quarta-feira, 30 de maio de 2012

O Lobo do Elevador e outros canídeos*

*Inspirado em fatos reais

Esse descaminho que é o ViaDutra revisita alguns temas de vez em quando.  É o caso da ação dos lobos conquistadores, uma espécie que está proliferando e atacando em vários cenários.  A ideia original partiu do companheiro LFA, ele mesmo um lobo militante, hoje uivando e farejando suas vítimas em próspera cidade da região metropolitana de Porto Alegre.
A tese do LFA é de que "os verdadeiros lobos nunca dormem" e as situações que nos chegaram ao conhecimento confirmam a afirmativa. O tema já foi destaque em duas postagens anteriores (em 12 e 16 de novembro de 2009, nos primórdios do ViaDutra) e voltamos a ele em função de alguns casos recentes. Vamos a eles:

O Lobo do Elevador é rápido no gatilho.  Ele fica só esperando as potenciais presas entrarem no elevador para atacar, sobrepondo sua mão à da moça quando ela vai marcar no painel o andar de destino. O gesto é feito de forma delicada, seguida de um pedido de desculpa, que engata um papo agradável e encarreira a conquista no encontro marcado para mais tarde e acertado com maestria e agilidade no trânsito para o andar finaleiro. O Lobo do Elevador orgulha-se do seu slogam: “Vou levá-las as alturas”.
Mais cerimonioso, mas tão eficaz quanto,  é o Lobo dos Tribunais que também segue um ritual: ao avistar seu objeto de desejo – uma testemunha, um depoente ou mesmo outro operador do direito, no caso uma operadora –  ele sentencia, após inspecioná-la de alto a baixo: “Peço vistas!”. Quem já assistiu a cena garante que é impossível resistir ao olhar de raio x e ao pedido de protelamento, na verdade, uma sinalização de que um outro processo está começando.  Não vamos entrar em mais detalhes porque a questão pode ficar escabrosa porque envolve um dos poderes da República.

O Lobo da Lingerie mereceria um estudo à parte pela sua audácia e criatividade.  Seu slogan é: “Não resisto a uma pretinha básica”.  Seu habitat são as lojas de roupas íntimas femininas. Seu  modus operandi é sutil, mas incisivo. Funciona assim: ele adentra à loja, escolhe alguma peça bem sexy, preferencialmente preta ou vermelha e aí parte para o ataque.  A vítima pode ser uma das vendedoras, sempre muito atraentes ou outra consumidora, com prioridade para as bonitonas que estejam escolhendo peças semelhantes. Aí o predador se aproxima e, cândida e meigamente, faz a consulta: “ Com licença, eu queria uma ajuda para escolher uma calcinha para minha namorada, mas estou cheio de dúvidas”. Gente, não falha nunca. A peça intima na mão, fingidamente atrapalhado, o olhar pidão, e logo se estabelece uma cumplicidade que vai além do ato consumista. E logo, também, nosso canídeo estará manejando a calcinha da nova parceira, mas no modo operacional, digamos, retirante.
O Lobo da Cafeteria, que se apresenta como “Uma gostosura do começo ao fim”, usa sempre a mesma estratégia. Senta-se a um canto, espera a chegada da moça desacompanhada e confere o pedido. O ataque vai depender desse pedido: se for um simples carioquinha, um cappuccino ou um espresso ele não se sente estimulado, às vezes até encara, mas ao  ouvir solicitações do tipo “Me traz um Mocaccino” ou um “ Quero Macchiato” ou mesmo um “Chá Verde, por favor” fica todo excitado e parte para o ataque. Começa por antecipar-se, pagando a conta da futura presa, como se oferecesse um drink, com isso chama a atenção da moça, aí senta à mesa, entabula uma conversa qualquer e deixa a natureza seguir seu curso. Com a  experiência acumulada, o Lobo da Cafeteria criou um ranking para as suas conquistas, estabelecendo uma relação entre o pedido feito na cafeteria e o desempenho posterior: Café espresso: só vale para uma rapidinha; Macciato:  vale o investimento, gostosura sempre ;  Mocaccino: esconde grande doçura e deliciosos finais; Chá verde: muita sofisticação, pronta para qualquer extravagância.

E tem ainda o Lobo dos Eventos, mas isso fica para outra ocasião, até porque age de modo muito estranho e inexplicável.

Estava concluindo esses relatos quando deparo com uma frase daquelas que o pessoal gosta de postar, curtir e compartilhar no Facebook: homem cafajeste é como café: quente, forte, gostoso e te deixa acordado a noite toda.  Eu adaptaria: lobos são como café: quentes, fortes, gostosos e nunca dormem...

sábado, 26 de maio de 2012

Musas na Playboy

                      Andressa Cachoeira, nova musa de CPI

Houve um tempo em que a informação de quem seria a garota da capa da Playboy era tão esperada como o anúncio dos planos econômicos para conter a inflação .  Talvez houvesse relação de causa e efeito entre as duas situações, uma impactando fortemente no nosso bolso e o outra compensando com verdadeiros colírios para nossos olhos e provocações para  a nossa libido. Ou, no popular, éramos cravados de um lado, mas  do outro... Bem, esse negócio de um lado e de outro está me atrapalhando, mas vocês entenderam, né?!

Outro dia um bandalho me mandou por email uma verdadeira relíquia daqueles tempos: ensaios para a Playboy das musas de então   – entre outras,  Cláudia Raia, Sônia Braga, Sanda Bréa, Vera Fischer, Monique Evans, todas gatíssimas no auge, a eterna Luiza Brunet,  a agora pudica Xuxa, sem contar  as antológicas fotos de Cláudia Ohana com aquela floresta amazônica de pelos pubianos. Grandes mulheres, bons tempos, outros tempos.

Agora, mais ainda, o photoshop transforma qualquer magrela em beldade gostosona (até mesmo bichinhos da goiaba,  como a Lucélia Santos e a  Hortência) e, além disso, tenho a impressão de que o foco mudou de uns tempos para cá:  os corpinhos mais requisitados são os das brothers do BBB ou de celebridades de ocasião, como  a gandula carioca ou uma eventual musa de CPI.  Sim, musas de CPIs. É que  a corrupção não tem freio neste país e  o número de CPIs cresce quase na mesma proporção. A cada uma delas corresponde uma musa, que ganha status instantâneo  de celebridade, tanto quanto o presidente da comissão, o relator, o corruptor principal  e o mais agressivo dos inquiridores.  Do pinga-fogo da comissão aos holofotes da revista é um passo, basta ser um pouco ajeitadinha e querer faturar uns trocados, muitas vezes nem tão trocados.
A  primeira das musas de CPIs teria sido Tereza Collor, cunhada do presidente Collor – como se sabe foi o irmão do presidente e marido de Tereza quem começou a detonar o mandato de Collor. Deu no que deu. Só que Tereza não se atreveu a posar nua e nem se sabe se foi convidada.

Diferente dela, outras musas de CPI não resistiram à fama de pelo menos uma edição. E nem eram tão musas como a alagoana, se bem que mais encorpadas, como Camila Amaral eleita musa da CPI dos Correios, ela que nada tinha a ver com o caso, era somente assessora de imprensa da então senadora Ideli Salvati e figurou bem despida na edição de outubro de 2005.  Podia ser pior: imagina se convidam a Ideli e ela topa...
A classe dos jornalistas também esteve bem representada por Mônica Veloso, apresentadora de TV e namorada de Renan Calheiros nas horas vagas. Ela  acabou sendo testemunha chave contra o figurão num escândalo que “abalou a República” como estampou a Playboy de outubro de 2007, com a moça na capa, de costas, despindo a calcinha.
                                      Mônica Veloso: fotos nada republicanas

E teve ainda o caso da “quase  musa da CPI”,  Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária de Marcos Valério,  aquele do Mensalão, que pediu R$ 2 milhões à Playboy . A revista recusou depois que um jornal mostrou-a na primeira página, ruiva contra o fundo laranja, pálida,  maquilada com mau gosto, vestindo um sutiã de oncinha e sorrindo insinuante cafonice para a câmera.  Nem o photoshop resolveria.

Agora chegamos a mais uma CPI, a do Cachoeira, e não demorou muito a surgir a escolhida para o trono de musa. O nome dela é Andressa Mendonça, 30 anos,  dona de uma loja de roupas íntimas em Goiânia  e  mulher do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Loura, olhos claros, corpinho violão e um certo ar de ingenuidade, Andressa foi o único assunto quente na CPMI no dia do depoimento do contraventor. Em seguida surgiu a informação de que teria sido convidada para posar nua para a Playboy. Ela garantiu, porem, que não vai nos dar essa chance. É uma lástima porque a moça parece ter atributos  estéticos que merecem ser socializados.Além disso, fico  imaginando o ensaio - certamente tendo como cenário uma cachoeira - e a chamada de capa, coisas do tipo “Andressa revela tudo sobre as visitas íntimas na cela da Papuda”, ou “Cachoeira nada fala, mas Andressa mostra tudo”.  Aceitam-se sugestões. (Esse Thomas Bastos é um gênio em desviar as atenções!).

Pra falar a verdade, nem sei porque estou tratando desse assunto, eis que, pessoalmente, nunca me interessei muito pelas peladonas maravilhosas, deslumbrantesm e desejáveis  da Playboy. Sempre dei preferência para as entrevistas, as reportagens especiais e as piadas da última página...

* Sugestão de Edson Chaves, o Chavinho.

domingo, 20 de maio de 2012

Minhas invejas

Já confessei aqui, um tanto envergonhado, que não tenho a mesma compulsão pela leitura de tempos atrás.  Pelo menos duas dezenas de livros, isso mesmo,  duas dezenas, aguardam a vez de captar meu interesse, enquanto outros cinco estão sendo frequentados ocasionalmente, porque a mania de ler várias obras simultaneamente ainda não perdi.

Credito a minha descoberta das redes sociais, onde me divirto pra caramba, e a atenção que dispenso a este blog o descaso que, espero, seja momentâneo com a literatura.
Porém, nem tudo está perdido nessa batalha, porque mantenho o hábito de consumir nossos cronistas do cotidiano, nas colunas publicadas nos jornais diários.

A crônica, tal como a conhecemos hoje, parece ser uma manifestação literária bem gaúcha. Não é por outra razão que há inúmeras ofertas de oficinas de crônicas, tanto quanto as de contos, todas com o respaldo de conceituados nomes da nossa literatura.  A culpa talvez seja de Luiz Fernando Veríssimo, nosso cronista maior, mas o público consumidor do gênero vem sendo cultivado há décadas, acho mesmo que desde que Ruben Braga aqui aportou  nos idos de 1940 -  conta a lenda que fugindo de um marido corneado e vingativo – e passou a publicar no Correio do Povo.  Os mais antigos falam muito bem de JB, na extinta Folha da Tarde e, antes que o LFV passasse a dominar a cena, Sérgio Jockymann teve o seu tempo, assim como Josué Guimarães, que se assinava como Phileas Fogg  (personagem de A Volta ao Mundo em 80 dias) nos primórdios da Zero Hora. Na chamada crônica esportiva, Cid Pinheiro Cabral era o cara.
Claro que posso estar cometendo omissões e injustiças nesse arremedo de resgate da história dos cronistas gaúchos. Na verdade, cheguei até aqui somente para confessar minha admiração, fanzice mesmo, por alguns dos atuais cronistas projetados pela nossa mídia. Invejo, uma inveja bem invejosa, a fluidez dos seus textos, o primado da forma em relação ao conteúdo,  a frase bem escrita, cada palavra no seu lugar e cumprindo ordeiramente sua função, adjetivos e advérbios na medida, os argumentos bem sustentados, as ironias inteligentes e até mesmo algumas falsetas vez por outra, mas tão bem urdidas que acabo relevando. Hoje os jornais estão poluídos de tantos cronistas, mas pro meu gosto só alguns valem a pena ser lidos.

Ave minha ídala confessa Claudia Laitano,  alento e talento de todos os sábados, junto com meu guru Nilson Souza, também sabatino, racional poético, pai de todos, fura bolo e mata piolhos de tão bom, além de ser meu vizinho. Salve David Coimbra, companheiro de confraria com sua erudição erótica, o mais rodrigueano de todos,  e também o Juremir Machado, sub judíce na confraria mas instigante nas suas provocações e polêmicas,  de Palomas para o mundo com passagem por Paris. Hosanas Kledir Ramil, de Satolep,  que aprendi a gostar e gosto cada vez mais e também Carpinejar, que estou aprendendo a gostar e gostando do aprendizado. E tem ainda o sazonal e sempre invejado Moisés Mendes e os invejáveis internéticos Duda Rangel (desilusõesperdidas.blogspot.com) e Ernani Ssó (Coletiva.net), que  produzem textos que eu gostaria de ter escrito.
E não tem muito mais, a não ser mestre Sant’Anna, sempre tão Sant’Anna, mas que comete pelo menos uma crônica antológica por mês.  Só isso já vale.

Quando eu crescer quero escrever como essa gente e ter pelo menos uma meia dúzia ou dúzia e meia de flávios dutra para me invejar. Por enquanto, fica só a inveja.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Aflições de um marido exemplar

Meu bom amigo Diogo* é um cara de múltiplos interesses e atividades  variadas,  que o levam a ser alvo de tentações a todo o instante.  Até mesmo nas proximidades da sua base profissional mais efetiva, no momento,  ele tem recebido ofertas as mais ousadas e desinibidas possíveis, de serviços e pessoas muito profissionais.  Coisas do tipo Love Point (“para homens de bom gosto”), Vip Class (“realize suas fantasias”), Brazil (sim, com z) Privê (“ambiente discreto e climatizado”), Casarão (“o melhor privê de Porto Alegre), Super Top (“mais de 20 gatas”),  Carmen’s Club (este dispensa apresentações)  e todo o tipo de massagens, inclusive à domicilio.  As ofertas são apresentadas em pequenos folhetos distribuídos aos passantes, ou colocados nos vidros dos carros e invariavelmente ilustrados com moças dotadas de belos calipigios. Chama atenção que são aceitos todos os de cartões de crédito das mais conceituadas instituições bancárias.

E o que o bom Diogo tem a ver com isso? Muito pouco,  a não ser o fato de que ele tem sido vítima constante dos distribuidores dos tais prospectos eróticos, tanto assim que já se questiona se não passa a impressão de que está com saudade da coisa ou, o que é pior, aparenta ser uma pessoa devassa,  ávida para desfrutar momentos  de luxuria nesses mal afamados locais. Homem de boa índole, marido amoroso, cidadão de conduta exemplar, o coitado do Diogo se martiriza com a situação.
O martírio dele, diante das tentações, se agrava quando desempenha outra atividade, recepcionando delegações do exterior, autoridades ou empresários que aqui aportam  em busca de negócios.  O trabalho é gratificante, mas coloca nosso amigo em cada saia justa que vou te contar. Recentemente ele precisou reservar acomodações para cinco estrangeiros  e como todos os hotéis estavam lotados a solução foi contratar apartamentos em um motel da zona leste, depois de muita conversa com o gerente explicando a origem dos hóspedes e a emergencialidade da hospedagem.  Tudo acertado,  à noite Diogo voltou ao motel para apanhar os estrangeiros e levá-los para jantar.  À saída do estabelecimento , com a sua van carregada dos estrangeiros, um grupo de homens altos, fortes, quase gigantes de ébano,  foi surpreendido por um casal de idosos que passava pelo local. Diogo ainda tentou afetar naturalidade, mas pode ouvir claramente quando o homem comentou com a mulher:

- Pouca vergonha, como permitem uma coisa dessas aqui na vizinhança?!
Pior foi a resposta da senhora:

- Como ele aguenta esse montão de homem?!
Apesar do reconhecimento dos visitantes ao acompanhante,  expresso em  animados discursos  durante o jantar, Diogo estava transformado em um farrapo humano, lembrando o casal de idosos e suas insinuações sobre o que teria acontecido no recôndito do motel.

De outra feita, igualmente recebendo um grupo de estrangeiros, o mais saliente dos visitantes insinuou que gostaria de conhecer uma casa noturna cuja fama chegara a sua terra, transmitida por viajantes que o precederam.  Num inglês enrolado deu a entender que era o  Gruta Azul,   conceituado estabelecimento que, eventualmente, permite que as belas moças que transitam pelo local sejam cooptadas para programas, como direi...,mais movimentados.
Pedido insinuado, pedido realizado e lá se foi nosso amigo ciceronear o grupo no Gruta Azul.  Antes, deixou claro que não ficaria para a noitada, porque, como já sabemos,  não era homem dado a frequentar esses lugares.  A desculpa para os gringos foi outra, mas antes de deixá-los instalados num camarote vip, fez mil recomendações ao gerente, exigindo que fossem tratados como realezas e recebessem do bom e do melhor.

Diogo confessa que foi pra casa com aquela  ponta de desassossego a perturbá-lo. Aquele bando de estrangeiros soltos no Gruta, bebida à vontade, as moças rondando e ninguém para controlar...Margem de risco enorme.
O sono custou a vir e, quando chegou, foi entrecortado por despertares em sobressalto.  Até que o telefone tocou na madrugada e ele prontamente atendeu.  Do outro lado da linha, ouviu um coro:

- Diogo, Diogo, Diogo! Thank you, Diogo. Obrrrigado, Diogo. Diogo, Diogo, Diogo!
O nome dele, pronunciado daquela forma e com sotaque estrangeiro, foi um momento emocionante, embora o coro fosse poluído por gritinhos femininos ao fundo.  Pelo jeito, era uma fuzarca e tanto!

Pelos serviços prestados e a atenção dispensada aos visitantes, Diogo assumira a condição de ídolo, só que estava bloqueado para aproveitar as benesses decorrentes das suas relações internacionais.  Por isso, consciente das suas aflições, lamentava-se no dia seguinte, repetindo uma frase que já está virando bordão:
- Agora só me resta aderir à massagem tântrica.

*Nome fictício, por razões óbvias.


terça-feira, 8 de maio de 2012

Os chatos da minha vida


Esse texto foi publicado originalmente em 30 de outubro de 2010, nos primórdios do ViaDutra. Decidi resgatá-lo depois que o Emanuel Mattos publicou no Facebook a foto acima, datada de 1985, reunindo parte da grande (em número) e talentosa (deixando a modéstia de lado) equipe da editoria de esportes da Zero Hora. Um pouco do espírito das redações, de uma época memorável do jornalismo gaúcho, é o que tentei expressar neste texto, que dedico ao querido Evaldo Gonçalves, patrono da Confraria da Caveira Preta e que nos deixou tão cedo. Evaldo é o que eu quero ser quando crescer.


Na antiga redação da Zero Hora, o espaço destinado à barulhenta editoria de esportes ficava apartado do restante. O local era conhecido por Jaula, não sei se porque ali só coabitavam feras ou porque o formato da peça assemelhava-se a um abrigo de animais. Era uma espécie de longo corredor, cercado das mesas de repórteres e editores. Na hierarquia, a mesa do editor de esportes, na época (década de 80) o Emanuel Mattos e depois o Nilson Souza, situava-se ao fundo do corredor. Como eu era um dos subeditores, minha mesa era próxima, também no fundão.

Este preâmbulo, quase um nariz de cera, é necessário para relatar um dos meus penares: a capacidade de atrair chatos. As redações de jornais e a editoria de esportes em particular exercem um fascínio indescritível sobre o malario de todos os matizes - boleiros em fim de carreira, técnicos desempregados, gente dos esportes amadores pedindo espaço, mães e pais de atletas promissores, uma fauna, enfim. Naquela época e naquele cenário não era diferente.

A presença dos chatos proporcionava momentos hilários também. O queridíssimo Nilson Souza era vítima recorrente de uma brincadeira. O mala aparecia na porta da editoria e perguntava quem era o chefe. O pessoal apontava o Nilson, calvo e com tufos laterais de cabelos brancos, fazendo uma advertência;

- Fala alto porque ele é meio surdo.

E lá se ia o chato ancorar na mesa do Nilson, aos berros:

- O SENHOR É QUE É O CHEFE?

 Concentrado no trabalho, nas primeiras vezes o Nilson sempre levava um susto.

 - Não precisa gritar, meu amigo, que eu não sou surdo.

 Imaginem a cena: toda a redação parada, contendo o riso e esperando o desfecho da abordagem.

Porém, mais do que o Nilson, eu era vítima constante dos chatos de redação. O cara adentrava à Jaula, sem cerimônia, percorria todas as mesas e parava na minha, nos momentos mais inoportunos, trazendo as questões mais estapafúrdias e que não me diziam respeito.

Isso sem contar a minha coleção particular de chatos, que não é pequena. Acredito que tenho um temperamento afável, por isso não hostilizo os vocacionados para a chatice, o que lhes passa a idéia de que sou receptivo aos seus papos e vou resolver seus problemas. Cria-se, então, um circulo vicioso: chato bem tratado vira reincidente e nunca mais larga do teu pé, aumentando gradativamente sua freqüência e suas demandas. O chato te adota.

Agora mesmo tenho sido visitado com assiduidade na repartição por um sujeito com o qual trabalhei anos atrás. Não importa o que eu esteja fazendo, ela senta na minha frente e começa um diálogo, que respondo educadamente mas por monossílabos, sem que ele pare de matraquear. Outro dia ele se superou e, quase aos berros, me avisou da porta de entrada:

 - Tem um maluco aqui na porta querendo reformar o mundo. Como tem chato nesta vida, tu não achas?

 Era só o que me faltava: o chato criticando o mala amalucado.

Até pretendia traçar um perfil com as principais características do chato, mas já acho que isso é dispensável. O chatonildo é reconhecível na primeira mirada ou assim que começa a falar. O que me preocupava, entretanto, era que a atração que exerço sobre essa fauna pudesse ser um indicativo forte de que eu também era um deles. Mas logo afastei a idéia porque chato odeia concorrência de outro chato, como vimos acima. Prefiro pensar que eles grudam em mim em razão daquela lei da física segunda a qual os opostos se atraem.


domingo, 6 de maio de 2012

Pérolas do calçadão

Já confessei aqui neste Descaminho que sou fascinado por aqueles retalhos de conversas ou frases soltas que ouço nas  incursões atléticas matinais pelo calçadão de Ipanema.  Minha audição não é qualificada, às vezes não sei distinguir um tango de um samba canção, mas tenho ouvidos apuradíssimos para sons e palavras próximas.  Ok, sou abelhudo mesmo e assumo.  Herança dos tempos do repórter que um dia fui.

Pois, nas minhas deambulações tenho ouvido verdadeiras pérolas dos outros passantes, normalmente diálogos entre parceiros de caminhada.  Sentenças como essa,  de um corretor de imóveis para o picareta de automóveis, ambos meus conhecidos de outras andanças : “Tem neguinho ai que gosta de ver marmanjo se agarrado no tal de UFC. Eu prefiro me agarrar com mulheres”. Ou essa, do tiozinho, impecável no seu abrigo Adidas branco: “Por aquela mulher eu abandonava o lar por umas 12 horas: uma hora para ficar com ela e as outras 11 para me recuperar física e moralmente.”  Fiquei com curiosidade para conhecer tal lambisgóia.

Outro dia fui parado por um amigo que vinha em sentido contrário e me fulminou com uma frase, antes de seguir adiante, em passo firme: “Caríssimo, antes a gente conversava sobre mulher. Hoje fala de exames médicos e remédios.” Nem tive tempo para a réplica, que talvez fosse de concordância.

Também reflexiva foi essa lamentação que capturei en passant: “ Estamos mal de ídolos. Antes a torcida era pelo Senna, agora é pelos BBBs. Eu fora!”  Quase fui atrás para me associar ao reclamo.
Mas a mais instigante de todas as frases foi a que ouvi na semana passada, sem que conseguisse identificar o que representavam os caminhantes: “Não fui indiciado na CPI e não apareci nas conversas gravadas pela PF. Sou um merda, mesmo!”

A que ponto chegamos! Talvez seja a hora de apelar  para aquilo  que já ouvi em algum lugar, não necessariamente na babel do Calçadão:
- Agora só me resta a massagem tântrica!