porque sabe que vai ter poucas chances se a moça tiver que escolher entre o aprendizado e uma hienada. A hiena é hiena, mas não pra boba não serve.

A existência de lobos e hienas, cada um com seu estilo e forma de atuação, mostra como a natureza é sábia. Há espaço para todas as espécies, a convivência pode ser harmoniosa e uma complementa o trabalho da outra, de forma a contentar vítimas de todos os perfis.

*Publicado originalmente em Coletiva.net

sábado, 14 de novembro de 2009

Porto da Cultura

Na sexta-feira retrasada precisando fazer hora para um compromisso profissional (sim, eu trabalhei no Dia do Servidor Público) decidi visitar a Usina do Gasômetro. E deparei com duas mostras da melhor qualidade e aparentemente sem qualquer relação entre si. Logo na entrada estão os painéis da exposição Os Gaúchos nas Copas, resultado de um minucioso trabalho de pesquisa do Cláudio Diensteman, a serviço da Secretaria Extraordinária da Copa de Porto Alegre. Adiante, ainda no andar térreo, outra preciosidade para a nossa sensibilidade: Tempestade, uma coletânea de vídeos relacionando o tempo, as mudanças climáticas e as intervenções do homem , nem sempre benéficas, em ambientes naturais adversos. Tempestade tem a grife do mago Marcello Dantas como coordenador, ele que é responsável pela concepção e execução do estande de Porto Alegre na ExpoShangai 2010.

Mas que me chamou a atenção mesmo foi a presença maciça de jovens, aquele gurizada de colégio com suas câmeras fotográficas, na mostra Tempestade. E eu que achava que a exposição das Copas, em função do apelo que o esporte sempre exerce sobre as novas gerações, é que deveria atrair os estudantes. Mas não, a saudável algazarra estava concentrada mais adiante, talvez porque Tempestade, pelo formato da mostra com vídeos impactantes, tenha um apelo muito mais forte do que os painéis da Copa, bonitos, bem ordenados, mas estáticos. O inquieto Caco Coelho, diretor da Usina, diria que é a virtualidade que atrai a garotada.

Agora como explicar que, a caminho da Usina, tenha deparado com outras levas de crianças e jovens visitando a nem sempre compreensível Bienal do Mercosul, ali no Cais do Porto? Existe um projeto pedagógico, eu sei, inclusive com transporte gratuito para escolas. Mas isso por si só não explica esse interesse crescente das novas gerações pelas manifestações culturais de todos os tipos, que se replicou com força na Feira do Livro que está terminando.

Não consigo todas as respostas, mas suspeito que Porto Alegre tenha assumido a maturidade na oferta de cultura para todos os gostos e todos os segmentos. Ali mesmo naquele eixo central da cidade movimentam-se levas e levas de pessoas na Feira do Livro, na Bienal do Cais e nas suas extensões do Margs e do Santander Cultural e ainda há público para os eventos da Usina, da Casa de Cultura Mário Quintana, do Centro Cultural CEEE, do Memorial do Rio Grande do Sul e das pinacotecas que funcionam no Paço municipal. E daqui a pouco surge, junto a Câmara de Vereadores, o novo Teatro da Ospa e mais o Centro Cultural da CEF na Praça da Alfândega. Ou seja, um verdadeiro corredor cultural, colocando em evidência as artes plásticas, o teatro, o cinema, a música, a literatura, a preservação do patrimônio e a memória.

Temos grandes eventos que movimentam a cidade o ano inteiro: as 24 horas de Cultura, dentro da Semana de Porto Alegre, o Festival de Inverno, o Porto Alegre em Cena, a já citada Feira do Livro, o Porto Verão Alegre, a permanente Usina das Artes, o instigante Fronteiras do Pensamento, a cada dois anos a Bienal do Mercosul e a Bienal B, e, ainda, o Carnaval e a Semana Farroupilha por outro viés, mas com os pés fincados na cultura. Isso sem falar nas centenas de outros acontecimentos de todos os portes e de todas as artes, promoções estatais ou privadas. Além disso, Porto Alegre já faz parte do circuito nacional dos grandes espetáculos e não têm faltado atrações internacionais aportando por aqui, graças à qualificação do público e dos equipamentos oferecidos.

Assim é inevitável que essa livre fruição cultural chegue às crianças e jovens, participantes ativos do processo que vai resultar na natural renovação do público. Claro que o incentivo das escolas, dos pais e os esforços do poder público e dos promotores da cultura exercem papel fundamental no processo. Sem a pretensão de esgotar a questão ou produzir um ensaio além da minha capacidade, acredito que a cultura pode ser a grande vitrine de Porto Alegre para a Copa 2014, de modo a nos diferenciar das outras cidades sedes, certamente mais atraentes em termos turísticos e em outros quesitos. Porto da Cultura, essa deve ser a nossa bandeira.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Lobos em Ação - final

Recomenda-se ler a primeira parte, publicada dia 12

Mais intelectualizado, V, professor universitário, investe fortemente na área de cursos, seminários e palestras, desde que os temas tratados possam atrair vítimas potenciais. É capaz de sacrificar o fim de semana em cursos de extensão só para alargar o horizonte de seus conhecimentos e seu currículo com o conquistador. No primeiro dia de aula escolhe a vítima e no último ela está dominada. E não tem qualquer restrição às temáticas de auto-ajuda. Raciocina, com boa lógica, que as mulheres interessadas neste assunto estão carentes de apoio, de um ombro amigo e ali está ele para suprir essa necessidade.

Curso do Lair Ribeiro, seminário com Roberto Shinyashiki, palestra do professor Marins, contam sempre com a presença do nosso amigo. Durante a exposição do palestrante, ele mostra grande interesse, anota frases e conceitos que considera importantes e serão seus argumentos depois, enquanto seus olhos, não de lobo, mas de águia, varrem o ambiente a procura das suas vítimas. Não demora muito e encontra a mulher ideal: é aquela desacompanhada que mantém os olhos vidrados no conferencista e aprova, com leves maneios de cabeça, tudo o que é dito. Uma mulher receptiva. No final, dá um jeito de encontrar a mulher visada e, com a maior naturalidade, propõe a conversa:

- Que conteúdos! Que clareza! Não achastes? Eu gostaria tanto de aprofundar essas idéias com outras pessoas...

Daí em diante o ritual não varia: trocam cartões e telefonemas, compartilham cafés no fim da tarde e jantares noite adentro, e logo estão compartilhando também a mesma cama, embora ele faça questão de dizer que o sexo é apenas uma etapa para chegarem a um entendimento superior sobre a condição humana nestes conturbados tempos pós-modernos.

O “Lobo Eleitoral”, J, é um capítulo à parte. Sempre atento ao calendário eleitoral, ele entra em êxtase neste período e se torna freqüentador assíduo de passeatas, bandeiraços, comícios, inaugurações de comitês, enfim, de qualquer ato público que possa reunir militantes femininas. É metódico e trata desde cedo de armazenar bandeiras, adesivos, bandanas, bottons de todas as candidaturas, até porque seu lema é “respeito à pluralidade ideológica e prazer para todas”. O “Lobo Eleitoral” tem uma preferência toda especial pelos comícios, o que tem sua lógica. O espaço é delimitado, é mais fácil cercar as futuras presas e o tom dos discursos, carregado de emocionalismo, é o mote que ele usa para a primeira investida. Funciona assim: ele chega cedo ao local, agitando a bandeira da candidatura e se posiciona onde constata a maior concentração feminina. Durante o comício, canta animadamente todos os jingles e é o primeiro a puxar o coro compassado com o nome do candidato. Aquela animação toda contagia as circunstantes e logo ele está interagindo com a militância.

- Sabe, guria, me emocionei com o discurso do nosso candidato. Presta atenção no que eu vou te dizer: assim não tem prá ninguém.

Não há como resistir a tanta devoção, tanto ardor cívico, tanto comprometimento com a causa, tanta certeza na vitória, e logo ele passa para a etapa seguinte:

- Puxa, acho que essa demonstração de cidadania merece uma comemoração. Vamos tomar uma cerveja ali no Mercado?

Depois, é só questão de incrementar a conversa, oscilando à direita e à esquerda, dependendo do matiz ideológico da vítima, ora ressaltando as virtudes do neoliberalismo, ora espinafrando o capitalismo selvagem, ora insinuando ligações com o pessoal da luta armada, ora condenando os “baderneiros dos movimentos sociais”. Por fim, o arremate:

- Na verdade, sou mesmo um liberal, no sentido da liberdade das pessoas, entende? Liberdade para tudo, compreende? Tenho o maior respeito por essa questão da liberalidade, da liberdade, as pessoas poderem fazer sexo com quem quiser, entende? A propósito, conheço um lugar...

O ato cívico-sexual vai se dar no seu apartamento, previamente ornamentado com motivos da coligação que está prestigiando na ocasião. Esse lobo nunca perdeu uma disputa eleitoral.

Especialistas que estudam o comportamento da espécie anotam a existência de outros tipos bizarros, alguns inclusive com slogans marketeiros. Exemplo é o “Lobo da Carris”, que atua nas alongadas linhas T e que garante: “Comigo não tem viagem perdida”. Registra-se ainda o “Lobo dos Estádios” (“antes do apito final, uma grande conquista”, vangloria-se), que não perde jogo nem no Passo da Areia e tem predileção pelas moças das torcidas organizadas; o “Lobo Bancário”, que ataca nas filas dos caixas e promete “crédito amoroso sem limites para todas”, o “Lobo das Manifestações”, uma variação do “Lobo Eleitoral”, auto-intitulado “Ativista do Amor” e que não renega nem caminhada do MST. Por fim, o mais bizarro de todos, o “Lobo de Velórios”, que se anuncia às enlutadas como ‘um conforto no momento da dor”. É muita cara de pau. Acreditem, eles existem e estão por toda a parte.

*Publicado originalmente em Coletiva.net

A propósito...

"Quem anda com lobos, a uivar aprende."
Provérbio espanhol

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Lobos em Ação

Lobos nunca dormem. Suas vítimas indefesas podem ser atacadas a toda hora e em qualquer lugar e são poucas as que resistem às investidas. Deixemos de lado os lobos que atacam nas academias e nas baladas, locais que favorecem a interação entre as espécies. Esses são lobos manjados, indolentes, indisponíveis para novos desafios. Lobo que se preze, lobo mal intencionado mesmo, ataca em lugares e horários inusitados, cercando progressivamente suas vítimas, quase sempre travestido de cordeiro, até dar o golpe final.

C. advogado, bem de vida e de casamento, é um exemplo. Todas as quartas-feiras ele assume sua porção lobo e sai à caça nos supermercados. Ele varia de estabelecimento para não dar na vista, mas o perfil das suas vítimas não se altera muito: mulheres maduronas, de boa aparência e sem aliança nos dedos – ou seja, solteiras ou descasadas. A estratégia para a abordagem também não varia muito. Assim que escolhe a presa, aproxima-se e pergunta, com o semblante mais inocente do mundo:

- Sabes onde eu posso encontrar sabão em pó?

Pode ser detergente para louça, água sanitária, amaciante de roupa, mas sempre um produto que passe a idéia de um homem afeito às lidas domésticas, vivendo sozinho e atrapalhado com esse universo. As mulheres dificilmente resistem ao perfil de homem maduro numa fase de carência, que é o personagem que, afinal, nosso amigo encarna.

Dependendo da ocasião, nosso causídico muda de tática. Ele é fascinado, por exemplo, por mulheres que consomem produtos orgânicos. Por isso, fica na espreita próximo à gôndola desses produtos, esperando uma vítima. Assim que surge alguma que se encaixa no perfil pré-definido, parte para a abordagem:

- Com licença, tu sabias que na Europa já predominam os produtos orgânicos?

E emenda um ecopapo capaz de fazer inveja aos ecochatos, mas, diferentemente destes, sua conversa é vivaz e convincente, discorrendo sobre o aquecimento global, a diferença entre light e diet, os efeitos perversos dos agrotóxicos na produção de alimentos – e firma posição contra os trangênicos. “O que será das futuras gerações? O que será dos nossos filhos?”, costuma exaltar-se, acentuando o nossos, o que já é uma insinuação. As mulheres ficam maravilhadas com tamanha erudição ecológica que, a bem da verdade, exige tempo de pesquisa, um investimento que ele considera que vale a pena para os fins a que se propõe.

A primeira abordagem não é problema, mas o segredo está no segundo momento, aquele que encarreira a conquista. E nesse aspecto nosso amigo é imbatível. A tática dele consiste em prolongar a conversa e em seguida fazer um convite:

- Conheço uma loja de produtos naturais que tu vais amar. Podemos dar uma escapada lá, se quiseres.

Da loja ao convite para um jantar especial na casa da moça, com pratos natureba, é um passo e aí a história segue seu curso natural. Missão cumprida!

S, economista, ataca em outro cenário. Conhecido como “Lobo de Livraria”, é entre best sellers e um bom sebo que ele fareja suas futuras presas. Escolhe sempre as que usam óculos, porque entende que o adereço lhes dá um ar de intelectual, mas faz também uma pré-seleção pelo gênero de obra que interessa à moça. Se elas estiverem folheando livros de Martha Medeiros ou Lya Luft, ele trata de se aproximar com a mesma obra na mão e lança a isca:

- Já leste Trem Bala? Achei fantástico!

- Já leste O Silêncio dos Amantes? A Lya Luft se superou!

Em seguida a conversa deriva para os temas recorrentes nas duas autoras: as angústias e anseios da mulher moderna, suas frustrações, o amor, o desamor e a paixão, perdas e danos – enfim, tudo o que passe a idéia de um homem sensível e conhecedor da alma feminina. Para reforçar seus argumentos, assiste ao Saia Justa e se diz fã da Márcia Tiburi, embora secretamente tenha uma queda pelo estilo mais maternal da Mônica Waldvogel. A conversa é irresistível. Não foram poucas as ocasiões em que a troca de impressões se completou na cama, após o embate amoroso.

Quando a vítima se mostra interessada em livros do David Coimbra, nosso amigo não tem a mesma fineza, pois considera que as leitoras do cronista são “mais saidinhas”. Aí vai direto ao ponto:

- Conheço o David e tô louco para contar para ele uma história picante sobre tu e eu...Topas?

Ele jura que a abordagem funciona. Não perde tempo, porém, com mulheres que compram livros de Paulo Coelho, pois acha que terá conversas muito aborrecidas. Mas em relação a Dan Brown reconhece o mérito desse escritor, não como valor literário, mas como argumento para suas investidas.

- Já lestes Anjos e Demônios? Recomendo: é melhor do que O Código Da Vinci.

(continua)

A propósito...

"Não subestime os outros, nem os idolatre demais. Seja educada, mas não certinha. Não minta, nem conte toda a verdade. Dance sozinha quando ninguém estiver olhando. Divirta-se enquanto seu lobo não vem."

Atribuído a Martha Medeiros

Imperdível!

Tom Wolfe, o criador do chamado Novo Jornalismo, é o próximo conferencista do Fronteiras do Pensamento, segunda-feira,16, no Salão de Atos da UFRGS, às 19h30. Wolfe abordará o tema “O Espírito da Nossa Época” a partir da sua longa experiência retratando a realidade do seu país. A conferência será seguida de exclusiva sessão de autógrafos com o autor, já que não é hábito do jornalista e escritor prestigiar o público com sua assinatura. É imperdível.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Manifesto gastronômico

Não sou de muita frescura com comida. Gosto de carnes, muita salada, massas com molho de carne ou à putanesca, um feijãozinho com arroz de vez em quando e não recuso, mas pego leve, as frituras. Berinjelas, feitas de qualquer forma, ativam minhas papilas gustativas, assim como carne picada com batata ou moranga. Quer me fazer mais feliz? Sirva uma tortilha de batata, coberta com ovos e presunto e pode até espalhar queijo ralado por cima. Estou comedido nos doces, mas fico prostrado de joelhos diante de um doce de abóbora (pronuncia-se “abóbra”) com aquela casquinha dura.

Sou absolutamente incompetente na cozinha, porém recebo elogios quando piloto os espetos, especialmente pelas costelas que sirvo passadas pouca coisa do ponto. Confesso que sou um costeleiro militante, mas não chego ao exagero de afirmar que a costela é melhor que a picanha. Gaúcho tem mania de promover competição em tudo, até em carnes, criando uma falsa oposição entre a costela e a picanha, ou entre a picanha e o vazio ou ainda entre o vazio e a maminha. Traço tudo com gosto, sem estabelecer pódios para os cortes.

Na verdade, o que me desagrada na chamada gastronomia contemporânea são algumas manias que passaram a dominar os bufês. O primeiro exemplo de pobres artifícios de cozinheiros sem inspiração é o uso indiscriminado da tal de batata palha. Trata-se de um ingrediente que nada acrescenta, mas reconheço que a cor amarela das finas tirinhas industrializadas conferem um certo realce aos pratos. Então, dê-lhe batata palha: arroz com batata palha, carnes com batata palha, saladas com batata palha, purê com batata palha, farofa com batata palha, batata palha com batata palha, numa inadmissível variedade de guarnições para iguarias que pedem tão somente simplicidade e esmero no preparo.

Meus companheiros da mesa diária nos almoços pelo Centro da cidade fazem troça dessa restrição, mas parte deles concorda com outra implicância minha: a mania de agregar molho branco ao maior número de pratos possíveis. Tudo vira uma meleca só. Neste caso, sou ultraconservador: molho que se preze tem que ser vermelho e bem espesso e não essa viadagem branquela e sem gosto.

O uso abusivo do queijo, inclusive os fedorentos, nos tais molhos brancos e em outros alimentos também vai contra as minhas convicções. Queijo bom e cumpridor do seu papel gastronômico é queijo em forma de tira-gosto ou no sanduíche, mesmo de mortadela. Faço uma exceção para as pizzas que exigem sempre uma boa camada de queijo, mas até nisso os pizzaiolos apelam para os exageros – já vi cardápios com pizzas de oito queijos! Assim é difícil ser feliz à mesa.

As pizzas, aliás, merecem um capítulo extra nesse desabafo anti frescuras nas comidas. A bem da verdade fui criado saboreando as pizzas altas que dona Thélia, minha mãe, preparava nas festas ou quando queria agradar a filharada. A receita era um legado da dona Amália, minha avó carcamana. Eram pizzas de uns três ou quatro centímetros de altura, com uma massa fofa e cobertas com tomate ou sardinha – acho que ainda não tinham inventado o presunto naquela época – preparadas em grandes formas e depois cortadas em cubos. Podiam ser devoradas frias ou quentes. Uma delícia! Só de lembrar me dá um banzo.

Hoje não encontro mais pizzas nesse formato. E prefiro mesmo não encontrar porque a comparação com as pizzas das minhas melhores lembranças seria desigual para o produto atual. E assim sou obrigado a enfrentar pizzas das mais duvidosas procedências, pizzas sem critério na mistura dos ingredientes, pizzas desrespeitosas com a sua tradição, abomináveis pizzas de sorvete, detestáveis pizzas com catupiri, desprezíveis pizzas com banana e canela, execráveis pizzas com outras frutas. Um cardápio revoltante! O que mais me magoa é que a minha família adora essa diversidade. Bando de insensíveis, trogloditas gastronômicos.

Incluo na mesma categoria aqueles comensais que trazem a mesa verdadeiros pomares, misturados aos outros tipos de alimentos. Carnes, saladas, massas com guarnição de mamão, melão, uva, laranja, mangas e o que mais estiver disponível. Às vezes pintam até as nojentas bananas carameladas. Fruta é fruta e deve ser degustada como sobremesa e não como acompanhamento, agridoçando o que deveria ser salgado, sem adoçar o que exige ser doce, numa mistureba inexplicável de sabores. Trata-se de um crime de lesa paladar para o qual não existe perdão.

Aos que preferem a boa mesa, simples, gostosa, sem adereços indigestos, lanço esse manifesto na esperança de conquistar adesões contra os falsos experimentalismos culinários e a favor da cozinha civilizada no seu preparo, honesta nos seus gostos e sabores. Vem nessa que a causa é nobre e saudável. Ah, esqueci de avisar: detesto sushis.

domingo, 8 de novembro de 2009

Sexo, mentiras e Carnaval - parte 2

Recomenda-se ler a primeira parte, publicada em 6/11

Outro caso que demandou muita inventividade envolveu S., publicitário de renome, que perdeu a hora num fuzuê com a namorada e quando acordou no apartamento dela, o dia estava clareando. Perder a hora é o terror dos infiéis e acontece com freqüência. O que diferencia cada caso é a capacidade de superar o pânico inicial e virar o jogo a seu favor. Foi o que fez o nosso criativo. Primeiro descartou-se do celular, despediu-se da moça e tratou de estacionar o carro numa rua discreta. Tinha que agir rápido porque a essa altura a família, com justa preocupação e temerosa de que ele tivesse sido vítima de seqüestro, já poderia ter acionado a Polícia. Com a cabeça funcionando a mil, apanhou um táxi e ordenou:

- Toca o mais rápido possível para o Lami.

O Lami, como se sabe, fica no extremo sul da cidade, a beira do Guaíba. Lá chegando ele despachou o táxi logo que encontrou o primeiro telefone público. Ligou para casa, a cobrar e quem atendeu foi a esposa, quase aos prantos.

- Onde tu andas, criatura? Estou aflita e já ia ligar para o 190.

Ele lembra que um calafrio estremeceu seu corpo, mas manteve a calma e deu continuidade ao seu plano.

- Fui abduzido por alienígenas. Não fala pra ninguém que depois eu explico tudo. Não sei como, vim parar no Lami. Vem me buscar.

No caminho para casa ele contou que foi abordado à noite, depois de um jantar com amigos, por seres verdolengos, de cabeças e olhos grandes. “Parece que falavam por telepatia”, detalhou. “Aí me levaram para uma nave toda iluminada e é só o que eu lembro”, acrescentou.

A historia era inverossímil, mas foi relatada com tanta dramaticidade que a mulher acreditou. Para concluir, alegando que tinha receio de ser ridicularizado, fez a mulher jurar de pés juntos que aquilo seria um segredo apenas entre eles e que nunca mais falariam no assunto. E assim foi feito. Nosso publicitário, porém, providenciou um novo celular com despertador que não falhasse e presenteou a namorada com um rádio-relógio de marca confiável.

A ousada estratégia adotada tornou-se um clássico da invenção, merecendo o reconhecimento dos mais respeitados especialistas. Tanto assim que ganhou variações. A mais comum é a variante do seqüestro.

- Querida, fui seqüestrado. Não sei como, vim parar no Sarandi. Mas não liga pra Polícia porque os bandidos podem querer se vingar. Vem me buscar.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Sexo, mentiras e Carnaval

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

Parafraseando Fernando Pessoa, o infiel é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é real, o fingimento que deveras finge. Com o perdão do poeta, submetemos a apreciação do prezado público nosso enfoque sobre o fingimento - aqui com conotação de mentira -, em sua relação indissociável com o adultério. A premissa básica é que não existe adultério sem mentiras. Entretanto, há uma tênue linha separando o exercício de enganar o próximo por necessidade, da mentira por compulsão. Conheço sujeitos que se dedicam a infidelidade só para poder mentir, quando o correto seria mentir para continuar traindo. Uma é arte, a outra é patologia.

Mas o que é a mentira, além de um pecadilho venial? Guy Durandin, autor de As Mentiras na Publicidade e na Propaganda, sustenta que a mentira contempla quatro operações: omissão, ampliação, redução e invenção. Todas elas revelam que o autor da mentira busca fragmentos do real, ou seja, no fundo é um bem intencionado. Como nossa temática não é publicidade nem propaganda, transportamos as quatro possibilidades, porque a analogia no caso é válida, para a magna questão da infidelidade. Omitir, ampliar, reduzir, inventar estão presentes, em maior ou menor grau, no dia a dia dos infiéis. E se não fossem esses verbos e a ação que eles encerram, os dedicados à causa não sobreviveriam por muito tempo com seus fingimentos.

Omissão, que não é faltar com a verdade, mas escondê-la no todo ou em parte, ocorre quando você informa que precisa viajar a negócios, mas oculta da sua mulher que aquele seu caso vai fazer parte da comitiva. A redução se manifesta quando você leva um esporro ao chegar em casa às 5 da matina, com olheiras de fazer inveja ao Sérgio Cabral, o pai: "Que isso, amor? Não exagera. É apenas a quinta vez esta semana que eu chego de madrugada". A ampliação é quando você carrega nos predicados da nova prenda que você conquistou. “To pegando uma guria nova que é uma loucura”. Só que a moça em questão é uma quarentona que está mais para patroa de CTG do que para prenda. São apenas exemplinhos básicos.

A invenção! É neste tópico que os infiéis se consagram em busca do estado da arte em termos de explicações para suas práticas extraconjugais. Há um clamor por exemplos. Selecionamos dois.

P., executivo de multinacional, se esbaldou em um baile pré-carnavalesco e acabou a noitada com uma havaiana, mulher do tipo "aprecie sem moderação". Um resultado perverso do encontro é que ficou todo adesivado com purpurina, aquelas estrelinhas que inventaram para atazanar os infiéis do período momesco. De quebra, nosso executivo tinha confetes até na raiz dos cabelos.

O que fazer se no final da tarde iria se encontrar com a família na praia? A purpurina é resistente até ao mais caprichado banho e os confetes entranham nas roupas e se escondem nas dobras mais complicadas. Chega a hora em que serão descobertos, você sabe por quem. Mas o nosso executivo era um homem de sólida formação em planejamento estratégico, com especialização em gestão de riscos, e logo montou um plano emergencial para justificar as purpurinas e os confetes. Antes de seguir para o litoral passou numa loja especializada e comprou dois sacos de purpurina e outros tantos de confetes. Levou ainda três rolinhos de serpentina, máscaras de papelão para as crianças e, num toque de safadeza, um colar de havaiana para a mulher.

Ao chegar na casa da praia, foi recebido com alegria pela família e ficou contagiado, quase comovido, pela recepção tributada a um chefe de família que passara a semana ralando na Capital. E desceu do carro extravasando as emoções que o momento exigia:

- Alegria, alegria! É Carnaval, venham, venham, - convocava aos familiares.
Para reforçar o clima carnavalesco o som do carro reproduzia antigas marchinhas. Tudo fora previsto. E quando a família estava bem próxima ele começou a jogar para o alto as purpurinas e os confetes, todos ficaram impregnados, comungaram daquela espontaneidade e ele não precisou justificar nada. À noite, com as energias que ainda lhe restavam, foi exigido sexualmente pela mulher que, a pedido dele, usava apenas o colar de havaianas...Agiu como um “serial killer” que deixa sua assinatura nas vítimas.

(continua)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Santa inveja: textos que eu gostaria de ter escrito

Quem, como eu, está quase lá, se associa às idéias da escritora Cláudia Tajes, na crônica publicada dia 4/11, na página 2 de Zero Hora:

Balzacas, idosos e anciões

Há algumas semanas, os professores Luís Augusto Fischer e Cláudio Moreno discutiram o novo significado do termo balzaquiana. Na primeira metade do século 19, quando Honoré de Balzac escreveu o romance A Mulher de 30 Anos, a expectativa de vida era baixa e as senhoras chegavam à citada idade com muitos filhos e nenhuma perspectiva. A balzaquiana clássica, portanto, seria aquela já em fim de carreira, definição que não combina com as frescas trintonas atuais. O professor Moreno deu como exemplo de balzaca dos nossos dias a atriz Suzana Vieira. Mas mesmo essa não parece disposta a entregar a rapadura, namorando soldados e mágicos algumas décadas mais moços.

Dentro desse espírito, notícias de todos os dias chamam mais a atenção pelo texto que pelos fatos em si.

“Idosa de 54 anos cai no golpe do bilhete premiado.” Não bastasse ser enganada por um vigarista, a mulher foi chamada de idosa praticamente na flor da idade. “Ancião de 63 anos despenca com o carro no Arroio Dilúvio”. Esse, então, além do desagradável contato com o esgoto de Porto Alegre, ainda recebeu o título de ancião numa altura em que a maioria das pessoas segue trabalhando, saindo, brincando, vivendo.

Não que a classificação etária traga junto alguma ofensa, longe disso. Mas se a gente considerar que as definições do dicionário para idoso e ancião incluem senil, antiquado e fora de moda (embora respeitável e venerável também constem lá), a maior parte da turma de 50, 60, 70 e 80 não pode ser enquadrada assim. Fica difícil chamar de ancião até mesmo o arquiteto Oscar Niemeyer, que acaba de sair do hospital aos 101 anos, e continua na ativa. Dele parece mais correto dizer que está em idade avançada.

Quem também não percebeu que o tempo não passa mais com a mesma crueldade de outras épocas foram alguns dirigentes de futebol, que tacham de velhos os jogadores de trinta e poucos anos. Por isso é tão bom ver matusaléns como Marcelinho Paraíba (34) e Gilberto (32), só para lembrar dois que recentemente se ofereceram para jogar em certo clube da Azenha astutamente administrado, matando a pau pelos campos do país.

Nessas horas, sempre lembro de uma história familiar. Em um jantar, um senhor comentou que faria 69 em abril. Resposta do meu irmão: mas por que deixar para abril o que o senhor pode fazer hoje?

O fim da linha, o fim da carreira, o fim do mundo, oba, não estão próximos.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Farofada na fila

Brasileiro adora uma fila, até mesmo para praguejar contra ela. Observador da cena que sou, fico pasmo quando se aproxima o Carnaval e constato as imensas filas que se formam, as vésperas do início da venda de ingressos para os desfiles. È uma farofada de cadeiras de praias, cozinhas e camas improvisadas, chimarrão e trago circulando de mão em mão, tudo isso pelo privilégio de serem os primeiros a adquirir os ingressos. Famílias inteiras, inclusive com bebês de colo, participam da maratona tresnoitada, onde não faltam garotas assanhadinhas e rapazes ativos e operantes. Tudo inútil. Sobram ingressos, assim que a fila dos apressadinhos se dissipa.

Esse comportamento que precede os grandes eventos sempre me intrigou. Essa gente não trabalha? Se é ociosa, de onde vem a grana para os desejados ingressos? Será que não existe nada mais interessante e produtivo para passar o tempo do que marcar espaço a espera da bilheteria abrir? E a higiene desse pessoal como é que é feita? Estava ruminando acerca dessas importantes indagações e dos sacrifícios a que se submetem esses vanguardeiros, quando me caiu a ficha: é que as emissoras de TV, cumprindo uma pauta pouco criativa, estão sempre presentes para captar imagens desses grupos. Aí é festa!

Observem as imagens: sempre há alguém dormindo ou se fazendo, mesmo que o sol já esteja a pino, outros repartindo refeições e bebidas das intermináveis garrafas térmicas e uma alegria artificial de quem está recebendo o justo reconhecimento dos 5 segundos de fama a que tem direito. Não foram escolhidos para o BBB, então só resta ser celebridade na fila. Podem conferir, as imagens são sempre as mesmas, como são as mesmas as óbvias perguntas dos repórteres. “Desde quando estão aqui?” Se for antes de show de artista pop não vai faltar cerveja e um rosário de sonoras identificando as cidades de origem

Agora no velório do Michael Jackson consolidaram a idéia da fila na Internet. Já acho de extremo mau gosto esse negócio de transformar cadáver em espetáculo, mas mais de 1,6 milhões de fãs haviam se habilitado, sendo que apenas 8,5 mil receberam o privilégio de assistir de perto ao “evento”. Ou seja, nem a tecnologia acaba com as filas.

As inovações não param por aí. Um grande branco federal requintou o processo e criou a fila da fila. Funciona assim: o sujeito se submete a uma fila para receber uma senha que dá direito a fila do atendimento nos caixas. Detalhe: a primeira fila fica dois andares acima da fila final.

Foge a minha compreensão também aqueles atropelos nas lojas dos EUA – ou será no Japão? – no início das liquidações. É um comportamento que depõe contra o gênero humano. O pior é que a moda está pegando aqui no Brasil e dia de abertura de liquidação nas lojas mais populares é precedida de farofadas nas filas, com as mesmas cadeiras de praia, as mesmas garrafas térmicas, eventualmente uma barraca, gente insone, mas cheia de energia para comprar o que nem sempre precisa, mas garantir uma eventual participação televisiva. Empurra daqui, empurra dali e daqui a pouco se sobressai o fortão, carregando nos ombros uma tv de plasma, ou o casal que tenta ajeitar o refrigerador e mais os filhos numa velha Brasília. E é sempre a mesma coisa.

Estou sendo demasiadamente cruel com os hábitos populares? Pode ser, mas se um dia me virem participando de uma farofada dessas, chamem a SAMU e me internem.

*Publicado originalmente em Coletiva.net, em 8/7/2009

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Receitas antiflagrantes

Existem duas frases clássicas para justificar um flagra. A saída do motel, você e sua parceira são descobertos pelo marido dela, por exemplo. O sujeito se dirige pra vocês com caras de poucos amigos, quando a frase é disparada:

- Não é o que você está pensando.

Em outra situação é a sua mulher que dá o flagrante e só lhe ocorre dizer:

- Eu posso explicar.

As duas frases combinadas também são de uso comum, com o mesmo efeito de convencimento se empregadas em separado: nenhum.

O repertório lingüístico dos amantes é bem mais amplo e não é com a conotação que vocês estão pensando. Recentemente descobri a expressão “bife” usada para designar o parceiro que só serve para aquilo, sem outros envolvimentos. Bife, carne, comestível, acho que o significado é esse, sei lá. A moça liga, marca hora e local e depois do encontro é beijinho, beijinho, até a próxima e nada mais. Para o meu gosto, um processo muito burocrático. Um relacionamento legal impõe uma comunicação diferenciada e, na maioria dos casos, o casal estabelece códigos para se fazer entender sem ficar exposto. A primeira providência é batizarem um ao outro com apelidos carinhosos, quando não escorregam para o ridículo. Aí vale tudo e reinam os diminutivos: fofurinha, bijuzinho, morzinho, neguinha, tchutchuquinha. Os mais sofisticados preferem expressões em outro idioma: Cherry, Amore Mio, Honny, Darling. É um dengo só e homem vira piegas nessas circunstâncias.

Como ocorre com todos os idiomas, a linguagem da infidelidade também é um processo em constante mutação. O termo amante, por exemplo, caiu em desuso. Ou como diria aquele empresário bem de vida e algo preconceituoso: “Amante é coisa de pobre. Rico tem namorada”. Preconceitos à parte, a verdade inescapável é que dificilmente você vai ouvir, hoje em dia, alguém dizer que vai ao encontro “da amante”. O termo ficou chulo e brega. Visitar a “outra” ou “aquela outra” até passa. Ouço eventualmente a expressão “pessoa” e sua variação “aquela pessoa” e implico com isso, sei lá porque. Talvez porque existam eufemismos mais apropriados para o caso. Um deles é designar a pessoa em questão pelo realce profissional. Observe o exemplo e constate como fica elegante na frase: “Com licença, mas preciso sair porque tenho um encontro com a Doutora”. Vocês já sacaram quem é a doutora, que pode ser aplicado tanto para profissionais da área médica como do direito. Outro exemplo na mesma linha: “A professora me espera”. No caso, pode ser realmente uma mestra do saber ou uma homenagem do homem aos conhecimentos da parceira, por assim dizer, em outra matéria.

A tribo dos infiéis é criativa e inventa toda a sorte de artimanhas para escapar de questionamentos incômodos. Conhecido repórter, por exemplo, só escreve os telefone de suas novas conquistas em linhas verticais. Para todos os efeitos é uma operação de somar, se a anotação cair em mãos indevidas. Um sistema simples e eficaz.

Os códigos mereceriam um capítulo à parte. S. operador da bolsa de valores, certamente influenciado pela sua atividade, só marcava encontros com a companheira por meio de mensagens codificadas, enviadas por telefone ou por e-mail. “Cotação: MA-1830”. Tradução: Encontro às 18h30 no Motel A. Ou: “Índice Bovespa: RB-2100+MC”. Tradução: jantar no restaurante B às 9 da noite e depois esticada ao motel C. A cada letra correspondia um motel ou restaurante já conhecidos, então ficava fácil decodificar a mensagem. A resposta da parceira vinha na mesma linha. Se estava disponível avisava: “É hora de comprar”. Caso contrário, informava: “Venda as ações”. O único receio deles é que viesse a mensagem, previamente combinada, significando que tinham sido descobertos: “Crack da Bolsa!”

J, desportista, também utilizava linguagem apropriada a sua área de atuação. A mensagem “Hoje, 100 metros rasos”, significava disposição para uma rapidinha. Já “Amanhã Maratona” era a forma de dizer que estava preparado para uma grande noitada. As respostas às vezes eram desestimulantes, tipo “100 metros com barreiras”, quando a parceira dava conta de que ele podia pedir o que quisesse, mas não levaria tudo. O policial M. cifrava suas mensagens à namorada igualmente com as expressões que estava acostumado a usar no dia a dia. Exemplo: “Hoje acareação, 19, local do crime”. Tradução: encontro às 7 da noite no mesmo motel de sempre. Quando não podia comparecer aos encontros, avisava: “Elemento fugou” era a senha.

Por fim, quero fazer algumas considerações sobre um verbo em particular. É o verbo lidar, recorrente nas relações amorosas e usado preferencialmente pelas mulheres para justificar qualquer situação desconfortável. Elas bem que poderiam empregar o verbo suportar ou o agüentar, mas o lidar tem mais abrangência, sem contar que é mais elegante. Experimente usar em uma frase completa: “Não estou conseguindo lidar com isso...”. “Não suporto mais essa situação”. Existem diferenças. O suportar dá idéia de estresse é quase um desabafo, enquanto o lidar tem nuanças que atenuam o motivo que leva a sua utilização. Já naipe masculino é direto e apelativo: “To de saco cheio com essa situação”. Se vale como alerta, os homens não sabem lidar com mulheres que não sabem lidar com...

Filosofia do Natalício:

O Boteco Natalício é um simpático e barulhento bar ali da Cidade Baixa, com as paredes cobertas de ditos populares ou frases de para-choque de caminhão, como esta bobagem:

"Se chiar resolvesse, sal de frutas não morria afogado".

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Santa inveja: textos que eu gostaria de ter escrito

Outro dia cometi aqui um texto metido a conto ("A mulher de óculos escuros"), no qual o personagem, com uma vida pregressa de infidelidades, temia a presença de alguma ex em seu velório, o que poderia resultar em escândalo naquele momento de contrição familiar. E alertava seus irmãos para que ficassem atentos no velório às mulheres desconhecidas e de óculos escuros, sinônimo de encrenca na certa. Agora meu companheiro na Confraria da Caveira Preta, o festejado Paulo Sant’Anna, publicou na sua coluna de sábado, 31/10, em ZH, a crônica "Os Óculos Escuros", que vai na mesma linha de desconfiança em relação as pessoas que se escondem atrás das lentes escuras. Não pensem que estou aqui a dizer que este modesto blog esteja a pautar o sempre criativo Sant’Anna, mas pela convergência de opiniões, sinto-me obrigado a reproduzir a crônica do confrade, inaugurando uma nova secção no viadutra.blogspot – Santa inveja: textos que eu gostaria de ter escrito.



Os óculos escuros

Dizem que os olhos são as janelas da alma. Então, os óculos escuros são as venezianas.
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Sempre desconfiei de quem não tira os óculos escuros. Parece que quer esconder dos outros algo que oculta na alma por vergonha.

Se eu não tivesse meu olho esquerdo afetado por antiga paralisia facial, o que impede que suas pálpebras fechem por intuição, só por ato volitivo, nunca usaria óculos escuros. Só os uso para proteger o olho esquerdo do sol ou da luminosidade.

Mas, sempre que alguém se aproxima de mim para conversar, tiro depressa os óculos escuros. Os meus interlocutores não os merecem. ***
Quem usa óculos escuros esconde uma traição: já feita ou que está por vir.

Por sinal, há três profissões em que são intrínsecos os óculos escuros: cantor de rock ou de pop, segurança de casa noturna e general norte-americano ou brasileiro.

E segurança de casa noturna, além de óculos escuros, usa também indefectível traje inteiramente preto.
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Experimente arrancar desses marmanjões possantes os seus óculos escuros. Como Sansão de quem rasparam a cabeleira, ele ficará tonto, sem saber o que fazer, parece que lhe tiraram a força, a energia do utilitário físico que ele representa, enfim, arrancam-lhe a personalidade.

Uma vez perguntei a uma freira por que usava óculos escuros. Ela me disse que para atenuar a visão ofuscante das injustiças do mundo e para lhe parecerem mais sombrios os brilhos que emanam dos rostos dos maus quando eles triunfam diante dos bons.

Outra vez perguntei a um general por que ele usava óculos escuros e ele me respondeu: “Porque não posso suportar o fulgor do meu tenente-coronel diante dos recrutas”.
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Os atores da Globo também usam óculos escuros. Os banqueiros de jogo do bicho também usam óculos escuros. Os atores da Globo, deve ser porque lhes ofusca o próprio brilho. Os banqueiros de jogo do bicho, cogito que usam óculos escuros com medo de se encontrarem na rua com apostador a quem calotearam num prêmio ou com um policial honesto, que não pertence à sua lista de suborno.
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Mas há profissões e situações que não comportam em nenhuma hipótese óculos escuros.

Caso de um casamento a que assisti esses dias, em que o padre oficiava o sacramento de óculos escuros. Parecia ter vergonha da encrenca em que estava metendo o pobre do noivo.

E juro para vocês que no cemitério São Miguel e Almas, em agosto, estava sendo velado em uma capela um defunto de óculos escuros, eu nunca tinha visto algo igual.

Talvez um parente piedoso do defunto tenha lhe colocado os óculos escuros para livrá-lo do rigor das labaredas do inferno com que ele dali a pouco se defrontaria.
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Ocorre-me que só há dois tipos humanos que nunca vi com óculos escuros: os bebês e os hipnotizadores.

E, a uma pessoa que disse a um homem que este parecia um canalha de óculos escuros, o homem respondeu: “Só pareço um canalha? Se você visse meus olhos nuamente, então teria certeza de que eu sou um canalha”.