domingo, 13 de outubro de 2013

Homens honorários

Existe um grupo muito especial de mulheres: as Homens Honorários.  Explico: nada a ver com masculinidade ou feminilidade, trata-se tão somente de mulheres que frequentam grupos majoritariamente masculinos e participam com naturalidade de conversas escabrosas, eroticamente falando, e ouvem o que devem e o que não devem de seus mui amigos homens.

As Homens Honorários são encontráveis especialmente nos ambientes profissionais, onde os naipes femininos e masculinos convivem diariamente, às vezes mais horas do que em suas casas.  E tem os almoços e os happy hours espichados, com aquelas conversas descompromissadas que, com frequência, derivam para assuntos picantes.  Normalmente são os homens a contar vantagens de conquistas que nem sempre correspondem à realidade, mas com versões turbinadas para impressionar a audiência. 

Nesse ponto sou solidário com as Homens Honorários, obrigadas a ouvir todo o tipo de baboseiras para manter esse elevado estágio da condição feminina e humana. E fingir que acredita que o barrugudinho do Financeiro se deu bem com a nova estagiária do RP.

É a postura superior, um tanto blasê eu diria, dessas parceiras de fé, irmãs, camaradas, que faz delas Homens Honorário. Não o houve nomeação, nem qualquer ato formal de ascensão .  Elas se habilitaram à posição e ponto.  Não existe contestação, mas reverência e reconhecimento do sexo frágil, no caso os homens.

Interessante constatar que já se forma uma geração de pretendentes a Homens Honorários.  São ex-estagiárias que ascenderam a condição de efetivas, moças do segundo escalão que buscam novos horizontes, senhoras de boa formação que começam a estender seus relacionamentos, enfim, todas aquelas que sabem conviver com o sexo oposto,  não numa condição de enfrentamento nem de submissão, mas de natural comunhão na chamada vida real.  Essa categoria é conhecida como Homens Honorários Juniores.

Conheço pelo menos três colegas na condição Homens Honorários, mas não vou citar nomes para evitar ciumeiras e retaliações. A primeira é poderosíssima, mas não é por isso que virou Homem Honorário, mas pelo que já aturou nas conversas escusas de seus pares.  A outra é um cão de guarda de tão fiel, capaz de flagrar os amigos com a outra e manter um silencio obsequioso sobre o perfil da outra.  Por fim, o tipo que mais simboliza a categoria:  a moça expansiva, mandona, que se mete em tudo, antecipa as conversas e usa os palavrões como se fosse um mero substantivo. 

Convivo com as três numa boa, mas em verdade vos digo que não me arrisco a contrariá-las. Embora não tenha nada a esconder, elas sabem demais, então toda a cautela é pouca.



domingo, 6 de outubro de 2013

Praga acadêmica.

Publicado originalmente em 07/11/2010, mas continua atual como nunca.

Uma nova praga está infestando o Jornalismo: os especialistas acadêmicos. Mestres do saber, professores renomados, celebrados teóricos são chamados a todo o momento para opinar sobre temas de suas áreas de conhecimento. Todo o santo dia somos alvos das análises dessas figurinhas carimbadas, pomposamente chamados de “consultores”. O problema é que esses doutos senhores não têm nenhum compromisso com a realidade. Entre o pensar da academia e o fazer da vida real vai uma enorme distância, que os vaidosos opiniáticos não levam em conta.

Durante o período eleitoral, vários deles – cientistas políticos, sociólogos e afins - circularam nos espaços da mídia, tentando explicar o comportamento do eleitor com teses que não sobreviveram a abertura das urnas. Economia e finanças, educação, cultura, segurança pública, política internacional, sexo dos anjos, para todos os temas sempre existe um especialista de plantão pronto para despejar suas verdades sobre nós.

O pior é quando passam a dar opiniões sobre coisas mais concretas, obras públicas por exemplo. Cada acadêmico consultado tem a solução mais fabulosa e arrojada para os problemas, não importando se existem recursos e viabilidade para a execução do faraônico projeto. Mas a idéia proposta passa a ser definitiva, inquestionável e ai de quem ouse pensar diferente. O nome desta postura chama-se desonestidade intelectual, pecado dos sectários e donos da verdade.

A responsabilidade primeira sobre esse processo, entretanto, não é dos tais consultores, mas de quem os contrata e aciona. A mídia parece envergonhada de assumir determinadas posições e busca respaldo a opinião dos chamados especialistas para reforçar o que, na verdade, pretende passar. Em outros casos, procura dar um verniz erudito a determinados temas, de forma a valorizá-los. E o que constatamos, na maioria das vezes, é um festival de obviedades, o primado do achismo, nivelando-se aos piores debates esportivos. Nestes, pelo menos, permite-se o contraditório.


Ao republicar este texto me dei conta das picaretagens  cometidas sob o manto do “verniz acadêmico”.  Exemplo recente foi daquele especialista de uma universidade paulista, a serviço de determinada empresa que atua no segmento, a ditar opiniões, a partir de “um estudo”,  sobre a qualidade da água de várias cidades, inclusive Porto Alegre, por certo preparando terreno para que a tal empresa ofereça seus serviços. 
Mas o caso mais emblemático de como transitam esses “estudos” está sendo revelado pela mídia, conforme zerohora.com: "Num artigo publicado na sexta-feira na Science, o americano John Bohannon mostra o que aconteceu quando ele enviou para 304 revistas científicas um artigo sem pé nem cabeça: 157 delas aceitaram. O trabalho de Bohannon, assinado por um fictício autor de nome estapafúrdio - Ocorrafoo Cobange -, versava sobre uma molécula que, extraída de um líquen (simbiose de alga e um fungo como o cogumelo), teria o superpoder de combater o câncer. Não bastasse o autor ser inexistente, sua universidade também está para ser encontrada no mundo real: o Wassee Institute of Medicine, sediado em Asmara, é produto da imaginação de Bohannon.
- De um início modesto e idealista uma década atrás, revistas científicas de acesso aberto se expandiram a uma indústria global, movida por taxas para publicação em vez de inscrições tradicionais - afirma Bohannon.
Segundo o americano, era de se esperar que uma publicação como o Journal of Natural Pharmaceuticals, editado por professores de universidades do mundo inteiro, conduzisse revisões criteriosas. A revista é uma entre mais de 270 publicações sob o guarda-chuva da Medknow, empresa indiana que se anuncia como o nome por trás de mais de 2 milhões de artigos baixados a cada mês por pesquisadores. A Medknow, diz Bohannon, foi comprada em 2011 pela multinacional holandesa Wolters Kluwer. Ela pediu a Cobange apenas "mudanças superficiais" no artigo antes de publicá-lo.O artigo foi aceito por instituições acadêmicas de prestígio como a Universidade de Kobe, no Japão, e até por revistas que sequer tratavam do tema, como o Journal of Experimental & Clinical Assisted Reproduction, pautado por estudos na área de reprodução assistida."

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