segunda-feira, 26 de julho de 2021

Tempos de Olimpíada

 Graças aos Jogos  Olimpícos  tive minha primeira chance  na redação da Zero Hora. Foi em 1972 quando a editoria  de Esportes, chefiada pelo talentoso maluco Cói Lopes de Almeida, precisou se reforçar para a cobertura dos jogos de Munique. A convite do Félix Valente, que era o subeditor e meu colega na Fabico, deixei o arquivo do jornal e junto  com o Paulo Borges Fortes (onde anda?) fomos estrear no jornalismo. Foi quando também levei a primeira reprimenda, pelo Kenny Braga que era o copidesque (ainda existe a função?) do Esporte:

- Desde 1917 a Rússia é a  União Soviética, porra! - esbravejou o Kenny para toda a redação ouvir, ao revisar uma matéria em que provavelmente eu relatava alguma vitória  dos então soviéticos.

Fiquei vexado, mas não me abalei com a brabeza do Kenny, que se tornaria meu amigo e colega em outras jornadas dali pra frente. Na real, o que ficou de má lembrança  daquela Olimpíada foi o ataque terrorista do Setembro Negro à delegação da Israel. O saldo do atentado foram 18 mortos, entre atletas israelenses -  a maioria -, terroristas e policiais.

A Olimpíada de 72 continuou, apesar do episódio que manchou a proposta de uma edição  que se pretendia como celebração da paz.  Desde então também passei  acompanhar de perto como jornalista todas as edições dos Jogos, mas nunca presencialmente. Na Rádio Gaúcha,  participei das gestões que garantiram a presença do repórter Claudio  Dienstmann em Seul, 1988, e depois em 1992 do Antônio Carlos Macedo em Barcelona,  em dobradinha com a enviada de  Zero Hora, Cláudia  Coutinho.

Em 1994, a RBS  decidiu investir nos Jogos Olímpicos como já fazia nas  Copas do Mundo de Futebol.  E isso significava enviar uma equipe mais numerosa e montar uma estrutura mais robusta para a edição  do centenário dos Jogos, que seriam realizados dois anos depois em Atlanta (EUA).  Foi a primeira grande cobertura olímpica da Gaúcha e o evento passou a fazer parte do calendário permanente da emissora. Hoje, quando ouço direto de Tóquio as intervenções do múltiplo Zé Alberto  Andrade, que fez parte daquela equipe pioneira, lembro que de alguma forma contribuí para essa consolidação da Gaúcha em Olimpíadas ao visitar Atlanta, num trabalho de percursoria, logo após a Copa de 94, também realizada nos Estados Unidos. A ideia foi do grande Armindo Ranzolin que queria solidificar o conceito adotado pela Gaúcha  de ¨a rádio de todos os esportes¨  e ampliar o leque de produtos oferecidos pelo Departamento de Esportes.

E lá fomos, Cézar Freitas, da RBS TV, e este que vos fala para Atlanta, capital da Geórgia, sede da Coca Cola e da CNN, mas uma cidade com um terço da população de Porto Alegre.  Graças a ajuda do pessoal da TVE espanhola que organizava as comunicações da Copa do Mundo e estava envolvida também com a Olimpíada, fomos muito bem recebidos pelo Comitê Organizador, visitamos todos os locais disponíveis e levantamos os dados necessários para a cobertura prevista pela Gaúcha. No ano seguinte deixei a RBS e não acompanhei a evolução do projeto, que foi bem-sucedido e, confesso, me deixou emocionado quando começaram as primeiras transmissões. 

 É preciso reconhecer o mérito da Gaúcha, que persistiu com a presença nos Jogos, agregando profissionais dos outros veículos da rede, numa proposta de integração dos conteúdos que vem se consolidando na RBS. Hoje, a Gaúcha é a única emissora de rádio do Brasil presente no Japão. E só por isso já merece o pódio na cobertura olímpica.

 Para nós brasileiros, o pódio da pequena Rayssa, 13 anos, medalha de prata no skate, é, afinal, uma razão para nos emocionar nestes tempos tão difíceis. Dá até pra sonhar que ainda podemos ter um futuro mais risonho como o da menina skatista. Nessa hora, até a bronca do Kenny Braga lá em 1972 valeu a pena.

 

 

sábado, 24 de julho de 2021

Dicionário da adolescência

Houve um tempo, quando só pensava naquilo, em que achava que prevaricar tinha a ver com práticas sexuais exóticas e  intensas. Imaginava algo parecido sobre  defenestrar, que seria tipo  perder a virgindade. Ah, tempos de mente pervertida! Hoje se sabe, graças à CPI da Covid, que prevaricação significa um crime funcional, praticado por servidor contra a Administração Pública para satisfazer interesse pessoal. É bem verdade que pode ser também praticar adultério, daí porque permite a interpretação maliciosamente erótica. Já defenestrar é atirar algo ou alguém pela janela, a fenestra latina.

Sei lá, preferiria que as duas palavras correspondessem à acepção original,  que eu dava a elas no dicionário da adolescência. Mesmo que equivocados, eram significados bem mais nobre e mais prazerosos  que os verdadeiros, ligados à corrupção e a crimes.

Sinto-me lisonjeado em verificar que Luiz Fernando Veríssimo já teve as mesmas dúvidas,   como admitiu na crônica Defenestração. “Certas palavras tem o significado errado. (...) Mas nenhuma palavra me fascinava tanto quanto defenestração”, escreveu o mestre Veríssimo e neste caso e em outros que ele exemplifica, assino embaixo reverente.

É que de um tempo  para cá, essas palavras compridas de significado dúbio voltaram invadir   meu vocabulário. Vai um exemplo:  procrastinação que cheguei a pensar tratar-se de sinônimo de prevaricação, ambas com uma sonoridade lubrica, que sustentaria o significado chegado à libertinagem juvenil.  Muita sonoridade desperdiçada para definir o atraso em realizar certa tarefa. Pior, procrastinação é prima irmã da vagabundagem e da enrolação.

Outro exemplo:  encapelado, termo que uso eventualmente para descrever a movimentação mais agitada das ondas do Guaíba, já foi confundida com escalpelamento, que é o ato de arrancar os cabelos do cabeça do sujeito, como víamos nos  filmes de índios x soldados no faroeste americano. Um horror esse engodo.

Engodo, palavra que, aliás, pode ser uma isca para atrair animais ou parte da terra levada por uma correnteza ou, ainda, o comportamento repleto de falsidade, que é o significado mais usual.  Bem que engodo poderia ser uma peça de motor, parente do virabrequim ou uma ferramenta como o rebolo, aqueles discos para afiar brocas. Bah, assim estou procrastinando o final deste texto. Hora de me defenestrar dele antes que me  acusem de prevaricação.

domingo, 18 de julho de 2021

Varig, Varig, Varig

A Varig  é  a queridinha da hora na mídia por conta da lembrança do leilão que culminou com o fim da companhia há 15 anos. São lembranças pontuadas por  detalhes do charme e da excelência na prestação de serviços que caracterizaram a voadora, aqui nascida  como Viação Aérea Rio-Grandense. Além da má administração nos anos finais da sua existência, agravadas por fatores externos, como o congelamento das tarifas áreas, a companhia foi vítima de um verdadeiro golpe arquitetado pelo  ex-todo poderoso ministro José Dirceu para privilegiar  a TAM, que herdou as melhores  rotas da pioneira empresa aérea brasileira.  Na verdade, as matérias jornalísticas que agora exaltam o histórico da  Varig e seu legado de saudade nos usuários deixados à  orfandade, pouca referência fazem a todas as iniciativas governamentais anteriores de beneficiamento da Varig em detrimento das outras competidoras.

A Varig acabou provando do próprio veneno e como nos casos em que foi beneficiada, acabou vítima do mesmo processo de sufoco da concorrência. A Panair do Brasil, por exemplo, teve suas operações abruptamente encerradas pelo governo militar em 1965. A companhia era muito ligada ao governo anterior, diferente da Varig, que apoiara o novo regime implantado em 1964.  Adivinhem quem passou a operar os rentáveis destinos internacionais da Panair? Varig, Varig, Varig, claro.

A Savag  (S.A. Viação Aérea Gaúcha)  teve o mesmo fim quando começou a incomodar a Varig nos voos regionais na Região Sul.  A excessiva competição levou as autoridades, pressionadas pela concorrente politicamente mais poderosa, a retirar muitas linhas da Savag, que acabou absorvida pela Cruzeiro do Sul, em 1966. Mais tarde, em 1975,  a própria Cruzeiro foi adquirida pela Fundação Ruben Berta, mantenedora da Varig, passando a atuar em consórcio, até ser totalmente absorvida pela companhia parceira, em 2001.

O orgulho dos gaúchos com a empresa aqui nascida, mas que já tinha transferido sua sede para São Paulo, era motivo de maledicências no centro do País, vale dizer Rio e São Paulo.  Uma recorrente brincadeira maldosa afirmava que “filho de gaúcho nasce cavalo ou avião da Varig”.  Já o humorista José Vasconcellos em seus shows desdobrava a sigla  Varig como  “Vários Alemães Iludindo os Gaúchos”, referência à origem germânica do fundador da empresa, Otto Meyer, e dos primeiros sócios.

Essa ligação com a Alemanha – a Varig origina-se da companhia área alemã Condor Sindikat – aparece de forma comprometedora no livro Os Meninos do Brasil, de Ira Levin, que mais tarde virou filme, retratando a tentativa do carniceiro nazista Josef Mengele de criar o 4º Reich na América do Sul, com base especialmente no Brasil. A folhas tantas, a Varig aparece como participante da conspiração, como facilitadora das idas e vindas dos nazistas.

A obra de Levin é ficcional  e, mesmo Mengele tendo vivido aqui, não há provas concretas de que a história contada no livro seja lastreada na realidade e, por conseguinte, nada autoriza  envolver a Varig com uma conspiração inexistente.

Apesar de tudo, dos malfeitos em relação as concorrentes, dos envolvimentos com os poderosos de plantão, das brincadeiras marotas, do seu uso indevido na ficção, é preciso reconhecer que a trajetória da Varig nos seus melhores momentos foi tão soberba, de tanta excelência, especialmente quando cotejada com os serviços hoje oferecidos pelas companhias áreas, que está mais do que justificado o orgulho dos gaúchos com a “estrela brasileira no céu azul!”.

sábado, 3 de julho de 2021

Folhetim: A MOÇA DO SUPERMERCADO - Final

Adalbertinho entrou em profunda depressão porque sua musa desaparecera sem  deixar vestígios.. A vida já não tinha mais sentido para ele, nada mais interessava, a não ser descobrir o que acontecera com Alexia e imaginar que era questão de tempo reencontrá-la. Por isso, vagava como um zumbi nos locais em que tinha certeza  de estivera com ela. Quase andrajoso como o motoboy que tanto execrara, circulava com o olhar fixo pelo supermercado sob a presença vigilante do Naldo, pela parada de ônibus onde avistava as outras moças que atendiam nas caixas, nas proximidades da casa na vila, mas só a família do Carlão aparecia no pátio, no restaurante onde brindaram com espumante antes dela capitular. Alexia, porém, não se materializava.

A ausência dela doía fisicamente e mais ainda quando lembrava da noite da conquista, a desinibição da moça, a entrega total com ela no comando. Impossível aquela intimidade toda ter sido apenas um sonho. Já sonhara antes com a moça, mas dessa vez tinha sido diferente, ela dividira a cama com ele, tinha certeza.

Nas andanças, já erráticas, em busca de uma Alexia que se perdera no tempo, acabou deparando com o letreiro que parecia atrai-lo: Tattoo Shop. Uma porta antiga se abria para uma sala pouco mais do que minúscula, adornada por  ilustrações de tatuagens. A um canto ganhava destaque um vaso com o que parecia conter um pé de maconha, já taludo. O cheio da erva infestava o ambiente.

Com certeza, aquele não era o melhor espaço para ele perpetuar uma lembrança de Alexia, mas havia algo que o seduzia ali. Talvez encontrasse na bagunça do  recinto, pouco iluminado e cheirando  a  cannabis, a solução para o mistério do desaparecimento da sua amada.   Então decidiu: ´precisava tatuar a palavra  Rapaki, a paixão dos gregos,  da mesma forma como aparecia em Alexia e na mãe Suellen, no  caso dele acima dos mamilos. Tinha a sensação de que fora guiado por  uma força, da qual não podia resistir, primeiro para aquela região, que nunca frequentara, e depois para este cubículo infecto.. Acreditava que havia  um desígnio a ser cumprido. Eis que surge de trás de um biombo um cabeludo, que lembrava Bob Marley, de óculos de sol na penumbra e acompanhado de um alongado cigarro de maconha.

- O que quê o bródi tá procurando?

- Rapaki, quero tatuar Rapaki,- respondeu o professor, quase entorpecido pela névoa maconheira.

- Mas que coisa interessante: o bródi aí é a terceira gente que pede essa tatuagem. Uma mulher e uma garota muito bonitas, acho que mãe e filha, pediram a mesma coisa, tempos atrás.

Por efeito das baforadas do tatuador e pela revelação que acabara de ouvir, o professor ficou um tanto nauseado e visivelmente abalado, precisando ser amparado pelo Bob Marley fake.

- Corta!, gritou o diretor de cena. ”Ficou ótimo. Pode copiar.”

(Inspirado no final de Dor e Gloria, de Pedro Almodóvar)