domingo, 25 de julho de 2010

É difícil resistir aos holofotes


Andy Warhol: 15 minutos de fama para todos


Os grandes casos policiais ou escândalos políticos, que ocupam a mídia de tempos em tempos, trazem para o nosso convívio diário algumas figuras singulares para não dizer esquisitas. No atual caso Bruno quem ocupou esse espaço foi o delegado Edson Moreira, da Polícia de Minas Gerais, um falastrão bossal que transformou suas coletivas em verdadeiros circos. O homem, abusando das caras e bocas, despeja opiniões e explicações sobre tudo, faz blague com os repórteres, julga e condena. Temo pela qualidade do inquérito que ele está realizando.

No caso Nardoni, o promotor Francisco Cembranelli conquistou o status de celebridade, quase ofuscando em projeção na mídia os réus do traumático episódio. O pessoal do Ministério Público, em geral, parece que descobriu as delicias da popularidade e tem buscado os holofotes mais do que seria conveniente para a atividade que desempenha. Os delegados da Polícia Federal não ficam atrás. Uma nova safra de federais engomadinhos tem freqüentado a mídia com extrema desenvoltura e muitas conclusões prévias.

A exceção é o delegado Protógenes Queiroz e é exceção não pelo comportamento, mas pelo figurino deselegante que contrasta com o de os seus companheiros da PF. Protógenes, com suas roupinhas descombinadas e fazendo o gênero intelectual, alçou-se a paladino da moralidade na Operação Satiagraha, que investiga crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro envolvendo o banqueiro Daniel Dantas. O juiz do caso, Fausto De Sanctis, também cortejou as luzes, mas com mais discrição.

Já o delegadinho tantas fez, que foi afastado da Polícia Federal e tornou-se réu em um processo que investiga o vazamento de informações da Satiagraha, contaminando todo o processo. Mas graças a súbita popularidade, Protógenes passou a ser figurinha carimbada em todas as manifestações anticorrupção e daí a se lançar candidato foi um passo. O sujeito vai disputar uma cadeira na Câmara Federal pelo PCdoB e até visivelmente já melhorou o figurino.

Suspeito da autenticidade desses agentes públicos e da honestidade de seus propósitos. È difícil resistir às câmaras e microfones, ao reconhecimento das pessoas nas ruas, à súbita distinção entre os demais mortais e são poucos os que tem estrutura e estatura para compreender o que existe de efêmero na condição de celebridade da hora. O certo é que todos estão em busca dos 15 minutos de fama prometidos por Andy Warhol. Estou esperando a minha vez, mas garanto que serei bem comportadinho quando ela chegar.

domingo, 18 de julho de 2010

A última edição

O JB nos tempos difíceis


Sou tão antigo que fui estagiário, no início da década de 70, do Diário de Noticias, o jornal dos Associados de Assis Chateaubriand em Porto Alegre. A redação ficava num prédio velho na Rua São Pedro e as mesas, cadeiras, máquinas de escrever e listas telefônicas eram itens muito disputados no final da tarde, quando começava o fechamento da edição. A briga pelas listas telefônicas se explica: as mesas eram muito altas e para chegar a altura da máquina de escrever havia necessidade de acrescer um suporte.

Estagiei na editoria de polícia, constituída do estagiário e um editor. Saia com o jipão azul para o Palácio da Polícia e voltava no fim da tarde com um repertório dos pequenos e grandes dramas da cidade. Certa tarde, afoito e deslumbrado como a maioria dos estagiários, decidi acompanhar até o último andar do prédio um grupo de jovens barbudinhos que acabava de chegar escoltado. No andar, funcionava o temido Dops e ao me apresentar e perguntar porque os jovens estavam detidos, levei um corridão e me fui escada abaixo tratar de assuntos menos perigosos. O que teria acontecido com os barbudinhos? Até hoje não sei que destino tiveram, mas ainda lembro aquelas fisionomias derrotadas à caminho provavelmente da tortura.

Trabalhei por um mês no Diário e não vi a cor do dinheiro. Pudera, o jornal atrasava o pagamento dos funcionários por que pagaria um estagiário? Poucos anos depois dessa minha primeira experiência jornalística, o Diário tirou sua última edição. Foi um baque para mim – o primeiro estágio a gente nunca esquece - , embora o jornal estivesse decadente há bastante tempo. (Celito de Grandi fez um ótimo livro sobre a trajetória do jornal em “Diario de Notícias”, editado pela L&PM)

Mais tarde, já profissionalizado, trabalhei duas vezes na Folha da Tarde, a primeira como repórter e depois como um dos editores (redatores, na nomenclatura do jornal). O ambiente da Folha era ótimo, apesar da permanente disputa com a Folhinha (a Folha da Manhã) que nascera a partir da própria FT, levando alguns dos seus melhores talentos. A Folha da Tarde acabou sucumbindo na esteira da crise da Caldas Junior, mas bem antes já dava sinais de esgotamento do seu projeto em função de que não havia mais espaço para os jornais vespertinos.

A minha primeira experiência como editor foi no Jornal do Inter, um projeto independente da Coojornal. Andei cometendo textos também para a edição regional do Pasquim. Tanto um como o outro periódico não sobreviveram.

Que fique claro que não existe qualquer relação de causa e efeito entre a minha passagem por esses jornais e o posterior encerramento de suas atividades. Foi mera e infeliz coincidência, mas cada redação que se fecha macula o sonho e rebaixa a fé dos que fazem do Jornalismo sua vocação, mais do que uma profissão. Também não cabe aprofundar as causas, nestes tempos de internet, que levaram os jornais a perderem espaços e leitores, alguns deles para sempre.

Faço, porém, essas evocações, com um tanto de melancolia, ao receber a informação do fechamento de mais um grande jornal nacional, grandeza proposta até no nome – Jornal do Brasil. E me permito reproduzir o artigo de Ricardo Kotscho, que expressa bem o sentimento de perda que representa para todos nós o fim de uma era no jornalismo brasileiro.

Anunciada a morte do Jornal do Brasil

Só falta marcar a data da morte, aos 119 anos, do melhor jornal em que já trabalhei na vida, um símbolo da imprensa brasileira.

Ainda esta semana, Nelson Tanure, o atual dono da marca, vai anunciar o dia em que deixará de circular o Jornal do Brasil, um dos mais antigos, revolucionários e respeitados veículos já publicados no país. Fosse uma pessoa, era o caso de dizer como antigamente: trata-se de uma perda irreparável.

O necrológio já havia sido muito bem escrito pelo colega Carlos Brickmann, semana passada, em sua coluna no Observatório da Imprensa. Agora, quem anunciou oficialmente o desenlace, em sua edição desta terça-feira, por ironia do destino, foi justamente O Globo, outrora principal concorrente do Jornal do Brasil.

Trabalhei por três temporadas no JB, primeiro como seu correspondente na Europa, na década de 1970, e depois na sucursal paulsita, nos anos 80/90.

Para se ter uma idéia da fôrça e do prestígio deste jornal, quando fui contratado por Dorrit Harazim para ser seu correspondente na então Alemanha Ocidental, ela me alertou para a responsabilidade: “Você vai ser um dos nossos embaixadores na Europa”.

No elegante restaurante da diretoria, onde fui convidado a almoçar para ser apresentado aos meus novos chefes, estava todo mundo de terno e havia tantos copos e talheres à minha frente que não sabia nem por onde começar _ ainda mais depois da advertência da Dorrit, a chefe dos correspondente internacionais do jornal.

De roupa esporte, me senti um verdadeiro caipira sentado à mesa da rainha da Inglaterra. Meses depois, participaria com Dorrit de uma reunião dos correspondentes do JB na Europa, mais de dez na época, convocada para um grande hotel de Paris _ vejam que chique…

O JB nesta época ainda reunia a seleção brasileira da imprensa. Não havia limite de despesas para se fazer uma reportagem. O grande sonho de todo jornalista era trabalhar lá um dia. Tinha vários craques em cada editoria, e ouso afirmar que nunca mais se montou uma redação daquela qualidade.

Não vou me meter a elencar os nomes, como fez o robusto Carlinhos em sua coluna, “O circo da notícia”, porque eram tantas as estrelas que não vou me lembrar de todos os mestres com quem convivi. Basta lembrar, por exemplo, que fui colega de Walter Fontoura, Elio Gaspari e Zuenir Ventura.

O que mais me fascinava no Jornal do Brasil era o ameno ambiente de trabalho e a absoluta independência editorial. Para se ter uma idéia, a dona era uma condessa, a condessa Pereira Carneiro, e o diretor, um lorde, o seu genro Nascimento Brito.

Nunca os vi de perto e jamais recebi uma “ordem da diretoria” para fazer ou deixar de fazer determinada matéria. Mais tarde, as coisas mudariam, e o jornal entraria numa crise financeira e editorias que o levaria à decadência até ser arrendado para o empresário Nelson Tanure, em 2001. Começava ali a sua agonia. Em 2009, Tanure já havia levado à morte outro grande jornal, a Gazeta Mercantil.

Teria mil histórias a contar sobre o meu trabalho no JB, que não cabem num blog, mas podem ser encontradas no meu livro de memórias “Do Golpe ao Planalto _ Uma vida de repórter”, da Companhia das Letras.

Ao ver a notícia do falecimento esta manhã, fiquei muito triste. Foi como se estivessem apagando da paisagem e levando embora para sempre o lugar onde passei a melhor fase da minha já longa vida profissional.

Restavam lá trabalhando apenas 60 jornalistas, a circulação vinha minguando abaixo dos 20 mil exemplares, o jornal já tinha encolhido de tamanho e muitos dos seus antigos craques hoje podem ser encontrados nas páginas de O Globo. A imprensa brasileira deveria decretar três dias de luto.
* Por Ricado Kotscho em seu blog.

sábado, 10 de julho de 2010

Paul, Larissa e uma tese machista

Paul, personagem da Copa 2010


Há algo de errado no reino do futebol. A constatação decorre da supremacia na mídia de personagens extra campo em detrimento dos craques que tem sido maltratados pela Jabulani na Copa da África. A própria Jabulani foi erigida em personagem da Copa pelas ciladas que pregou nos jogadores, enquanto a Vuvuzela ganhou espaço nobre na galeria de ícones pela sua estridente chatice.

Mas a grande celebridade desta Copa, mais do que o holandês Robben ou o espanhol Xavi, foi o polvo Paul. Debaixo d’agua , provocado a escolher a seleção vencedora a cada jogo, o estranho bicho tem acertado todas. Para a decisão, apostou na Espanha. O polvo profeta vive na Alemanha e provavelmente nunca visitará a África do Sul, apesar da súbita celeridade, assim como aquela moça paraguaia que, desde Assunção, conseguiu generosos espaços na mídia graças as suas formas insinuantes e à promessa de se desnudar em praça pública caso a seleção do seu país chegasse ao título mundial. Como os valentes paraguaios ficaram no meio do caminho tivemos que nos contentar apenas com um ensaio sensual da Larissa Riquelme. O bispo Lugo já está de olho.

E tem ainda as musas da reportagem que incendiariam a imaginação dos rapazes na África, a maioria na secura de mais de um mês. Falam maravilhas de uma morenaça costa-ricense e uma não menos atraente italiana teria sido responsável pela falha do zagueiro da seleção,seu namorado, mais preocupado com a presença da moça atrás do gol do que com os atacantes adversários. A Ótima Bernardes é fichinha perto desse time de jornalistas estrangeiras.

Foi-se o tempo em que as copas eram referenciadas por jogadores destaque, como a Copa de Pelé , de Garrincha, ou de Cruiff e Beckembauer, de Maradona e Platini, de Romário e Ronaldo, ou ainda, a Copa de Zidane. A ameaça que paira sobre todos os que gostam de futebol é que 2010 seja lembrada como a Copa do molusco Paul.

A verdade é que mesmo os treinadores ganharam mais destaque que os jogadores, tanto assim que tem direito a uma câmera exclusiva durante as partidas. É o caso de Maradona, porque é Maradona, de Dunga por seu figurino, do alemão Joahim Löw por sua elegância (embora tenha perdido pontos ao ser flagrado degustando uma meleca), do espanhol Del Bosque por sua sisudez, pra citar os mais visados.

O que antes era uma cobertura jornalística focada principalmente no futebol, hoje está mais para o conteúdo das revistas Contigo e Caras. Estão faltando craques para pautar a mídia ou ampliou-se a abrangência do material produzido, com um viés de frivolidade?

Claro que tenho uma tese a respeito. E uma tese provocativa. O crescente interesse das mulheres pelo mundo do futebol, inclusive na reportagem esportiva, é que determinou essa guinada. Nesse contexto, os esquemas táticos, a luta travada em campo, a tensão inerente à disputa, a jogada coletiva ou o virtuosismo do craque, a celebração da vitória e a indignação pela derrota, valores do universo masculino do futebol, foram acrescidos de outros nem tão esportivos – as coxas dos jogadores, os tórax bem delineados pelas camisetas justas, o estilo dos penteados, as barbas que se ficam bem em uns e não em outros, as sobrancelhas depiladas e outros detalhes estéticos que só as mulheres percebem. Foram instituídas listas dos mais bonitos e nem os austeros árbitros escaparam.

O belo ressurge no futebol, mas com outro olhar e expresso de outra forma que não a virilidade machista. Daí para a frivolidade foi um passo.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Teses e mais teses

A melhor análise sobre a atual Copa do Mundo ouvi, via Rádio Gaúcha, do cineasta José Pedro Goulart. Além de talentoso diretor de comerciais e filmes, Zé Pedro é gremista fanático, o que não contamina suas observações, sempre muito lúcidas, mesmo quando envolvem seu clube do coração. Pois bem, ouvi o Zé Pedro afirmar que a seleção brasileira se germanizou, enquanto a seleção alemã se abrasileirou.

Interpretei a observação a partir da forma de jogar das duas seleções nesta Copa: o Brasil apostando no coletivo, no jogo duro, sem muito espaço para as brilhaturas pessoais, tanto assim que quem apareceu como grande talento individual foi um zagueiro, Lúcio, enquanto os craques Kaká e Robinho ficaram aquém da fama e dos seus potenciais. Já a Alemanha apresentou um futebol leve, bonito de se ver em que despontam individualidades como o centroavante matador Klose e as revelações Muller e Özil.

A explicação para essa aparente contradição pode estar na globalização do futebol, que atingiu dimensões que outros setores da economia ainda buscam. É incalculável o número de jogadores brasileiros atuando em todos os quadrantes do mundo, sendo que os mais qualificados estão no futebol europeu. O Brasil, como potência futebolística, em termos de desenvolvimento econômico ainda não é páreo para os países do Euro, por isso tornou-se um grande fornecedor de craques para os principais clubes europeus e até mesmo para algumas seleções, vide os três brasileiros de Portugal e o afro-brasileiro-alemão Cacau.

O intercâmbio técnico por certo ocorre nos clubes e é inevitável que os brasileiros no exterior passem a assimilar hábitos, esquemas, táticas, métodos e posicionamentos adotados pelos europeus que, por sua vez, com tantos companheiros latinos, acabem adquirindo um certo jeito abrasileirado de jogar. Os resultados da Copa até agora indicam que os europeus e notadamente os alemães, levaram vantagem no troca-troca.

Por falar nisso, considerava a Alemanha favoritíssima para conquistar o título, até a derrota para a seleção de outro país, a Espanha, que recebe muitos craques brasileiros. A Espanha é a queridinha da vez, mas continuo torcendo pela Holanda. Sou o mais novo holandiano desde pequeninho.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Boca santa!

Que que eu tinha que escrever que só temia a Holanda nesta Copa? Não deu outra: fomos solenemente encaçapados. Adeus, hexa. Agora o País inteiro vai se dedicar a outro esporte preferido dos brasileiros: apontar culpados pela eliminação. Foi o mau humor do Dunga que contagiou a seleção? Foi o destempero do Felipe Melo? Foi o pífio desempenho do Kaká? Ou foi a afonia do agourento Galvão Bueno que deu azar?

Neste momento, pelo menos 180 milhões de brasileiros discutem a questão. E certamente existem pelo menos 180 milhões de teses, vale dizer, 180 milhões de culpados. No local onde assisti ao jogo, meus parceiros culparam uma manta amarela que ganhei de brinde e usei pela primeira vez. Quase fui linchado por causa da inocente mantinha, quando na verdade, o meu sentimento foi de que o azar emanou das pipocas e amendoins, acepipes que substituíram o pão de queijo da vitoriosa jornada contra o Chile.

Humildemente me atrevo a teorizar que no jogo contra a Holanda o vilão brasileiro foi o condicionamento. O time estava muito condicionado à vitória, aos escores de vantagem e foi só o adversário equilibrar o jogo com aquele gol espírita, que a nossa seleção se desestabilizou. Não havia experiência anterior na Copa de enfrentamento de igual para igual. E o Brasil sucumbiu mais por seu mérito – a fixação em estar em vantagem – do que pelos seus defeitos. É o meu pitaco, minha contribuição ao grande debate nacional do momento. A ironia em tudo isso é que o setor mais qualificado e elogiado do time brasileiro, a defesa, falhou nos dois gols dos holandeses. Julio César, Lúcio e Juan, especialmente os três, não mereciam esse triste desfecho.

A verdade é que investimos uma enorme energia na torcida pela seleção, mesmo que o time de Dunga não fosse de entusiasmar. Agora precisamos administrar a ressaca. Ou como diria o mestre Drummond, na memorável crônica "Perder, Ganhar, Viver", após a eliminação brasileira na Copa de 82, em circunstâncias muito semelhantes: “A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol de nós todos. E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano já está na segunda metade?”