sábado, 3 de julho de 2021

Folhetim: A MOÇA DO SUPERMERCADO - Final

Adalbertinho entrou em profunda depressão porque sua musa desaparecera sem  deixar vestígios.. A vida já não tinha mais sentido para ele, nada mais interessava, a não ser descobrir o que acontecera com Alexia e imaginar que era questão de tempo reencontrá-la. Por isso, vagava como um zumbi nos locais em que tinha certeza  de estivera com ela. Quase andrajoso como o motoboy que tanto execrara, circulava com o olhar fixo pelo supermercado sob a presença vigilante do Naldo, pela parada de ônibus onde avistava as outras moças que atendiam nas caixas, nas proximidades da casa na vila, mas só a família do Carlão aparecia no pátio, no restaurante onde brindaram com espumante antes dela capitular. Alexia, porém, não se materializava.

A ausência dela doía fisicamente e mais ainda quando lembrava da noite da conquista, a desinibição da moça, a entrega total com ela no comando. Impossível aquela intimidade toda ter sido apenas um sonho. Já sonhara antes com a moça, mas dessa vez tinha sido diferente, ela dividira a cama com ele, tinha certeza.

Nas andanças, já erráticas, em busca de uma Alexia que se perdera no tempo, acabou deparando com o letreiro que parecia atrai-lo: Tattoo Shop. Uma porta antiga se abria para uma sala pouco mais do que minúscula, adornada por  ilustrações de tatuagens. A um canto ganhava destaque um vaso com o que parecia conter um pé de maconha, já taludo. O cheio da erva infestava o ambiente.

Com certeza, aquele não era o melhor espaço para ele perpetuar uma lembrança de Alexia, mas havia algo que o seduzia ali. Talvez encontrasse na bagunça do  recinto, pouco iluminado e cheirando  a  cannabis, a solução para o mistério do desaparecimento da sua amada.   Então decidiu: ´precisava tatuar a palavra  Rapaki, a paixão dos gregos,  da mesma forma como aparecia em Alexia e na mãe Suellen, no  caso dele acima dos mamilos. Tinha a sensação de que fora guiado por  uma força, da qual não podia resistir, primeiro para aquela região, que nunca frequentara, e depois para este cubículo infecto.. Acreditava que havia  um desígnio a ser cumprido. Eis que surge de trás de um biombo um cabeludo, que lembrava Bob Marley, de óculos de sol na penumbra e acompanhado de um alongado cigarro de maconha.

- O que quê o bródi tá procurando?

- Rapaki, quero tatuar Rapaki,- respondeu o professor, quase entorpecido pela névoa maconheira.

- Mas que coisa interessante: o bródi aí é a terceira gente que pede essa tatuagem. Uma mulher e uma garota muito bonitas, acho que mãe e filha, pediram a mesma coisa, tempos atrás.

Por efeito das baforadas do tatuador e pela revelação que acabara de ouvir, o professor ficou um tanto nauseado e visivelmente abalado, precisando ser amparado pelo Bob Marley fake.

- Corta!, gritou o diretor de cena. ”Ficou ótimo. Pode copiar.”

(Inspirado no final de Dor e Gloria, de Pedro Almodóvar)


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