sábado, 30 de agosto de 2014

Tragédias da vida real

Que tempos vivemos!  A humanidade evolui  por um lado, avança na tecnologia,  se esforça pela paz, pelos direitos humanos e contra as desigualdades, mas no nível individual o que se observa é um crescimento de casos que rompem com os mais elementares princípios da convivência e do relacionamento, e com alguns direitos sagrados, maculando a infância e a vida.

O caso do menino Bernardo, por certo, não é o único de maus tratos as crianças. O que causa revolta é que o pedido de socorro do guri chegou as autoridades, que nada fizeram.  Os gritos que se ouvem nas gravações, essas nojentas gravações que morbidamente se espalham nas redes, nada mais são do que um eco de desespero, a nos dilacerar, nós os omissos  do dia a dia.  É de chorar.

Aí acontece outro episódio a contaminar nossa fé nas pessoas.  O que deveria ser uma celebração, um jogo de futebol na Arena gremista, transformou-se em rasteiras manifestações de racismo contra o goleiro do Santos,  que passou de Aranha a macaco nos xingamentos de um grupo de torcedores.  Diga o que disserem, justifiquem como quiserem,  foi racismo e, grenalismo à parte, só não dá para culpar o clube.  O que impressiona é o fato de jovens estarem envolvidos na reprovável ocorrência. Isso me faz temer pelo futuro da geração que vem aí.

Terceira situação: no Norte do Estado um sujeito descornado resolve mandar para a ex-namorada uma caixa de bombons envenenados,  que o irmão da moça distribuiu entre amigos provocando pela menos uma morte.  Que forma de amor é essa  que, diante da rejeição,  prefere a eliminação do seu bem querer  ao invés de almejar-lhe um futuro feliz, e partir para outra?  Bem sei que o desapego é difícil.  Já é difícil para as coisas materiais, imaginem para o que mexe com os nossos sentimentos e emoções.  Entretanto, nada disso justifica os bombons envenenados ou qualquer outra forma de vindita, cruel ou nem tanto,  contra quem um dia mandou  no seu coração. “Foi por amor”, se auto justificará o assassino do chocolate no seu depoimento.

Foi desamor , afirmo no caso do menino Bernardo. Não foi por amor a agressão verbal ao goleiro santista. Ah, o amor, quantas tragédias da vida real ainda serão cometidas em teu nome? 

sábado, 23 de agosto de 2014

Bons tempos aqueles

Dias atrás, por dever de ofício,  frequentei uma redação de jornal  no efervescente horário do meio da tarde. Sabe aquela sensação de que havia algo errado no ambiente?  Só na saída, depois dos contatos mantidos, é que me dei conta do que incomodava, martelando meu cérebro: a redação estava repleta de gente, com quase todas as posições de repórteres e editores ocupadas.

Aí me bateu uma nostalgia dos meus tempos de jornal, quando no meio da tarde os repórteres saiam as ruas para cumprir suas pautas ou fazer a cobertura dos seus setores. Apenas o pessoal da cozinha ficava na redação e na Editoria de Esportes da ZH, onde mais atuei, era comum o editor da área acompanhar o repórter à campo e, assim, ter uma visão mais real das matérias que editava.  Essa era a orientação do nosso editor Emanuel Mattos, que nos deixou recentemente. Também por orientação dele os editores bancavam repórter e sazonalmente produziam matérias, que era uma forma de dar exemplo para a gurizada e manter-se antenado e reciclado.

Vida real em  jornalismo é fundamental e isso só se consegue na rua e no contato pessoal com as fonte, olho no olho. O que se observa hoje é primado do telefone para os contatos com as fontes e quase o fim da função de setorista, aquele repórter que se especializada em determinada atividade,  frequentava diariamente seu setor. Parece que isso  sobrevive ainda na editoria esportiva?

Claro que essa proximidade também podia produzir alguns problemas, como uma cumplicidade nefasta entre as partes, mas era fundamental para que o repórter conhecesse a fundo os assuntos do seu setor e quais as melhores fontes procurar sobre determinadas temas.  Também não sou a favor do exagero das editorias de esportes de antanho que escalavam no mínimo dois setoristas todos os dias para cobrir os principais clubes, mesmo porque o enxugamento porque passam as redações não permitiria esse luxo hoje.

A especialização até permanece, com repórteres focados em política, trânsito, saúde, cidade, obras públicas e até obituários, mas falta profundidade no tratamento das questões, muito achismo, teses pré-concebidas e aquela sensação de que o ambiental não está presente. Em resumo:  reportagens de retaguarda, cheias de números e grafismos, mas  sem conexão com a vida lá fora. Eu quase falei em matérias com um quê de arrogância, mas deixa pra lá.


Minha desconfiança é que esse processo também está contribuindo para o crescente desinteresse do público pelas mídias tradicionais, o que está impactando especial e dramaticamente os veículos impressos.  Sou formado pelo jeito antigo de fazer jornalismo, mas não vou bancar o saudosista, pois talvez todo esse contexto atual, ao fim e ao cabo, seja evolução e não retrocesso.  Tomara, mas não resisto em declarar: bons tempos aqueles.

sábado, 16 de agosto de 2014

Trauma de infância


Todo o ser humano tem o direito de cultivar seus traumas de infância, sejam eles de que dimensões forem. É na superação desses traumas que a humanidade vai pra frente, exceto nos casos graves que resultam em serial killers e congêneres.

Não é o meu caso. Fui criado numa família com mais sete irmãos e nesse contexto não havia muito espaço para traumas. Havia, sim, o desafio diário de meus pais em garantir o sustento do clã, sem contar os pequenos conflitos diários da escadinha de filhos e suas diferenças de personalidade. Este que vos escreve, como estava no meio da escadinha, sofria pressão dos de cima e dos de baixo, algo conhecido hoje como bullyng, nada, porém, que me desestabilizasse para o futuro.

Isso posto, hoje posso confessar que me consumi em boa parte da infância, ali pelos cinco ou seis anos, por causa de um frase que minha mãe repetia sempre. Uma frase que ficou tão marcada que lembro até hoje desse trauma ocorrido na mais tenra idade. A frase maldita: “Deus dá a noz para quem não tem dente”, afirmava a dona Thelia, com ar grave de condenação a quem não sabia aproveitar as oportunidades que a vida lhes oferecia.  Não lembro se o dito era dirigido a alguém em especial, talvez àquele tio que tinha múltiplos talentos mas não se ajeitava na vida.

Mas para mim, e talvez para meus irmãos da parte de baixo da escada, a frase soava de forma diferente: Deus nos dá a quem não tem dente. E ai ficava eu a imaginar, apavorado, sendo entregue a uma bruxa malvada e desdentada, que nos devorava, a mim e a meus irmãozinhos, coitados de nós. Tive pesadelos horríveis, porque a tal frase era sempre associada com as histórias da Mariazinha e do Joãozinho aprisionados e submetidos a regime de engorda pela bruxa da floresta.

Apesar do trauma, cresci sem virar assassino em série ou borderliner, mas fico me perguntando se não exagerei um pouco nas historias contadas aos meus filhos na primeira infância, eu que era dado a apelar nas atitudes dos personagens malvados.  Criança  compreende tudo de forma muito literal, mas acho que os pimpolhos aqui de casa, se tiveram traumas por causa disso, não me revelaram ou já superaram.  Que assim seja,  porque a próxima geração está ouvindo as mesmas histórias e as mesmas frases que podem provocar traumas e pesadelos noturnos.


domingo, 10 de agosto de 2014

O Dia dos Filhos

Reeditado a partir do original publicado em 11/08/2011, mas sempre atual.

Se dependesse de mim, trocava o Dia dos Pais pelo Dia dos Filhos. Parece bobagem, mas o que justifica a paternidade senão os filhos? Filhos são dádivas, sementes que devemos zelar para que cresçam e se transformem em nosso melhor legado para o futuro. Com a certeza de que não errei na receita, celebro então o Dia dos Filhos.

O Dia da Flávia, primogênita, capricorniana como o pai, rebeldia domada pela maturidade, filha e mãe amorosa, solidária e ansiosa com o bem estar dos mais próximos, e agora gerentona. O Dia do Rafael, o atlético do meio, um romântico escorpião, olhos de bolita e um pouco da sina de rabugento, que agora experimenta as venturas da paternidade. O Dia da Mariana, meu nenê, pequeno dínamo, muita sensibilidade, um passarinho que cedo aprendeu a voar e foi crescer lá longe, voltou ao ninho e bateu asas de novo.

Talvez não tenha feito justiça, nessas poucas linhas, ao que meus filhos tem de melhor. Mas eles sabem que sinto um enorme orgulho deles e curto a forma como se curtem. E sabem também que o pai que sou foram eles que moldaram. Agora, mais ainda, é eles que me dão o norte e vou estar cada vez mais dependente do rumo que me apontarem.



Instituo, portanto, o Dia dos Filhos e celebro a data, mas aviso: o velho aqui não abre mão dos presentes no domingo. Podem ser até pijamas e chinelos, canecas e camisas azuis, jaquetas e bons vinhos.

sábado, 9 de agosto de 2014

Histórias da mesa ao lado:Os Infratores

Noite dessas espichei o ouvido para a mesa ao lado e fiquei sabendo de saborosíssima histórias envolvendo motoristas infratores e agentes de trânsito cumpridores de suas obrigações. Nas fiscalizações noite adentro acontece cada uma.  Como a da motorista flagrada sem carteira que se livrou de um flagra pior ainda. A moça,  acompanhada de um rapaz, se recusou a fazer o teste com o bafômetro, o acompanhante também, e apresentou a documentação do carro indicando que o proprietário era outra pessoa.

- Como a senhora não pode dirigir e o moço aí também não, quem sabe chama o proprietário para conduzir o veiculo.

- Não posso, o proprietário é meu marido. Imagina se ele vem aqui e vê que eu estou com outra pessoa...

Algo me distraiu, talvez uma caldável passando, e acabei não sabendo o desfecho do caso. Diferente da outra história que ouvi. Seguinte: nos tempos em que os Fuscas eram os carros que mais rodavam, o cinto de segurança era de duas pontas, passando sobre as pernas do motorista. Diante de uma situação dessas o agente chamou a atenção do condutor:

- E o cinto, cidadão?

O motora, sujeito simplório, fez um gesto apontando para baixo, o que foi interpretado como uma provocação obscena pelo agente.

- Tá pensando o quê? Além de dirigir sem cinto ainda fica bancando o engraçadinho.

E já estava sacando o  talonário para aplicar uma pesada multa quando o atrapalhado motorista conseguiu demonstrar que estava, sim, usando o cinto, para o  qual apontava.

Mal entendidos cercam também alguns motoristas que se recusam a deixar seus carros na madrugada para fazer o teste do bafômetro. Só que não se trata de contravenção, mas de constrangimento.

- Seu guarda,  vou buscar meus filhos numa festa e estou de pijama.  Fica chato sair do carro com toda essa gente em volta...

Normalmente os agentes são sensíveis ao apelo dos pais, mas não tem a mesma condescendência com aquelas moças mais afoitas  que, sob o efeito de umas e outras, se atiram em direção aos homens da lei, aos beijos e abraços, como um pedido de clemência.  Como aplicadores da Lei, os agentes não são bem vistos e, de repente, aparecem garotas e senhoras prenhes de amor pra dar. O que dá é pra desconfiar da sinceridade das intenções.

A recíproca também existe, como o caso aquele do azulzinho que se tomou de amores pela loira recém multada e passou a mandar mensagens convidativas para o fone da moça. Mas aí já é outra história da mesa ao lado.


terça-feira, 5 de agosto de 2014

O passaralho

Passaralho pra quem não sabe é um ser da mitologia do jornalismo, mas de forma mais rasteira pode ser descrito como um pênis com asas. O bicho assombra as redações em períodos de demissões em massa, pousando na mesa ou bicando a bunda dos selecionados para a degola, tipo aviso prévio.

Neste momento o passaralho sobrevoa as redações do principal grupo de comunicação do Estado e já tem até o número dos que ficarão desempregados, conforme comunicado oficial da direção da empresa: 130 profissionais vão para um mercado já saturado e em recessão.

Nos tempos em que era atuante em veículos, normalmente em um chefia intermediária, sobrevivi a muitos passaralhos e em uns poucos tive o dissabor de precisar comunicar às vítimas que elas estavam na relação dos dispensáveis. Invariavelmente ouvia dois questionamentos, para os quais não tinha resposta adequada: “Qual o motivo? Por que eu?” Era um momento terrível, mas muito pior para quem recebia a notícia de que deveria procurar o RH para tratar da sua rescisão.

A maioria havia dado o melhor de si para a empresa e agora era rejeitado,  numa relação que uma das partes, ingenuamente, imaginava que seria para sempre. As empresas, diferente das pessoas, não tem alma, mesmo assim tentam mascarar com uma linguagem diferenciada o que nada mais é que um pé na bunda do trabalhador, pomposamente chamado de colaborador.  Esse processo ganha nomes sofisticados, como downsizing, reposicionamento, redirecionamento  ou mesmo renovação, como é o caso presente.

A verdade é que cada posto de trabalho que se vai, cada profissional que perde o emprego, cada enxugamento nas redações fragiliza nossa crença no Jornalismo como forma de expressão da sociedade e macula o que ainda nos resta de vocação. E só o que nos cabe  - e o que mais dói -  é uma inútil solidariedade





domingo, 3 de agosto de 2014

Historias da mesa ao lado: A Modista

A mesa ao lado é farta em histórias. As fontes advertem: todas são verdadeiras, mas os nomes são fictícios para não comprometer ninguém.

É assim o causo que nos foi contado por amiga de fé,  testemunha ocular e auditiva dos fatos.  Sucede que o gauchão se enamorou de uma moça prendada, uma modista muito requisitada na comunidade. Para quem não sabe as modistas, especialmente no interior, tinham muito prestígio ao produzirem os vestidos que as madames usariam nas festas nos clubes bem frequentados da cidade. Modista que se prezasse não repetia vestido, cada um era peça única para as  matronas não passarem vexame diante de um eventual figurino clone.

Pois,o nosso gauchão passou a ser cliente e usuário da modista. Cliente através da sua mulher e usuário nas visitas cada vez mais frequentes que fazia à casa da moça, após as sessões de costura e provas das roupas das suas freguesas. O gauchão estava apaixonado e rogava aos amigos para comparecer as churrascadas dominicais com a rapariga.

- Dona Ema, o que a senhora acha de eu trazer a modista aqui, de modo a apresentar pro pessoal, indagou de uma das esposas dos parceiros  com a qual tinha alguma liberdade para tratar de um assunto tão delicado.

- De jeito nenhum. Tua esposa já veio aqui contigo outras vezes e vai ficar muito chato tu aparecer de repente com outra rapariga, repeliu dona Ema, que era uma liberal, mas nem tanto.

Entretanto, a  vida dupla quase levou o gauchão à falência e ele decidiu abrir o capital da empreitada, propondo uma espécie de sociedade ao mais graduado dos parceiros.

- Robertão,  tu conhece a modista, moça bonita, prendada e gosta da coisa. Até estou dando conta do recado, mas tu sabe, né, a safra não foi boa e eu fiquei endividado. E a modista gosta dum mimo tanto quanto daquilo e está difícil contentar a moça, se é que me entendes.

E depois do rodeio, foi direto ao ponto:

- Robertão, quem sabe a gente, por assim dizer, compartilha as despesas com a  modista, cada um vai um dia, cada um com seu copo de uísque e seu mate, sem misturança. O que tu acha?

O gauchão levou um corridão, não porque o Robertão não gostasse de um entrevero de vez em quando, mas não era homem de “compartilhar” suas chinocas, mesmo com um amigo de fé.

Desenxabido, o proponente chegou em casa e deu um ultimato à esposa:


- Minha véia, vamos ter que parar de frequentar o clube. A crise tá braba e  esse negócio de fazer um vestido para  cada festa não vai dar mais. Daqui a pouco não vou ter dinheiro para pagar a modista...

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Histórias da mesa ao lado: A Escolha.

A já famosa mesa ao lado é uma fonte permanente de histórias, engraçadas, escabrosas,  boas ou nem tanto. Outro dia ouvi uma senhora irrequieta contar um causo  perturbador para dizer o mínimo. A história envolveria um bom gaúcho que se enamorou de outra rapariga e passou a frequentar a casa da moça, apesar das admoestações da patroa.

- Emerenciano, jura pra mim que tu nunca vai ter outra mulher, jura pra mim Emerenciano!!!, implorava a pia senhora, que frequentava a igreja diariamente com preces em prol da fidelidade do marido.

O Emerenciano até jurava, mas estava incomodado com aquela situação.  Gostava da esposa, mas era a rapariga que o levava ao paraíso, se me entendem,  sem necessidade de frequentar os templos e rogar aos céus.

Um dia Emerenciano decidiu contar tudo para a esposa. Começou “costeando o alambrado”, como recordaria depois numa roda masculina no bolicho.

- Sabe minha véia, homi tem certas necessidades...precisa de umas cosa deferente na cama...

E revelou seu caso extraconjugal, sem entrar em maiores detalhes, especialmente quanto aos diferenciais da moça, mas firme na sua posição. Pra que?!  A patroa teve um faniquito e não parava mais de chorar. Em meio ao vale de lágrimas,  brandia:

- Mas tu prometeu, Emerenciano. Tu até jurou, Emerenciano.

E o Emerenciano firme, mas de saco cheio com aquela choradeira. Até que apelou para uma saída radical.
- Vem cá, minha véia.  Tu prefere que eu te traia com uma mulher ou vire um fresco como aqueles da Redenção  e  dê de bundear?

Confrontada com as duas alternativas, a senhora estancou o choro e as lamúrias.

- Pensando bem, acho que tu tem razão, Emerenciano. Fica, então, com a mocinha...mas não deixa os meus parentes e as minhas amigas da paróquia saberem.

E com esse arranjo viveram felizes para sempre.