quarta-feira, 25 de julho de 2012

Barca furada

Realmente acho que estou ficando passado. Outro dia frequentei conhecido lupanar – há séculos pretendo usar essa palavra – lupanar, repito, numa daquelas transversais da Farrapos e fiquei negativamente surpreso. Antes é preciso explicar que fui ao local prestigiar um evento de uma produtora de audiovisuais, gente talentosa mas desconectada. Onde já se viu promover evento num lupanar?

A verdade é que em paralelo ao evento a casa estava aberta para, digamos, sua atividade fim. E aí começa a minha decepção.  As moças da casa circulavam com ar blasé, sem esboçar um sorriso sequer, um arreganho qualquer, um olhar mais convidativo ao público masculino presente ao evento – alguns bem assanhados com o ambiente. Foi deprimente ver aquelas moças, todas  bem  dotadas de calipígios, sentadinhas comportadas, lado a lado, a espera dos primeiros clientes de uma segunda-feira pouco promissora. Isso sem contar a decoração brega, que abusa dos neons, das pinturas de gosto duvidoso e dos painéis com mulheres seminuas.
Talvez o encolhimento das moças da casa – eu quase usei recato – se deva a inesperada concorrência das gurias presentes ao evento, belas, altivas, encantadoras, desejáveis, todas valendo uma incomodação – eu fora.  Talvez, ainda, eu esteja influenciado pela boate Bataclan, da novela Gabriela, sempre tão feérica e animada, contrastando com esse ambiente quase lúgubre e essas moças tão desacorçoadas e a ficção  superando a realidade.

Num rasgo de generosidade, ao me despedir do evento, passei pelas moças e, tentando animá-las, prometi que voltaria no dia seguinte para festar com elas.  Só o que recebi de volta foram um ou outro olhar desinteressado.
Mudei eu ou mudaram os lupanares? Não sei, mas acho que estava numa barca furada.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A propósito do Dia do Amigo

*Publicado originalmente em 6/8/2010


Confesso que não tenho muito saco para essas datas comemorativas, tipo Dia das Mães, dos Pais e Dia da Criança. A partir do momento em que se tornaram mais um evento comercial do que um tributo aos homenageados, tais comemorações perderam sua dimensão afetiva. Nada contra o comércio, que precisa fazer a roda da economia andar, mas não abro mão de decidir se participo ou não da festa e com quê entusiasmo será minha adesão.

Até porque novas datas comemorativas estão surgindo, todas com grande apelo emocional e sendo estimuladas pelo setor produtivo. O Dia dos Namorados já está consolidado, fazendo a alegria das floriculturas, dos restaurantes e dos motéis. O Dia da Mulher vai na mesma direção e já há quem advogue a criação do Dia do Homem, uma vez que outras opções já estão contempladas no Dia do Orgulho Gay.

Há um forte movimento para implantar o Dia do Amigo que, por enquanto, se resume ao envio de mensagens piegas entre aqueles que se julgam amigos do peito. Está pintando com força o Dia dos Avós e logo a meritória homenagem vai se transformar em obrigação de comprar presentes para os vovozinhos. Menos mal que posso ser beneficiário dessa obrigação, se bem que ainda vai levar algum tempo até que Maria Clara tenha discernimento para presentear seus avós queridos.

É preciso tomar cuidado com os exageros. Conheço o caso de marmanjos que até hoje recebem presentes pelo Dia da Criança. Observo também um esforço, inclusive de escolas, para introduzir entre nós o Halloween, o Dia das Bruxas, uma tradição anglo-saxonica que nada tem a ver com a nossa cultura. Só vou aderir se puder mandar um bouquet de espinhos para algumas bruxas que me atormentam no dia a dia.

E tem ainda essa forçação de barra para instituir o Dia da Sogra. Com todo o respeito à categoria, que nos legou nossas amadas parceiras, a figura da sogra ainda é estigmatizada e temo que, ao invés de homenagens, as respeitáveis senhoras sejam objeto de agravos de parte de genros e noras ingratos. Isso sem contar que podem surgir idéias como a criação do Dia dos Ex que pode englobar um naipe diversificado de figuras: ex-marido, ex-mulher, ex-sogra, ex-patrão, ex-amigo.

Antes que vire um ex-qualquer e para que não fique a impressão de que sou um rabugento em tempo integral, admito que estou ansioso pelo presente que vou ganhar dos meus filhinhos. A dúvida é: chinelo ou pijama?


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Transparência não é isso

Essa preocupação toda com os salários dos agentes públicos transcende a transparência apregoada pelos que advogam o livre acesso a todos os números e nomes das folhas de pagamento dos órgãos públicos. Trata-se, primeiramente, de um assunto da hora, um daqueles temas que rendem reportagens, entrevistas, colunas opinativas, programas de debates na mídia e, de repente, somem das páginas e dos outros espaços midiáticos.

É também  uma questão que permite o exercício do viés que definiríamos como moralista, primo-irmão do politicamente correto, de parte dos chamados formadores de opinião. O argumento é simples: se é o povo que paga o funcionalismo,  através dos impostos arrecadados pelo poder público, é  legal e moralmente justificável abrir os valores salariais para aqueles que, em última – ou seria em primeira? – análise são os patrões desse pessoal todo.

Tudo certo, até porque virou lei e lei é para ser cumprida. Mas tem uma coisa nesse processo que me deixa  apoquentado, descrente novamente na grandeza do gênero humano. É a sanha para descobrir quanto os colegas ganham e, se for alguns tostões a mais, destilar todo o ódio contra o agora desafeto. Esse é o efeito mais nefasto da divulgação pela imprensa dos salários dos funcionários púbicos, sem contar as repercussões familiares na casa daqueles que precisam esconder seus ganhos da patroa, sei lá por quais razões.  Sei de repartições que quase pararam nos últimos dias por causa do ti-ti-ti dos salários. 
E tem ainda essa caça às bruxas, verdadeira cruzada ensandecida,  aos que não fazem jus aos salários que recebem, como o caso dessa senhora da Assembleia Legislativa, um evidente caso de inocente útil.  Quero ver ser ousado na denúncia contra membro do judiciário que ganha mais de R$ 100 mil ou muito mais. Isso, sim, é um escândalo!

O ViaDutra ia espichar esse assunto,mas vai ficar por aqui, fazendo a indagação que não quer calar: a quem interessa demonizar o servidor e o serviço público?

sábado, 7 de julho de 2012

Livrai-me das homenagens

Quintana e Drummod,em bronze na Praça da Alfândega, em Porto Alegre: não é engano eterno


“Um engano em bronze é um engano eterno”. A frase foi a desculpa de Mário Quintana para evitar ser homenageado – com uma placa em bronze - pela prefeitura de Alegrete, terra natal do poeta.  Mas o prefeito não desistiu e usou a frase, simples e genial como o poeta, no bronze que hoje é uma das atrações da praça central da cidade fronteiriça. Por necessário, foi acrescentada uma explicação na placa: “Frase com que o poeta Mario Quintana se eximiu de escolher um verso seu para gravar em bronze”.

Eximir é um verbo mais correto para recusar determinadas homenagens. No serviço público é comum empresas promotoras de evento menos sérias, vigaristas mesmos, oferecerem troféus e diplomas de Destaque  disso ou daquilo a prefeitos e vereadores. A comunicação da “homenagem” é acompanhada de um doc para depósito bancário, com quantias variáveis dependendo do caso, a título de “despesas administrativas”, “aquisição de convites” ou outra designação qualquer porque, nesse âmbito, a criatividade não tem limites.
Também tem muito amadorismo no meio. Certa vez fui representar uma importante liderança política num evento em Porto Alegre e, além de ter de pagar o jantar (o tradicional fricasse de galinha com batata palha e arroz à  grega,  que de grego só tinha os pequenos nacos de cenoura), acabei sendo também homenageado, eu um mero jaguané,  com direito a uma biografia que foi pronunciada pelo mestre de cerimônia no triplo do tempo dedicado ao principal homenageado. O pior é que a gente tem que subir nos palcos e fazer cara de horizonte, enquanto despejam aquele montão de falsidades sobre você. Nessas horas,  que, graças ao bom deus dos assessores não tem acontecido com frequência, assumo um ar grave e concordo com tudo, maneando a cabeça afirmativamente. Mas é uma experiência duramente constrangedora.

Há coisas piores, como a que se tornou uma cruel homenagem feita pelo piloto que despejou a primeira bomba atômica sobre o Japão. O sujeito, certo de que estava fazendo a coisa apropriada, batizou de Enola Gay, nome de sua mãe, o quadrimotor B-29 que destruiu Hiroshima em agosto de 1945 e matou milhares de pessoas. 
Não teve a mesma dimensão dramática, mas não deixou de ser uma crueldade o que fizeram com Paulo Roberto Falcão, anos atrás, quando indicaram o craque para receber o título de Cidadão de Porto Alegre e a proposta foi vetada, por maioria, na Câmara de Vereadores. Ou seja, o coitado do Falcão não pediu para ser homenageado e ainda passou pelo vexame de ter seu nome rejeitado, por razões que já nem interessam mais, na cidade que o consagrou para o futebol.

Essa é a questão crucial que envolve as homenagens e que Mário Quintana expressou  como só ele saberia fazer. Se os homenageados pudessem antever o futuro e o que aconteceria com os espaços e situações dos tributos que lhe seriam prestados, mesmo os mais bem-intencionados, ficaria mais fácil de lidar com a questão.
Mas sabemos que não é assim.  Por exemplo, não terei como impedir que  a Travessa Flávio Dutra ou algo do gênero , que algum baba-ovo vai querer batizar quando eu partir para outra dimensão, passe a figurar nas páginas do Diário Gaúcho. Já estou até vendo as manchetes e títulos: “Traficantes tomam conta do Beco Flávio Dutra”,  ou “Prostituição infesta praça Flávio Dutra”, ou ainda “Ruela Flávio Dutra virou foco de lixo”,  ou a pior  - “Ninguém aguenta o mau cheiro da Flávio Dutra”.  Vou me remexer na cova.  O que me conforta é que ainda vai demorar muito até eu virar placa!