segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Balseira do ciberespaço

* Publicado originalmente em janeiro de 2010, mas atual como nunca

Um dos bons presentes que ganhei recentemente foi o livro “De Cuba, com carinho”, de Yoani Sánchez. Ela escreve um dos blogs mais visitados em todo o mundo, o Generacion Y, com milhões de acessos, mas quase não consegue ser lida em Cuba pela óbvia razão de que o governo não tem o menor interesse em que seus conteúdos sejam difundidos entre a população local. Isso não impediu Yoani foi eleita pela revista Times uma das mulheres mais influentes do mundo e ganhasse em 2007 o prêmio Ortega e Gasset de jornalismo digital – que não pode receber pessoalmente na Espanha!

Formada em Filologia Hispânica, essa balseira do ciberespaço, como ela mesmo se define, escreve admiravelmente bem porque com simplicidade. Cada palavra e cada frase está no seu devido lugar e cumpre sua função, talvez porque a parcimônia nos seus textos reflita a própria Cuba de hoje, que impôs a seus filhos privações de toda a ordem e é preciso saber conviver somente com o essencial, inclusive para se comunicar. Mas diferente da situação do país, o resultado do trabalho de Yoani é harmonioso, mesmo com a dureza com que ela trata dos assuntos, sem meias palavras para criticar os dirigentes cubanos ou para descrever as difíceis condições de vida dos hermanos.

Yoani e Generacion Y são exemplos de resistência ao totalitarismo, clamor por mais liberdade, um grito de esperança, alternando destemor e medo diante das ameaças, tudo isso com muito amor pelo seu país e apesar das imensas dificuldades de acesso à rede e do absoluto controle e restrições governamentais.

Entretanto, aos 35 anos Yoani parece desencantada com o futuro de Cuba, nem tanto pela falta de liberdades ou pela carência dos bens mais básicos, mas pelo fim das ilusões que transformou os cubanos em um bando de embusteiros, diferente do povo que recuperou sua dignidade nos primeiros anos da revolução. Enganar o governo sempre que possível, encontrar formas de burlar as determinações legais para o bem e para o mal, apelar para o mercado negro ou simplesmente dar as costas à Ilha e buscar o exílio é o que move hoje a maioria dos 11,5 milhões de cubanos. Yaoni preferia que toda esta energia fosse direcionada para a luta contra a ditadura castrista, por isso extravasa seu ressentimento em alguns textos. "Medalhistas de Vermelho" é um dos textos que reflete bem como se dão as relações na Cuba de hoje:

Existe entre nós um esporte praticado com freqüência, mas cujas estatísticas e incidências não são mencionadas em lugar algum. Trata-se da modalidade esportiva de devolver a carteira do Partido Comunista, para a qual muitos dos meus compratriotas vêm se preparando durante anos. O mais importante é treinar os sentidos para encontrar o momento adequado de levantar-se na assembléia e dizer "companheiros, por motivos de saúde não posso continuar arcando com a tarefa que voces me confiaram". Há quem alegue ter uma mãe doente – de quem terá que cuidar – e outros manifestam sua intenção de se aposentar para tomar conta dos netos. Poucos dos testemunhos dos que encerraram a militância contém a confissão honesta de terem deixado de acreditar nos preceitos e princípios que o Partido impõe.

Conheço um que encontrou um modo original de escapar das reuniões, das votações unânimes, dos chamamentos à intransigência e das freqüentes mobilizações do PCC. Como um boxeador, treinado para agüentar até que soe a campainha, compareceu ao que seria seu último encontro com o núcleo partidário de seu local de trabalho. Supreendeu a todos pelo argumento inusitado, um verdadeiro swing de esquerda que ninguém esperava. “Todo o dia compro no mercado negro para alimentar minha família e isso um membro do Partido Comunista não deve fazer. Como devo escolher entre colocar alguma coisa no prato dos meus ou acatar a disciplina desta organização, prefiro renunciar.” Todos na mesa se entreolharam incrédulos, “mas Ricardo, o que você está dizendo? Aqui a maioria compra no mercado negro”. O ‘golpe’ que vinha ensaiando encerrou com chave de ouro o breve assalto: “Ah...então eu vou embora, pois não quero pertencer a um partido de dissimulados, que dizem uma coisa e fazem outra”.

O livrinho vermelho, com seu nome e sobrenome, ficou sobre a mesa à qual nunca mais voltou a sentar-se. A medalha de campeão, quem lhe deu foi a própria mulher quando chegou em casa. “Finalmente se livrou do Partido”, disse ela, enquanto lhe sapecava um beijo e lhe passava a toalha.
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Não é preciso dizer que recomendo com entusiasmo "De Cuba, com Carinho", de Yoani Sánchez (Editora Contexto).

sábado, 28 de janeiro de 2012

Será o fim dos tempos? - parte II

                                         Barbeiragem náutica nos EUA.

A arrancada de 2012 realmente é de preocupar qualquer vivente. O ViaDutra já havia registrado sua perplexidade com alguns acontecimentos um tanto fora do comum nos primeiros dias do ano e o caso mais notório é do meio naufrágio do navio Costa Concórdia. O mês de janeiro nem terminou e a bruxa continua à solta.  No Rio, alguém fez alguma bobagem num prédio de 20 andares, que veio a abaixo e derrubou outros dois.  O mais interessante é observar os especialistas tentando explicar o ocorrido e a forçação de barra das TVs para transformar a tragédia em mini seriados dramáticos no caso de cada uma das vítimas.

Mas não sejamos injustos com o Rio, imaginando que esse tipo de tragédia só acontece em terras cariocas. Nesta mesma semana foi noticiado, timidamente, pela mídia  o desabamento de um cassino em construção em Cincinatti, EUA, ferindo 13 operários.  E sem intenção de livrar a cara do comandante Francisco “Vade a bordo” Schettino, ainda nos EUA, a barbeiragem de outro comandante num cargueiro arrancou parte de uma ponte no rio Kentucky, sem vítimas.  É isso, soltaram a bruxa.
Por aqui, um acidente operacional com uma boia transformou Tramandaí em notícia nacional e quiçá internacional, com vazamento de mais de uma tonelada de óleo. Teve gente torcendo para que a quantidade fosse maior – é essa mania de grandeza dos gaúchos.  E só assim mesmo para o nosso litoral virar notícia.

E o que dizer da interdição pela vigilância sanitária do incensado Pampa Burger, na Cidade Baixa? Causou comoção entre os gaúchos de fé que os lanches do estabelecimento que veio para fazer o contraponto  gaudério aos globalizados McDonald’s e Subways fossem causadores de transtornos intestinais em vários consumidores.

O Pampa Burger, forçando a barra, seria a versão lanchonete do Fórum Social Temático (ex-Mundial) que foi criado como contraponto a outro movimento, o capitalista Fórum Econômico Mundial, de Davos.  A propósito, andei circulando pelos espaços do nosso Fórum e fiquei encantado com a fauna humana atraída pelo evento. Pensei ter voltado anos 70 do século passado. Era um autêntico desfile da moda riponga: aquelas saias longas, vestidões floridos, camisetas, sandálias e chinelos, bolsas de lona atravessadas e, em alguns casos, moderníssimas – no contexto -  pochetes. De moderno, o FST contribuiu para minha erudição com um novo termo: coletivo de hackers, ouvido de um representante do Ministério da Cultura, quase um clone do ex-ministro Gilberto Gil no palavreado.

Enfim, são incidências e acidentes deste 2012 que recém está iniciando e que promete. Será prenúncio do fim dos tempos?

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Sessão desapego

Entrei num processo sofrido de desapego.  Aos poucos, comecei a me livrar de roupas, sapatos, papelada e objetos que já tiveram sua utilidade, mas agora só ocupavam espaço.  Fisicamente o espaço foi recuperado, mas há um outro espaço, o das lembranças, que se vai  junto com o descartável.  Se o que agora foi liberado resistiu tanto tempo junto da gente é porque certamente evocava boas lembranças. Por isso, recuso-me a tratar o descarte como entulho.  Na verdade, é preciso uma boa dose de coragem para o desapego, que é renúncia e despojamento, mas que não deixa de ser também uma forma de traição ao abrir mão do que vale a pena recordar, substituindo por novos focos de atenção.

Lá se foram camisas puídas de tanto uso e só estavam nesse estado deplorável porque eram as preferidas. Minhas queridas camisas azuis quadriculadas, que lástima. Junto foram aqueles sapatos confortáveis que, de tão usados, já deixavam a desejar na pisada e nem suportavam mais um trato do engraxate.  Não sei se ocorre igual com vocês, mas independente do numero de peças de vestuário e calçados disponíveis, a gente acaba usando sempre os mesmos e os mesmos sempre.  Vá explicar.
A papelada é o que merece ainda uma atenção especial porque ainda há muito para ser descartado. Mas a cada descoberta nas inúmeras caixas e pastas instala-se a dúvida: será que não vou precisar disso mais tarde? Mania de jornalista que ainda não enveredou para os arquivos digitais.  

E o que fazer com aqueles objetos que um dia representaram afeto e atenção?  Retornar as origens é preciso, que é a forma de desapego pelo que não quer valer, como no verso de Clarice Lispector. O que sobrar vai para a coleta seletiva, que não tem o mesmo apelo poético, mas fazer o quê?!
“Afinal, se coisas boas se vão é para que coisas melhores possam vir. Esqueça o passado, desapego é o segredo”. Voto com o relator, que seria o grande Fernando Pessoa. E se não for, assino embaixo assim mesmo.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Será que é o final dos tempos?

O saudoso Evaldo Gonçalves, patrono da Confraria da Caveira Preta, usava uma frase curta e exclamativa para expressar sua perplexidade diante de alguns acontecimentos nos anos 90: “Que fim de século!”. Aproveito o mote para registrar a minha perplexidade com os fatos que marcam a arrancada de 2012: “Que início de ano!”.

Já nem falo dos desastres naturais provocados pela chuva no Rio e em Minas e da estiagem no amado Rio Grande porque isso tem sido recorrente, mas no que tem figurado no noticiário de forma patética, bizarra ou perturbadora, beirando o inverossímil.

O que foi o absurdo desse naufrágio na costa italiana? Como explicar que um navio com toda a tecnologia disponível assuma sua versão Titanic e, pela decisão de um único homem, provoque dezenas de vítimas? É absolutamente inacreditável que o comandante, a propósito de homenagear ex-companheiros, tenha levado um transatlântico do tamanho de três campos de futebol e 114 mil toneladas, com mais de 4,2 mil pessoas a bordo, a apenas 150 metros de uma costa rochosa. Pois, tudo indica que foi isso que a aconteceu.

Abaixo do Equador as notícias não são tão trágicas, mas assim mesmo causam perplexidade, quando não são risíveis, como a do ladrãozinho que roubou o celular “de uns magros” e gravou no aparelho um vídeo narrando, qual um Galvão Bueno matuto, o malfeito perpetrado. Aconteceu em Passo Fundo e o babaca acabou identificado e preso. Já em Teixeira de Freitas, na boa terra baiana, dois presidiários foram descobertos quando tentavam fugir da penitenciária vestidos de mulher. Foram denunciados pelo jeito de andar... Cena de filme pastelão.

E tem ainda os casos das contravenções de trânsito de ministros e deputados, numa onda crescente nesse alvorecer de 2012. A melhor – ou pior? - desculpa ainda é a do ex-sem terra, agora um sem-carteira,o deputado Dionilso Marcon. Flagrado dirigindo com a carteira suspensa por excesso de multas, o sem noção primeiro culpou o PM que o abordou e depois alegou desconhecer que estava penalizado.

E o tal de Enem não cansa dos nos surpreender, mas está se superando neste início de ano. Uma candidata que deixou a prova em branco acabou ganhando  nota maior que a mínima, enquanto mais de uma centena de candidatos tiveram que recorrer dos resultados por causa de erros na correção das provas. Pior são as respostas do MEC, sempre com erros gramaticais, às consultas e reclamações dos estudantes.

Nada supera, porém, o BBB como tema polêmico num país que parece não ter outros problemas. Foi estupro, abuso sexual, sexo consentido? Essa é a discussão que mobiliza o Brasil inteiro, por quase uma semana, a propósito de uma transa entre dois participantes (homem e mulher, para deixar claro), após uma festa regada a muito trago. Os oportunistas de ocasião aproveitam para demonizar a rede Globo, responsabilizada por todas as mazelas do Brasil. Todo mundo tem opinião a respeito e o coitado do Veríssimo tem que explicar que não é dele um texto que corre a Internet metendo pau no programa e na Globo. Ah, 2012...

Até a ficção está me deixando atordoado. A minissérie “O brado retumbante” mata presidente e vice da República num mesmo acidente de helicóptero, quando qualquer pessoa medianamente informada sabe que os protocolos de segurança impedem que as duas autoridades sigam nos mesmos vôos. Bem, depois que a Dercy Gonçalves virou puritana em outra minissérie, não duvido de mais nada. Assim vou acabar dando razão ao Previdi (http://previdi.blogspot.com): O fim do mundo está próximo!!!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

De Curasal, com carinho


*Publicado originalmente em 1º de fevereiro de 2011, mas continua valendo.

O Papa vai para Castel Gandolfo, o presidente americano para Camp DavId, a realeza inglesa para Balmoral, enquanto eu, mais modesto, me refugio em Curasal no verão. Traduzindo, um pequena praia entre Curumim e Arroio do Sal, no litoral Norte. Chama-se Âncora e tem direito a placa indicativa na Estrada do Mar, um pouco antes da entrada para a Grande Arroio do Sal.

No início, chamava-se praia Bento Gonçalves, o que denuncia origem dos seus primeiros veranistas. Na verdade, é uma das tantas praias acima de Capão da Canoa dominada pelo pessoal da Serra - Caxias, Bento, Flores da Cunha, Veranópolis, Garibaldi e outras mais, alem do reforço de gente de Canela e Gramado. Arroio do Sal é o centro da chamada Gringolândia, que só faz crescer impulsionada pelas facilidades de acesso da Rota do Sol.

Há cerca de 20 anos visitei Âncora pela primeira vez e já me apaixonei. Desde então reservava pelo menos 15 dias das férias para ancorar, com o perdão do trocadilho, entre os gringos. Até que, movido por um impulso, acabei adquirindo um modesto rancho a três quadras do mar, num investimento que quase me levou a falência. É que não dei ouvidos às advertências de que casa na praia só garante dois momentos prazerosos: quando a gente compra e quando se livra dela, de resto é só despesa e capital empatado. Não sou tão radical, mesmo porque desenvolvi uma relação afetiva com o lugar.

Espetada entre Figueirinha e Marambaia, Âncora se resume a uma avenida central e duas outras ruas em direção ao mar, cortadas por quatro ruas paralelas. Além da Interpraias, floresce a zona nova, coisa de praia metida a grande, mas região carece de urbanização, diferente do núcleo principal onde quase todas as ruas tem calçamento, iluminação e água tratada. As ruas receberam nomes inspirados na Revolução Farroupilha, homenageando Bento Gonçalves e Davi Canabarro, entre outros, ou extraídas do lema Liberdade, Igualdade, Fraternidade.

Quatro ou cinco casas ostentam piscinas, entre as quais a de dois parentes próximos, coisa bem boa. O hotel à beira mar, remodelado, é a grande atração, mas já viveu dias mais animados quando recebia os veranistas do Sesc, o boliche funcionava e as comerciárias se entrosavam com os nativos. O único boteco da praia fechou e agora o abastecimento é feito necessariamente nas praias próximas. A garotada, quando quer fervo, vai a Arroio do Sal, cuja noite tem lá seus encantos. Já eu prefiro as noites mansas da minha Curasal, embaladas pela sinfonia desafinada de sapos e grilos.

Conviver com os gringos é uma experiência antropológica, mas não chega a ser novidade para mim, casado com uma caxiense – santa criatura que me aguenta há 35 anos. De início o gringo é sestroso, mas depois de conquistado não há limites para a sua generosidade. Não há limites também para sua capacidade de devorar churrascos e galetos, enquanto entornam hectolitros de cerveja ou vinho ou caipirinha ou qualquer bebida com mais de 4% de teor alcoólico. O estereótipo é o Radicci, pelo traço talentoso do Iotti.

O esporte preferido do gringo é a pesca, mas observo que o número de pescadores e equipamentos de pesca em ação à beira mar não corresponde ao de pescados... Grande parte dos gringos que conheço se intitulam também adeptos das caçadas e tenho ouvido histórias fantásticas de grandes aventuras atrás de presas que se converterão em manjares inigualáveis. E eles ainda tem coragem de me convidar para essas empreitadas. Eu fora.

O gringo adora o mar. Faça chuva ou faça sol, lá se planta a família inteira na beira da praia, nonos e nonas juntos, chimarrão correndo a roda e depois a caipirinha, conversa animada naquele sotaque carregado, risos soltos e algazarra da criançada na água, numa saudável farofada. A pele branca desafia o sol e os trajes de banho, masculinos e femininos, afrontam os modismos, mas eles não estão nem aí.

Outra característica marcante do gringo é competir em tudo. A casa tem que ser melhor do que a do vizinho, o carro mais potente e é assim, na base da santa inveja e rivalizando pelo melhor, que a Gringolândia cresce. E quando o assunto é futebol, sai de perto, porque o Gringo sempre tem lado: ou torce para o Zuventude e tem um inclinação pelo Grêmio, ou para o Cassias e não esconde sua preferência pelo Inter.

Enfim, são tutti buona gente.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

6.2, Seminovo


Aviso aos navegantes: não adianta secar porque o velho aqui está enfrentando os anos 60 com muito garbo e cheio de gás. Tirante algumas escoriações imprevistas nos estertores de 2011, a lataria e o motor estão em bom estado nessa virada para 6.2. E a cabeça funcionando à mil, pronta para múltiplos projetos e para abraçar as boas causas. A capacidade de me entusiasmar, de sonhar e de me indignar está mantida e de rir, inclusive de mim mesmo, então, nem se fala.

É claro que diminuí algumas práticas, mas ainda não necessito de aditivos. Me refiro aos exercícios na academia. Pensaram o quê, seus maldosos?

A única contrariedade é que estou perdendo prestigio uma vez que fui rebaixado para a terceira linha na página de aniversários de O Sul, eu que já figurei vários anos na primeira linha. Mas também não dá para querer tudo nessa vida.

Agora vou contar um segredinho para vocês. O bom da idade dos “enta e +” é que a gente pode dizer os maiores absurdos, as piores besteiras, que as pessoas pensam: a) que é algo muito importante, que merece crédito, já que foi dito por alguém calejado pela vida e cheio de experiência; b) que é realmente uma grande sandice, mas como foi dita por alguém que está ficando senil, não deve ser contestada. Enfim, tudo é lucro na veteranice. Prometo, porém, ser comedido quando soltar o verbo e, em qualquer circunstância, peço que não me levem muito a sério.

A caminhada está recomeçando, junto com a minha gente que me atura e me apóia e com a descendência que cresce e nos renova, sem contar uma alentada e generosa rede de amigos. A todos, repito o aviso : porto do futuro, lá vou eu.

Aproveito para agradecer todas as manifestações carinhosas e se quiserem materializar esse carinho em forma de presentes peço que o façam em grande estilo, tipo vinhos finos, roupas de grife, eletrônicos de última geração e pacotes de viagem para o exterior, pode ser até para Buenos Aires. Antecipo agradecimentos e um beijo no coração de todos.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A primeira noite de um homem

A história me foi contada em uma dos tantos convescotes que tenho freqüentado nesse período sabático. Portanto, há testemunhas confiáveis. Sucede que um dos parceiros de mesa, entre um chope e outro, resolveu fazer algumas confidências de sua vida amorosa. A mais interessante, sem dúvida, foi quando revelou como foi sua primeira transa. Ali pelos 17, 18 anos, freqüentava a boate de um dos clubes instalados as margens do Guaíba, pelos lados da zona sul. À época, era comum os clubes oferecerem as tais boates a seus associados e convidados, normalmente sábados à noite, quando se reunia uma fauna variada ao som dos hits musicais do momento. Bebia-se muita cerveja e os mais avançadinhos puxavam um fuminho, que era o máximo de transgressão para aqueles tempos .


Nosso amigo pertencia à base da pirâmide, diferente de hoje quando é um bem-sucedido profissional da comunicação. Vivendo de sua parca mesada, era obrigado a ficar só na cerveja, uma ou duas por noite, no máximo, para pegar embalo, sacolejar sem medo do ridículo na pista e ganhar coragem para chegar nas moças.

Naquela noite primaveril estava ele a bebericar solito sua cerveja no restaurante do clube quando se aproximou aquele monumento em forma de mulher. Alta, esguia, morena, olhos esverdeados e vestindo um macacão de couro, bem justo, delineando as formas que beiravam a perfeição. Enfim, uma mulher para ser apreciada sem moderação.

- Posso beber da tua cerveja, perguntou ela, ao abordar nosso surpreso amigo.

- Cla-ro, gaguejou ele em resposta.

Dois copos depois, por iniciativa dela, já estavam na área externa, quase junto ao rio (na época o Guaíba atendia por rio), compartilhando um espaço transgressor com outros casais e o pessoal que lá estava para fumar maconha.

Ele já estava excitadíssimo com a situação quando ouviu o som que até hoje marca suas melhores lembranças amorosas.

- Eu ouvi aquele craaaack e era a deusa abrindo a parte de cima da roupa de couro e em seguida o resto, enquanto eu tentava me ajeitar para desfrutar aquele corpão. Então, ela se entregou pra mim, comandando a transa!

Ao revelar essa passagem, após quase 30 anos da cena erótica, nosso amigo silenciou por um instante, engoliu em seco e seus olhos ficaram marejados diante de tão gratificante lembrança.

A mesa ficou solidária com o parceiro, mas como se tratava de um grupo de jornalistas, arriscamos pedir mais detalhes do ocorrido. Ele, porém, preferiu uma postura discreta, como quem se protegesse de intrusos a lembrança que o emocionava.

Acrescentou apenas que foi um transa intensa, mas fugaz e que, em seguida, voltaram a boate para dançar, até que chegou um marmanjo e arrastou a moça, deixando nosso amigo solitário novamente.

No início, ele se frustrou com o desfecho do caso (“Eu já esta a apaixonado”), até se dar conta de que tinha vivido um momento mágico, mesmo que nunca mais tivesse encontrado sua benfeitora sexual. A primeira transa, mesmo estranha como a relatada, não se esquece e, para quem gosta do jogo, abre caminho para novas e saudáveis atividades do gênero.

Ao escutar a história do amigo, inevitavelmente lembrei-me das tantas primeiras noites vividas e, num misto de saudosismo e melancolia, pensei cá comigo: Era bom!