segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Forest Gump Tupiniquim


*Inspirada em fatos  reais

Vocês devem ter, como eu, aquele companheiro que participou, por relatos pormenorizados, de eventos épicos e momentos históricos. Verdadeiros Forest Gump tupiniquins. Chamarei meu representante de Augusto , porque deriva da palavra “augure”, que significa “aumentar” e tem tudo a ver com suas histórias.

Na verdade, ele nem sempre era o protagonista dos acontecimentos narrados, mas um conselheiro graduado ou observador privilegiado. Nessas condições era chamado para opinar sobre questões relevantes em ocasiões cruciais.  Transitava tanto pela política, como pelas decisões  esportivas  do seu clube do coração, além de eventos promocionais da comunicação, área onde recebeu as maiores honrarias, ainda segundo o próprio.

Nos relatos, sempre interrompendo conversas de terceiros e chamando a atenção para si, reproduzia diálogos algo formais, como convém:

- Caro Augusto, necessito da sua abalizada avaliação/opinião/consideração/sugestão sobre este tema transcendental. O que disseres pode ser decisivo para o nosso futuro.

- Meu líder, agradeço pela confiança. Veja bem, penso que...

Devidamente enaltecido, a partir de então se pavoneava para os circunstantes, emendando um caso atrás do outro de contribuições decisivas nas convocações para as quais fora chamado a se manifestar. Aliás, era sempre o superior hierárquico quem pedia socorro. O nosso modesto Augusto só intervinha a pedido.

Não conheci pessoalmente, mas quem conviveu com o gaúcho João Saldanha, jornalista e técnico de futebol, inclusive da seleção brasileira, conta que ele também era dado, nas conversas de mesa de bar, a incursionar como participante ativo de acontecimentos históricos. O mais importante e menos verossímil seria que fez parte da grande marcha dos comunistas, nos anos 30 do século passado, movimento que consolidou Mao Tse-Tung como líder da Revolução Chinesa. O fato de Saldanha ser militante comunista dava ares de veracidade ao relato. Outra façanha dele, contada sem constrangimento e sem comprovação, é de que se perfilara nas forças do general Montgomery no desembarque aliado na Normandia, o chamado Dia D, em 1944.

A verdade é que gente como o Saldanha que, é justo reconhecer, teve uma vida pra lá de movimentada, e o meu Augusto, menos épico em sua trajetória, são tipos inofensivos. No  máximo chateiam seus interlocutores por reproduzirem sempre as mesmas histórias.

Para a psicologia talvez se enquadrem como mitômanos, por possuírem tendência compulsiva para a mentira, grandes ou pequenas, dramáticas ou pitorescas, mas bem elaboradas para induzirem as pessoas a acreditar nelas. Fico em dúvida quanto a classificação porque o mitômano usa a mentira para enganar as pessoas e tirar vantagens, nunca admite a falsidade dos fatos embora tenha plena consciência de que não passam de histórias imaginárias. (Nada como ter psicólogas na família!). Na real, acredito que eles, o Augusto e seus iguais, acreditam. Acreditam que aquilo aconteceu e que eles tiveram participação relevante, numa espécie de memória construída. No caso de Saldanha, porém, era mais a revelação de seu lado brincalhão e debochado.

Agora fico a pensar o que dirão as pessoas daqui a alguns anos se aparecer alguém garantindo que conheceu um alto dirigente de uma instituição pública que acusava os Beatles de estarem a serviço do comunismo; ou aquele  outro que declarou que a escravidão foi benéfica para os  descendentes dos escravos; ou conviveu com gente que defendia que a Terra é plana; ou que privou com uma ministra da República que teve uma revelação extraordinária: viu Jesus num pé de goiaba. Isso sem falar nas histórias fantásticas que resistiram ao tempo, envolvendo um ex-presidente, sua sucessora e aquele que foi eleito depois.

Bah, assim as contações do Saldanha e do Augusto seriam meras bizarrices.



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