“Um engano em bronze é um engano eterno”. A frase foi a desculpa de Mário Quintana para evitar ser homenageado – com uma placa em bronze - pela prefeitura de Alegrete, terra natal do poeta. Mas o prefeito não desistiu e usou a frase, simples e genial como o poeta, no bronze que hoje é uma das atrações da praça central da cidade fronteiriça. Por necessário, foi acrescentada uma explicação na placa: “Frase com que o poeta Mario Quintana se eximiu de escolher um verso seu para gravar em bronze”.
Eximir é um verbo mais correto para recusar determinadas homenagens.
No serviço público é comum empresas promotoras de evento menos sérias,
vigaristas mesmos, oferecerem troféus e diplomas de Destaque disso ou daquilo a prefeitos e vereadores. A
comunicação da “homenagem” é acompanhada de um doc para depósito bancário, com
quantias variáveis dependendo do caso, a título de “despesas administrativas”, “aquisição
de convites” ou outra designação qualquer porque, nesse âmbito, a criatividade
não tem limites.
Também tem muito amadorismo no meio. Certa vez fui representar
uma importante liderança política num evento em Porto Alegre e, além de ter de
pagar o jantar (o tradicional fricasse de galinha com batata palha e arroz à grega, que de grego só tinha os pequenos nacos de
cenoura), acabei sendo também homenageado, eu um mero jaguané, com direito a uma biografia que foi
pronunciada pelo mestre de cerimônia no triplo do tempo dedicado ao principal
homenageado. O pior é que a gente tem que subir nos palcos e fazer cara de
horizonte, enquanto despejam aquele montão de falsidades sobre você. Nessas horas,
que, graças ao bom deus dos assessores
não tem acontecido com frequência, assumo um ar grave e concordo com tudo,
maneando a cabeça afirmativamente. Mas é uma experiência duramente
constrangedora.
Há coisas piores, como a que se tornou uma cruel homenagem
feita pelo piloto que despejou a primeira bomba atômica sobre o Japão. O
sujeito, certo de que estava fazendo a coisa apropriada, batizou de Enola Gay,
nome de sua mãe, o quadrimotor B-29 que destruiu Hiroshima em agosto de 1945 e
matou milhares de pessoas.
Não teve a mesma dimensão dramática, mas não deixou de ser
uma crueldade o que fizeram com Paulo Roberto Falcão, anos atrás, quando
indicaram o craque para receber o título de Cidadão de Porto Alegre e a
proposta foi vetada, por maioria, na Câmara de Vereadores. Ou seja, o coitado do
Falcão não pediu para ser homenageado e ainda passou pelo vexame de ter seu
nome rejeitado, por razões que já nem interessam mais, na cidade que o
consagrou para o futebol.
Essa é a questão crucial que envolve as homenagens e que
Mário Quintana expressou como só ele
saberia fazer. Se os homenageados pudessem antever o futuro e o que aconteceria
com os espaços e situações dos tributos que lhe seriam prestados, mesmo os mais
bem-intencionados, ficaria mais fácil de lidar com a questão.
Mas sabemos que não é assim. Por exemplo, não terei como impedir que a Travessa Flávio Dutra ou algo do gênero ,
que algum baba-ovo vai querer batizar quando eu partir para outra dimensão,
passe a figurar nas páginas do Diário Gaúcho. Já estou até vendo as manchetes e
títulos: “Traficantes tomam conta do Beco Flávio Dutra”, ou “Prostituição infesta praça Flávio Dutra”,
ou ainda “Ruela Flávio Dutra virou foco de lixo”, ou a pior - “Ninguém aguenta o mau cheiro da Flávio
Dutra”. Vou me remexer na cova. O que me conforta é que ainda vai demorar
muito até eu virar placa!
O pior talvez seja "aluga-se na Flávio Dutra"... Texto ótimo, como de costume... Bj, Paula
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