sábado, 29 de dezembro de 2012

Pedidos ao novíssimo Ano

Eis que está chegando um novo ano e é hora de fazer pedidos e assumir compromissos. Modesto que sou, vou acrescentar pouca coisa aos meus pedidos de anos anteriores já que tenho sido privilegiado nas minhas reivindicações pelos Deuses da Terceira Idade. Mas não esmoreço, nem baixo a guarda, por isso trato de avisar ao jovem Ano sobre alguns pedidos de caráter permanente. Vamos que o velho Ano tenha ficado caduco e esqueça-se de passar o serviço.

 Só para lembrar, meu infantil Novo Ano, reitero encarecidamente o pedido já feito: livrai-me dos chatos; vale repetir, livrai-me dos chatos. E reforço os outros pleitos: mantenha longe de mim também os mordedores em geral e os pedintes de favores. Se possível, afaste os hipocondríacos, com suas doenças e seus remédios para todos os males. Quero distância igualmente dos baixo astrais, dos angustiados, dos obsessivos porque tenho medo de contrair uma deprê. E mais, se não for abuso, suplico: mande para longe os duvidosos de caráter, os falcatruas, os descompromissados e os sugadores de energia. Coloque em fuga, por especial gentileza, os arrogantes, os prepotentes, os invejosos e todos da mesma laia.

Promissor Novo Ano, não me leve a mal, mas gostaria de acrescentar outros pedidos. Apelo para o teu anunciado espírito harmonioso para reaproximar-me dos que ofendi e se apartaram, e daí-me o dom da tolerância para aceitar e receber os que se desgarraram. Faça pousar em mim a deusa da paciência e que venham juntas as amazonas altivas da fé e da esperança. Com isso, serei fortaleza que não se dobra, terei coragem para enfrentar as adversidades e energia para novos desafios, porque bem sei, minha criança, que algum tropeço há de ter e faz parte da jornada.

Vamos tratar de coisas práticas, meu pueril 2013? No repeteco, salve-me das filas, as dos bancos e dos supermercados, e todas as outras onde corra o risco de ser interpelado por desconhecidos que me tiram para confessionário e interrompem minhas ruminações. Não admita, por compaixão, que a guria bonita me pergunte a idade antes de distribuir a senha, se a maldita fila for inevitável. Abusando da compaixão, não permita que as bonitinhas me chamem de tio e muito menos de vô, mas dá uma forcinha para que a Rafaela aprenda logo a me chamar de vô, porque a Maria Clara já evoluiu do “liolô”.

E tem mais uma listinha facilzinha e repetida, meu imberbe 2013. Não deixe faltar uma boa carne na minha mesa, saladas variadas, cerveja gelada, um vinho encorpado para as noites de inverno e um espumante para acompanhar o gosto feminino. E se não for pedir muito, que eu reencontre aquele doce de abóbora, de comer ajoelhado e o pudim que justifica nossa ida frequente aquele restaurante.  Ah, e aquela berinjela, a carne de panela com batatas e uma caixa de Bis só pra mim. Se não for contraditório, aproxime de mim essas tentações. E que sempre possa dividir a boa mesa com companhias agradáveis, brindando os bons momentos da vida que não são muito e até por isso precisam ser valorizados. Conceda-me, de vez em quando, jogar um pouco de conversa fora, curtir mais a minha gente, vagabundear sem culpa, experimentar o novo e, por que não?, me entregar a alguma extravagância. Vamos combinar que não é pedir demais.

Em contrapartida, Novíssimo Ano, prometo continuar sem fumar , me exercitar com regularidade, comer menos fritura e beber moderadamente, cometer menos infrações no trânsito, voltar a ler e fuçar menos na internet, ouvir mais e falar menos, respeitar mais e debochar menos, lembrar o aniversário de casamento e outras datas importantes e não desejar a mulher do próximo, nem a do distante, porque os outros pecados não os cometo. A não ser que um pouco de rabugice seja pecado, dos veniais, mas até isso pretendo corrigir. Nesses termos peço sua compreensão e deferimento, jovem e bem-aventurado Novo Ano.

 

domingo, 23 de dezembro de 2012

O melhor de todos os natais

O Natal e eu temos uma relação de respeito, mas de pouca emoção e de nenhum entusiasmo. Já vivi muitos natais e houve uma época em que curtia a festa, ansiava pela chegada dos dias luminosos que precediam o Natal, porque o melhor da festa é esperar por ela. Aí vinha a noite mágica e a criança que eu era acreditava mesmo, mais do que em Papai Noel,  que o Salvador renascera e que um novo tempo, um tempo mais feliz, se avizinhava . Nem eram os presentes,  modestos naqueles tempos, nem a algazarra do encontro de primos e tios o que fazia a magia daqueles  Natais,  mas a crença, incutida por meus pais e pela escola e a igreja que frequentava, de que era preciso dar glória a deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade. E assim seríamos mais felizes. Sim, eu acreditava.

Com o tempo tudo mudou e essa alegria forçada,  esses votos de saúde e felicidade que não convencem, essas promessas que não correspondem a atos,  essa harmonia que não se consuma, banalizaram os meus natais e lá já se vai mais de meio século. Ainda resiste a confraternização com muita gente em volta, mas há um quê de melancolia em tudo isso.  Vai mais uma cerveja... aceita um salgadinho?  Apesar de tudo,  continua o meu mais profundo respeito, quase inveja, a quem dá sentido ao seu Natal e compartilha com seu próximo. Para mim são pessoas especiais.

Talvez eu  possa voltar a ser criança, gostar de Natal e acreditar de novo no Menino Jesus e no Papai Noel. Deve ser realmente mágica e santificada a festa que faz brilhar os olhos e encantar  Maria Clara e Rafaela, minhas netas adoradas.  Os olhinhos brilhantes e a alegria sem fim das pequenas são reprimendas ao velho descrente e uma convocação para que comungue do mesmo encantamento em pelo menos uma noite.   Vou me esforçar crianças e,  se assim for, será uma noite feliz e o melhor de todos os natais .

domingo, 16 de dezembro de 2012

50 anos de TV, meninos eu vivi.



Sou provavelmente o recordista de entradas e saídas na RBS. Foram cinco oportunidades e mais de 15 anos atuando no grupo, incluindo três vezes na Zero Hora, uma vez na Rádio Gaúcha e outra na RBS TV/TVCom. É importante esclarecer que todas as saídas foram por minha iniciativa, o que me fez perder generosas parcelas do Fundo de Garantia. Não é arrependimento, mas um lamento pelo fato de nunca ter sido jubilado, pois o máximo que permaneci numa das empresas do grupo  foram sete anos, na Rádio Gaúcha, ou seja, faltaram três anos para eu receber o troféu e o relógio (ainda dão relógios?).  Também tive direito a poucos PPRs (programa de participação nos resultados) e fiquei de fora do início do RBS Previ, que incorporava ao fundo previdenciário todos os anos anteriores na empresa.  Com isso, mereceria  o título de homem certo, no lugar certo, na hora errada.
Esse passado me vem a lembrança agora que o grupo comemora os 50 anos da RBS TV, da minha ultima passagem pela RBS, isso de 1999 a 2002.  Volto no tempo e vejo o menino de 12 anos fascinado com a inauguração de mais uma emissora de TV em Porto Alegre:  a TV Gaucha, Canal 12, que veio inovar o meio televisivo local dominado até então pela pioneira TV Piratini, implantada em 1959.  As duas emissoras se instalaram no Morro de Santa Tereza, a menos de um quilômetro uma da outra.  Só que, já a partir do prédio e das identidades visuais, a TV Gaúcha já estabelecia diferencias em relação à envelhecida Piratini, atrelada à confusão que era os Diários Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand.  Mas foi uma luta bonita pela audiência, de um lado as modernidades do Canal 12 e do outro a tradição do Canal 5. 

Com o passar dos anos, errando e acertando, investindo em bons profissionais, em conteúdos que reforçassem os valores regionais e, sobretudo, com a afiliação à Rede Globo, que começava a tomar conta do Brasil no inicio dos anos 70 do século passado, a TV Gaúcha/RBS TV assumiu a liderança inconteste entre os gaúchos.  Já a Piratini foi definhando junto com os Associados e teve a concessão cassada e entregue a Silvio Santos – hoje é o SBT de Porto Alegre, enquanto as instalações acabaram ocupadas pela minha amada TVE.
Houve ainda um período de liderança da TV Difusora, Canal 10 , no início da década de 70, quando estava associada à Record de Paulo Machado de Carvalho e ousou bancar a primeira transmissão a cores, na Festa da Uva de 1972.  O investimento malogrado dos padres Capuchinhos, que tinham a concessão, na TV Rio e na TV Record levou a Difusora quase a insolvência até ser negociada à Rede Bandeirantes. Trabalhei nesse época lá nas instalações da Delfino Riet, no Partenon, e acompanhei  o esforço dos padres e dos operadores da TV , Walmor Bergesch e Salimem Junior, para manter os salários em dia.

Certa vez, frei Osébio Borghetti,um dos cabeças dos religiosos, pediu ao locutor Flávio Martins que lesse uma mensagem na Rádio Difusora pedindo o retorno de outro dirigente da ordem, que viajava pelo interior, e sem a assinatura do qual o pagamento não sairia.  Flávio, devidamente motivado pelos companheiros, leu a mensagem em tom dramático, durante o programa de esportes do meio dia : “...por favor, retorne o quanto antes a Porto Alegre.”  O tom era tão dramático que depois da segunda irradiação, a nota já foi retirada. O certo é que no dia seguinte o pagamento foi honrado e essa historinha entra no texto como Pilatos no Credo...

Citei Walmor Bergesch e Salimem Junior porque è aos pioneiros da TV no Rio Grande do Sul,  dos tempos heroicos de poucos recursos técnicos e muita determinação, período e nomes  que o próprio Bergesch  tão bem registra no livro Os Televisionários, que rendo minha humilde homenagem agora que a mais antiga das nossas emissoras em operação completa seu cinquentenário.  E vai também meu reconhecimento, igual que fui, aos profissionais que fazem o dia a dia da RBS TV.  Eu sei o que custa se renovar todos os dias, por isso festejo os inúmeros amigos que fiz nas minhas andanças televisivas. A festa mesmo é quando a gente se vê por aí.
 

sábado, 15 de dezembro de 2012

A festa da firma - final

*Recomenda-se ler a postagem anterior de A festa da firma

O cenário contribui para criar o clima que vai funcionar como contraponto e negação às chatices do cotidiano. A música convida ao balanço e a bebida liberada desinibe até o sisudo chefe do RH. Se houver troca de presentes, surge a primeira chance de um amasso naquela colega bem dotada que a sorte reservou para você no amigo secreto. Enfim, está tudo pronto para que a festa descambe para práticas que extrapolam os limites do coleguismo. Olhares, gestos, palavras fazem parte do processo de interação e, aos poucos, as parcerias vão se formando naturalmente, por afinidades, desejos e pretensões fixadas com antecedência. Muitos colegas já chegam emparceirados e a festa é apenas a última etapa para os finalmente.

Na verdade, nada acontece por acaso. Aquela moça que de repente surge a sua frente, no caminho para o bufê, estava de olho em você há muito tempo. E aquela outra que era o seu sonho de consumo está logo ali, olhar pidão, esperando o convite para sacolejar na pista de dança. Você é caçador e é caça. Valeria a pena uma descrição mais detalhada desses momentos que expressam a realização plena da nobre arte da sedução. Mas vamos deixar para outra ocasião, porque agora o mais importante é repassar algumas dicas, especialmente preparadas por experts, que garantirão o sucesso da noitada.

Cuidado com a bebida é a primeira recomendação. Na dose certa ela encoraja; em excesso pode transformar você no bobo da corte com direito a todos os micos. Se ainda assim você conseguir ficar com alguém pode faltar energia na hora do vamos ver. (Lembre-se, existe vida real no dia seguinte).

Saiba também que mulher detesta bafo de cerveja, mas tem boa tolerância ao vinho e aos espumantes. Ah, os espumantes. Mulher adora dizer que adora espumantes. Então, é por aí. A cautela com a alimentação também é necessária. Nada mais desagradável que uma indisposição estomacal quando você está quase consumando o sonho de arrastar pra intimidade aquela morena dos Serviços Gerais. Pegue leve, portanto.

Pra não alongar mais o papo, o último - e talvez principal - conselho dos especialistas: tenha foco. Escolha o alvo, mire nele e vá em frente. No máximo, tenha um plano B à mão, caso a primeira alternativa não dê certo. Se você ficar dando tiros a esmo, vai gastar toda a munição, afugentar as potenciais pretendentes e, no fim da noite, terá que se contentar com aquela solteirona faceira do Almoxarifado, tamanho GG, mas trajando um modelito 42, vermelho "cheguei". (Prepare-se para ser sacaneado pelos colegas no dia seguinte e em todos os dias até a próxima festa).

Dentro do mesmo sub-tema, cuidado com suas escolhas. Certifique-se de que a parceira pretendida já não está comprometida com outras instâncias hierárquicas da empresa. Não faça como aquele contínuo boa pinta que se assanhou com a secretária da diretoria e no dia seguinte foi demitido pelo diretor financeiro, que tinha mais "cacife" que o afoito jovem. Se pintar um sinal de alerta durante o cerco à colega, saia de fininho e parta para outra. Manter o emprego é mais importante que uma noitada. O mercado de trabalho não está pra peixe e, afinal, sempre há outras opções no elenco feminino de sua empresa. Á luta, companheiros.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A festa da firma - parte 1

De todas as celebrações  de fim de ano a mais esfuziante, sem dúvida, é a chamada festa da firma. Como já passei por muitas firmas e borboleteei por inúmeras confraternizações de final de ano, permito-me reproduzir aqui um texto, originalmente publicado em dezembro de 2009 e devidamente reeditado, sobre esse marcante evento. Aí está:

Fim de ano é tempo de confraternização nos locais de trabalho. Conhecidas vulgarmente como “a festa da firma”, essas confraternizações estão a merecer um estudo sociológico sobre suas implicações, que vão além das afinidades funcionais. Na verdade, o estudo precisaria ser mais amplo por conta das relações perigosas que se estabelecem no ambiente de trabalho, em níveis inferiores e superiores.

Vamos combinar que a prática de sexo no ambiente de trabalho, seja público ou privado, não é coisa nova. Deve ser tão antiga quanto os escritórios ou as repartições e, por certo, teve início quando homens e mulheres passaram a conviver boa parte do dia no mesmo espaço. Só que se acentuou com a liberação dos costumes e os confortos proporcionados pelos escritórios modernos, climatizados e com aqueles sofás convidativos. O cinemão hollyodiano se ocupa do tema com freqüência e "Atração Fatal" (de 1987, com Michael Douglas e Glenn Close) talvez seja o exemplo mais conhecido.

O que chama a atenção é o fetiche que o ambiente de trabalho significa para determinados funcionários e funcionárias. Tive acesso a inúmeros depoimentos de gente que se imagina transando em cima das mesas, entre grampeadores e computadores, relatórios e agendas e, às vezes, a foto de uma cena de família a espreitar os amantes. E conheço também alguns casos em que esse sonho foi realizado e todos garantem que é um momento único, pelo que representa de transgressão. E se for na sala do chefe, melhor ainda. Sei do caso de um contínuo que para se vingar da tirania do chefe transava no escritório dele com a faxineira, que era a garantia que tudo ficaria limpo e em ordem no final.

Mas o nosso foco é essa circunstância que predispõe às relações perigosas, coleguismo à parte, nos escritórios - " a festa da firma". Os congraçamentos servem para liberar alguns desejos sufocados no dia a dia da empresa, que impõe exigências cada vez maiores de produtividade, gerando insegurança quanto ao futuro e muito estresse. A verdade é que nesse contexto fica mais difícil a libido aflorar.

Aí vem o dia da grande festa de fim de ano e um frisson perpassa o ambiente de trabalho. As mulheres se produzem, marcam hora no cabeleireiro ou lançam mão da chapinha e à noite surgem resplandecentes com suas melhores roupinhas. Amigas sinceras me confidenciaram que estréiam peças íntimas, recém adquiridas, nessas ocasiões. Os homens não chegam a tanto, mas também se preocupam em dar um trato no visual.

(continua)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Niemeyer e eu

Um dia pensei em ser arquiteto por causa de Oscar Niemeyer. Estávamos na década de 70 do século passado, eu tinha 17 anos, estava terminando o colegial e precisava decidir entre a Arquitetura e o Jornalismo. Minha mãe não escondia a preferência pela Arquitetura, alegando que Jornalismo não dava dinheiro e era “coisa de gente bagaceira”. Dona Thélia, não tinha preocupações com as sutilezas. E dizer que ela não escondia a preferência é uma forma de atenuada de dizer que ela fazia uma pressão todos os dias naqueles tempos de incerteza quanto ao meu futuro profissional. Seja por isso ou por outra razão qualquer, acabei optando pela Arquitetura em detrimento do Jornalismo, eu que fora um dos editores do bravo e pioneiro Na Onda, jornal mimeografado que circulava em Petrópolis. Era um entusiasta do Jornalismo, mas estava fascinado pela Arquitetura.


Brasília, nascida nas pranchetas de Niemeyer e Lúcio Costa, fora inaugurada poucos anos antes, deslumbrando o mundo por sua modernidade. As curvas de Niemeyer eram um charme só e aqueles outros detalhes, como as colunas do Alvorada, as cúpulas do Congresso, e tantos outros em cada prédio público – tão simples e tão geniais. O chamado da Arquitetura era irresistível. E lá fui eu, sonhando em ser um novo Niemeyer.

Mas, diferente do que se apregoa que o universo conspira a favor dos nossos desejos, a realidade é bem outra e mais cruel. No caso, havia apenas um curso de Arquitetura em todo o Estado à época, na UFRGS, oferecendo 60 vagas a cada semestre. O número de candidatos por vaga era altíssimo, com tendência a crescer mais ainda desde que se revelou que Chico Buarque, além dos olhos verdes e do imenso talento musical, era formado em Arquitetura. O autor de A Banda, que estourara como vencedora de um festival da canção, inspirou várias mocinhas- e rapazes também - a serem os bacanas que seguiriam os caminhos não apenas de Niemeyer, mas do genial Buarque de Holanda. Chico também foi meu ídolo, mas prestou um grande desserviço à causa na medida em que atraiu para o vestibular da Faculdade de Arquitetura da UFRGS um sem número de candidatos pouco vocacionados, complicando meu ingresso, eu que queria ser mais Niemeyer e menos Chico, e frustrando os sonhos da dona Thélia. Chico me deve esta.

Fiz três tentativas, todas fracassadas porque o vestibular de Arquitetura ainda era à moda antiga, com questões específicas de matemática, física, português, história da arte e desenho à carvão. Até a matemática e a física eu tirava de letra, mas o desenho a carvão, pré AutoCad, era uma barreira instransponível para um jovem sem qualquer talento para o traço, no caso, eu. A coisa era mais ou menos assim: a gente recebia um carvão fino, uma folha grande de papel jornal e precisava reproduzir quatro ou cinco elementos – tijolos, garrafas, vasos – expostos em cima de uma mesa. Fácil, né? Tenta pra ver.

Enfim, me ferrava sempre e acabei dando a volta por cima, retomando a minha verdadeira vocação, o Jornalismo e de imediato passei nos vestibulares da Federal e da PUC. Mas ainda guardo ótimas lembranças dos cursinhos preparatórios promovidos pelo Diretório da Arquitetura, o DAFA, com professores da própria faculdade ou estudantes dos últimos semestres. Foi quando tive contato mais direto com os conceitos e a obra dos grandes mestres do século XX, como Le Corbusier, o francês que inspirou a moderna arquitetura brasileira, Mis van der Rohe, professor do movimento alemão Bauhaus e o arquiteto do sonho americano, Franck Lloyd Wright, só para citar os principais. E entre eles, orgulhosamente incluir Niemeyer, a mais fulgurante estrela dessa constelação de gênios do traço, dos espaços e da infinitude.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Em campo, no histórico templo do imortal

Os gremistas estão vivendo sentimentos contraditórios, entre a melancolia da despedida do Estádio Olímpico e a euforia pela breve inauguração  da novíssima e moderna Arena do Humaitá. Ainda não tive o prazer de conhecer a Arena, mas do velho estádio guardo boas lembranças. Comecei minha carreira jornalística como setorista no Grêmio pela Zero Hora e Folha da Tarde, lá nos primórdios dos anos 70 do século passado, e frequentava o estádio todo o santo dia. Assisti a jogos inesquecíveis no Olímpico, como um Grêmio x Santos de Pelé, a retomada das vitórias no campeonato gaúcho, com aquele Grêmio montado pelo Telê Santana, as guerras contra o Palmeiras,  a maioria dos títulos nacionais e as conquistas da Libertadores, sempre grandes embates e algumas frustrações como a goleada do Boca Juniors na decisão continental. E os GRENAIS? Sempre um espetáculo a parte no Olímpico, tanto assim que escrevo em caixa alta.

Mas meu grande orgulho foi ter jogado pelo menos duas vezes no gramado do histórico templo tricolor. A mais recente aconteceu na década de 80 quando o time do Esporte da Zero Hora enfrentou um time de funcionários e dirigentes gremistas. Não lembro o resultado, mas provavelmente perdemos porque essa era a sina de quem jogava com os times internos do Grêmio, uma vez que todas as partidas eram apitadas pelo funcionário Fogão, que sempre ajeitava o resultado para o dono da casa. Eu tinha a foto do time posado à antiga, antes do jogo, mas não consegui localizar.


outro desfile no gramado do imortal foi bem antes, nos anos 60 e  mais marcante, conforme já relatado aqui no ViaDutra em O Circo de Petrópolis: Vaias no Olímpico (4 e 5 de janeiro de 2010). Nosso time, o Tupy de Petrópolis, disputava os campeonatos promovidos para a gurizada e muitas vezes enfrentava equipes inferiores do Grêmio e do Inter, este treinado pelo inesquecível Jofre Funchal. O treinador do Grêmio era o seu Álvaro, metido a brabo, pedreiro nas horas vagas e apelidado cruelmente de Pneu Furado porque coxeava de uma das pernas.

Certa vez seu Álvaro concedeu a honra ao aguerrido Grêmio Esportivo Tupy de disputar uma pré-preliminar no Estádio Olímpico em um jogo do campeonato nacional de então, o Roberto Gomes Pedrosa ( Robertão). O Olimpico ainda não era o Monumental, mas jogo principal era já um clássico -  Grêmio x Palmeiras. A data: 19 de março de 1967.
 
A pré-preliminar começava ao meio dia, quando os primeiros torcedores chegavam ao estádio e para nós do Tupy era decisão de Copa do Mundo.O Olímpico era o grande estádio da cidade naqueles anos 60 (o Beira-Rio foi inaugurado em 69) e o nosso adversário seria os infantos do Grêmio, algo como sub 17 de hoje. Imaginem o que isso significava de emoção para a gurizada de Petrópolis.

O Luciano D' Alascio, nosso treinador, montou um time forte, recrutando alguns guris do colégio Anchieta, e estreávamos um terno de camisetas doado pelo São Paulo, sim o São Paulo do Morumbi, campeoníssimo brasileiro, mas essa história conto outra vez. Interessa saber que entramos em campo cheios de bossa, com este que vos fala na lateral-direita que os modernos chamam de ala.

Minha missão era marcar um ponteiro de cabelo foguinho, forte e veloz, que nas duas primeiras investidas passou por mim como se fosse um raio. Quase gol. Os tricolores haviam descoberto o caminho da roça: era o lado que me cabia defender. E lá se foram mais lançamentos para o foguinho até que, incentivado pelos companheiros, resolvi tomar uma atitude. No ataque seguinte, bola dividida, entrei pra rachar e derrubei o adversário. Mais um ataque e outro dos nossos deu uma entrada que jogou o cara na pista atlética. Em seguida fui substituído porque não ia agüentar muito tempo a pressão do atacante e também porque não tinha tamanho nem força física para enfrentá-lo. Sai debaixo de vaias, foi a glória!

A chinelagem é que nosso terno tinha apenas 11 camisetas e a troca era na beira do campo. Quem entrava jogava com a camisa suada do companheiro substituído, mas a emoção de jogar no templo tricolor compensava até o vexame.

Enquanto isso, torcida do Grêmio, já em bom número no Olímpico, vaiava e  vaiava, pois o pau continuava comendo agora nos embates em outros setores do campo. A violência não resolveu muito porque acabamos perdendo por 2 x 1, nosso gol marcado por Cláudio, o Claudinho, que anos depois o Fogaça resgatou das ruas e levou para trabalhar na Prefeitura.

Fim de jogo no vestiário, satisfeitos por não termos levado uma goleada, comentávamos as principais incidências da partida, animadíssimos, quando o seu Álvaro entrou berrando:

- Selvagens! Vocês nunca mais vão pisar no Olímpico, seus animais.

O velho estava possesso com a violência praticada contra seus garotos e não parava de esbravejar. Até que dois ou três dos nossos, os mais fortes e menos civilizados, avançaram em direção a ele para fazer jus a selvageria da qual nos acusava. Seu Álvaro sentiu a barra e, com a pressa que a perna manca permitia, tratou de escapar, debaixo de vaias e desaforos. Estávamos vingados das vaias da torcida e das acusações do treinador. Para comemorar, fomos todos derrubar uma rodada de cervejas na primeira copa do estádio que encontramos aberta.

A escalação do Tupy no histórico jogo, uma clássica formação 4-4-2, conforme descobri nos meus alfarrábios: Piero; Flávio (Nelson), Felipe (Sombra), Geléia e Caio (Manta), Silvio e Pinguinho; Beto (Zé do Burro), Geada (Carlinhos), Cláudio e Alfredo (Caio). Hoje,o único contato que tenho e com frequência, é com o Piero – o gremistão Pierino da dona Tereza, irmão do Beto, já falecido e do Luciano, nosso técnico.