terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Dezembradas


*Pubicada em 16/12/19 em coletiva.net

- Almoço da Confraria 1
-  Balanço de fim de ano, com almoço, de entidade empresarial
- Lista dos melhores do futebol pedida por aquela rádio
- Happy hour da Confraria 2
- Escolha de  presentes para os amigos  secretos
- Amigo secreto na Confraria 3
- Pagamento do 13º da firma
- Jantar de fim  de ano da Confraria 4
- Prestação de contas da firma
- Prestação de contas, com jantar, de deputado amigo
- Sessão de autógrafos de livro do amigo.
- Festa 1 de aniversário na família
- Festa 2 de aniversário na família
- Almoço  e balanço de  fim de ano de entidade empresarial 2
- Presença na apresentação dos netos na escola
- Prestigiar empreendimento de amiga.
- Homenagem do clube, com jantar, aos  desportistas
- Escrever colunas
- Festa familiar com churrascada
- Festa de fim de ano da firma com amigo secreto
- Participação em programa esportivo
- Premiação da entidade que assessora
- Finalizar  aquele texto do livro encomendado.
- Pagamento do IPVA
- Pagamento do IPTU
- Renovação do seguro do Carro
-  Revisão dos 20 mil km
- Eleição na  entidade de classe
- Viagem Curta.
- Natal em família
- Virada do ano
Ufa!. Sobreviverei, mas com alguns quilos e litros a mais e bem menos  grana na conta. Vem logo 2020.


segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Forest Gump Tupiniquim


*Inspirada em fatos  reais

Vocês devem ter, como eu, aquele companheiro que participou, por relatos pormenorizados, de eventos épicos e momentos históricos. Verdadeiros Forest Gump tupiniquins. Chamarei meu representante de Augusto , porque deriva da palavra “augure”, que significa “aumentar” e tem tudo a ver com suas histórias.

Na verdade, ele nem sempre era o protagonista dos acontecimentos narrados, mas um conselheiro graduado ou observador privilegiado. Nessas condições era chamado para opinar sobre questões relevantes em ocasiões cruciais.  Transitava tanto pela política, como pelas decisões  esportivas  do seu clube do coração, além de eventos promocionais da comunicação, área onde recebeu as maiores honrarias, ainda segundo o próprio.

Nos relatos, sempre interrompendo conversas de terceiros e chamando a atenção para si, reproduzia diálogos algo formais, como convém:

- Caro Augusto, necessito da sua abalizada avaliação/opinião/consideração/sugestão sobre este tema transcendental. O que disseres pode ser decisivo para o nosso futuro.

- Meu líder, agradeço pela confiança. Veja bem, penso que...

Devidamente enaltecido, a partir de então se pavoneava para os circunstantes, emendando um caso atrás do outro de contribuições decisivas nas convocações para as quais fora chamado a se manifestar. Aliás, era sempre o superior hierárquico quem pedia socorro. O nosso modesto Augusto só intervinha a pedido.

Não conheci pessoalmente, mas quem conviveu com o gaúcho João Saldanha, jornalista e técnico de futebol, inclusive da seleção brasileira, conta que ele também era dado, nas conversas de mesa de bar, a incursionar como participante ativo de acontecimentos históricos. O mais importante e menos verossímil seria que fez parte da grande marcha dos comunistas, nos anos 30 do século passado, movimento que consolidou Mao Tse-Tung como líder da Revolução Chinesa. O fato de Saldanha ser militante comunista dava ares de veracidade ao relato. Outra façanha dele, contada sem constrangimento e sem comprovação, é de que se perfilara nas forças do general Montgomery no desembarque aliado na Normandia, o chamado Dia D, em 1944.

A verdade é que gente como o Saldanha que, é justo reconhecer, teve uma vida pra lá de movimentada, e o meu Augusto, menos épico em sua trajetória, são tipos inofensivos. No  máximo chateiam seus interlocutores por reproduzirem sempre as mesmas histórias.

Para a psicologia talvez se enquadrem como mitômanos, por possuírem tendência compulsiva para a mentira, grandes ou pequenas, dramáticas ou pitorescas, mas bem elaboradas para induzirem as pessoas a acreditar nelas. Fico em dúvida quanto a classificação porque o mitômano usa a mentira para enganar as pessoas e tirar vantagens, nunca admite a falsidade dos fatos embora tenha plena consciência de que não passam de histórias imaginárias. (Nada como ter psicólogas na família!). Na real, acredito que eles, o Augusto e seus iguais, acreditam. Acreditam que aquilo aconteceu e que eles tiveram participação relevante, numa espécie de memória construída. No caso de Saldanha, porém, era mais a revelação de seu lado brincalhão e debochado.

Agora fico a pensar o que dirão as pessoas daqui a alguns anos se aparecer alguém garantindo que conheceu um alto dirigente de uma instituição pública que acusava os Beatles de estarem a serviço do comunismo; ou aquele  outro que declarou que a escravidão foi benéfica para os  descendentes dos escravos; ou conviveu com gente que defendia que a Terra é plana; ou que privou com uma ministra da República que teve uma revelação extraordinária: viu Jesus num pé de goiaba. Isso sem falar nas histórias fantásticas que resistiram ao tempo, envolvendo um ex-presidente, sua sucessora e aquele que foi eleito depois.

Bah, assim as contações do Saldanha e do Augusto seriam meras bizarrices.



segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Cheiro de livro novo


* Publicado  nesta data em coletiva.net

Com os livros que produzi voltei a reviver a sensação que experimentava quando criança e recebia livros e cadernos novos, no início do ano escolar. Hoje, ao abrir o pacote com os exemplares recém chegados da gráfica, acariciar e folear o livro, sou transportado à infância do menino que compartilhava seu cotidiano – e o  material escolar - com mais sete irmãos.  Aqueles livros didáticos, especialmente, pareciam ter um cheiro só deles, um cheiro que não consigo descrever mas está entranhado lá dentro, em uma gaveta do cérebro reservada às grandes emoções.

Tanto os livros escolares como os cadernos eram encapados para mais bem conservá-los. Para isso, dona Thélia, minha mãe, usava papeis de presente, guardados zelosamente dos  aniversários e natais. Os livros, ai de quem riscasse neles porque seriam herdados, tantas vezes quantas fossem necessárias, pelo irmão que viria a seguir na série escolar. Os cadernos careciam de cuidados  redobrados porque os professores exigiam que  não tivessem  orelhas - aquelas dobras nas pontas - e nem manchas de qualquer natureza. Isso era levado em conta pelos mestres na hora da nota. Mesmo que os livros fossem legados, ano a ano, sempre havia um ou dois adquiridos virgens e estes eram motivo da desmedida satisfação do jovem estudante. Tinham cheiro de livro novo!

Me gratifica saber que não estou sozinho nessa nostalgia. Em evento recente promovido pela Associação Riograndense de Imprensa/ARI o médico e escritor JJ Camargo revelou que seu avô lá na Vacaria providenciava grandes lotes  dos lançamentos  da Editora Globo e assim que os livros chegavam eram cheirados  um a um.  “Quem não valoriza o cheiro  de livro novo, bom sujeito não é”,  afirmava o velho e letrado senhor, conforme relato rememorativo do neto. Voto com o avô, mas sem radicalismo quanto ao  caráter dos insensíveis olfativos.

Cheirinho de livro novo, esse é um prazer que se multiplica quando o livro é  de própria autoria. Por isso, sinto uma imensa pena dos  autores que tem suas obras imersas  nos e-books. E-books não tem cheiro.  E não me venham com  ciência, da mistura do papel e tinta, para explicar o que é memória afetiva e não resultado químico.

Acho mesmo que escrevo só para depois voltar a sentir o cheiro de livro novo dos livros da minha infância. Perdão pelo clichê: isso não tem preço.