sábado, 29 de setembro de 2012

Hebe


Vocês podem não acreditar mas eu assistia aos programas que a Hebe Camargo apresentava  em Porto Alegre, na antiga e pioneira TV Piratini, canal 5. Eram tempos pré vídeo tape, lá pelos anos de 1960 do século passado, e toda a programação das poucas emissoras de TV existentes era feita ao vivo e – acreditem – em preto e branco.  O meio TV começa a se expandir  Brasil afora pela tenacidade, o espírito empreendedor e  as negociatas de Assis Chateaubriand, que montou  os Diários e Emissoras Associados. Os Associados, como era conhecido, foi o primeiro grande conglomerado de mídia no País, vale dizer tinha a penetração e o poder da Rede Globo de hoje.
A jovem Hebe de então era uma das estrelas do cast dos Associados e nessa condição percorria o Brasil , apresentando-se nas capitais onde o velho Chatô havia plantado uma emissora.  A cantora acabou transformando-se em apresentadora de TV e é justo afirmar que conquistou a condição de grande dama da TV Brasileira, ela que viveu a evolução do veiculo desde sua primeira transmissão,em 1950, com a TV Tupi de São Paulo.

Consta que no programa inaugural o entusiamado Chatô teria quebrado uma garrafa de champagne em uma das duas únicas câmeras existentes, imitando o gesto que lança os navios ao mar. Só que o resultado foi que também a câmera quebrou e o programa que marcou o início TV brasileira foi ao ar com um só equipamento, na base do improviso.  Acho, porém, que isso é lenda.  Mas a presença de Hebe no programa é confirmada, junto com Lolita Rodrigues e Lima Duarte que estão bem vivos e podem confirmar tudo.

Nasci junto com a TV brasileira em 1950 e, a rigor, isso não representa nada na história, a não ser o fato de que acompanho desde então as mudanças no País e particularmente na TV brasileira. Claro que a modernização do Brasil tem sua correspondência nas emissões da mídia TV, tanto em técnica como em conteúdo.  E o reconhecimento global que, pouco a pouco, temos conquistado como grande nação emergente foi precedido de uma consistente penetração da nossa principal rede em quase todos os mercados mundiais.  Hoje a TV brasileira é referência mundial.
Entretanto, Hebe foi um ícone de um período mais brejeiro e ingênuo, brega mesmo,  de nossa país e de nosso meio televisivo, assim como Chico Anísio, que também nos deixou recentemente, e tantos outros pioneiros que um dia deixaram de estar na moda e ficaram para trás no gosto popular. Hebe parece ser exceção nesse contexto.  Mesmo trabalhando em redes de baixa audiência, manteve-se em alta, com um público cativo, que adorava sua espontaneidade cativante, seus bordões, suas tiradas e suas gafes.

Aliás, eis outro ponto em que me identifico plenamente com a Hebe: sou o rei das gafes, como já contei aqui no ViaDutra. Trata-se de mera coincidência, mas eu prefiro acreditar que é a melhor forma que encontrei para homenagear a grande dama da TV brasileira.

domingo, 23 de setembro de 2012

Habemus Papam


Depois de ter dormido nas exibições dos maus filmes indicados pelo seu o Coisinha,  proprietário da minha locadora, escolhi para a sessão de sábado Habemus Papam, da Nanni Moretti.  Tinha lido boas críticas a respeito e estava curioso para assistir ao filme e não me arrependi.
Nessa comédia dramática, o conclave se reúne no Vaticano para escolher um novo papa. Após várias votações, enfim há um eleito, o cardeal Melville. Os fiéis, amontoados na Praça de São Pedro, aguardam a primeira aparição do escolhido (Michel Piccoli), mas ele não vem a público por não suportar o peso da responsabilidade, e entra em pânico depois de um faniquito.  Tentando resolver a crise, os demais cardeais resolvem chamar um psicanalista, interpretado pelo próprio Moretti, para tratar o novo Papa, que acaba sumindo em Roma, período em que  aflora o seu lado mais sensível, o de ator frustrado.
A proposta do filme é tentadora, instigante até, como diria um amigo cinéfilo. Como católico desgarrado sempre me interessei pelos assuntos do Vaticano,  sou quase um vaticanista, mas  de certa forma fico contrafeito com aquela pompa e circunstância, os rituais de realeza que contrastam com pregação de que é aos pobres que está destinado o Reino dos Céus.

Diferente de Habemus Papam outros filmes recentes sobre o que acontece no Vaticano são mais incisivos em desnudar as mazelas da milenar Igreja Católica. Um bom exemplo é Poderoso Chefão III, nem tanto Anjos e Demônios.
Já o  filme de Moretti  é repleto de alegorias, que permitem variadas interpretações. O que significa, por exemplo, o impensável e hilário torneio de vôlei organizado pelo psicanalista no Vaticano, reunindo os veteraníssimos cardeais? É tudo um jogo? Interessante também o perfil de do novo Papa de Moretti.  Fisicamente lembra João Paulo II (que fez teatro quando jovem), mas com a sensibilidade de seu antecessor, João Paulo I, que morreu apenas 30 dias após ter assumido o trono de São Pedro, porque não teria resistido ao peso do papado.

É disso que trata Habemos Papam , um filme sobre a opressão que o poder exerce sobre os que não estão preparados para ele. O poder não foi feito para os sensíveis, mesmo que haja um deus a protegê-los e guiá-los.  Quantas vezes nos sentimos miseravelmente pequenos diante da grandeza dos desafios que nos são impostos? E quantas vezes, diferente do que ocorreu com o personagem de Habemos Papam, fomos compelidos à luta, sem direito a renúncia, que é um misto de covardia e humildade, mas também exige uma boa dose de grandeza.
O final é emblemático.  O escolhido pelos prelados  renuncia antes mesmo de assumir, enquanto os cardeais escondem o rosto. É uma Igreja perplexa, envergonhada, constrangida, o que resta, tudo a ver com a Igreja dos escândalos que tem vindo a tona e  que a cada dia perde mais e mais fiéis.

 

sábado, 15 de setembro de 2012

Agentes do mal


O momento político é sensível e perigoso. Faltando pouco mais de duas semanas para a eleição municipal as posições começam a se definir e os nervos ficam a flor da pele. Quem está atrás nas pesquisas tende a se exaltar e aí mora o perigo.
Candidato lomba abaixo é como animal acuado: reage com agressividade, quase por instinto. Essa é a fase do “quem não está comigo é meu inimigo”  e qualquer adversário, por mais jaguané que seja, vira agente do mal.  Sei de casos bem recentes...

Às vezes esse comportamento obedece a uma estratégia do marketing da campanha, que busca desqualificar os opositores como forma de estancar a queda e recuperar o terreno perdido. Normalmente não dá certo, mas o pessoal insiste. Também ocorre de o candidato e seus luas-pretas, normalmente gente tranquila e civilizada, ficar transtornada com a rejeição do eleitorado e virar fera disposta a qualquer tropelia. É quando começam as baixarias, a boataria, as difamações,  os falsos  dossiês,  numa ciranda maldosa que não tem mas fim.  Prestem atenção que a guerra já começou.  Nem ex-companheiros de outras jornadas são poupados em nome de uns votinhos a mais. Os parceiros de ontem se transformam nos inimigos de hoje.
Já atuei em campanhas vitoriosas e perdedoras, agressivas e as de “paz e amor” e estou convencido que o conjunto de fatores que leva a vitória  passa necessáriamente por um candidato competitivo, politicamente respaldado,  que inspire confiança, ostente uma biografia que orgulhe, tenha experiência para sustentar os projetos que acena para o futuro, revele sincera indignação com o que está errado e mostre que vai fazer diferença na vida das pessoas e das comunidades.  O resto é trabalho para o marketing.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

PSN

O partido que mais cresce neste período eleitoral é o PSN, Partido dos Sem Noção. Mesmo militantes de outros partidos podem integrar o PSN, pois não há necessidade de filiação formal. Para participar é preciso, antes de tudo,  atitude. E aí é fácil identificar os potenciais sem noçãozistas.

É o cara que te interrompe com um assunto menor quando estamos concentrados em resolver aquela questão crucial ou que interrompe a explanação na parte mais complexa para  perguntar uma obviedade.  É aquela pessoa metida a engraçadinha nos momentos em que se exige seriedade e formalidade. É aquele que é apresentado a gente num dia e no outro já se imagina amigo de infância e faz confidências inclusive sobre a vida sexual dele.  É aquele que não distingue gestos e palavras afetuosas e passa cantada até na mãe dos amigos.
O Sem Noção age sem ter noção de hora, lugar ou contexto, com o perdão da redundância necessária. É um inconveniente e um dedicado à causa de atrapalhar a vida dos outros. O Sem Noção é primo irmão do chato
Na política é aquele ou aquela que só critica, em tudo vê terra arrasada e, provocado a apresentar soluções, vira montanha que pariu um rato. É aquele ou aquela que promete o que sabe que não vai cumprir. É aquele ou aquela  que assume compromissos e não entrega. É aquele ou aquela que teoriza sobre o   que não entende porque acredita que todos os outros são sem noção como ele. No caso da política, o Sem Noção é primo irmão do demagogo.

Se me permitem, lanço um veemente apelo: livrem-me dos chatos e demagogos

domingo, 2 de setembro de 2012

Flores da Guerra



Estreei o blu-ray ganho no Dia dos Pais com um belo e instigante filme: Flores do Oriente,  do cineasta chinês Zhang Yimou, o mesmo de Lanternas Vermelhas e de O Clã das Adagas Voadoras. Indicado para a categoria de melhor filme estrangeiro do Globo de Ouro em 2011, o filme conta a história, baseada em fatos reais, ocorrida durante a segunda guerra entre China e Japão, em 1937.  O agente funerário  John Miller (o atual Batman Christian Bale, indicado para o papel por Steve Spielberg) chega a uma igreja católica em Nanjing para providenciar o enterro do pároco local, morto por uma bomba japonesa.  Lá chegando o americano  se depara com jovens estudantes de um convento e prostitutas de um bordel próximo, atraídas pela aparente neutralidade do templo.
A sinopse do filme relata que, inicialmente, Miller se revela um sujeito egoísta e desinteressado com o conflito existente, mas com o passar do tempo assume a responsabilidade de proteger os dois grupos tão diferentes. Ele terá que lidar ainda com o pânico provocado pelos constantes ataques do brutal exército japonês, enquanto pensa numa forma de fugir de lá.
Destacando que preferia a tradução do título original (Flores da Guerra), aqui vai a primeira constatação deste crítico cinematográfico amador:  o filme é chinês, mas parece produção de Hollywood e, assim, não é de se estranhar que o personagem principal seja um cidadão americano e que boa parte da língua falada pelos personagens, incluindo os nativos, é o inglês.   Com um orçamento de 90 milhóes de dólares, adaptado do livro “13 Mulheres de Nanjing”, de Geling Yan, Flores do Oriente foi produzido quase como um épico sobre o episódio que ficou conhecido como o Massacre de Nanjing, que os chineses consideram como tão grave como o Holocausto dos judeus.
 
O filme me sensibilizou particularmente porque tive oportunidade de visitar em  Nanjing o memorial que reverencia os 300 mil chineses que teriam sido mortos durante a ocupação japonesa. Trata-se de uma construção pesada, com um longo  circuito  encravado  na rocha onde é oferecido um roteiro  dos horrores ocorridos naqueles dias em que a besta estava a solta em solo chinês e era apresentada com os olhinhos puxados dos japoneses. Há fotos de cenas reais, reais até demais, objetos de época como armas e uniformes, simulação de batalhas e de episódios relacionados ao conflito. Mas não consegui passar do terceiro salão do circuito, perturbado com a  brutalidade exposta naquele cenário claustrofóbico. Sim, pode não parecer, mas sou uma pessoa sensível.  Cabe esclarecer que na visita a Nanjing acompanhava o então prefeito José Fogaça em missão oficial à China.  O lado professor de Fogaça falou mais alto e ele cumpriu todo o dramático circuito.  Ao final, comentou os fatos mostrados em uma das últimas estações do circuito, dando conta de que, na versão dos chineses, foram eles os principais responsáveis pela vitória aliada na segunda guerra mundial, pelo menos na região do Pacífico. Nada que surpreendesse em se tratando dos chineses para quem, mais do que outros povos, vale a versão.
Também não surpreende que no filme de Yimou  um cidadão originário de um país inimigo até algumas décadas atrás seja o grande herói, que vai salvar as virgenszinhas chinesas e proteger as prostitutas das redondezas.  Impensável em tempos de guerra fria, o protagonismo do americano corresponde em certa medida aos novos ventos que sopram na China de hoje, de regime político fechado e economia capitalista. “Não importa a cor do gato, desde que ele cace ratos” é o mantra repetido desde Deng Xiaoping, significando que os resultados, mais do que a ideologia, estão em primeiro lugar.  No caso de Flores da Guerra não importa que o filme tenha o estilo de Hollywood, importa o potencial de faturamento no mercado americano e internacional. Se vale como medida o circuito brasileiro, o resultados podem ser considerados positivos: o filme estreou com a nona melhor colocação e mais de 15 mil espectadores na semana de estreia.