terça-feira, 31 de dezembro de 2013

O Sistema

Pouca gente se dá conta mas quem manda mesmo no universo é algo que conhecemos por O Sistema.  Para o bem e para o mal, de forma direta ou indireta, O Sistema rege nossas vidas.

Difícil estabelecer quando esse fenômeno começou, mas suspeito que a gênese esteja  associada à Revolução Industrial que deu vida às máquinas, evoluiu para a Informática e gerou o  que viríamos a conhecer como O Sistema.  Tem gente que confunde O Sistema com outro processo  que chamaríamos exatamente de O Processo.  Só que O Sistema é mais robusto, mais abrangente e mais impositivo que  O Processo,  um mero procedimento coadjuvante, ou um dos modos de comandar o mundo que o chefão utiliza.

Todo o dia nos deparamos com O Sistema, nos espreitando e se fazendo presente quando menos esperamos ou quando mais precisamos dele.

- Desculpe, senhor, mas O Sistema está com problemas.

Quantas vezes você já ouviu essa desculpa.  Mas não é nada disso.  O Sistema jamais apresentará problemas, ele apenas esta se fazendo e mostrando quem é que manda.

Também não acredite quando a moça informar que “O Sistema está fora do ar”.  Na verdade, O Sistema deixou todo o mundo na mão apenas para se valorizar  e voltar mais prestigiado do que nunca, iluminando o rosto das atendentes, que anunciam:  “Pessoal, O Sistema voltou, O Sistema voltou”. Outras mentiras comuns são do tipo “Não trabalhamos com este sistema”  ou “Nosso sistema é outro” – O Sistema é único e não tem este ou aquele,  mas O.  Certos estão aqueles que já esclarecem: “Tudo vai depender dO Sistema”. 

Quer acarinhar O Sistema? Use expressões do tipo “Não sei o que está havendo com O Sistema hoje, ele está tão instável”.  É que O Sistema adora que as pessoas pensem que ele é imprevisível, quando na real é apenas manhoso.  E  muito vaidoso.  Vale também apelar para um pouco de coitadismo diante das pressões:  “Assim não há Sistema que aguente”.

O Sistema é, enfim, a materialização do Grande Irmão (Big Brother)  anunciado por George Orwell em  1984.  Presente em tudo, interferindo em tudo, mandando e desmandando no cotidiano das instituições e das pessoas.  E antes que me perguntem, nada a ver com aquela pouca vergonha do BBB da Globo.  O Sistema não é reality show, mas vida real.



domingo, 29 de dezembro de 2013

Te aprochega 2014

2013 já vai tarde, 2014 está logo ali e como sempre faço nesse período antecipo meus pedidos ao novíssimo ano e assumo os compromissos de contrapartida para equilibrar a relação.

Em tese, mas só em tese por enquanto, não quero paz, mas as provocações que constroem e não as que desqualificam. Quero emoções novas e desafios que eu mesmo me imponha. Quero um pouco de desarmonia, que não é sinônimo de conflito, mas uma forma de mostrar outros matizes e semitons onde pode estar contida a verdade verdadeira.

Sigo reiterando o apelo feito em anos anteriores: encarecidamente,  livrai-me dos chatos; vale repetir, livrai-me dos chatos. E reforço os outros pleitos: mantenha longe de mim também os mordedores em geral, os picaretas de todos os matizes e os pedintes de favores que não estão ao meu alcance. Se possível, afaste os hipocondríacos, com suas doenças e seus remédios para todos os males. Quero distância igualmente dos baixo astrais, dos angustiados, dos obsessivos porque tenho medo de contrair uma deprê. E mais, se não for abuso, suplico: mande para longe os duvidosos de caráter, os falcatruas, os descompromissados e os sugadores de energia. Coloque em fuga, por especial gentileza, os arrogantes, os prepotentes, os invejosos e todos da mesma laia.

Repito igualmente  outros pedidos, porque não dá para postergar. Apelo para o teu anunciado espírito harmonioso para reaproximar-me dos que ofendi e se apartaram, e dai-me o dom da tolerância para aceitar e receber os que se desgarraram. Faça pousar em mim a deusa da paciência e que venham juntas as amazonas altivas da fé e da esperança. Com isso, serei fortaleza que não se dobra, terei coragem para enfrentar as adversidades e energia para novos desafios, mas que sejam bem menores e menos intensos do que os do já decrépito 2013.

No repeteco, salve-me das filas, as dos bancos e dos supermercados, e todas as outras onde corra o risco de ser interpelado por desconhecidos que me tiram para confessionário e interrompem minhas ruminações. Não admita, por compaixão, que a guria bonita me pergunte a idade antes de distribuir a senha, se a maldita fila for inevitável. Guarde uma boa vaga de Idoso pra mim nos supermercados.  Abusando da compaixão, não permita que as bonitinhas me chamem de tio e muito menos de vô, chamado que reservo apenas para a Maria Clara e a Rafaela.

E tem mais uma listinha facilzinha e repetida, meu imberbe 2014. Não deixe faltar uma boa carne na minha mesa, saladas variadas, cerveja gelada, um vinho encorpado para as noites de inverno e um espumante para acompanhar o gosto feminino. E se não for pedir muito, que eu reencontre aquele doce de abóbora, de comer ajoelhado e o pudim que justifica nossa ida frequente aquele restaurante.  Ah, e aquela berinjela, a carne de panela com batatas e uma caixa de Bis só pra mim. Pode ser de Ferrero Rocher também.  Se não for contraditório, aproxime de mim essas tentações. E que sempre possa dividir a boa mesa com companhias agradáveis, brindando os bons momentos da vida que não são muito e até por isso precisam ser valorizados. Conceda-me, de vez em quando, jogar um pouco de conversa fora, curtir mais a minha gente, vagabundear sem culpa, experimentar o novo e, por que não?, me entregar a alguma extravagância. E dá uma forcinha e inspire os médicos para que receitem menos remédios e exijam menos exames.  


Em contrapartida, Novíssimo Ano, prometo continuar sem fumar , me exercitar com regularidade, comer menos fritura e beber moderadamente, cometer menos infrações no trânsito, voltar a ler e fuçar menos na internet, ouvir mais e falar menos, enrolar menos nas aulinhas,  respeitar mais e debochar menos, lembrar o aniversário de casamento e outras datas importantes e não desejar a mulher do próximo, nem a do distante, porque os outros pecados não os cometo. A não ser que um pouco de rabugice seja pecado, dos veniais, mas até isso pretendo corrigir. Nesses termos peço sua compreensão e deferimento, jovem e bem-aventurado Novo Ano.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Apesar de tudo é Natal.

As duas moças passam alegres, abanando com máscaras de Papai Noel e saudando todas as tribos que transitam no calçadão de Ipanema nos primeiros  horários da manhã: “Feliz Natal, Feliz Natal”. Mais adiante, o jovem corredor corre distribuindo “boa dia” a todos os passantes. E difícil não se contagiar pela espontaneidade das manifestações e eu, sempre tão recatado, fico com vontade de também sair cumprimentando e abraçando a todos e a todas, com prioridade para o gênero feminino.

No primeiro momento achei que os gestos eram resultado da proximidade do Natal, que tende a amolecer corações e nos tornar mais afetivos, mesmo que um tanto melancólicos. Mas já tinha observado as duas moças compartilhando alegria em outras oportunidades e recebo cumprimentos  de um número cada vez maior de caminhantes nas minhas deambulações matinais.  Estaria ocorrendo uma nova onda  para espargir gentilezas e convocações à alegria?

Gostaria de pensar que , de fato,  os melhores valores humanos estão se sobressaindo neste início de terceiro milênio, mas logo vêm a dúvida diante de uma atitude que está grassando nos EUA| e já chegou aqui. Funciona assim: um grupo de jovens escala um deles para a missão de agredir alguém, normalmente um cidadão desavisado, o cara vai lá, dá um cacete na vítima e volta para receber os aplausos da turma, que segue para outro “desafio” do gênero.

Outro dia, em frente ao Shopping Praia de Belas, um pacato ciclista foi agredido ao amanhecer com um taco de beisebol por um jovem saído de um carrão importado, que depois arrancou cantando pneu. Por sorte e por estar de capacete, o agredido escapou sem maiores consequências. Nos EUA as forças policiais simplesmente não sabem como lidar com essa onda malévola e aqui o temor é que essa agressividade se propague sem controle.

Não sei quanto a vocês, mas esse contraponto desqualificado ao  espírito de Natal me traz de volta a melancolia, uma quase depressão, quando deveria estar celebrando o renascimento da alegria, da gentileza e da solidariedade.


Apesar de tudo, desejo a todos um Natal em que a sensibilidade se afirme e se sobressaia.


terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O Mega

Entre todos os tipos inesquecíveis que cruzarem pela minha vida um em especial se destaca:  o megalômano.  O mais recente exemplar até conseguiu me enganar por um tempo, fantasiando viagens que nunca fez,  contatos importantes que não aconteceram,  relações com poderosos que não existiam, grandes fortunas que viria a ganhar e  que nunca se materializaram.  Mas como ninguém consegue enganar todo o mundo todo o tempo, um dia a ficha caiu e o sentimento que passei a nutrir em relação à figura foi de compaixão porque evidentemente essa megalomania era doença. E doença exige tratamento.

Pensando bem,  o tipo não merecia meus nobres sentimentos, primeiro porque parecia extremamente feliz com o mundo fantasioso que criava e depois porque as invencionices que aplicava serviam também para escapar dos seus deveres funcionais.  Pra ser claro: fugia do batente. Hora a desculpa era uma viagem a um estado distante para tratar de um convite  para importante cargo oficial, hora uma negociação crucial com investidores estrangeiros interessados em empresas que dizia representar, hora até mesmo um delicado tratamento médico a que precisava se submeter. 

Nem sei se a classificação é mesmo como megalômano e admito que sentia uma pontinha de inveja com a capacidade criativa e ficcional do sujeito, mas com o tempo desenvolvi uma forte rejeição a toda e qualquer história dele.  É que meu  HD mental  não precisa de muita coisa para ficar  lotado e o Mega, com seus feitos,  estressava logo meu limitado equipamento.  Assim,  para que os megas se afastem de mim, roguemos.



domingo, 8 de dezembro de 2013

Dia do profissional da adrenalina

Militei (gosto do termo) mais de 25 anos na chamada crônica esportiva. Comecei na Zero Hora, passei pela Folha da Tarde, trabalhei na Rádio e  TV Difusora (hoje Band), nas rádios Guaíba e Gaúcha, duas vezes em cada veículo e encerrei esse ciclo na RBS TV/TVCom. Fui repórter e editor de jornal, editor e coordenador de rádio e TV, mas nunca me aventurei no microfone nem no vídeo. Achava que não tinha perfil pra isso, o que foi uma bobagem porque até a desenvoltura diante do público a gente aprende. Mas preferi me especializar nas ações da retaguarda da operação que envolve a cobertura esportiva, no dia a dia e nos grandes eventos.  Muito me orgulho também de ter atuado por um bom período na Associação Gaúcha de Cronistas Esportivos (Aceg), da qual só não fui presidente.

Aprendi muito neste período, até porque tive mestres inspiradores. Gente como o Armindo Ranzolin, um gigante ao qual presto meu reconhecimento; ao Ari dos Santos, que parecia ter a fórmula das polêmicas; e nos jornais meu guru Nilson Souza e um grande editor, ao qual devo minha reciclagem, o Emanuel Mattos. Claro que aprendi muito com outros companheiros e pra mim o aprendizado é permanente, mas faço questão de destacar os quatro profissionais porque realmente representaram muito na minha carreira. E em nome deles saúdo todos os que fazem da cobertura do esporte sua vocação e missão no jornalismo neste 8 de dezembro em que se celebra o Dia do Cronista Esportivo.

Comemorado no mundo inteiro, registros nada confiáveis creditam a data a Aulus Lépidis, que seria o primeiro cronista esportivo ao descrever num  8 de dezembro  um duelo entre escravos e leões no jornal Acta Diurna, de Roma. Aulus  acabou ele mesmo devorado por animais famintos, jogado às feras por Marcelus Brunos, o domador dos leões, cuja esposa teria um caso amoroso com o primeiro mártir do jornalismo esportivo., que coisa, hein!

Fico pensando em como essa história seria contada pela imprensa esportiva da época e tenho certeza de seria uma cobertura ágil, detalhada, emocional e opiniática, com muita adrenalina, portanto,  porque esses atributos – positivos ou negativos – fazem a essência da atividade. A verdade é que a crônica esportiva já nasceu sob o signo da controvérsia e isso é inevitável em se tratando de uma editoria que envolve competições e rivalidades – vide o nosso Grenal.

Não conheço cronista esportivo que não seja apaixonado por seu trabalho e aos que ficaram e aos que virão meu reconhecimento e um abraço parceiro. Boa adrenalina  pra vocês!


quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A propósito de Mandela: as lições de Invictus

* Publicado originalmente em julho de 2010.

Em boa hora chega às locadoras o DVD de Invictus. A Copa na África do Sul coloca em evidência a história narrada com a competência e o talento de Clint Eastwood.

Uma rápida sinopse do filme: eleito presidente, Nelson Mandela (Morgan Freeman) tinha consciência que a África do Sul continuava sendo um país racista e economicamente dividido, em decorrência do apartheid. A proximidade da Copa do Mundo de Rúgbi, pela primeira vez realizada no país, fez com que Mandela resolvesse usar o esporte para unir a população. Para tanto chama para uma reunião Francois Pienaar (Matt Damon), capitão da equipe sul-africana, e o incentiva para que a desacreditada seleção nacional seja campeã, o que de fato ocorre.

Invictus é uma ode ao perdão e à reconciliação, mas, sobretudo, à grandeza. A grandeza que se expressa na direção de Eastwood que produziu mais um épico, embora Invictus não seja o seu melhor filme. Grandeza também na interpretação de Morgan Freeman. Só ele poderia interpretar, em todas as suas dimensões, o gigante Mandela. Um Mandela, marcado por 27 anos de cárcere, mas que não hesitou em enfrentar as resistências dos mais próximos para atingir um grande objetivo: unir seu povo por meio do esporte.

Não é a primeira vez que a força do esporte é utilizada como instrumento de coesão social. Mas, diferente da nossa experiência com o Brasil Prá Frente, ou Ninguém segura este país, da era Médici, que visava validar uma ditadura, Mandela assumiu claramente o rúgbi como um meio para chegar ao objetivo maior de reconstituir uma nação. A grandeza de uma nação está diretamente vinculada à grandeza de intenções e dos sonhos de seus líderes e essa é a principal lição que fica de Invictus.

Extra filme, algumas constatações. O rúgbi, mistura de futebol e futebol americano, é um jogo muito estranho. É um tal de agarra, agarra, chatissimo, sem contar que a bola oval, jogada com as mãos, só pode ser passada para trás. Menos mal que na época retratada pelo filme as detestáveis vuvuzelas ainda não haviam invadido os estádios sul-africanos. Por fim, a reflexão que não quer calar: já pensaram se o Mandela dependesse da seleção do Parreira para unir o povo? Coitada da África do Sul.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Nilton Santos e eu

Nem Pelé, nem Garrincha. Meu ídolo nas copas de 58 e 62 era Nilton Santos, um tanto pelo nome composto e elegante, um tanto pela sua categoria em campo, que alguém inspirado comparou com uma enciclopédia. E ainda jogava, como Garrincha, no Botafogo que era meu time de botão panelinha, aqueles de plástico, com a bela estrela solitária em preto e branco. 

Para o menino que estava descobrindo a magia do futebol tudo isso era importante e fascinante. O menino cresceu e virou lateral direito, como o ídolo, mas ainda bem que Nilton Santos não tinha a mínima noção do que acontecia nos campos varzeanos do bairro Petrópolis – a praça Tamandaré e o Ararigbóia, em especial – porque a falta de qualidade,  mediocridade mesmo, do atleta amador que um dia fui causaria grande decepção ao maior ocupante da posição em toda a história do futebol brasileiro.

Passam-se os anos e o varzeano virou jornalista das editorias de Esportes. E lá pelos anos 70 do século passado, acompanhando a delegação do Grêmio numa viagem a Salvador, eis que aparece na frente do repórter no saguão do hotel,  ele, Nilton Santos. Foi preciso conter a veneração para chegar até o ídolo, afetando profissionalismo, para pedir uma entrevista que foi aceita com cordialidade e marcada para mais tarde.

Conversamos por quase duas horas, o que rendeu uma boa matéria para a Folha da Tarde (sim, eu trabalhei na Folha da Tarde). A repercussão também foi boa,  me informaram da redação e eu fiquei ainda mais faceiro depois do encontro com o idolatrado ex-jogador. Repórter novo, em busca de afirmação, com matéria diferenciada e elogiada, era tudo o que eu precisava na ocasião. Da reportagem,  lembro apenas da incisiva defesa que Nilton Santos fez do técnico Vicente Feola que era acusado de dormir durante os jogos e treinos. Para o craque, Feola era um grande e injustiçado treinador.

Agora Nilton esta, com Feola,  junto aos Deuses do Futebol que podem ser divindades, mas nem por isso menos invejosos - afinal, não tem o talento da Enciclopédia. De onde estiver, só peço que me perdoe por desonrar a posição que o consagrou e fez dele um ícone. 

* Onde se leu lateral-direito, leia-se esquerdo. Sorry.

domingo, 24 de novembro de 2013

Ouvido na mesa ao lado


Como vocês sabem tenho mania de ouvir conversas alheias na mesa ao lado.  Herança dos tempos de repórter que um dia fui e ter ouvidos aguçados era preciso.  Pois noite dessas, entre um bolinho de bacalhau e outro, à espera do meu linguado à portuguesa , fui apanhado por uma frase da mesa ao lado:

-...e o cara me disse que estava há 10 anos sem transar!

De imediato, liguei todas as antenas e me detive no relato que o rapaz fazia para a assistência da mesa ao lado.  Pelo que entendi, a história é mais ou menos assim:  uma cunhada do relator enamorou-se de um jovem extremamente religioso e isso mudou sua vida e o cotidiano de toda a  família.

-Até meu sogro teve que mudar os hábitos, parar de dizer palavrões, para não atrapalhar o relacionamento, explicou o rapaz da contação.

Ato seguinte, mostrou no celular a foto da moça e pela reação dos circunstantes deduzo que se trata de um belo espécime da raça humana no seu naipe feminino. Apesar dos atributos físicos e de um passado, digamos, festivo e diversificado, a moça estava enfeitiçada pelo namorado a ponto de dedicar parte do seu tempo para, juntos, lerem e refletirem sobre as lições dos capítulos e versículos bíblicos.

Só que, passados seis meses de seca, a jovem já não aguentava mais a falta de iniciativa do moço e, certa noite na casa dos pais na praia, ficou nua em pelo no quarto sobre a cama, simulando que estava dormindo.  Ao abrir a porta do quarto para um beijo de boa noite e uma última oração, o namorado entrou em pânico diante daquele quadro erótico on line.  Tratou então de sacudir a jovem, exigindo que se vestisse. Como ela continuava fingindo sono profundo,  começou a vesti-la da calcinha ao pijama, ao contrário do que era de se esperar do verdadeiro amante, que retiraria roupa por roupa – foi o pensamento malicioso que me ocorreu ao ouvir o relato.

A tensão entre eles aumentou e decidiram casar para que pudessem consumar a união, conforme os preceitos religiosos do rapaz.  Casaram e a primeira noite foi também a ultima: a moça, ansiosa pela espera da pegada do namorado, decepcionou-se com o desempenho e os dotes do rapaz.  A paixão evaporou-se em apenas uma noite, uma noite frustrante.   E no dia seguinte  a moça já estava procurando um ex, confiável na pegada e nos dotes, enquanto o marido despejava pragas e previa o ” fogo eterno” para a infiel.

Sucede que depois de 10 anos sem praticar, o moço estava sem empuxe,  tinha desaprendido o pouco que sabia, sem contar que estava desapetrechado no principal equipamento.  Até para casar tem que ter treino, conclui eu, ao retornar aos acepipes e à conversa mais trivial na minha mesa.

A mesa ao lado havia rendido!




domingo, 17 de novembro de 2013

Eu acertaria Kennedy

Li com atenção a matéria de ZH Momentos finais de John Kennedy, do competente Léo Gerchmman, que tenta trazer novas luzes sobre o assassinato do jovem e charmoso presidente dos EUA, em 1963. A matéria remete ao livro os Últimos dias de John F.Kennedy , de Bill O’Reilly e Martin Dugant que vendeu mais de dois milhões de exemplares e virou filme assinado por Ridley  Scott, com Rob Lowe no papel do presidente.  Tirante os infográficos que mais atrapalham do que ajudam,  a edição de ZH mostra as várias relações que podem se estabelecer no caso, um quem é quem de suspeitos e, naturalmente, resgata as teorias conspiratórias sempre presentes nesses episódios.

Tenho certo fascínio pelo tema desde que fui  impactado pela notícia da trágica morte de Kennedy.   Tinha, então, 13 anos e já era ligadíssimo em politica internacional. Acompanhara preocupado a crise dos mísseis e confesso que fiquei decepcionado com  o fracasso da invasão de Cuba pela baia dos Porcos.  Eram tempos nebulosos aqueles também no Brasil.  Em 1961 ocorreu a renuncia de Jânio e o movimento da Legalidade que Brizola comandou, vergando os que se opunham a posse de Jango. E eu acompanhava tudo pelo noticiário das emissoras de rádio, eis que adornava nossa sala, em tempos de pré-aquisição da TV, um enorme aparelho Philco, com 10 ou 12 ondas.

Mesmo sem TV em casa, lembro bem a cena repetida à exaustão da morte de Lee Oswald dentro de uma delegacia de Dallas por um tal de Jack Ruby ,diante do olhar espantado dos policiais texanos. São esses personagens que se perderem na história, tipo Jack Ruby ou a ex-esposa de Oswald, Marina e a filha Jane, dos quais não mais se ouviu falar, que me intrigam.  Que destino tiveram?  Ainda vivem?  E, afinal, quem pagou Ruby para matar Oswald?  Só o que ganhou destaque em primeiro plano foram as tragédias que devastaram os Kennedy .

Quis o destino que eu passasse mais de 50 dias em Dallas durante a Copa de 94, a serviço da Rádio Gaúcha.  Entretanto, foi só na  véspera da decisão que o Holmes Aquino, o Gilberto Kussler e eu que conseguimos agendar um tour pelo Depósito de Livros, junto ao descampado da praça Dealey.  Lá chegando, o americano que distribuía os gravadores  para acompanharmos todas as etapas da visita, ao descobrir que éramos brasileiros, deixou de cobrar pelo equipamento e ainda garantiu que torceria pelo Brasil no dia seguinte contra a Itália.

Durante todas as estações que descrevem o episódio e seus desdobramentos, andar por andar, fica a impressão que tudo foi  montado para justificar as conclusões da Comissão Warren, do legislativo dos EUA, segundo a qual Oswald agiu sozinho na morte de JFK.

Aí chegamos ao sexto andar e  surge o local protegido por vidros blindados,  junto a janela, reproduzindo o que teria sido o cenário de onde foram disparados os tiros mortais, inclusive com a espingarda de 6,5mm – desconheço se era a original.  Para meu espanto e dos companheiros constato que a distância daquela janela ao ponto onde passava o carro com a comitiva presidencial era não mais de cinco metros, diferentemente do que se imagina nas imagens que temos visto em filmes e na TV.   Com um pouco de treino até eu acertaria o presidente daquela posição, que dirá um experimentado ex-mariner como Oswad.  Faço o registro, mas não contem comigo pra qualquer empreitada do gênero.

Na verdade, sai do Depósito de Livros com as mesmas dúvidas de sempre.  De positivo, a constatação de que os americanos enfrentam as feridas de sua história com maturidade e naturalidade, sem espetaculosidade, mesmo tentando impor a versão oficial.  E aí a comparação com o recente episódio da exumação de Jango mostra que ainda temos um longo caminho a percorrer.




sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Annus horribilis

A exemplo de vários conhecidos estou contando os dias, as horas, os minutos e os segundos para que o ano de 2013 acabe. Inspirado na Rainha Elizabeth nomeei 2013, por todos os contratempos que produziu, como annus horribilis.

Vale lembrar que a expressão latina foi usada no discurso real no final de 1992, quando a soberana acusou o golpe representado pela separação de Charles e Diana, pelo topless de sua ex-nora Sarah exibido nos tabloides britânicos (sem contar que mostram a moça tendo os dedões do pé chupados por parceiro da hora; confesso que desconhecia este fetiche!), e outras estripulias da realeza, além de um incêndio no Palácio de Buckingham.

Ora, ora, com todo o respeito a veterana rainha, isso aí é fichinha com os ocorridos por aqui e acolá  em 2013. Incêndios, inundações, chuvas torrenciais, árvores mortais, manifestações que desandaram, crimes passionais como nunca, acidentes e incidentes, o imprevisto e o previsível, o que provocaram e o que provocamos.

A culpa de tudo seria o azarento 13 acoplado ao ano, o que nem assim salva os mensaleiros de terem neste o pior dos annus horribilis. Na astrologia chinesa 2013 é o Ano da Serpente que, diferente do sinistro réptil, representaria um período positivo e de muita sorte, mas muito imprevisível, com ocorrência desastres e calamidades!

Já a numerologia indica que se trata de um ano em que as divergências e atritos são potencializados. A astrologia já previa um 2013 regido por Saturno, geralmente considerado uma referência de algo sombrio, rígido e austero. E por ai vai.

Enfim, nem as ciências ocultas conseguem explicar suficientemente porque tanto tumulto em tão pouco tempo, que fizeram de 2013 o verdadeiro ano da Besta, vade retro!

Apesar de tudo, o que mais me preocupa agora é que depois de todas essas explicações não vai faltar quem ache que annus horribilis  tem a ver com aquela parte do corpo humano. Termina logo, 2013.

domingo, 10 de novembro de 2013

Na contramão

Fico pasmo ao tomar conhecimento desses casos de motoristas que se arriscam a trafegar pela contramão em estradas movimentadíssimas.  Agora mesmo leio a noticia da mulher que dirigiu oito quilômetros pela BR 116, de Porto Alegre em direção à Canoas,  sempre na contramão e, claro, completamente embriagada. Ou seja, não se deu conta dos riscos do seu ato, para ela e os outros motoristas.  A gauche  teve que pagar fiança para ser liberada, foi devidamente multada, levou 14 pontos na carteira e vai responder a processo.

Gostaria de ter acesso a ela para saber das suas motivações.  A imprudência teria sido o resultado radical de uma desilusão amorosa, tentativa de suicídio,  fim de uma balada pra lá de Marrakech, estava apertada para ir ao banheiro, enfim, como explicar uma maluquice dessas? A mídia que cobre tais fatos fica a dever um perfil mais detalhado desse pessoal.
Confesso que sou meio desorientado no trânsito e cometo,  volta a meia,  algumas barbeiragens como trafegar na contramão na zona urbana, em trechos curtos,é bem verdade.  Mas dai a sair estrada a fora pela esquerda,  jamais.  O que me impressiona é o grande número de motoras que tem desafiado toda a qualquer noção de segurança e bom senso dirigindo na contramão, sempre em estradas movimentadas,  quase sempre em alta velocidade e invariavelmente em estado que deixa os bafômetros todo eriçados.

A triste constatação é que  agora ampliou-se o perfil dos transgressores, antes jovens em busca de novas emoções, hoje senhores e senhoras que estariam acima de qualquer suspeita.  Retomo o questionamento:  o que está por trás da maluquice?
Talvez seja um compartilhamento com o poeta  Drummond e seu verso (“Vai, Carlos! ser gauche na vida”) ou um tributo ao sertanejo universitário de Paula Fernandes ( “Fui capaz de abrir mão do meu rumo/Pra seguir na tua direção/Foi você quem errou o caminho/E andou na minha contramão”). Na real, não tem justificativa poética ou musical que sustente ir ao encontro do perigo, talvez mortal. Ainda sou mais o aviso do Maluco Beleza:” Eu já estou calejado/Não quero mais andar na contramão”. Vale para o trânsito e para a vida.

   

domingo, 13 de outubro de 2013

Homens honorários

Existe um grupo muito especial de mulheres: as Homens Honorários.  Explico: nada a ver com masculinidade ou feminilidade, trata-se tão somente de mulheres que frequentam grupos majoritariamente masculinos e participam com naturalidade de conversas escabrosas, eroticamente falando, e ouvem o que devem e o que não devem de seus mui amigos homens.

As Homens Honorários são encontráveis especialmente nos ambientes profissionais, onde os naipes femininos e masculinos convivem diariamente, às vezes mais horas do que em suas casas.  E tem os almoços e os happy hours espichados, com aquelas conversas descompromissadas que, com frequência, derivam para assuntos picantes.  Normalmente são os homens a contar vantagens de conquistas que nem sempre correspondem à realidade, mas com versões turbinadas para impressionar a audiência. 

Nesse ponto sou solidário com as Homens Honorários, obrigadas a ouvir todo o tipo de baboseiras para manter esse elevado estágio da condição feminina e humana. E fingir que acredita que o barrugudinho do Financeiro se deu bem com a nova estagiária do RP.

É a postura superior, um tanto blasê eu diria, dessas parceiras de fé, irmãs, camaradas, que faz delas Homens Honorário. Não o houve nomeação, nem qualquer ato formal de ascensão .  Elas se habilitaram à posição e ponto.  Não existe contestação, mas reverência e reconhecimento do sexo frágil, no caso os homens.

Interessante constatar que já se forma uma geração de pretendentes a Homens Honorários.  São ex-estagiárias que ascenderam a condição de efetivas, moças do segundo escalão que buscam novos horizontes, senhoras de boa formação que começam a estender seus relacionamentos, enfim, todas aquelas que sabem conviver com o sexo oposto,  não numa condição de enfrentamento nem de submissão, mas de natural comunhão na chamada vida real.  Essa categoria é conhecida como Homens Honorários Juniores.

Conheço pelo menos três colegas na condição Homens Honorários, mas não vou citar nomes para evitar ciumeiras e retaliações. A primeira é poderosíssima, mas não é por isso que virou Homem Honorário, mas pelo que já aturou nas conversas escusas de seus pares.  A outra é um cão de guarda de tão fiel, capaz de flagrar os amigos com a outra e manter um silencio obsequioso sobre o perfil da outra.  Por fim, o tipo que mais simboliza a categoria:  a moça expansiva, mandona, que se mete em tudo, antecipa as conversas e usa os palavrões como se fosse um mero substantivo. 

Convivo com as três numa boa, mas em verdade vos digo que não me arrisco a contrariá-las. Embora não tenha nada a esconder, elas sabem demais, então toda a cautela é pouca.



domingo, 6 de outubro de 2013

Praga acadêmica.

Publicado originalmente em 07/11/2010, mas continua atual como nunca.

Uma nova praga está infestando o Jornalismo: os especialistas acadêmicos. Mestres do saber, professores renomados, celebrados teóricos são chamados a todo o momento para opinar sobre temas de suas áreas de conhecimento. Todo o santo dia somos alvos das análises dessas figurinhas carimbadas, pomposamente chamados de “consultores”. O problema é que esses doutos senhores não têm nenhum compromisso com a realidade. Entre o pensar da academia e o fazer da vida real vai uma enorme distância, que os vaidosos opiniáticos não levam em conta.

Durante o período eleitoral, vários deles – cientistas políticos, sociólogos e afins - circularam nos espaços da mídia, tentando explicar o comportamento do eleitor com teses que não sobreviveram a abertura das urnas. Economia e finanças, educação, cultura, segurança pública, política internacional, sexo dos anjos, para todos os temas sempre existe um especialista de plantão pronto para despejar suas verdades sobre nós.

O pior é quando passam a dar opiniões sobre coisas mais concretas, obras públicas por exemplo. Cada acadêmico consultado tem a solução mais fabulosa e arrojada para os problemas, não importando se existem recursos e viabilidade para a execução do faraônico projeto. Mas a idéia proposta passa a ser definitiva, inquestionável e ai de quem ouse pensar diferente. O nome desta postura chama-se desonestidade intelectual, pecado dos sectários e donos da verdade.

A responsabilidade primeira sobre esse processo, entretanto, não é dos tais consultores, mas de quem os contrata e aciona. A mídia parece envergonhada de assumir determinadas posições e busca respaldo a opinião dos chamados especialistas para reforçar o que, na verdade, pretende passar. Em outros casos, procura dar um verniz erudito a determinados temas, de forma a valorizá-los. E o que constatamos, na maioria das vezes, é um festival de obviedades, o primado do achismo, nivelando-se aos piores debates esportivos. Nestes, pelo menos, permite-se o contraditório.


Ao republicar este texto me dei conta das picaretagens  cometidas sob o manto do “verniz acadêmico”.  Exemplo recente foi daquele especialista de uma universidade paulista, a serviço de determinada empresa que atua no segmento, a ditar opiniões, a partir de “um estudo”,  sobre a qualidade da água de várias cidades, inclusive Porto Alegre, por certo preparando terreno para que a tal empresa ofereça seus serviços. 
Mas o caso mais emblemático de como transitam esses “estudos” está sendo revelado pela mídia, conforme zerohora.com: "Num artigo publicado na sexta-feira na Science, o americano John Bohannon mostra o que aconteceu quando ele enviou para 304 revistas científicas um artigo sem pé nem cabeça: 157 delas aceitaram. O trabalho de Bohannon, assinado por um fictício autor de nome estapafúrdio - Ocorrafoo Cobange -, versava sobre uma molécula que, extraída de um líquen (simbiose de alga e um fungo como o cogumelo), teria o superpoder de combater o câncer. Não bastasse o autor ser inexistente, sua universidade também está para ser encontrada no mundo real: o Wassee Institute of Medicine, sediado em Asmara, é produto da imaginação de Bohannon.
- De um início modesto e idealista uma década atrás, revistas científicas de acesso aberto se expandiram a uma indústria global, movida por taxas para publicação em vez de inscrições tradicionais - afirma Bohannon.
Segundo o americano, era de se esperar que uma publicação como o Journal of Natural Pharmaceuticals, editado por professores de universidades do mundo inteiro, conduzisse revisões criteriosas. A revista é uma entre mais de 270 publicações sob o guarda-chuva da Medknow, empresa indiana que se anuncia como o nome por trás de mais de 2 milhões de artigos baixados a cada mês por pesquisadores. A Medknow, diz Bohannon, foi comprada em 2011 pela multinacional holandesa Wolters Kluwer. Ela pediu a Cobange apenas "mudanças superficiais" no artigo antes de publicá-lo.O artigo foi aceito por instituições acadêmicas de prestígio como a Universidade de Kobe, no Japão, e até por revistas que sequer tratavam do tema, como o Journal of Experimental & Clinical Assisted Reproduction, pautado por estudos na área de reprodução assistida."

 Sem comentarios!

domingo, 22 de setembro de 2013

Tolerância zero

Está cada vez mais difícil ter opinião e expressá-la na rede.  Tem sempre alguém para contestar e te dar nos dedos e chutar as canelas. Não sou contra o contraditório, mas contra a obsessão pelo contraditório, o contraditório pelo contraditório, o contraditório para ser diferente e os contraditórios raivosos, tudo isso infestando a rede e baixando o astral.  Vale o mesmo para os que não suportam a mínima contestação e contra-atacam furiosamente.

Ao que parece não sou apenas eu que está incomodado. Tanto assim que circula no FB um banner que simula o final dos comerciais de remédios:  “O Ministério da Tolerância adverte: ter opinião contrária é motivo para ser ridicularizado em redes sociais”.  Essas sacadas bem-humoradas para demonstrar contrariedade funcionam mais e melhor que a agressividade.

Pensando bem, não dá pra condenar os opiniáticos da internet.  Vivemos um momento em que todo o mundo está  posicionado -  contra e a favor dos magistrados do STF, contra e a favor dos indiciados no mensalão, contra e a favor do PT,  contra e a favor da oposição ao PT e, mais recentemente, contra e a favor dos festejos Farroupilha, contra e favor da Siria,  contra e a favor da invasão de prédios públicos, contra e a favor de manifestações de pelados, enfim, contra e a favor de quem é contra e a favor.

Nós gaúchos até já devíamos estar acostumados a essa dicotomia, esse permanente Grenal,  esse eterno farrapos x imperiais, esse infindável maragatos x chimangos.  Ok, é  legado da nossa história e faz parte da nossa cultura, mas enche o saco.  E agora ainda inventaram os tais Embargos Infringentes pra começar tudo de novo.  Haja!  Daqui a pouco, fugar pras colinas será um dever.




sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A vida como ela é

Encontro aquele amigo que tem fornecido ao longo do tempo farto material para o ViaDutra.  Quando digo farto material quero dizer que são histórias algo escabrosas. Como vivo numa crise permanente em busca de pautas sempre ouço com atenção o que ele tem a dizer.

Dessa vez a história envolve um cidadão bem colocado na vida, que procurou a matriarca da família e, aos prantos, revelou que tinha sido abandonado pela esposa,  bem mais jovem do que ele. Meu amigo foi chamado para apoiar o deprimido e dele ouviu coisas do arco.  “Ele me contou que tinha uma relação, digamos, aberta com a mulher e que avançavam em práticas sexuais pouco convencionais...”,  contou-me o parceiro, um tanto chocado com as revelações.

Mas a surpresa  maior estava reservada para a continuidade da conversa. “Ele me contou que apesar da vida prazerosa que levavam, sem restrições e com muito conforto, a mulher o havia abandonado...por outra mulher, e ele estava inconsolável.  Fiquei triste de ver  aquele pobre homem, sempre tão senhor de si, agora chorando convulsivamente”,  solidarizou-se meu amigo e eu imediatamente me senti também solidário.

Devo dizer que, diante desses casos, tenho um comportamento republicano e sustentável , seja lá o que isso significa, mas enfim, para dar sequencia à conversa,  perguntei  quais os atributos da ex do sujeito e aí eu é que fui surpreendido:  “Não é bonita, nem charmosa e intelectualmente deixa a desejar”, informou, para depois acrescentar – “Não sei o que viu naquela mulher!”

Foi aí que pensei cá com meus zíperes:  ‘deve ter qualidades outras que nem suspeitamos  para deixar prostrado assim um homem bem colocado na vida, deve ter’.  Que qualidades seriam essas, eis aí uma questão instigante.


sábado, 14 de setembro de 2013

Ah, eu sou Gaúcho!


* Postado originalmente em 20/09/2011

O chimarrão não faz parte dos meus hábitos. Jamais usei bombachas ou qualquer adereço gauchesco. A única vez que montei a cavalo quase me fui com montaria e tudo Caracol abaixo, em Canela. A vida campeira não me atrai e só uso faca afiada para a preparação do churrasco e nisso, modéstia a parte, sou competente. Ah, e não morro de amores pela Polar e por qualquer outro produto ou atitude que demonstre nosso ufanismo gaudério.

Esse distanciamento de algumas de nossas mais caras tradições e hábitos, tão exacerbados no 20 de setembro, não me tornam menos gaúcho do que o taura pilchado que desfila orgulhoso. Ainda me emociono com os acordes do Hino Riograndense e reconheço no cancioneiro do chamado nativismo jóias raras de poesia, que também mexem com a minha sensibilidade. “Guri”, de João Batista Machado e Julio Machado, é uma delas, de preferência interpretada por César Passarinho. Outro dia me deu nó na garganta na chegada da Cavalgada dos Mil Dias para a Copa, quando Elton Saldanha recebeu os cavalarianos entoando “O Rio Grande a Cavalo” - Lá vem o Rio Grande a cavalo/entrando no M'Bororé/là vem o Rio Grande a cavalo/que bonito que ele é.

É impossível renegar as origens e não ser contaminado pelo ambiente de exaltação do gauchismo que, registre-se, cresce como compensação, na medida em que o Rio Grande perde poder e espaço no contexto nacional. Talvez seja o momento de avaliar também porque um movimento que foi derrotado em armas, embora vitorioso na permanência dos seus ideais, seja tão exaltado e reverenciado, enquanto outros movimentos bem sucedidos, capitaneados por gaúchos, como a Revolução de 30 e a Legalidade, não tem o mesmo reconhecimento e a mesma força de aglutinação dos gaúchos. Estaria faltando um Paixão Cortes, um Barbosa Lessa e seus pioneiros da retomada do gauchismo para reconstruir esses momentos da nossa história e criar novas razões para nos orgulharmos?

Como História e Tradição escapam do meu campo de conhecimentos, repasso a questão para os especialistas, antes de reafirmar, com algum recato e muito orgulho: Ah, eu sou Gaúcho!

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Duelo de titãs!

Não resisto e vou dar minha opinião sobre o affair David Coimbra x Paulo Sant’Ánna:  os dois tem razão e nenhum tem razão.  Briga de cachorro grande é assim e, em verdade vos digo, já testemunhei  -ás vezes apartei - muito enfrentamento de superegos.  Por mais de 20 anos trabalhei com as principais prima-donas do rádio e da tv  e nada mais me surpreende. 

Dia de divulgação de escala era dia de guerra, de choro e ranger de dentes na disputa dos melhores espaços nas transmissões.  Dia pós-jogo também era dia de guerra, de disputa de opiniões e de contraditórios não aceitos. 

Certa vez precisei retirar com rapidez um dos contendores da sala antes que recebesse uma máquina de escrever nas fuças.  Faz tempo, como se vê.  A coitada da máquina acabou espatifada no chão.  Tudo porque um havia contrariado a opinião do outro.  Em outra ocasião,  durante um Grenal, os contendores deixaram a cabine para ajustar as contas lá fora no corredor. Só não chegaram as vias de fato porque se deram conta do ridículo da situação. E voltaram à cabine onde se debicaram pelo restante da transmissão.

O que está em jogo nesses duelos de egos titãs é a briga pelos melhores espaços, a primazia da opinião, a necessidade de ser reconhecido, um tanto de preferência clubista interferindo  e uma grande dose de insegurança, que pode ser traduzida assim: “Se a minha posição é contestada é porque ela pode parecer frágil, então preciso reagir à altura”.  Pronto, tá feita a confusão.

E para isso vale tudo, especialmente em se tratando de adjetivos, vide os que o Sant’Anna tem usado contra o David e vice versa.  Interessante notar e isso é uma característica de tais desavenças é que nunca o adversário é citado, mas todo mundo sabe de quem se trata. Não deixa de ser divertido.  Também não falta quem se solidarize com um e outro e os que colocam mais lenha na fogueira.

No caso do Sant’Anna e do David não torço para ninguém.  Tenho afinidades com ambos, que fizeram parte da afamada e momentaneamente desativada confraria da Caveira Preta e considero-os os mais rodrigueanos dos nossos cronistas, tanto pelas temáticas de seus textos como pelo estilo, com aquele viés de dramaticidade, sem contar que os dois são tricolores como o grande Nelson Rodrigues.

Em reconhecimento aos dois  companheiros prefiro acreditar que a batalha da ZH é expressão do lado menos genial dos contendores, algo passageiro, embora reconheça que uma boa controvérsia exige talento e perspicácia, o que não falta nem a um  nem a outro. E vamos combinar:  o conflito, a divergência, o contraditório, esse é  o sal da vida.  Só não exagerem, rapazes.



sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Goiabices

Meu bom amigo e talentoso  publicitário Alexandre Pradier  me cobra uma informação equivocada aqui no ViaDutra. Equivocada, mas passou batida por vários dias e inúmeros acessos, o que pode significar que o apreciado blog não está com essa bola toda. Sucede que no texto  “O pênalti” (postado em 29/06/2013), a propósito de me solidarizar com os desperdiçadores de pênaltis em jogos decisivos, registrei que Paulo Rossi havia perdido a última cobrança da Itália contra o Brasil, na final da Copa de 94 (Estados Unidos), garantindo o nosso tetra.  A falha é mais grave porque foi a única Copa em que participei no país sede, por isso o Pradier, de forma maliciosa, insinuou que talvez eu não estivesse realmente lá. 

Estava lá sim, sediado em Dallas com a equipe da Rádio Gaúcha, e lembro bem a  previsão do Ranzolin, antes da cobrança do pênalti italiano:  “Se o Baggio errar, não precisa mais cobrar! Se o Baggio errar, não precisa mais cobrar!”. O Baggio acabou chutando por cima e o resto da história é bem conhecido. Apesar de tudo, troque as bolas, ou melhor,  os nomes – o carrasco Rossi pelo benfeitor Baggio. Como pude?


A bem da verdade, sempre fui um prodígio de distração, mas ultimamente tenho me superado.  De devolver só as embalagens de filmes à locadora, sem o DVD, a esquecer de levar o cartão de crédito em viagem e passar vexame na  hora do checkout no hotel, depois de ter deixado documentos no banco do avião e voltar esbaforido para resgatar.  De perder as chaves do carro em lugar incerto e não sabido a deixar os óculos depositado em  cima de algum móvel e sair tapeando às chegas para encontrá-lo. Os celulares, coitados, já estão cansados de serem esquecidos na recarga.  O lado bom desse meu desligamento é que eventualmente  encontro alguma grana perdida nos bolsos de casacos. Até dólares já achei, mas nenhum montante que precisasse ser  jogado pela janela...
O nome disso tudo é Goiabice que é sinônimo de palermice.  Nem sei por que se associa a fruta aos nossos lapsos cotidianos, mas devo declarar que a cada dia fico mais Goiaba que no dia anterior. Só não vou me entregar de vez e garanto que alguma providência devo tomar e logo. Ou não me chamo mais Fábio Duarte.

 




domingo, 1 de setembro de 2013

No tempo das bandas marciais

Aproxima-se o 7 de setembro e me bate uma nostalgia dos tempos escolares, quando desfilávamos garbosos na Parada da Mocidade.  Os principais colégios públicos e particulares mobilizavam seus alunos para o grande dia,  um domingo pela manhã antes do dia 7 ,que era reservado para o desfile dos milicos.

Havia ensaios preparatórios e as grandes escolas passavam as semanas afinando os dobrados das suas bandas marciais que puxavam o desfile da gurizada. Lembro-me de um ano em que os alunos da quarta série ginasial do Colégio Rosário desfilaram pela avenida Farrapos de terno e gravata, sinalizando a formatura breve.  E lá fui eu, com meu surrado terno domingueiro, marchando nas primeiras filas, maldizendo quem tivera aquela ideia.
Havia uma saudável disputa entre as bandas marciais. A do Rosário competia fortemente com a das Dores, que sempre foi considerada a mais qualificada. Mas havia outras também afamadas como a do Colégio São João, a do Julinho,  até onde alcança a memória.

Na frente  de todas perfilava-se o Mor da Banda, uma espécie de maestro,  e eventualmente um naipe de alunas com suas sainhas, pernas de fora e acrobacias , imagens perturbadoras para aquele bando de adolescentes. Depois  vinham os instrumentistas  - muitos metais e percussão.  Os novatos começavam tocando pífaros, o que até tentei no Rosário,  mas descobri que não tinha a mínima vocação.  Foi uma pena, porque o pessoal da banda tinha algumas regalias, eram bem avaliados pelos professores e aqueles uniformes de soldadinhos de chumbo chamavam a atenção das meninas.  A mim restou o surrado terno domingueiro...

Hoje poucas bandas marciais resistem e até a chamada Parada da Mocidade se resume a uma aglomeração  de escolas infantis desfilando nos seus bairros, com muito entusiasmo e pouca produção visual. Não se fala mais em civismo ou patriotismo e até o termo Mocidade caiu em desuso, ficando restrito às escolas de samba ou segmentos jovens de alguns partidos.  Hoje a moda é falar em Geração X, Y, Z e não me surpreenderia se os desfiles voltassem a ser realizados e a gurizada passasse garbosa pela avenida tuitando seus IPads.
Sinal dos tempos,  de modernidade sem volta.  Mas permitam-me curtir minha nostalgia, de um tempo em que o grande dissabor do menino que um dia fui era desfilar com o surrado terno domingueiro.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O Dia dos Filhos

Reeditado a partir do original publicado em 11/08/2011

Se dependesse de mim, trocava o Dia dos Pais pelo Dia dos Filhos. Parece bobagem, mas o que justifica a paternidade senão os filhos? Filhos são dádivas, sementes que devemos zelar para que cresçam e se transformem em nosso melhor legado para o futuro. Com a certeza de que não errei na receita, celebro então o Dia dos Filhos.

O Dia da Flávia, primogênita, capricorniana como o pai, rebeldia domada pela maturidade, filha e mãe amorosa, solidária e ansiosa com o bem estar dos mais próximos, e agora gerentona. O Dia do Rafael, o atlético do meio, um romântico escorpião, olhos de bolita e um pouco da sina de rabugento, que agora experimenta as venturas da paternidade. O Dia da Mariana, meu nenê, pequeno dínamo, muita sensibilidade, um passarinho que cedo aprendeu a voar e foi crescer lá longe, voltou ao ninho e bateu asas de novo.

Talvez não tenha feito justiça, nessas poucas linhas, ao que meus filhos tem de melhor. Mas eles sabem que sinto um enorme orgulho deles e curto a forma como se curtem. E sabem também que o pai que sou foram eles que moldaram. Agora, mais ainda, é eles que me dão o norte e vou estar cada vez mais dependente do rumo que me apontarem.

Instituo, portanto, o Dia dos Filhos e celebro a data, mas aviso: o velho aqui não abre mão dos presentes no domingo. Podem ser até pijamas e chinelos, canecas e camisas azuis, jaquetas e bons vinhos.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

No calçadão

A fauna humana passa pelo calçadão de Ipanema.  Podem me incluir, eu que frequento aquele espaço quatro ou cinco vezes por semana no horário destinado à terceira idade, ou seja, nas primeiras horas da manhã.  Nos 40 minutos que deambulo por ali conheço praticamente todos os parceiros de caminhada e corrida, incluindo o vice-prefeito Sebastião Melo, com seu andar desengonçado, precedido sempre da esposa Valéria, ela uma corredora de valor.

De resto, posso cronometrar o horário em que cruzo com o ex-comandante da Brigada Militar e sua esposa,  com aquele trio de senhoras que  formam uma escadinha e conversam animadamente,   com aqueles irmãos que vem tangendo um bando de cachorros, com o casal impecável em seus abrigos e que aparentemente passam a caminhada resolvendo problemas profissionais e com o abobado do calçadão, que cumprimenta a todos e a todas.  E tem os veteranos que querem ficar  bombados  e algumas gazelas desgarradas, balançando  eroticamente seus rabos de cavalo.

O pessoal que frequenta outros horários da conta de que ao longo da manhã a parceria feminina se qualifica e rejuvenesce.   Mas eu fora.

Nesse cenário, um caminhante vinha me  chamando a atenção em especial. Aparentando uns 70 anos, abrigo fora de moda, chapéu enterrado na cabeça e radinho na mão , ele cruzava por mim revelando incomum interesse no olhar.  Mal nos cumprimentávamos com um leve aceno de cabeça, mas aquela figura me instigava a imaginação. Por que o senhor idoso, de caminhar arrastado, cruzava daquela forma o meu caminho?

Foi então que caiu a ficha:  o velhinho era eu amanhã, eu retornando do futuro, talvez trazendo   alguma mensagem do porvir, tentando estabelecer contato.  Fiquei impactado com a revelação e enternecido com o meu clone setentão.  Se havia alguma dúvida do que significávamos um para o outro, o radinho companheiro foi a prova das nossas identidades.  E mais aquele jeito, aqueles olhos claros...

Não me perguntem o que tudo isso significa porque perdi o bom velhinho de vista.  Teria passado desta para uma melhor?  Seria essa a mensagem que ele tentava me passar, dando   indicações da minha finitude?  Como me arrependo de não ter dialogado com o outro Flávio .  Quanta informação e conhecimento deixei de absorver!  Pensando bem,  talvez tenha escapado de saber um montão de infortúnios e outro tanto de sacanagens.  Acho que fiquei no lucro, mas se o velho surgir de novo na minha frente passarei a acreditar em reencarnação.



sábado, 3 de agosto de 2013

As detetives

Ser chefe tem lá suas inconveniências. Uma delas é que a chefia acaba se envolvendo em problemas particulares de seus subordinados também conhecidos como “os colaboradores da firma”. Eis que estava tentando desentortar um dos tantos pepinos funcionais do meu dia-a-dia quando sou procurado por dedicado companheiro.  Dedicado demais, eu diria, mas não apenas as suas atividades laborais, mas também as artes amorosas. O sujeito apresentava um passado de conquistas de causar inveja a seus pares.  

Pois foi quase choroso que ele relatou-me que estava sendo pressionado por duas colegas que insistiam em saber quem era sua última conquista. E para isso não mediam esforços que iam desde bisbilhotamentos no seu perfil no Facebook  à ameaças de espalharem para toda a firma que estava pulando a cerca.

- Já não sei mais o que fazer. As duas estão bancando as detetives e nem na hora do almoço tenho sossego. Minha vida virou um inferno, um inferno.

Juro que percebi seus olhos marejados e confesso que minha natureza comprometida com a harmonia e meu culto a fidelidade me complicam na hora de lidar com esses assuntos. Além disso, conheço bem as duas bisbilhoteiras, queridas moças expansivas,  e sei que agem mais pelo prazer de se confrontarem com a verdade do que pela condenação da relação ou maldade para com o colega.

- Veja bem, a natureza humana é assim mesmo..., emendei para ganhar tempo em resposta ao seu apelo.

E completei com um repertório de frases feitas, tipo auto-ajuda, na tentativa de recompor o ânimo do companheiro. Não sei se ajudou, mas ao fim e ao cabo, achei que ele saiu da conversa mais animadinho.

- Se eles sonham quem é..., despediu-se enigmático.

Eu que conheço a tal parceira diria o mesmo, mas espero que as duas detetives não descubram que sei do segredo.  Aí a minha vida é que vai virar um inferno.

domingo, 28 de julho de 2013

Hemingway&Martha


Diferente do meu bom amigo Poti Campos, gostei muito do filme Hemingway&Martha, com Clive Owen no papel do escritor e a bela Nicole Kidman como sua parceira.  Consumidor voraz de DVDs sou atento à cena cinematográfica e não lembrava do lançamento no circuito dos cinemas do filme dirigido por  Philip Kaufman até descobrir que é um telefilme produzido pela HBO, o que o valoriza ainda mais, pois se trata de uma produção bem cuidada para os padrões televisivos.

O interessante do filme é que resgata a figura de Martha Gellhorn. É sob o ponto de vista dela que a história é contada. Gellhorn e Hemingway se conhecem em um bar. Ambos partem para a Espanha em guerra civil por motivos diferentes. Ele acompanha uma equipe de gravação de um filme em favor dos republicanos (The Spanish Earth) e ela como correspondente iniciante da revista Collier’s. Ali iniciam um romance que continua ao retornarem aos Estados Unidos. Casam-se após Hemingway obter o divórcio de Pauline Pfeiffer, sua segunda esposa. Ela prossegue sua carreira cobrindo a Guerra Russo-Finlandesa e a Segunda Guerra Sino-Japonesa.   Ambos vão a Europa em guerra e lá Hemingway conhece a também jornalista Mary Welsh, que se tornaria sua quarta esposa.

O filme revela um Hemingway ainda mais beberrão, necessitado sempre mais de exercer sua masculinidade (as cenas eróticas  merecem um “uau”; e que belo e bem torneado calipigio tem dona Nicole!), ao mesmo tempo em que se afirma católico por conveniência - influência de Pauline.  Gellhorn aparece como o lado mais forte do casal, sempre em busca de uma guerra para cobrir e aí se estabelece a competição entre os dois, que  leva ao rompimento. Profissionalmente eles vão ao encontro dos conflitos e o conflito acaba se instalando entre eles.

No auge do romance, o casal convive com o incensado escritor americano John Dos Passos que durante a guerra civil espanhola se apaixona pelo jovem Paco Zarra, interpretado pelo nosso Rodrigo Santoro. Convivem também com figurões como o presidente americano Franklin Roosevelt e sua Eleanor (no filme, numa montagem à Forrest Gump),  o chinês Chang Kai-Chek (que aparece como um general dominado pela mulher), além revolucionários comunistas chineses.

O mérito de Hemingway&Martha está também em registrar um recorte das principais guerras do século 20, da Guerra Civil Espanhola à da Croácia.  Mostra, por exemplo, como os russos participaram ativamente das brigadas internacionais espanholas, a ascensão do nazismo e do fascismo  os horrores praticados pelos japoneses na China, a crueza do Dia D e por aí vai.

O diretor apela para um efeito que entendi como uma forma de distinguir o que é registro histórico, cenas em tom sépia, da ficção, num belo colorido. Pro meu gosto, funcionou.

Por tudo isso, eu que já era fã do autor de   O Adeus às Armas, Por quem Dobram os Sinos, O Velho e o Mar, fiquei ainda mais inspirado pela figura do irrequieto escritor, beberrão sim, inconstante, sim, mas que não se contentava em apenas registrar a história, mas deixava sua marca como protagonista dos acontecimentos em que participava.

Desculpe, Poti, mas tirante a duração (2h34min), gostei muto de Hemingway&Martha.