segunda-feira, 27 de maio de 2019

Memórias da Fabico


* Publicado nesta data em Coletiva.net

Recebi da minha irmã  Rosa Maria um mimo que estava perdido nos baús  da  família: uma carteirinha estudantil do DCE da UFRGS, do ano  de 1971. Lá aparece o retratinho do jovem sem barba que um dia fui e as informações básicas do documento, dando conta de que se tratava de um estudante de Jornalismo.  Logo vieram as lembranças da minha vida acadêmica, num período em que as universidades públicas estavam amordaçadas, o que  remete para o momento atual de forte questionamento sobre a atuação das mesmas por parte do Ministério da Educação. Por enquanto, vou me limitar ao resgate de  bons momentos, outros nem tanto,  vividos naquele  período, e para isso resgato um  texto publicado em outubro de 2010. Voltaremos. 

Foi em 1969, ainda no prédio da Filosofia, que a primeira turma da nova Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) começou, deixando de ser Escola de Jornalismo e passando no ano seguinte, com currículo novo, para o prédio onde funcionava a gráfica da universidade na Ramiro Barcelos. Os burocratas da academia decidiram unir duas unidades que estavam perdidas na estrutura universitária da Ufrgs e assim nasceu a Fabico. De um lado, uma fauna variada que  queria ser jornalista e de outro as gurias bem comportadas, futuras senhoras bibliotecárias.  Com duas tribos tão diferentes convivendo era difícil a integração, mas pelo menos não havia hostilidades. O interessante é que a cada ano trocava o diretor da Faculdade, revezando-se um professor da Comunicação e da Biblioteconomia.  E aí o curso que estava na liderança, recebia melhorias em detrimento do outro.

A verdade é que éramos do bem. E um tanto despolitizados, apesar - ou por causa de – vivermos o período mais fechado da ditadura. Não lembro de adesões mais expressivas às manifestações estudantis da época. O pessoal da comunicação parecia mais interessado na Contracultura, que ainda estava na moda.

Um episódio, entretanto, ficou marcado. Foi quando parte da turma resolveu dar uma prensa no falecido Aldo Schmidt , suspeito de ser informante do DOPS, o que ele desmentiu veementemente.  Havia essa paranoia na época, porque a universidade estava infestada de dedos-duros.  A situação foi constrangedora e humilhante para o colega – que  dá o nome a sala de imprensa do Aeroporto Salgado Filho; ainda existe? - e uma das poucas más lembranças da nossa Fabico de então.  E também uma exceção porque eu era sobrinho do então ministro de Educação, Tarso Dutra, em pleno regime militar (ele votou pelo AI-5), e jamais me foi cobrado qualquer posicionamento à esquerda ou à direita e nunca fui hostilizado devido ao parentesco.

Outro episódio, menos traumático, envolveu este que vos fala e um jornalista que se tornaria famoso nacionalmente na comunicação e na política. Sucede que ambos trabalhávamos na mesma empresa e, falando honestamente, não éramos muito assíduos às aulas. Ao final do semestre, nossas ausências em determinada matéria eram grave impeditivo para concluirmos a disciplina. O companheiro, que chefiava o departamento de jornalismo de uma rádio, convidou-me para fazer um apelo ao professor que vinha a ser, no período, o diretor da Fabico. Lá fomos nós para a sala do diretor, tentar passar a conversa no homem. Nem foi muito difícil. O diálogo que se estabeleceu, com ligeiras alterações, foi assim:

- Professor, como o senhor sabe, eu e o Dutra trabalhamos na rádio X e tivemos muita dificuldade para assistir as suas aulas. Nós queríamos saber se tem alguma forma da gente compensar as faltas, fazendo algum trabalho...

- Não se preocupem , conheço bem o trabalho de vocês e vou levar isso em consideração. Agora estou precisando de uma ajuda da rádio de vocês. Temos um projeto de Biblioteca Volante que precisamos divulgar...

O diretor nem precisou completar a frase e já foi atalhado pelo porta-voz da dupla de infrequentes:

- Pode deixar, amanhã nosso programa de maior audiência vai fazer uma entrevista com o senhor para divulgarmos esse importante projeto da nossa Fabico!

No dia seguinte o prometido foi cumprido e, graças à entrevista, conseguimos ser catapultados para o semestre seguinte.  É bem verdade que a Biblioteca Volante, uma velha Kombi, prestava um bom serviço, levando livros à periferia – o que diminui meu complexo de culpa.

Parte da turma gostava mesmo era de viajar e ficava um semestre inteiro percorrendo, como mochileiros, países da América Latina. A moda era Machu Picchu, no Peru, e coisas do gênero. Em uma dessas jornadas, um companheiro decidiu sair do armário, assumindo sua homossexualidade. A iniciação, pelo que soubemos, foi com um estrangeiro, o que provocou protestos na turma, essencialmente nacionalista e contrariada com aquela preferência por um parceiro do exterior. E ficou por isso mesmo, até porque o assumido veio juntar-se a outros dois ou três já incluídos na nossa cota de gays.

E mais não conto. Apesar de insistentes pedidos dos meus poucos,  mas fiéis seguidores, vou frustrá-los omitindo situações que testemunhei ou me relataram das célebres festas da Fabico. É que temo pela minha integridade física, uma vez que as pessoas envolvidas estão todas bem vivas, algumas em posições de projeção. Fico devendo essa.

Semana que vem tem mais.



segunda-feira, 20 de maio de 2019

Ah, essas pesquisas!


Publicado nesta data em Coletiva,net

Com frequência, meus perfis  nas redes sociais são infestados por pesquisas ditas científicas. Nesta era de fakenews desconfio de  tudo, sobretudo das pesquisas eleitorais e mais ainda daquelas que tratam de temas comportamentais. Exemplo recente é a que chegou à conclusão de que as mulheres mais jovens preferem os homens mais velhos, repetida à exaustão no twitter. Os veteranos mais assanhados aproveitaram para se vangloriar de façanhas inexistentes com moçoilas ou torcer para que isso se confirme no futuro, o que vai ocorrer com a mesma probabilidade de que eu ganhe a megasena da virada – nenhuma!

Aos desavisados, informo que, na verdade,  nem se trata de pesquisa, mas de uma plataforma que conecta mulheres jovens com homens maduros.  Uma espécie de Tinder da terceira idade. Não é estudo acadêmico, é negócio e parece promissor. Desde já antecipo: eu fora.
A criadora  da plataforma - sim, é mulher  - explica a atração das jovens pelos homens mais  velhos: elas procuram segurança. Sem me posicionar para não ser alvo de patrulhamento indevido, reproduzo literalmente a explicação: “ Os homens mais velhos têm uma aura de experiência, sabem o que querem e têm a quantidade certa de domínio que as mulheres mais jovens estão procurando – especialmente quando se trata de sexo. As mulheres jovens podem realmente explorar sua feminilidade pela primeira vez com homens mais velhos (...). Por outro lado, os homens maduros podem recuperar um pouco de sua juventude e se sentir como o protetor. “  Repito, eu fora.
Mais explicações ainda necessitaria a pesquisa que aponta uma série de nomes de homens ruins de cama. Também estou fora dessa, pois  meu nome não consta da lista, o que condiz com a realidade. Manifesto minha solidariedade aos 20 nomes listados, alguns de amigos  e de parentes próximos, que não  reproduzirei para evitar constrangimentos. Mesmo “beneficiado” pela omissão do nome Flávio, (se o nome aparecesse aí mesmo é que a pesquisa não teria credibilidade) dou pouco ou nenhum crédito à inusitada pesquisa, que teria sido realizada  pela Universidade de Campinas, Unicamp. Consta que os pesquisadores da Unicamp foram às ruas e perguntaram as mulheres qual o nome do sujeito com a qual tiveram a pior experiencia sexual e  alguns nomes se repetiram mais do que os outros. Daí surgiu a fatídica lista de 20  nomes.

A ser verdade que a  Unicamp usou recursos públicos para essa pesquisa vou dar razão ao Bolsonaro quando anuncia cortes nas pesquisas acadêmicas.

Pois é, fui cornetear a Unicamp e já  me questionava se a coluna não estava muito erotizada quando me deparei com a matéria da revista digital Donna, com o sugestivo título “Por que os adultos estão transando cada vez menos”, baseada em  pesquisa do acatado Jornal Britânico de Medicina. Uma das causas constatadas seria a atenção  demasiada que temos dado às redes sociais em detrimento dos jogos da cama.  Ou seja, muita rede e pouco enrosco. O restante confiram lá na matéria, que é mais uma a revelar a  verdadeira obsessão atual pela temática do sexo, inclusive no meio acadêmico. Reveladora ainda da preferência pelo sexo oral, mais falado do que praticado. (Desculpem, não resisti ao jogo de palavras.)

A propósito de pesquisas, começam a surgir as que mostram o potencial de candidaturas à  Prefeitura de Porto Alegre. Os resultados publicados, inflando os percentuais de nomes altamente rejeitados, me levam uma afirmativa categórica:  isso, sim, é obscenidade!

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Varig, patinete e bilboquê


* Publicado hoje em Coletiva.net

Se viva fosse, a Varig festejaria 92 anos no dia 7 de maio. A data provocou uma onda  nostálgica e ainda mexe com os brios dos gaúchos mais veteranos, que tinham na Pioneira motivos para  se orgulhar de um tempo em que as nossas façanhas serviam de modelo a boa parte de toda a terra. “Estrela brasileira em céu azul” a  “Varig, Varig, Varig” chegou  a voar com “pontualidade e  competência” para 795 destinos internacionais em associação com a Star Aliance. Era “a maneira  elegante de voar”, como destacou o comercial para TV que marcou seus 80 anos, justo em 2006 quando se acelerou a fase final da companhia.

Consta que, além de sua incompetência gerencial, a Varig foi vítima de uma manobra de José Dirceu, então todo poderoso dos governos petistas, para favorecer a TAM, hoje Latam, repetindo, aliás, o que na década de 60 o governo militar fez em relação à Panair para beneficiar  a  Varig.  Mas essas são outras histórias.

Sou do time dos veteranos, muito desfrutei das mordomias dos voos da Varig, mas não entro nessa  de culto ao passado pela voadora aqui nascida. Foi-se o tempo em que “andar de avião” era um charme, precedido do anúncio da nominata dos passageiros pelo serviço de som do aeroporto. Hoje as viagens aéreas foram democratizadas e, diferente do desfile de trajes elegantes de homens e mulheres nos voos em décadas passadas, hoje é comum encontrar passageiros de bermuda e  chinelo de dedo em roteiros nacionais  e internacionais. Acho uma chinelagem esse figurino despojado, mas não faço cara feia quando as moças de shortinho percorrem os apertados corredores dos aviões. Sinal dos tempos, assim como o fato de que meu neto de 3 anos e  minhas netas de 7 e 9  têm hoje muito mais milhas voadas do que eu aos 20 anos.  

Nada a ver com a Varig, mas tudo a ver com o resgate de alguns ícones do passado a ascenção do patinete como nova modalidade de transporte individual.  Outro dia assisti a um senhor todo engravatado patineteando entre  os carros na Borges de Medeiros que, como sabemos, é uma movimentada avenida central de Porto Alegre. Em algumas cidades - e logo vai ocorrer aqui - os patinetes elétricos tornaram-se verdadeiras pragas ao competir pelos espaços nas calçadas e espaços públicos com os  pedestres. Eis aí outra situação que não contará com minha adesão.  Não consigo me ver, descordenado que sou, pilotando um patinete, ziguezagueando e colocando em risco os  circunstantes.

O  que eu gostaria mesmo é de resgatar alguns brinquedos do passado, como aquele carrinho de lomba em que, meus irmãos e eu,  descíamos a  avenida Bagé, no bairro Petrópolis. Ou o  tabuleiro que de um lado era para o jogo de  damas (ou xadrez) e no outro a configuração para o ludo com seus peões de plástico.  Em algumas boas casas do ramo ainda se encontram esses tabuleiros e suas peças. Já não posso garantir o mesmo em relação ao bilboquê. A afirmação está baseada no ocorrido com um dileto amigo que, para atender pedido de sua lucida mãe de 96 anos, saudosa do  brinquedo da sua infância, saiu à procura de um bilboquê.  Na loja de brinquedos, a moça sorridente  foi surpreendida com o pedido:

- Por  acaso vocês tem aí bilboquê?

- Bil o quê? -, rimou e trocadilhou a moça.

- É tipo uma coisa onde um pauzinho a gente sacode para entrar num buraquinho -, tentou explicar meu amigo.

É evidente que ele  foi mal interpretado.
- Me respeita, seu safado, semvergonha. Pauzinho, buraquinho... Vou te denunciar por assédio -, reagiu a moça  diante do perplexo interlocutor.
Posso assegurar que meu dileto amigo é pessoa de ilibadíssima conduta, mas por via das dúvidas e evitar novos mal entendidos ele suspendeu a procura do bilboquê.
Apelar para a nostalgia  pode  ser perigoso às vezes. Pior que isso só a misturança de assuntos reunida neste texto...
                                          Eis  o bilboquê



segunda-feira, 6 de maio de 2019

Praga televisiva


*Publicado nesta data em Coletiva.net
O “este especialista” virou figurinha carimbada nos principais telejornais, verdadeira praga televisiva, embora  batam ponto também nas rádios e jornais.  Não é novo o expediente das editorias de  apelar para um expert a fim de  dar  embasamento e credibilidade à determinada matéria, mais ainda se o tema tratado é de natureza técnica. O que mudou foi a intensidade com que o “este especialista” passou a ser acionado agora.  Economia e finanças, educação, cultura, segurança pública, política internacional, logística e  infraestrutura, sexo dos anjos, para todos os temas sempre existe um especialista de plantão, pronto para despejar suas verdades sobre nós.

Especialmente na Rede Globo, que está em guerra aberta contra o governo Bolsonaro, o “este especialista” aparece em uma  matéria sim e em outra  também quando se trata de questionar alguma politica governamental. No caso, o “este especialista” acaba fazendo o papel de laranja do editorial da Globo. Não acredito que a maioria  deles se preste conscientemente a esse papel, mas é assim que funciona. Penso mesmo que o governo Bolsonaro tem se mostrado tão errático, tão confuso, tão despreparado   que nem precisaria do “este especialista”  para desqualificar o que vem sendo anunciado como propostas de governo.

Recrutados  na academia ou nas ONGs,  o “este especialista”,  acostumado a longas dissertações, acaba vítima das edições nos telejornais, que reservam poucos segundos – preciosos segundos televisivos – para aquela solução que vai se contrapor à pauta oficial  origem da reportagem. E o resultado é um festival de obviedades e de soluções inviáveis, pois os doutos senhores estão descompromissados com a realidade. Entre o pensar da academia e o fazer da vida real vai uma enorme distância, que os vaidosos opiniáticos não levam em conta.

Durante o período eleitoral, vários deles – cientistas políticos, sociólogos e afins - circularam nos espaços da mídia, tentando explicar o comportamento do eleitor com teses que não sobreviveram à abertura das urnas. O pior é quando passam a dar opiniões sobre coisas mais concretas, obras públicas por exemplo. O “este especialista” consultado sempre tem a solução mais fabulosa e arrojada para os problemas, não importando se existem recursos e viabilidade para a execução do faraônico projeto. Mas a ideia proposta passa a ser definitiva, inquestionável e ai de quem ouse pensar diferente. O nome desta postura chama-se desonestidade intelectual, pecado dos sectários e donos da verdade.

A responsabilidade primeira sobre esse processo, vale reprisar, não é dos tais consultores, mas de quem os contrata e aciona. A mídia parece envergonhada de assumir determinadas posições e busca respaldo na opinião do “este especialista” para reforçar o que, na verdade, pretende passar. Em outros casos, procura dar um verniz erudito a determinados temas, de forma a valorizá-los. E o que constatamos, na maioria das vezes, repito, é um festival de obviedades, o primado do achismo, nivelando-se aos piores debates esportivos. Nestes, pelo menos, permite-se o contraditório.