Esse texto foi publicado originalmente em 30 de outubro de 2010, nos primórdios do ViaDutra. Decidi resgatá-lo depois que o Emanuel Mattos publicou no Facebook a foto acima, datada de 1985, reunindo parte da grande (em número) e talentosa (deixando a modéstia de lado) equipe da editoria de esportes da Zero Hora. Um pouco do espírito das redações, de uma época memorável do jornalismo gaúcho, é o que tentei expressar neste texto, que dedico ao querido Evaldo Gonçalves, patrono da Confraria da Caveira Preta e que nos deixou tão cedo. Evaldo é o que eu quero ser quando crescer.
Na antiga redação da Zero Hora, o espaço destinado à barulhenta editoria de esportes ficava apartado do restante. O local era conhecido por Jaula, não sei se porque ali só coabitavam feras ou porque o formato da peça assemelhava-se a um abrigo de animais. Era uma espécie de longo corredor, cercado das mesas de repórteres e editores. Na hierarquia, a mesa do editor de esportes, na época (década de 80) o Emanuel Mattos e depois o Nilson Souza, situava-se ao fundo do corredor. Como eu era um dos subeditores, minha mesa era próxima, também no fundão.
Este preâmbulo, quase um nariz de cera, é necessário para relatar um dos meus penares: a capacidade de atrair chatos. As redações de jornais e a editoria de esportes em particular exercem um fascínio indescritível sobre o malario de todos os matizes - boleiros em fim de carreira, técnicos desempregados, gente dos esportes amadores pedindo espaço, mães e pais de atletas promissores, uma fauna, enfim. Naquela época e naquele cenário não era diferente.
A presença dos chatos proporcionava momentos hilários também. O queridíssimo Nilson Souza era vítima recorrente de uma brincadeira. O mala aparecia na porta da editoria e perguntava quem era o chefe. O pessoal apontava o Nilson, calvo e com tufos laterais de cabelos brancos, fazendo uma advertência;
- Fala alto porque ele é meio surdo.
E lá se ia o chato ancorar na mesa do Nilson, aos berros:
- O SENHOR É QUE É O CHEFE?
Porém, mais do que o Nilson, eu era vítima constante dos chatos de redação. O cara adentrava à Jaula, sem cerimônia, percorria todas as mesas e parava na minha, nos momentos mais inoportunos, trazendo as questões mais estapafúrdias e que não me diziam respeito.
Isso sem contar a minha coleção particular de chatos, que não é pequena. Acredito que tenho um temperamento afável, por isso não hostilizo os vocacionados para a chatice, o que lhes passa a idéia de que sou receptivo aos seus papos e vou resolver seus problemas. Cria-se, então, um circulo vicioso: chato bem tratado vira reincidente e nunca mais larga do teu pé, aumentando gradativamente sua freqüência e suas demandas. O chato te adota.
Agora mesmo tenho sido visitado com assiduidade na repartição por um sujeito com o qual trabalhei anos atrás. Não importa o que eu esteja fazendo, ela senta na minha frente e começa um diálogo, que respondo educadamente mas por monossílabos, sem que ele pare de matraquear. Outro dia ele se superou e, quase aos berros, me avisou da porta de entrada:
Até pretendia traçar um perfil com as principais características do chato, mas já acho que isso é dispensável. O chatonildo é reconhecível na primeira mirada ou assim que começa a falar. O que me preocupava, entretanto, era que a atração que exerço sobre essa fauna pudesse ser um indicativo forte de que eu também era um deles. Mas logo afastei a idéia porque chato odeia concorrência de outro chato, como vimos acima. Prefiro pensar que eles grudam em mim em razão daquela lei da física segunda a qual os opostos se atraem.
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