segunda-feira, 18 de março de 2019

O tempo do cronista


* Publicada nesta data em Coletiva.net

A grande angustia do cronista  não é a falta  de assuntos ou inspiração.  Assuntos é que não faltam nestes tempos de ampla comunicação,  ainda mais no Brasil da era bolsonariana. O assunto puxa a inspiração e o cronista sazonal está salvo. Ledo engano! O que atormenta mesmo o escriba do cotidiano é o tempo. Explico: o tempo de permanência como interesse do assunto focado.

A ideia para esta crônica – que, espero, tenha durabilidade -  surgiu justamente numa conversa no calçadão de Ipanema com o consagrado cronista Nilson Souza, eventual companheiro de caminhadas, quando ele expressou enorme preocupação com sua crônica semanal  para a ZH. O texto já estava pronto, mas só seria publicado dois dias depois, uma eternidade de tempo para um cronista sensível e atento às ofertas de assuntos que clamam por uma crônica.  Perfeccionista como poucos, ele se consome em angustia até o dia da publicação, sem se dar conta de que no final das contas o texto é  irretocável e causador de santa inveja dos escribas menos apetrechados  de talento, entre os quais me incluo.

Essa angustia está presente também, certamente em grau superior, nas editorias do jornalismo impresso que precisam adiantar material. Vale conferir o relato do editor-chefe  de ZH, Carlos  Etchichury, em  Carta do Editor, dando conta  do desafio que representa escolher a manchete e a foto de capa  da edição do fim de semana, diante da grande oferta de noticias e reportagens de  fôlego. E exemplificou com os preparativos  para a edição de 9 e 10 de fevereiro, que começaram, como sempre,  no meio da semana para serem finalizados na sexta-feira. Estava  tudo bem encaminhado quando ocorreu a  tragédia no Ninho do Urubu, que vitimou 10 jovens promessas do Flamengo e obrigou a mudança rápida de planos para redesenhar a edição.  Etchichuty conclui que é preciso  muita ação para derrubar tudo o que estava planejado, se as noticias que não tem  hora para acontecer, se impuserem. É bem isso e  por certo vai acontecer  mais vezes neste 2019 de muitas tragédias.

Claro  que a atualização do noticiário se impõe  mais do que a eventual  revisão de uma crônica de temas ligeiros. Entretanto, de quem  escreve compromissado com espaço fixo de opinião, como aqui no Coletiva.net ou  na mídia tradicional, exige-se disciplina e método, além da atenção permanente do que ocorre fora da bolha em que vivemos, o que já se configura como exercícios de disciplina e método. No meu caso, a crônica normalmente está pronta na sexta-feira mas, como bom capricorniano, fico lapidando até  domingo pela manhã, quando faço a última revisão  e  envio para  a Márcia e a Gabriela, ainda  sestroso com o que possa acontecer até a  publicação, quase como um Nilson Souza. Quando me aperto, revisito velhos  temas e, sem constrangimento, lanço mão de crônicas ou abordagens já publicadas no blog  viadutras.blogspot.com. Não tem erro, porque a outra opção seria escrever abobrinhas.  O que não dá  é para ficar esperando a inspiração chegar.

A propósito , a melhor abordagem que  li sobre  essa questão foi no  artigo Os cinco maiores mitos  que impedem você de escrever, de  Juliana Moro, que  é engenheira mecânica, mas dá uma verdadeira aula para cronistas efetivos ou bissextos.  O quarto mito é o que trata da “perfeição  infinita”, que reproduzo em parte:  A introdução não está interessante, o título não chama atenção, o artigo está muito longo, a imagem não combina, o storytelling está artificial, a gramática não colabora e por aí vai. Para os que se apegam aos mínimos detalhes, parece que sempre falta alguma coisa e o texto nunca é publicável. (...) Ninguém nasceu sabendo escrever e mesmo os grandes autores concordam que o seu último trabalho está bem melhor que o primeiro. Então não tenha medo de errar. A escrita é isso, dar uma chance, começar, desenvolver e colocar um ponto final. Não ficou bom? Apaga, reescreve e tenta de novo. Ser perfeccionista não ajuda em nada neste processo.”

Acho que vou assinar embaixo e pedir condescendência com os cronistas em geral quando um texto parecer defasado, mesmo que se reporte a um acontecimento de 24 ou 48 horas atrás.

terça-feira, 12 de março de 2019

Tite, Mourão e Bolsonaro


* Publicado em 11/03/19 em Coletiva.net

Algumas das principais figuras publicas do país estão penando não pelo que  fazem ou deixam de fazer, mas pelo  que falam. Não me  refiro apenas à turma do Bolsonaro que, a cada dia, nos brinda com alguma pérola em termos de declaração, mas incluo no time dos mal falantes e  mal falados, o técnico da seleção.

Com seu estilo professoral e muita inspiração na neurolinguística,  Tite sempre tem uma novidade  nas coletivas, como na última convocação ao elogiar o “torque” de determinado atacante. Conheço bem o pessoal da mídia esportiva e já vou avisando que, de inicio,  ele reverbera positivamente  as novidades linguísticas, mas em seguida perde o entusiasmo com essas explicações que  fogem aos jargões do futebolês.  E o técnico  passa a ser contestado,  mesmo que seu trabalho tenha sido superior,  até  agora, em relação  aos  seus  antecessores recentes. Claro que tudo muda  em caso  de vitória  na Copa  América. Aí o Tite vai se puxar nas coletivas.

No futebol, como na política, somos movidos por resultados. De preferência, positivos a nosso favor. Mas resultados ruins e declarações no mesmo nível não    o que salve.

De outra parte, surge uma surpresa no cenário de entrevistados importantes.

Outro dia assisti à participação do vice-presidente Hamilton Mourão na Globo News e fiquei positivamente impactado com a forma e os conteúdos do general, que tem provocado encantos até mesmo em hostes esquerdistas. Mourão  fala claro, com uma lógica aprendida  na caserna e, assim, as  respostas tem começo, meio e fim  e  atendem aos questionamentos.  É bem verdade que a bancada de entrevistadores não  era das  mais  hostis, mas o bom general, com alguns momentos de humor castrense, não deixou nada sem explicação, sempre sob o seu ponto de vista, as vezes com direito a réplica e tréplica. Passou a ser o novo queridinho da mídia, uma vez que  Bolsonaro  tem  conhecidas dificuldades para enfrentar entrevistadores em geral.  

Mais tarde, soube que o que contribuiu para a mudança de postura do vice, do  general gênero linha dura, sem papas na língua, para o papel de bem articulado e contido porta voz governamental, foi um processo que está ao alcance de qualquer liderança: um media training. Sim, um treinamento para aperfeiçoar a capacidade de se relacionar  com jornalistas.

Mourão se deu conta de que comunicação, sobretudo no âmbito do governo,  requer profissionalismo e, vestindo as sandálias da humildade,  nas últimas três semanas de 2018 frequentou o serviço de Comunicação do Exército. Lá  submeteu-se à rigorosas sabatinas em sessões com duração de 30 minutos, nas quais  nenhum tema era tabu.

Não se tem informação se Bolsonaro participou ou mesmo cogitou de um processo semelhante. Precisaria, e de forma urgente, pois do jeito como se  comunica em seguida estará empatando e talvez superando a ex-presidenta Dilma em termos de bobagens.