segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A esquerda também ama


* Publicado nesta data na coletiva.net

Afinal, parece que a esquerda brasileira começou a se reinventar.  Depois de ser derrotada nas urnas; depois de perder suas principais bandeiras de luta; depois do estrago provocado pela Lava Jato nas suas fileiras;  depois das divisões no seu campo político, surge agora uma iniciativa, pelo menos inovadora, que vai mexer com parte da militância: foi criado o PTinder, junção da sigla do partido com o aplicativo para encontros românticos Tinder.

A informação saiu na coluna da Mônica Bergamo na Folha de São Paulo. A ideia, segundo a nota da colunista,  é da advogada Maria Goretti Nagime e da filósofa Elika Takimoto, com o objetivo de promover o relacionamento entre pessoas de esquerda. A ajuda a um amigo que ficou na fossa depois de um pé na bunda da parceira foi o que motivou o PTinder. Ao ser apresentado como “bom de papo” e “de esquerda” o tal amigo atraiu muitas mulheres para seu perfil, surpreendendo a ele e a advogada criadora do aplicativo.

Fico imaginando se  bom de papo e de esquerda não é uma redundância, mas, enfim, talvez seja implicância minha. Igualmente pode  ser mera implicância os  diálogos que imagino para a paquera entre a moça de esquerda e um pretendente, digamos, neo esquerdista:

- Companheiro, primeiramente Lula Livre e fora o Coiso.

Em seguida, tudo on line, o sujeito será submetido a um questionário para comprovação de adesão ideológica à esquerda.

- Foi golpe?
- Bozonaro mito ou idiota na ONU?
- Intercept ou Lava Jato?
- Janot ou Gilmar Mendes?
- Escolas  cívico-militares ou Paulo Freire?
- Globo ou Record?
- Trump ou Maduro?
- Ciro é parceiro ou traíra?
- Nazismo é de direita ou de esquerda?

Dependo das respostas o pretendente pode se habilitar a um encontro presencial, desde que aprovado pelo comitê central. Depois precisa se submeter a uma última prova de fidelidade à causa.

- Companheiro, peço  que uses cueca vermelha no nosso encontro.

Cá entre nós e sem qualquer viés ideológico:  não há libido que funcione nem paquera que prospere com um roteiro desses.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Campeões de audiência


* Publicado em coletiva.net em 23.09.19

Acho que já estou ficando chato na minha cruzada contra os vícios de linguagem dos repórteres de rádio e tv e mesmo de alguns âncoras. Não tenho culpa se a audição é o meu sentido mais apurado e a repetição de  alguns tiques incomodem este velho e cada vez mais rabugento jornalista. Outro dia postei nas redes sociais que o que mais tem aparecido, no momento, entre a garotada da reportagem é o tal de “aí”, muleta usada  às pencas, sobretudo, nas entradas ao vivo.  O Alex Gusmão, experiente repórter televisivo da Band em Brasília comparou o “aí” uma espécie de virgula no texto. Uma repetitiva vírgula mal colocada, acrescento eu.

Nos comentários da postagem, a maioria de jornalistas veteranos, surgiram críticas a outro campeão de audiência, o “né”, também excessivo até mesmo entre afamadas ancoragens. A Ligia Tricot, jornalista de TV de reconhecida experiência, lembra ainda o “qual  que  é”, que já mereceu até uma coluna deste que vos fala, intitulada “Um quê a mais” - https://coletiva.net/colunas/um-que-a-mais,306067.jhtml. Registo mais os modismos do “por conta de” e do onipresente “desconforto muscular” da meninada do esporte, sem contar o “a gente”, o “bacana” e um novíssimo e acariocado “cê” substituindo o você.

Já confessei em outra crônica que também tenho um cacoete, do qual não consigo me livrar, um “tá” que parece querer validar o que acabou de ser dito, mas como não sou comunicador de vídeo ou microfone, estou perdoado, tá.  Também é  verdade que vivo me policiando, tá.

Será que a os jovens e promissores repórteres que acompanho tem feito esse exercício de humildade para limpar dos seus improvisos os “aís” e os “nés”?  A empreitada cabe  também aos editores do material dessa turma. Atentos e exigentes, eles, os editores, vão contribuir para que meus já sexagenários ouvidos sejam menos incomodados. Antecipo agradecimentos.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Vem, Crivella


*Publicado nesta data em coletiva.net

O Santiago, o Schroder, o Edgar Vasques e os outros chargistas envolvidos na exposição Independência em Risco, encerrada prematuramente na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, ao invés de se enfurecerem com a vereadora Mônica Leal, presidente do legislativo, e seu colega Valter Nagelstein, deveriam erigir um monumento para eles.  Na pior das hipóteses conceder-lhes o título de Beneméritos dos Chargistas. Graças a ação dos dois para  a suspensão do evento, na verdade, um ato de censura, a exposição de charges com críticas ao governo Bolsonaro,  que  ficaria restrita aos eventuais frequentadores da Câmara de Vereadores, ganhou repercussão nacional, notas na imprensa internacional e uma avalanche de protestos de entidades e personalidades.

No Rio, o prefeito Marcelo Crivella é quem  mereceria um monumento  – ou um título de Benemérito dos Editores – depois de proibir a venda na Bienal do Livro de uma HQ, o popular gibi, com ilustração de um beijo entre dois personagens masculinos. Em meio a idas e vindas jurídicas, a publicação voltou a ser vendida e rapidamente esgotou-se  a tiragem. Em Porto  Alegre, também uma decisão judicial determinou que a exposição voltasse à Câmara de Vereadores.

Tirante algumas manifestações escatológicas de mau gosto entre os desenhos, as charges eram de muito boa qualidade, servindo para mostrar que essa arte ainda tem força, mesmo que a função dos  chargistas caminhe para a  extinção pelo espaço ocupado, cada vez mais, pelos memes. 

Divagações a parte, tanto no episódio da Câmara de Vereadores como no da Bienal, o que ficou claro, de novo, é que a censura, mais que uma manifestação autoritária e intolerante, torna-se, antes de  tudo, uma burrice, na medida em que expande o que ficaria restrito, contrariando o objetivo que os censores pretendiam, de esconder o exposto . Isso também é conhecido como tiro no pé. Foi desgaste e constrangimento para os agentes públicos.

Aqui vale lembrar que acabo de lançar um livro cujo título -  Quando Eu Fiz 69 – pode gerar interpretações maliciosas que não condizem com os conteúdos da obra. Entretanto, aproveitando a onda de apoio às manifestações censuradas e o inesperado sucesso conquistado por elas, passei a cogitar de encenar uma batida fiscalizatória fake quando da sessão de autógrafos marcada para o dia 8 de novembro na Feira do Livro de Porto Alegre. A sugestão me foi passada por  uma leitora presente no lançamento do  livro, terça-feira passada. Olha, se tudo der certo e o teatrinho for convincente, Quando Eu Fiz 69 vai vender mais que costela gorda no Acampamento Farroupilha. Vem pra Feira, Crivella.

domingo, 8 de setembro de 2019

Ah, eu sou gaúcho!


*Publicação em 09/09/2019 em  coletiva.net

O chimarrão não faz parte dos meus hábitos. Jamais usei bombachas ou qualquer adereço gauchesco. Uma das poucas  vezes que montei a cavalo quase me fui, com montaria e tudo, Caracol abaixo, em Canela. A vida campeira não me atrai e só uso faca afiada para a preparação do churrasco e nisso, modéstia a parte, sou competente. Ah, e não morro de amores pela Polar e por qualquer outro produto ou atitude que demonstre nosso ufanismo gaudério.

      Esse distanciamento de algumas de nossas mais caras tradições e hábitos, tão exacerbados no 20 de setembro, não me tornam menos gaúcho do que o taura pilchado que desfila orgulhoso. Ainda me emociono com os acordes do Hino Riograndense e reconheço no cancioneiro do chamado nativismo joias raras de poesia, que também mexem com a minha sensibilidade. “Guri”, de João Batista Machado e Júlio Machado, é uma delas, de preferência interpretada por César Passarinho.  Confesso que me deu nó na garganta na chegada da Cavalgada dos Mil Dias para a Copa (NE: em 2011), quando Elton Saldanha recebeu os cavalarianos entoando “O Rio Grande a Cavalo” – Lá vem o Rio Grande a cavalo/entrando no M'Bororé/là vem o Rio Grande a cavalo/que bonito que ele é.

      É impossível renegar as origens e não ser contaminado pelo ambiente de exaltação do gauchismo que, registre-se, cresce como compensação na medida em que o Rio Grande perde poder e espaço no contexto nacional. Talvez seja o momento de avaliar, também, porque um movimento que foi derrotado em armas, embora vitorioso na permanência dos seus ideais, seja tão exaltado e reverenciado, enquanto outros movimentos bem-sucedidos, capitaneados por gaúchos, como a Revolução de 30 e a Legalidade, não têm o mesmo reconhecimento e a mesma força de aglutinação dos gaúchos. Estaria faltando um Paixão Cortes, um Barbosa Lessa e seus pioneiros da retomada do gauchismo para reconstruir esses momentos da nossa história e criar novas razões para nos orgulharmos?

      Como História e Tradição escapam do meu campo de conhecimentos, repasso a questão para os especialistas, antes de reafirmar, com algum recato, mas muito orgulho: Ah, eu sou Gaúcho!

*Esta é uma  das crônicas do livro Quando Eu Fiz 69, que será lançado na terça-feira,10, no Chalé da Praça 15, a partir  das 18 horas para quem quiser se livrar cedo. Garanta já o seu exemplar, antes que censurem. O estacionamento é liberado no Largo Glênio  Peres a partir das 19 horas. Haverá  farta distribuição de água para os que comparecerem.


segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Por um fio de esperança


Fechou a Livraria Saraiva da rua da Praia, substituída por mais uma farmácia. Agora são sete, algumas da mesma rede, na mesma quadra. E a rua da Praia, que se orgulhava de sediar a histórica  Livraria do  Globo (hoje o espaço é ocupado por  um magazine), agora só tem  livros à venda nas Irmãs Paulinas, mas não faltam bagulhos dos camelôs  e farta oferta de medicamentos na profusão de farmácias.

Nem tudo está perdido, porém, para o mercado livreiro. Observo que a venda de livros se reinventa e hoje frequenta os corredores dos shoppings com ofertas tentadoras de best sellers e mesmo clássicos a R$ 10,00. Seria o caso de a literatura ir aonde o povo está?
Torço, mas torço muito mesmo, para que essa comercialização seja bem sucedida, até porque, na contramão do encolhimento do mercado, estou prestes a lançar mais um livro, com o instigante título de Quando Eu Fiz 69. *

Se a Teoria do Parêntese de Gutemberg estiver correta na sua previsão o livro a ser  lançado está  nos estertores da existência da mídia impressa como a conhecemos hoje. Vale explicar que a teoria formulada por Thomas Pettit, professor  de História  da Cultura da Universidade do Sul da Dinamarca (parêntese: o título é de autoria de outro professor, Lars Sauerberg), tem provocado discussões nos meios  acadêmicos  ao afirmar  que a Humanidade está voltando à era da transmissão oral de informação e  conhecimento. Assim, a época da imprensa escrita  e dos livros, nascida a partir  da invenção dos tipos móveis e da prensa por  Gutemberg no século XV, seria apenas um parêntese na história. Um parêntese que chega ao fim com a era da mídia eletrônica.

Entretanto, um fio de esperança  se  acendeu para mim na semana passada, a indicar que o hábito da leitura  poderá sobreviver  ao Parêntese de Gutemberg. À convite da neta  Maria Clara fui conversar com seus colegas da quarta série do Colégio João XXIII, em Porto Alegre.  Falamos de esportes, experiências de viagens e, especialmente, de livros e da importância  da leitura.  Fiquei bem impressionado com o interesse da piazada, da variedade e nível das perguntas e da excitação da turma  quando passei a mostrar  os livros que  havia levado para presenteá-los, entre eles obras ilustradas de Monteiro Lobato e o clássico Pequeno Príncipe, todos manuseados com  o carinho devotado ao que se gosta.  O conhecimento deles sobre esses livros se revelou acima da média que tenho observado em crianças  da mesma  faixa etária, entre 9 e 10 anos.

À simpática e atenta professora Nara ofereci o  meu Crônicas da Mesa ao Lado, o que provocou uma saia justa, eis que tive que  explicar porque eles não poderiam,  ainda, ler o livro, cujos textos  são voltados  para o público adulto. Enfim, foi uma experiência enriquecedora para mim e, com certeza, para os pequenos estudantes.

Ora, direis, o interesse pela leitura decorre do nível dos alunos do João XXIII, escola particular de custo inacessível para a maioria da criançada.  Não é bem assim. O querido e talentoso Dilan Camargo, ex-patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, tem palmilhado o Estado, prenhe de entusiasmo com os resultados dos bate-papos  sobre literatura com estudantes, pais e professores em escolas públicas e particulares. Este é apenas um exemplo, que se multiplica  em outra iniciativa bem sucedida das escolas públicas municipais de Porto  Alegre: é o projeto Adote Um Escritor, que na edição deste ano, a 18ª, selecionou 40 autores para 170 visitas às escolas. O projeto é centrado no contato do autor com o aluno, tendo papel importante na formação do público leitor, mas permite que também os estudantes contem suas histórias.  A previsão é de que atinja mais de 40 mil alunos da rede municipal em 2019. Não é pouca coisa.

Por isso, me associo ao mantra postado por Dilan a cada novo contato escolar – Viva o Livro! Viva a Poesia! – e acrescento: longa vida ao livro e à leitura.

*Quando Eu Fiz 69 será lançado no próximo dia 10, a partir das 18 horas no Chalé da Praça XV.