sábado, 29 de dezembro de 2012

Pedidos ao novíssimo Ano

Eis que está chegando um novo ano e é hora de fazer pedidos e assumir compromissos. Modesto que sou, vou acrescentar pouca coisa aos meus pedidos de anos anteriores já que tenho sido privilegiado nas minhas reivindicações pelos Deuses da Terceira Idade. Mas não esmoreço, nem baixo a guarda, por isso trato de avisar ao jovem Ano sobre alguns pedidos de caráter permanente. Vamos que o velho Ano tenha ficado caduco e esqueça-se de passar o serviço.

 Só para lembrar, meu infantil Novo Ano, reitero encarecidamente o pedido já feito: livrai-me dos chatos; vale repetir, livrai-me dos chatos. E reforço os outros pleitos: mantenha longe de mim também os mordedores em geral e os pedintes de favores. Se possível, afaste os hipocondríacos, com suas doenças e seus remédios para todos os males. Quero distância igualmente dos baixo astrais, dos angustiados, dos obsessivos porque tenho medo de contrair uma deprê. E mais, se não for abuso, suplico: mande para longe os duvidosos de caráter, os falcatruas, os descompromissados e os sugadores de energia. Coloque em fuga, por especial gentileza, os arrogantes, os prepotentes, os invejosos e todos da mesma laia.

Promissor Novo Ano, não me leve a mal, mas gostaria de acrescentar outros pedidos. Apelo para o teu anunciado espírito harmonioso para reaproximar-me dos que ofendi e se apartaram, e daí-me o dom da tolerância para aceitar e receber os que se desgarraram. Faça pousar em mim a deusa da paciência e que venham juntas as amazonas altivas da fé e da esperança. Com isso, serei fortaleza que não se dobra, terei coragem para enfrentar as adversidades e energia para novos desafios, porque bem sei, minha criança, que algum tropeço há de ter e faz parte da jornada.

Vamos tratar de coisas práticas, meu pueril 2013? No repeteco, salve-me das filas, as dos bancos e dos supermercados, e todas as outras onde corra o risco de ser interpelado por desconhecidos que me tiram para confessionário e interrompem minhas ruminações. Não admita, por compaixão, que a guria bonita me pergunte a idade antes de distribuir a senha, se a maldita fila for inevitável. Abusando da compaixão, não permita que as bonitinhas me chamem de tio e muito menos de vô, mas dá uma forcinha para que a Rafaela aprenda logo a me chamar de vô, porque a Maria Clara já evoluiu do “liolô”.

E tem mais uma listinha facilzinha e repetida, meu imberbe 2013. Não deixe faltar uma boa carne na minha mesa, saladas variadas, cerveja gelada, um vinho encorpado para as noites de inverno e um espumante para acompanhar o gosto feminino. E se não for pedir muito, que eu reencontre aquele doce de abóbora, de comer ajoelhado e o pudim que justifica nossa ida frequente aquele restaurante.  Ah, e aquela berinjela, a carne de panela com batatas e uma caixa de Bis só pra mim. Se não for contraditório, aproxime de mim essas tentações. E que sempre possa dividir a boa mesa com companhias agradáveis, brindando os bons momentos da vida que não são muito e até por isso precisam ser valorizados. Conceda-me, de vez em quando, jogar um pouco de conversa fora, curtir mais a minha gente, vagabundear sem culpa, experimentar o novo e, por que não?, me entregar a alguma extravagância. Vamos combinar que não é pedir demais.

Em contrapartida, Novíssimo Ano, prometo continuar sem fumar , me exercitar com regularidade, comer menos fritura e beber moderadamente, cometer menos infrações no trânsito, voltar a ler e fuçar menos na internet, ouvir mais e falar menos, respeitar mais e debochar menos, lembrar o aniversário de casamento e outras datas importantes e não desejar a mulher do próximo, nem a do distante, porque os outros pecados não os cometo. A não ser que um pouco de rabugice seja pecado, dos veniais, mas até isso pretendo corrigir. Nesses termos peço sua compreensão e deferimento, jovem e bem-aventurado Novo Ano.

 

domingo, 23 de dezembro de 2012

O melhor de todos os natais

O Natal e eu temos uma relação de respeito, mas de pouca emoção e de nenhum entusiasmo. Já vivi muitos natais e houve uma época em que curtia a festa, ansiava pela chegada dos dias luminosos que precediam o Natal, porque o melhor da festa é esperar por ela. Aí vinha a noite mágica e a criança que eu era acreditava mesmo, mais do que em Papai Noel,  que o Salvador renascera e que um novo tempo, um tempo mais feliz, se avizinhava . Nem eram os presentes,  modestos naqueles tempos, nem a algazarra do encontro de primos e tios o que fazia a magia daqueles  Natais,  mas a crença, incutida por meus pais e pela escola e a igreja que frequentava, de que era preciso dar glória a deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade. E assim seríamos mais felizes. Sim, eu acreditava.

Com o tempo tudo mudou e essa alegria forçada,  esses votos de saúde e felicidade que não convencem, essas promessas que não correspondem a atos,  essa harmonia que não se consuma, banalizaram os meus natais e lá já se vai mais de meio século. Ainda resiste a confraternização com muita gente em volta, mas há um quê de melancolia em tudo isso.  Vai mais uma cerveja... aceita um salgadinho?  Apesar de tudo,  continua o meu mais profundo respeito, quase inveja, a quem dá sentido ao seu Natal e compartilha com seu próximo. Para mim são pessoas especiais.

Talvez eu  possa voltar a ser criança, gostar de Natal e acreditar de novo no Menino Jesus e no Papai Noel. Deve ser realmente mágica e santificada a festa que faz brilhar os olhos e encantar  Maria Clara e Rafaela, minhas netas adoradas.  Os olhinhos brilhantes e a alegria sem fim das pequenas são reprimendas ao velho descrente e uma convocação para que comungue do mesmo encantamento em pelo menos uma noite.   Vou me esforçar crianças e,  se assim for, será uma noite feliz e o melhor de todos os natais .

domingo, 16 de dezembro de 2012

50 anos de TV, meninos eu vivi.



Sou provavelmente o recordista de entradas e saídas na RBS. Foram cinco oportunidades e mais de 15 anos atuando no grupo, incluindo três vezes na Zero Hora, uma vez na Rádio Gaúcha e outra na RBS TV/TVCom. É importante esclarecer que todas as saídas foram por minha iniciativa, o que me fez perder generosas parcelas do Fundo de Garantia. Não é arrependimento, mas um lamento pelo fato de nunca ter sido jubilado, pois o máximo que permaneci numa das empresas do grupo  foram sete anos, na Rádio Gaúcha, ou seja, faltaram três anos para eu receber o troféu e o relógio (ainda dão relógios?).  Também tive direito a poucos PPRs (programa de participação nos resultados) e fiquei de fora do início do RBS Previ, que incorporava ao fundo previdenciário todos os anos anteriores na empresa.  Com isso, mereceria  o título de homem certo, no lugar certo, na hora errada.
Esse passado me vem a lembrança agora que o grupo comemora os 50 anos da RBS TV, da minha ultima passagem pela RBS, isso de 1999 a 2002.  Volto no tempo e vejo o menino de 12 anos fascinado com a inauguração de mais uma emissora de TV em Porto Alegre:  a TV Gaucha, Canal 12, que veio inovar o meio televisivo local dominado até então pela pioneira TV Piratini, implantada em 1959.  As duas emissoras se instalaram no Morro de Santa Tereza, a menos de um quilômetro uma da outra.  Só que, já a partir do prédio e das identidades visuais, a TV Gaúcha já estabelecia diferencias em relação à envelhecida Piratini, atrelada à confusão que era os Diários Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand.  Mas foi uma luta bonita pela audiência, de um lado as modernidades do Canal 12 e do outro a tradição do Canal 5. 

Com o passar dos anos, errando e acertando, investindo em bons profissionais, em conteúdos que reforçassem os valores regionais e, sobretudo, com a afiliação à Rede Globo, que começava a tomar conta do Brasil no inicio dos anos 70 do século passado, a TV Gaúcha/RBS TV assumiu a liderança inconteste entre os gaúchos.  Já a Piratini foi definhando junto com os Associados e teve a concessão cassada e entregue a Silvio Santos – hoje é o SBT de Porto Alegre, enquanto as instalações acabaram ocupadas pela minha amada TVE.
Houve ainda um período de liderança da TV Difusora, Canal 10 , no início da década de 70, quando estava associada à Record de Paulo Machado de Carvalho e ousou bancar a primeira transmissão a cores, na Festa da Uva de 1972.  O investimento malogrado dos padres Capuchinhos, que tinham a concessão, na TV Rio e na TV Record levou a Difusora quase a insolvência até ser negociada à Rede Bandeirantes. Trabalhei nesse época lá nas instalações da Delfino Riet, no Partenon, e acompanhei  o esforço dos padres e dos operadores da TV , Walmor Bergesch e Salimem Junior, para manter os salários em dia.

Certa vez, frei Osébio Borghetti,um dos cabeças dos religiosos, pediu ao locutor Flávio Martins que lesse uma mensagem na Rádio Difusora pedindo o retorno de outro dirigente da ordem, que viajava pelo interior, e sem a assinatura do qual o pagamento não sairia.  Flávio, devidamente motivado pelos companheiros, leu a mensagem em tom dramático, durante o programa de esportes do meio dia : “...por favor, retorne o quanto antes a Porto Alegre.”  O tom era tão dramático que depois da segunda irradiação, a nota já foi retirada. O certo é que no dia seguinte o pagamento foi honrado e essa historinha entra no texto como Pilatos no Credo...

Citei Walmor Bergesch e Salimem Junior porque è aos pioneiros da TV no Rio Grande do Sul,  dos tempos heroicos de poucos recursos técnicos e muita determinação, período e nomes  que o próprio Bergesch  tão bem registra no livro Os Televisionários, que rendo minha humilde homenagem agora que a mais antiga das nossas emissoras em operação completa seu cinquentenário.  E vai também meu reconhecimento, igual que fui, aos profissionais que fazem o dia a dia da RBS TV.  Eu sei o que custa se renovar todos os dias, por isso festejo os inúmeros amigos que fiz nas minhas andanças televisivas. A festa mesmo é quando a gente se vê por aí.
 

sábado, 15 de dezembro de 2012

A festa da firma - final

*Recomenda-se ler a postagem anterior de A festa da firma

O cenário contribui para criar o clima que vai funcionar como contraponto e negação às chatices do cotidiano. A música convida ao balanço e a bebida liberada desinibe até o sisudo chefe do RH. Se houver troca de presentes, surge a primeira chance de um amasso naquela colega bem dotada que a sorte reservou para você no amigo secreto. Enfim, está tudo pronto para que a festa descambe para práticas que extrapolam os limites do coleguismo. Olhares, gestos, palavras fazem parte do processo de interação e, aos poucos, as parcerias vão se formando naturalmente, por afinidades, desejos e pretensões fixadas com antecedência. Muitos colegas já chegam emparceirados e a festa é apenas a última etapa para os finalmente.

Na verdade, nada acontece por acaso. Aquela moça que de repente surge a sua frente, no caminho para o bufê, estava de olho em você há muito tempo. E aquela outra que era o seu sonho de consumo está logo ali, olhar pidão, esperando o convite para sacolejar na pista de dança. Você é caçador e é caça. Valeria a pena uma descrição mais detalhada desses momentos que expressam a realização plena da nobre arte da sedução. Mas vamos deixar para outra ocasião, porque agora o mais importante é repassar algumas dicas, especialmente preparadas por experts, que garantirão o sucesso da noitada.

Cuidado com a bebida é a primeira recomendação. Na dose certa ela encoraja; em excesso pode transformar você no bobo da corte com direito a todos os micos. Se ainda assim você conseguir ficar com alguém pode faltar energia na hora do vamos ver. (Lembre-se, existe vida real no dia seguinte).

Saiba também que mulher detesta bafo de cerveja, mas tem boa tolerância ao vinho e aos espumantes. Ah, os espumantes. Mulher adora dizer que adora espumantes. Então, é por aí. A cautela com a alimentação também é necessária. Nada mais desagradável que uma indisposição estomacal quando você está quase consumando o sonho de arrastar pra intimidade aquela morena dos Serviços Gerais. Pegue leve, portanto.

Pra não alongar mais o papo, o último - e talvez principal - conselho dos especialistas: tenha foco. Escolha o alvo, mire nele e vá em frente. No máximo, tenha um plano B à mão, caso a primeira alternativa não dê certo. Se você ficar dando tiros a esmo, vai gastar toda a munição, afugentar as potenciais pretendentes e, no fim da noite, terá que se contentar com aquela solteirona faceira do Almoxarifado, tamanho GG, mas trajando um modelito 42, vermelho "cheguei". (Prepare-se para ser sacaneado pelos colegas no dia seguinte e em todos os dias até a próxima festa).

Dentro do mesmo sub-tema, cuidado com suas escolhas. Certifique-se de que a parceira pretendida já não está comprometida com outras instâncias hierárquicas da empresa. Não faça como aquele contínuo boa pinta que se assanhou com a secretária da diretoria e no dia seguinte foi demitido pelo diretor financeiro, que tinha mais "cacife" que o afoito jovem. Se pintar um sinal de alerta durante o cerco à colega, saia de fininho e parta para outra. Manter o emprego é mais importante que uma noitada. O mercado de trabalho não está pra peixe e, afinal, sempre há outras opções no elenco feminino de sua empresa. Á luta, companheiros.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A festa da firma - parte 1

De todas as celebrações  de fim de ano a mais esfuziante, sem dúvida, é a chamada festa da firma. Como já passei por muitas firmas e borboleteei por inúmeras confraternizações de final de ano, permito-me reproduzir aqui um texto, originalmente publicado em dezembro de 2009 e devidamente reeditado, sobre esse marcante evento. Aí está:

Fim de ano é tempo de confraternização nos locais de trabalho. Conhecidas vulgarmente como “a festa da firma”, essas confraternizações estão a merecer um estudo sociológico sobre suas implicações, que vão além das afinidades funcionais. Na verdade, o estudo precisaria ser mais amplo por conta das relações perigosas que se estabelecem no ambiente de trabalho, em níveis inferiores e superiores.

Vamos combinar que a prática de sexo no ambiente de trabalho, seja público ou privado, não é coisa nova. Deve ser tão antiga quanto os escritórios ou as repartições e, por certo, teve início quando homens e mulheres passaram a conviver boa parte do dia no mesmo espaço. Só que se acentuou com a liberação dos costumes e os confortos proporcionados pelos escritórios modernos, climatizados e com aqueles sofás convidativos. O cinemão hollyodiano se ocupa do tema com freqüência e "Atração Fatal" (de 1987, com Michael Douglas e Glenn Close) talvez seja o exemplo mais conhecido.

O que chama a atenção é o fetiche que o ambiente de trabalho significa para determinados funcionários e funcionárias. Tive acesso a inúmeros depoimentos de gente que se imagina transando em cima das mesas, entre grampeadores e computadores, relatórios e agendas e, às vezes, a foto de uma cena de família a espreitar os amantes. E conheço também alguns casos em que esse sonho foi realizado e todos garantem que é um momento único, pelo que representa de transgressão. E se for na sala do chefe, melhor ainda. Sei do caso de um contínuo que para se vingar da tirania do chefe transava no escritório dele com a faxineira, que era a garantia que tudo ficaria limpo e em ordem no final.

Mas o nosso foco é essa circunstância que predispõe às relações perigosas, coleguismo à parte, nos escritórios - " a festa da firma". Os congraçamentos servem para liberar alguns desejos sufocados no dia a dia da empresa, que impõe exigências cada vez maiores de produtividade, gerando insegurança quanto ao futuro e muito estresse. A verdade é que nesse contexto fica mais difícil a libido aflorar.

Aí vem o dia da grande festa de fim de ano e um frisson perpassa o ambiente de trabalho. As mulheres se produzem, marcam hora no cabeleireiro ou lançam mão da chapinha e à noite surgem resplandecentes com suas melhores roupinhas. Amigas sinceras me confidenciaram que estréiam peças íntimas, recém adquiridas, nessas ocasiões. Os homens não chegam a tanto, mas também se preocupam em dar um trato no visual.

(continua)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Niemeyer e eu

Um dia pensei em ser arquiteto por causa de Oscar Niemeyer. Estávamos na década de 70 do século passado, eu tinha 17 anos, estava terminando o colegial e precisava decidir entre a Arquitetura e o Jornalismo. Minha mãe não escondia a preferência pela Arquitetura, alegando que Jornalismo não dava dinheiro e era “coisa de gente bagaceira”. Dona Thélia, não tinha preocupações com as sutilezas. E dizer que ela não escondia a preferência é uma forma de atenuada de dizer que ela fazia uma pressão todos os dias naqueles tempos de incerteza quanto ao meu futuro profissional. Seja por isso ou por outra razão qualquer, acabei optando pela Arquitetura em detrimento do Jornalismo, eu que fora um dos editores do bravo e pioneiro Na Onda, jornal mimeografado que circulava em Petrópolis. Era um entusiasta do Jornalismo, mas estava fascinado pela Arquitetura.


Brasília, nascida nas pranchetas de Niemeyer e Lúcio Costa, fora inaugurada poucos anos antes, deslumbrando o mundo por sua modernidade. As curvas de Niemeyer eram um charme só e aqueles outros detalhes, como as colunas do Alvorada, as cúpulas do Congresso, e tantos outros em cada prédio público – tão simples e tão geniais. O chamado da Arquitetura era irresistível. E lá fui eu, sonhando em ser um novo Niemeyer.

Mas, diferente do que se apregoa que o universo conspira a favor dos nossos desejos, a realidade é bem outra e mais cruel. No caso, havia apenas um curso de Arquitetura em todo o Estado à época, na UFRGS, oferecendo 60 vagas a cada semestre. O número de candidatos por vaga era altíssimo, com tendência a crescer mais ainda desde que se revelou que Chico Buarque, além dos olhos verdes e do imenso talento musical, era formado em Arquitetura. O autor de A Banda, que estourara como vencedora de um festival da canção, inspirou várias mocinhas- e rapazes também - a serem os bacanas que seguiriam os caminhos não apenas de Niemeyer, mas do genial Buarque de Holanda. Chico também foi meu ídolo, mas prestou um grande desserviço à causa na medida em que atraiu para o vestibular da Faculdade de Arquitetura da UFRGS um sem número de candidatos pouco vocacionados, complicando meu ingresso, eu que queria ser mais Niemeyer e menos Chico, e frustrando os sonhos da dona Thélia. Chico me deve esta.

Fiz três tentativas, todas fracassadas porque o vestibular de Arquitetura ainda era à moda antiga, com questões específicas de matemática, física, português, história da arte e desenho à carvão. Até a matemática e a física eu tirava de letra, mas o desenho a carvão, pré AutoCad, era uma barreira instransponível para um jovem sem qualquer talento para o traço, no caso, eu. A coisa era mais ou menos assim: a gente recebia um carvão fino, uma folha grande de papel jornal e precisava reproduzir quatro ou cinco elementos – tijolos, garrafas, vasos – expostos em cima de uma mesa. Fácil, né? Tenta pra ver.

Enfim, me ferrava sempre e acabei dando a volta por cima, retomando a minha verdadeira vocação, o Jornalismo e de imediato passei nos vestibulares da Federal e da PUC. Mas ainda guardo ótimas lembranças dos cursinhos preparatórios promovidos pelo Diretório da Arquitetura, o DAFA, com professores da própria faculdade ou estudantes dos últimos semestres. Foi quando tive contato mais direto com os conceitos e a obra dos grandes mestres do século XX, como Le Corbusier, o francês que inspirou a moderna arquitetura brasileira, Mis van der Rohe, professor do movimento alemão Bauhaus e o arquiteto do sonho americano, Franck Lloyd Wright, só para citar os principais. E entre eles, orgulhosamente incluir Niemeyer, a mais fulgurante estrela dessa constelação de gênios do traço, dos espaços e da infinitude.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Em campo, no histórico templo do imortal

Os gremistas estão vivendo sentimentos contraditórios, entre a melancolia da despedida do Estádio Olímpico e a euforia pela breve inauguração  da novíssima e moderna Arena do Humaitá. Ainda não tive o prazer de conhecer a Arena, mas do velho estádio guardo boas lembranças. Comecei minha carreira jornalística como setorista no Grêmio pela Zero Hora e Folha da Tarde, lá nos primórdios dos anos 70 do século passado, e frequentava o estádio todo o santo dia. Assisti a jogos inesquecíveis no Olímpico, como um Grêmio x Santos de Pelé, a retomada das vitórias no campeonato gaúcho, com aquele Grêmio montado pelo Telê Santana, as guerras contra o Palmeiras,  a maioria dos títulos nacionais e as conquistas da Libertadores, sempre grandes embates e algumas frustrações como a goleada do Boca Juniors na decisão continental. E os GRENAIS? Sempre um espetáculo a parte no Olímpico, tanto assim que escrevo em caixa alta.

Mas meu grande orgulho foi ter jogado pelo menos duas vezes no gramado do histórico templo tricolor. A mais recente aconteceu na década de 80 quando o time do Esporte da Zero Hora enfrentou um time de funcionários e dirigentes gremistas. Não lembro o resultado, mas provavelmente perdemos porque essa era a sina de quem jogava com os times internos do Grêmio, uma vez que todas as partidas eram apitadas pelo funcionário Fogão, que sempre ajeitava o resultado para o dono da casa. Eu tinha a foto do time posado à antiga, antes do jogo, mas não consegui localizar.


outro desfile no gramado do imortal foi bem antes, nos anos 60 e  mais marcante, conforme já relatado aqui no ViaDutra em O Circo de Petrópolis: Vaias no Olímpico (4 e 5 de janeiro de 2010). Nosso time, o Tupy de Petrópolis, disputava os campeonatos promovidos para a gurizada e muitas vezes enfrentava equipes inferiores do Grêmio e do Inter, este treinado pelo inesquecível Jofre Funchal. O treinador do Grêmio era o seu Álvaro, metido a brabo, pedreiro nas horas vagas e apelidado cruelmente de Pneu Furado porque coxeava de uma das pernas.

Certa vez seu Álvaro concedeu a honra ao aguerrido Grêmio Esportivo Tupy de disputar uma pré-preliminar no Estádio Olímpico em um jogo do campeonato nacional de então, o Roberto Gomes Pedrosa ( Robertão). O Olimpico ainda não era o Monumental, mas jogo principal era já um clássico -  Grêmio x Palmeiras. A data: 19 de março de 1967.
 
A pré-preliminar começava ao meio dia, quando os primeiros torcedores chegavam ao estádio e para nós do Tupy era decisão de Copa do Mundo.O Olímpico era o grande estádio da cidade naqueles anos 60 (o Beira-Rio foi inaugurado em 69) e o nosso adversário seria os infantos do Grêmio, algo como sub 17 de hoje. Imaginem o que isso significava de emoção para a gurizada de Petrópolis.

O Luciano D' Alascio, nosso treinador, montou um time forte, recrutando alguns guris do colégio Anchieta, e estreávamos um terno de camisetas doado pelo São Paulo, sim o São Paulo do Morumbi, campeoníssimo brasileiro, mas essa história conto outra vez. Interessa saber que entramos em campo cheios de bossa, com este que vos fala na lateral-direita que os modernos chamam de ala.

Minha missão era marcar um ponteiro de cabelo foguinho, forte e veloz, que nas duas primeiras investidas passou por mim como se fosse um raio. Quase gol. Os tricolores haviam descoberto o caminho da roça: era o lado que me cabia defender. E lá se foram mais lançamentos para o foguinho até que, incentivado pelos companheiros, resolvi tomar uma atitude. No ataque seguinte, bola dividida, entrei pra rachar e derrubei o adversário. Mais um ataque e outro dos nossos deu uma entrada que jogou o cara na pista atlética. Em seguida fui substituído porque não ia agüentar muito tempo a pressão do atacante e também porque não tinha tamanho nem força física para enfrentá-lo. Sai debaixo de vaias, foi a glória!

A chinelagem é que nosso terno tinha apenas 11 camisetas e a troca era na beira do campo. Quem entrava jogava com a camisa suada do companheiro substituído, mas a emoção de jogar no templo tricolor compensava até o vexame.

Enquanto isso, torcida do Grêmio, já em bom número no Olímpico, vaiava e  vaiava, pois o pau continuava comendo agora nos embates em outros setores do campo. A violência não resolveu muito porque acabamos perdendo por 2 x 1, nosso gol marcado por Cláudio, o Claudinho, que anos depois o Fogaça resgatou das ruas e levou para trabalhar na Prefeitura.

Fim de jogo no vestiário, satisfeitos por não termos levado uma goleada, comentávamos as principais incidências da partida, animadíssimos, quando o seu Álvaro entrou berrando:

- Selvagens! Vocês nunca mais vão pisar no Olímpico, seus animais.

O velho estava possesso com a violência praticada contra seus garotos e não parava de esbravejar. Até que dois ou três dos nossos, os mais fortes e menos civilizados, avançaram em direção a ele para fazer jus a selvageria da qual nos acusava. Seu Álvaro sentiu a barra e, com a pressa que a perna manca permitia, tratou de escapar, debaixo de vaias e desaforos. Estávamos vingados das vaias da torcida e das acusações do treinador. Para comemorar, fomos todos derrubar uma rodada de cervejas na primeira copa do estádio que encontramos aberta.

A escalação do Tupy no histórico jogo, uma clássica formação 4-4-2, conforme descobri nos meus alfarrábios: Piero; Flávio (Nelson), Felipe (Sombra), Geléia e Caio (Manta), Silvio e Pinguinho; Beto (Zé do Burro), Geada (Carlinhos), Cláudio e Alfredo (Caio). Hoje,o único contato que tenho e com frequência, é com o Piero – o gremistão Pierino da dona Tereza, irmão do Beto, já falecido e do Luciano, nosso técnico.

 

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Nós, os corruptos


Houve um tempo em que pensei que nosso amado Brasil tomaria jeito e que “corrupção nunca mais” deixaria de ser mero desejo para se transformar em realidade. Acho que esse meu acesso de ingenuidade ocorreu logo depois do impedimento do Collor. Pensei que a corrupção tinha chegado ao seu máximo degrau e a destituição do presidente era o vexame supremo para uma nação. “Agora esse pessoal vai se aquietar e parar de roubar o País”, pensei lá no íntimo.
Como se sabe, eu estava enganado. Logo vieram mais e mais escândalos: o dos Anões do Orçamento, as roubalheiras da Jorgina, o caso do TRT de São Paulo, o escândalo dos Bingos ou o caso Waldomiro Diniz que desembocou no Mensalão do PT, o Mensalão Mineiro, o caso Erenice Guerra , as estripulias do Cachoeira e tantos outros que a lista é quase infindável.

E agora entram em cena as negociatas da chamada Operação Porto Seguro, envolvendo compra de pareceres, nomeações escusas para cargos públicos e relações, digamos, pouco republicanas entre uma poderosa burocrata do escritório do governo federal em São Paulo e uma entidade chamada PR. Insinua-se aqui e ali que PR poderia ser Presidente da República, mas sinceramente não acredito que a pilantragem tenha chegado a esse nível do poder. Ou será que estou tendo outra crise de ingenuidade?
A verdade é que, de escândalo em escândalo, lá se vai minha confiança na humanidade, até porque corrupçao não é exclusividade do nosso país – aqui é só mais impune. Chego a pensar até que faz parte do nosso DNA essa vocação para corromper e ser corrompido, eis que nos tempos primevos o engodo, o logro, a enganação eram questão de sobrevivência naqueles ambientes pouco civilizados em que habitavam nossos ancestrais. A própria Bíblia está repleta de casos escabrosos, como o de Esaú e Jacó. Conta o livro de Gênesis que Esaú vendeu os seus direitos de primogênito ao esperto irmão Jacó por um prosaico prato de lentilhas. E o que dizer de Judas Iscariotes que entregou Jesus Cristo por míseros 30 dinheiros? Corruptos, corruptores e chinelagens biblicas!

Seremos todos assim, a espera de uma oportunidade para levar vantagem, não interessando se a benesse é legal ou ilegal, no caso, o malfeito como diria a Dilma.? De minha parte, rejeito o título deste texto, que usei apenas para expressar indignação e criar impacto. Eu fora!

Bem, talvez ainda não tenham chegado no meu preço...

sábado, 24 de novembro de 2012

15 coisas para fazer antes do fim do mundo


Já que o fim dos tempos está próximo vou rasgar a bandeira, virar um xibungo, um verdadeiro velho devasso, mas sem perder a ternura, até o dia fatídico: 21 de dezembro. Listei pelo menos 15 coisas que não poderei deixar de fazer e incluir no meu currículo para os tempos que não virão:

1) Voltar a fumar desbragadamente.
2) Beber aquele lote de cervejas artesanais que tenho namorado no supermercado.
3) Visitar pelo menos uma vez a Tia Carmen.
4) Promover pelo menos uma esbórnia na Tia Carmen.
5) Passar um cantada naquela morena que vem me tentando.
6) Passar uma cantada naquela loira que vem me tentando.
7) Chamar de ladrão todos aqueles comerciantes que vem me extorquindo.
8) Mandar a PQP o pessoal do telemarketing.
9) Mandar a PQP os chatos.
10) Jogar na privada todos aqueles remédios que nem sei pra que servem.
11) Passar acima da velocidade em todos os pardais. 
12) Frequentar um restaurante finíssimo e sair sem pagar a conta.
13) Tomar um porre e ser inconveniente em todas as festas de fim de ano.
14) Chamar o corrupto de corrupto.

15) Me arrepender de todos os excessos, ter um acesso de religiosidade, pedir perdão pelos meus pecados e rezar para que essa história de fim do mundo não passe de uma farsa.

sábado, 17 de novembro de 2012

No tempo do P& B


Não lembro se meu bom e competente amigo Márcio Pinheiro produziu algum texto para sua coluna e ZH Dominical (Jogo da Memória) sobre a série de tv inglesa O Prisioneiro. Antes de mais nada, deixem que  lhes diga que eu era fascinado pelas séries  da década de 60, na adolescência da TV no Brasil e,claro, ainda em P&;B. 

Diferente de hoje, quando a maioria das séries são comediazinhas de costumes, confinadas nos canais a cabo e com aquelas claques de risadas, nos anos 60 do século passado as produções primavam por roteiros mais instigantes, exigidos por séries como Os Intocáveis ( que virou filme de sucesso de Brian de Palma com Kevin Costner e Sean Conery ), O Fugitivo (que também virou filme,com Harrison Ford no papel do fujão dr.Richard Kimble),  Além da Imaginação (retratando um mundo paralelo, um clássico  que sobrevive até hoje na TV americana)   e Bonanza ( um faroeste que foi a primeira serie rodada a cores).

Eram todas produções americanas, dubladas e com trilhas musicais bem características que, mesmo hoje, saberia identificar com facilidade. O Márcio me perdoará se cometi algum equívoco, mas sei que ele vai concordar comigo que a série mais diferenciada daquela fase, cult diríamos, era a já citada O Prisioneiro,  cujo remake vem sendo anunciado pelos ingleses, com Jim Caviezel no papel título.

Para quem não teve o privilégio de assistir a serie original, aí vai um remember, direto do Google: “Considerado o Franz Kafka das séries de televisão, Patrick McGoohan criou, em parceria com George Markstein, um universo próprio, sombrio, repleto de dúvidas e inseguranças, tal qual o período sócio-político e econômico no qual a série foi concebida e exibida. Um agente  (interpretado por Patrick McGoohan) pede demissão de seu cargo para logo depois acordar em uma ilha, conhecida como Vila, onde uma nova sociedade o aguardava. Sua casa foi reproduzida em todos os detalhes, mas, da porta para fora, não era Londres que ele via, e, sim, uma espécie de resort para onde, supostamente, agentes do mundo inteiro, aposentados ou afastados, eram levados. Cada um respondia a um número. Nosso agente passou a ser conhecido como Número 6, tendo o Número 2 como uma espécie de governador do local. O Número 2 queria saber os motivos pelos quais o Número 6 tinha pedido demissão, resposta que nem ele e nem o público, conseguiu. Cada episódio era carregado de duplo sentido e metáforas. A série se transformou em matéria de Semiótica em faculdades dos EUA e Inglaterra. Até hoje é possível assistir e descobrir novos elementos, visto que o tempo fez com que símbolos e signos apresentados na série pudessem ter uma nova interpretação”
Na verdade, O Prisioneiro refletia muito daquele período, o auge da guerra fria, e é uma dessas produções, considerada à frente de seu tempo. Arriscaria incluir nessa relação as modernas Twin Peaks. de David Linch, e mesmo Lost, de J.J.Abrams, todas tendo em comum bons roteiros, bons diretores e uma história centrada em um grande mistério.

Em O Prisioneiro, uma enorme bola zelava para que os exilados na ilha não fugissem e esse elemento dramático se prestava a mil interpretações, assim como uma cena que ficou marcada como uma das mais representativas da polêmica série. Foi assim: o Numero 2 apresentou ao Numero 6 uma máquina fantástica, que poderia responder a todas as perguntas da humanidade (olha o  bisavô do Google aí) e desafia o Número 6 a fazer uma pergunta à geringonça cheia de luzes piscantes. O Número 6 encaminha a pergunta e em seguida a maquina começa a se autodestruir, até explodir de vez. Em pânico, o Número 2 questiona:

- Qual foi a pergunta?

- Por que? responde o Numero 6  e vira as costas para o interlocutor, enquanto sobem os créditos e surge a característica musical da série.


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Deu pra ti, Facebook.

Acho que estou curado da síndrome do viciado em Facebook.  É que consegui ler um livro inteiro em apenas dois dias, depois de um longo tempo sem me dedicar a leitura. O responsável pela minha volta ao mundo dos livros foi o Claudinho Pereira e seu Na Ponta da Agulha, embalos da noite de Porto Alegre, conforme o subtítulo da obra. 

Benditas conversas na Feira do Livro do ano passado entre o Claudinho e o Márcio Pinheiro, da Coordenação do Livro da Secretaria Municipal da Cultura (SMC). Foi dessas conversas que começou a nascer a ideia do livro, materializado agora pela Editora da Cidade e encontrável no estande da SMC na Feira do Livro ou no da Palmarinca, que fica próximo ao pavilhão de autógrafos.

Nem lembro quanto paguei pelo exemplar, mas garanto que Na Ponta da Agulha vale cada centavo. O relato do Claudinho, testemunha presencial de praticamente todos os agitos da noite porto-alegrense nas ultimas décadas, é uma delícia de ler e mais ainda pela riqueza de depoimentos de quem participou diretamente de cada avento destacado. E que desfile de personagens! 
A mim chama a atenção o fato de que a noite da cidade já foi mais frenética, mesmo que os grandes eventos, os melhores shows e as principais novidades em termos de casas noturnas tenham ocorrido no tempo da ditadura, quando a repressão era presente no nosso dia a dia.  Talvez a resposta esteja justamente aí, a festa funcionando como fuga da realidade, mas acho que viajei na maionese. A propósito, conta o Claudinho , a expressão “viajar na maionese” seria criação de Sérgio Bini: “Por guardar maconha em um vidro de maionese, ele brincava – ‘Vamos viajar na maionese!’”
Os locais mencionados me soam familiares – Baiuca, Encouraçado Butikin, Le Club, Água na Boca – mas não devo ter frequentado uma décima parte das casas noturnas descritas no livro e quando o fiz foi na condição de convidado para alguma “boca livre”.    Mas tenho saudades da Barlândia, a quadra da Protásio Alves entre a Montenegro e a Palmeiras com inúmeros barzinhos (era assim que se falava) e uma  ou outra casa de show ,  isso a meia quadra da minha casa, daí porque me tornei um habitue nas noites de sábado com uma turma de apreciadores de cerveja e de mulheres bonitas. 

Lembro também de algumas incursões ao Ressaca, do Zé Antonio Daudt, ali na esquina da Luiz Afonso com João Pessoa, na Cidade Baixa.  Comparecia à casa  avalizado pelo meu primeiro editor, um maluco genial chamado Coi Lopes de Almeida, que agitava a redação da Zero Hora a partir da editoria de Esportes nos primeiros anos da década de 70 e que nos deixou tão cedo. Foi no mezanino do Ressaca que assisti a uma cena impensável: companheiros de mesa fumavam maconha sem constrangimento, enquanto o titular da Delegacia de Entorpecentes,  também grande figura ligada ao esporte e amigo de todos, sentado na mesa ao lado, não estava nem aí para o desacato.

Claudinho assistiu  a cenas mais chocantes, como  a do técnico de som que vira uma tocha humana e é aplaudido como se fosse atração do espetáculo, história relatada no capítulo dedicado ao Circo Escaler Voador. O  livro está repleto de outros causos, mais hilários e curiosos, como a estratégia usada por Elaine Ledur e Dirnei Messias para garantir o sucesso do lançamento da primeira boate de Porto Alegre  assumidamente para o público gay, a Flower’s. Conta aí, Claudinho: “Convidaram para um jantar quatro gays,que sempre figuravam entre as pessoas mais queridas e bem relacionadas da cidade. No jantar, contaram a bombástica novidade, em tom de segredo: Vamos abrir uma boate gay daqui a 30 dias, mas vocês não podem contar nada para ninguém. No dia seguinte toda a Porto Alegre já sabia da novidade”.
Por tudo isso, Na Ponta da Agulha é uma leitura prazerosa, que recomendo com entusiasmo. Agora, que venha David Coimbra e sua Uma História do Mundo. Deu pra ti, Facebook.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Na Feira, peremptoriamente.

Nego peremptoriamente, como diria aquela liderança petista, que tenha participado da primeira Feira do Livro na Praça da Alfândega.  O idealizador do evento, realizado pela primeira vez em 1955, foi o jornalista e depois vereador, Say Marques, que era diretor do extinto Diário de Notícias.  Na época, eu tinha cinco anos apenas.

Na verdade, começam pelo visionário jornalista  as minhas afinidades com a Feira, uma vez que ele era amigo do meu pai, que o tratava reverentemente como “dr. Say Marques”;  depois porque tive o privilégio de trabalhar com a filha dele, a competentíssima Rosana Orlandi, primeiro na TVE e mais tarde na RBS TV, onde produz o Galpão Criollo;  e, por fim,  sou obrigado a confessar que estagiei por 30 dias na editoria de Polícia do Diário de Noticias, isso lá no início da década de 70 do século passado, quando o diretor de redação era o Celito de Grandi, hoje consagrado escritor. 
Mas foi quando passei a trabalhar na Folha da Tarde (juro que nada tive a ver com o fechamento do Diário ou da Folha), acho que em 1974, que comecei a frequentar a Feira regularmente.  Da redação na Rua Caldas Junior à Feira era um pulo e não havia como ficar indiferente às barraquinhas instaladas ao longo da praça.  Lembro bem o primeiro livro que comprei. Foi  O Príncipe, de Maquiavel, que ainda faz parte da minha modesta biblioteca e é consultado sempre que necessário,  esse verdadeiro manual da arte da política. Línguas ferinas e adversários invejosos insinuam que adquiri o livro errado, que estaria a procura de O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry e me “principitei" (sim, com direito a trocadilho) levando O Príncipe. Nego peremptoriamente de novo.

Com o passar dos anos a Feira cresceu, junto com meu envolvimento em função de minhas atividades profissionais que me levavam a participar diretamente de todo o evento nas edições mais recentes. Cresceu também a minha capacidade e vontade de aquisição de livros.  È quase uma obsessão.  Alheio a tudo o mais,  percorro as barracas a procura dos títulos que me interessam e  esgravato os balaios de saldos em busca de ofertas e preciosidades. Ainda não bati meu recorde de três aos atrás, quando levei pra casa mais de 30 livros, entre lançamentos e saldos, mas este ano já estive duas vezes na praça e adquiri até agora oito livros, sem contar os cinco infantis que a Maria Clara escolheu e mais A Metamorfose, da Kafka, para a Santa.
Na categoria lançamentos, comprei Uma História do Mundo, do amigo David Coimbra, e para outro amigo, o Juremir Machado, não ficar enciumado adquiri o pocket A Orquidea e o Serial Killer e ainda consegui o autógrafo e dois minutos de prosa com o autor.  Encontrei o Claudinho Pereira e sua Preta e ele me indicou onde encontrar seu imperdível Na Ponta da Agulha: no estande da Secretaria Municipal da Cultura, que editou o livro.  Que me perdoem o David e o Juremir, mas vou dar prioridade para os embalos na noite de Porto Alegre, relatados pelo Claudinho, testemunha ocular que não precisa de fiador. Faltou o Cabo de Guerra, do Políbio Braga, que ainda devo buscar na barraca da ARI.

Vão entrar na fila para serem lidos, sabe-se lá quando e ainda vão disputar espaço com os não lidos do ano passado, os “sebosos” Minhas Histórias dos Outros, de Zuenir Ventura; Queime Antes de Ler, de Stansfield Turner;  As Ilhas da Corrente, de Hemingway, Ai de ti Copacabana, de Rubem Braga e Infiltrado, de Robert Wittmann. Como se vê, um cardápio variado. Agora só falta eu  vencer a letargia, largar de mão o Facebook e o twitter e retomar o saudável hábito da leitura diária. Dai-me forças, Senhor, que a causa é peremptoriamente boa.

 

 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Dosimetria republicana sustentável

Um dos muitos legados do julgamento do Mensalão foi incorporar ao vocabulário dos  brasileiros o termo “dosimetria”, que vem a ser, no caso, o cálculo da pena a ser imposta a cada um dos quadrilheiros desse escandaloso episódio. Nas TVs e rádios nossos mais abalizados âncoras e comentaristas falam em dosimetria com uma naturalidade de quem já domina há muito tempo o juridiquês básico.

É interessante como a política em geral e, em particular, os grandes eventos que mobilizam a nação, sejam escândalos ou não, tem o poder de introduzir modismos vocabulares no nosso dia a dia.  Não lembro exatamente quando,  mas acho que foi nos estertores da ditadura que surgiu o “casuísmo”, muito bradado pela oposição para denunciar as arbitrariedades e as manipulações dos militares. Não seria tão mais fácil usar “ manobras”?

Mais recentemente ganhou espaço e vários usuários o termo “republicano”, que tem a ver com a forma republicana de governo, e remete ao que é público, ao Interesse da Maioria de que trata o Princípio Republicano. Petista que se preze, na falta de outros conteúdos, adora incluir um “republicano” nas suas argumentações. Junto veio o "factóide”, que serve para desqualificar qualquer iniciativa dos adversários, numa aplicação nada republicana do termo, convenhamos.  E  “cidadania”, que surgiu fulgurante, acabou perdendo espaço ao longo do tempo e sua conotação republicana.
 Entretanto, o campeão de todos os novos vocábulos é o “sustentável”, com a variação “sustentabilidade”. Acredito que a origem  da difusão do termo remonte às pioneiras lutas  dos ecologistas, mas hoje se presta para várias atividades.  Já vi anúncio  de fábrica de cigarros garantindo que exerce uma “função sustentável na economia”.  Outro dia num dos tantos debates eleitorais assisti a um dos candidatos, com ar grave, perguntar a um opositor qual a sua posição sobre “ o desenvolvimento harmônico sustentável  aplicado às cidades”. O adversário, coitado, se embananou todo para responder uma bobagem qualquer, enquanto o questionador fazia cara de “desta vez, te peguei, babaca!”.  Mais incrível foi a cantada que flagrei num happy, numa mesa vizinha: “Quem sabe a gente parte agora para uma prática sexual sustentável”, convocou o sujeito para sua acompanhante, que devia saber do que se tratava porque logo levantou e escapuliu bem faceira com parceiro.

Isso me faz lembrar o já falecido presidente da Federação Gaúcha de Futebol,  Rubens Hofmeister, tão dinâmico como pouco letrado, que denominava os clubes que jogavam em seus estádios como "locatários”, que, na verdade, é quem aluga,ou seja, o inquilino e não o proprietário.  Mas os tais de "locatários” apareciam até nos regulamentos do campeonato.
Como não sou avesso a evolução do idioma e invisto no incremento do vocabulário pessoal, tenho adotado sem restrições todas as novidades. E até me permito a fazer variações, criando conceitos como “dosimetria republicana sustentável” ou “sustentabilidade casuística  locatária” ou ainda “factóide locatário republicano”. Êita , erudição.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Fim de uma era


Quando comecei em rádio, em meados da década de 70 do século passado, a Guaíba dominava o cenário e trabalhar nela era o sonho de todos que, como eu,  amavam o rádio. Pois, por essas oportunidades que a vida nos apresenta, acabei sendo contratado como coordenador de esportes, em substituição ao Antonio Britto que estava assumindo outras funções na então Caldas Junior. Tinha 26 anos na época e passei a vivenciar o dia a dia – e, de alguma forma,  chefiar -  da nata do jornalismo radiofônico esportivo de então: Milton Ferretti Jung, João Carlos Belmonte, Antonio Augusto, Lauro Quadros, Ruy Carlos Ostermann, Lasier e Lupi Martins, entre outros, um timaço liderado pelo grande Armindo Ranzolin. E no Jornalismo tinha ainda o Flávio Alcaraz Gomes, o Adroaldo Streck e surgindo o Rogério Mendelsky.  Entre idas e vindas, na Guaíba, na Gaúcha , na Difusora/Bandeirantes e na RBS TV, calculo que convivi com essas feras por mais de 20 anos. 
Não pensem que é fácil trabalhar com gente tão talentosa, de egos na mesma proporção, ainda mais num ambiente competitivo como o rádio e a tv. Mas fiz grandes amizades e aprendi um monte com eles . Só não aprendi a ser desenvolto no microfone e a  culpa indireta é justamente dessas grandes figuras.  Imaginava que, diante daqueles nomes consagrados, “os artistas” como se autodenominavam,  não teria a mínima chance de me sobressair, então decidi que eu deveria investir para ser um competente profissional de retaguarda. Acho até que alcancei esse objetivo, que me garantiu empregabilidade por muitos anos depois daquele começo titubeante na Guaíba.

Fiz esse nariz de cera não por vaidade, mas a pretexto de contextualizar uma era que está chegando ao fim e cuja mais recente sinalização é a saída de Lasier Martins do programa Gaúcha Repórter. Antes já haviam sido despachados para o limbo o Ranzolin e o Ruy. O Lupi nos deixou muito cedo e o Belmonte estava se aposentando. O Lauro e sua ansiedade ainda resistem no Polêmica e no Sala de Redação, assim como o Milton – que voz!  - que apresenta algumas edições do correspondente da Guaíba.  O Antonio Augusto, ao que parece, também é outro que não se entrega. Mas até quando?  Não vou bancar o saudosista e apelar para o velho chavão “no meu tempo era melhor”, mas apenas constatar que a renovação, mesmo que sofrida, é inevitável .

A verdade é que a esses  setentões ou mais  ficam a dever gerações inteiras de ouvintes formadas nos tempos em que o rádio era mais formal, mas  tinha mais força e muito conteúdo.  E fica também o meu reconhecimento, agora dirigido especialmente ao querido Laserino, que um dia fez a transição do Esporte para o Jornalismo e manteve a performance. Vai um beijo no coração.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Um enamorado na noite alucinada

Impecáveis os textos de Celito de Grandi na série Boletim de Ocorrência, na ZH Dominical.  Jornalista talentoso que está se consagrando como escritor, Celito tem aprofundado, em formato de reportagem, alguns dos mais rumorosos casos policiais ocorridos por aqui. No último domingo, ele recuperou uma dos mais extraordinários acontecimentos vividos em Porto Alegre e que teve igualmente uma extraordinária cobertura jornalística pela Rádio Gaúcha.

Foi assim: no dia sete de julho de 1994, aconteceu uma rebelião no hospital penitenciário, que acabou marcando a vida de muitos gaúchos. Porto Alegre viveu 24 horas de terror com a fuga alucinada dos detentos, comandados por Dilonei Melara e libertados pelas autoridades sob a condição de pouparem os reféns. Tão logo deixaram a Penitenciária em três carros começou  uma perseguição não menos alucinada da Polícia, acompanhada de perto pela Imprensa em geral e pela rádio Gaúcha em especial, com seus melhores repórteres à época, entre eles Diego Casagrande, Oziris Marins e Felipe Vieira. O que aconteceu depois e o desfecho de todo o episódio está bem descrito pelo Celito na crônica de domingo. O que posso acrescentar é a forma como acompanhei o caso,  a partir de Dallas, onde funcionava o Centro Internacional de Rádio e TV da Copa do Mundo dos EUA e onde a Gaúcha tinha uma das suas bases.

A rebelião ocorreu numa sexta-feira e estendeu-se  por uma das noites mais frias de 1994, daí não ter provocado outras vítimas na passagem do comboio frenético de presidiários, policiais e jornalistas por algumas das principais ruas e avenidas da cidade. Devido ao horário, início da noite, estávamos mais mobilizados nos EUA do que na sede em Porto Alegre – era véspera do jogo Brasil x Holanda e toda a equipe da RBS aportara em  Dallas. Por isso,  foi o Pedro Ernesto, dentro do Show dos Esportes, quem começou ancorando a movimentação da reportagem. A impressionante movimentação da reportagem:  apesar dos riscos, a cada etapa da fuga em seguida surgia um repórter para dar o seu relato e acrescentar informações.

Os presidiários começaram a fuga pelo Partenon e seguiram para o Jardim Botânico e, como conhecia bem a região por ter morado durante  mais de 20 anos no Alto Petrópolis, passei a assoprar ao Pedro a localização do comboio. Até que um dos carros dos bandidos enveredou para a rua Ivo Corseuil e na esquina da Guararapes ocorreu um enfrentamento com a policia, resultando num cerrado tiroteio noite adentro na pacata rua.  Foi quando um dos reféns, o diretor do hospital penitenciário, Claudinei dos Santos, foi baleado com sequelas até hoje. Foi quando também caiu a ficha para mim. Meu pai, o coronel Dastro como era conhecido, morava na Ivo Corseuil e tinha por hábito, apesar da idade – mais de 70 anos – dar um passeio noturno. De imediato, graças a um sistema instalado pela engenharia da Gaúcha, disquei para a casa como se fizesse uma ligação local. Primeira ligação e nada. E eu virado numa pilha de nervos.  Segunda chamada e depois de vários toques,  finalmente o coronel Dastro atende e logo depois de me identificar, o velho soltou o verbo.
- Olha, tenho boas novidades. A Anita aceitou o namoro e vamos marcar a data do casamento.

O velho guerreiro, como Shakespeare, estava in Love. Viúvo, o coronel reencontrara uma namorada antiga e alguns anos mais jovens, fizera a corte, ela aceitara e agora celebravam a renovação do amor.
Enquanto isso, a meia quadra da morada da Ivo Corseuil, o tiroteio seguia firme e o nosso coronel nem aí. Devo ter pronunciado um palavrão quando interrompi o relato do enamorado.

- Pai,tu não tá ouvindo a confusão aí fora?

- Pois é, eu ouvi umas sirenes, mas não sei do que se trata. Como eu estava falando, a Anita...
Interrompi de novo e agora fui enérgico.

- Depois tu me conta do namoro. Agora fecha toda a casa e te protege que presidiários estão tiroteando com a polícia aí perto.
É incrível como eu, mais de 5 mil quilômetros distante dos acontecimentos, sabia mais do que quem estava ao lado do cenário do conflito. Mas essa é a realidade do que aconteceu naquela noite. Meu pequeno drama, pequeno diante da magnitude dos acontecimentos,  terminou na própria sexta-feira, depois que mobilizei os irmãos  em Porto Alegre para darem um apoio ao coronel apaixonado e desatento.

Mas a perseguição seguiu adiante, pela madrugada e toda a manhã de sábado. Os bandidos se refugiaram no hotel Plaza San Raphael e ficamos na expectativa para o término da confusão, quando mais não seja porque no início da tarde começaria o grande jogo Brasil x Holanda, pelas quartas de final da Copa.  Um prenúncio de que os astros começavam a se alinhar naquele sábado, 8 de julho de 1994, foi que meia hora antes da bola rolar os fugitivos decidiram se render, a transmissão da radio ocorreu normalmente e o Brasil  conquistou uma grande vitória por 3 x 2 sobre os holandeses.
Quanto ao nosso coronel Dastro, casou com sua Anita ainda em 1994 e viveram juntos, lépidos e faceiros, até 2010 quando o guerreiro se entregou, aos 95 anos.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Quase um serial killer

Esse tal de Facebook tem cada uma. Depois da série de postagens com o já falecido humorista Mussun e seu jeito peculiar de falar, agora voltou a mania do perfil com fotinhos antigas, dos tempos de infância.  Impressionante como faceiros bebes, mimosas crianças, verdadeiros anjinhos de carne e osso se transformaram em autênticos tribufus nos dias atuais e isso vale para os naipes masculino e feminino.  Todas as crianças são lindas, adoráveis e talvez esteja na vontade de voltar no tempo e virar mimoso de novo essa compulsão pelas fotinhos à antiga.  

Meu atento camarada Fabiano Cardoso, garoto de boa índole, se dá ao trabalho de explicar que as tais fotinhos seriam resultado de um movimento do FB pela proximidade do Dia da Criança e uma manifestação contra a violência à infância.  Nobres propósitos, reconheço, mas como explicar a gênese da ação que elevou Mussun a ser citado em vários formatos e situações?  É intrigante esse caso e tantos outros, aos quais o FB, na sua infinita benevolência, dá vazão e consagra.  Será que existe uma central, repleta de nerds, só para bolar esses abobragens? Alô Jandira Feijó, alô Thiago Ribeiro: me ajudem a entender esse processo.

De minha parte reafirmo que não vou na onda. Mantenho a foto convencional que expressa o meu perfil de homem sério, ancorado no seu tempo.  Mas devo confessar que teria muita dificuldade para escolher uma foto da infância. Naquele tempo, mais de meio século atrás,  fotografia era algo complexo, diferente das facilidades do mundo digital de hoje. Além disso, a foto que poderia publicar é muito comprometedora.  Eu devia ter uns dois  ou três anos e apareço, rechonchudo e com um cabelo cacheado e comprido , ao lado de minha irmã Rosa, dois anos mais velha. A primeira vista, eram duas menininhas. O meu cabelo comprido se devia a uma promessa, de minha vó  materna ou minha mãe, cujo teor nunca descobri. O cabelo de guriazinha durou até o dia em que meu avô materno, um despachado cafuso alagoano, se irritou e decretou:  “Cortem logo o cabelo deste menino antes que ele vire um maricas”.  Foi assim mesmo que aconteceu, relatava anos depois a saudosa dona Thélia, minha mãe.

Não virei maricas, mas por pouco não me transformei num serial killler vingativo, devido as gozações dos meus irmãos mais velhos quando descobriram a foto fatídica. Fui atormentado durante toda a infância por causa daqueles cabelos compridos e sonhava com o dia da vingança, que nunca veio. Vocês não sabem o que é ser criado com mais sete irmãos. Sobrevivemos todos ao bulling familiar que, de uma forma ou outra, praticávamos mutuamente, tanto assim que estou aqui, contando com naturalidade esse episódio do passado.  
O quê? Se vou mostrar a foto dos cabelos de mulherzinha?  Nem que a vaca tussa! Podem esperar sentados, bando de sacanas.

 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Vida normal


Cá estou eu, livre, leve e solto. Depois do mergulho nas profundezas de uma campanha eleitoral, volto a tona e à normalidade.  Mas a noite que antecede o grande dia é de vigília e  de pura ansiedade, mesmo com a certeza da vitória. Vitoria que vem acompanhada de providências para fazer frente aos militantes que querem – e merecem - festejar e a mídia, sequiosa  e inquieta para primeira entrevista.  Lidar com esses dois públicos, ainda mais simultaneamente,  exige muito traquejo e concentração total, por isso a  ficha que dá conta da grandeza da vitória só cai  quando começam a chegar as mensagens de congratulações, inclusive de adversários, até o telefonema do meu filho, que me deixa engasgado.

Já passou. Agora é retomar as caminhadas, dois ou três dias de academia por semana, uma escapada a Curasal,  reviver as confrarias, assistir aos filmes em DVD sem dormir, voltar ao Fronteiras do Pensamento e resolver o que ficou pra trás, mesmo que seja prosaico, como lavar o carro e trocar a surdina, ou importante, como aqueles exames médicos há muito aguardados pelo cardiologista. Vida que segue.

A normalidade só é quebrada pelos telefonemas, alguns de parabéns, mas a maioria é do querido malario da imprensa em busca de entrevistas exclusivas com Fortunati. Frustração quando informo que já não é mais comigo. Aliás, mesmo grande, vai faltar Fortunati para tanta agenda.

Agora só falta aquela ligação para oferecer um emprego maravilhoso. Parece que o Obama está a minha procura...

sábado, 6 de outubro de 2012

Hora da escolha


Estou dividido entre aquela melancolia de fim de festa e uma euforia crescente pela certeza da vitória e porque valeu a pena. ´São os mesmos sentimentos que parecem afetar os outros companheiros e companheiras da jornada que está chegando ao fim.  Ficamos confinados a maioria do tempo e condenados a tratar dos mesmos assuntos todos os dias, todas as horas. Mas insisto, valeu a pena, mesmo para este jornalista já escolado de outras campanhas políticas, lanhado pelas derrotas, recompensado com as vitórias. Desta vez, já fomos recompensados com um ambiente de harmonia e alto astral que envolveu a campanha da coligação Por Amor a Porto Alegre desde o início.  Falo com a autoridade de quem fez parte do primeiro pelotão da campanha.
Também é  verdade  que já gostei mais de política, que esteve no mesmo nível das minhas preferências com a prática “daquilo” e as coberturas radiofônicas. Interessante como o passar dos anos tem mudado meus hábitos, inclusive quanto “aquilo”. Em relação a política, minha iniciação começou muito cedo, lá pelos 10 anos, quando meu pai instalava perto de casa, no bairro Petrópolis,  uma banquinha para distribuirmos material de meu tio que disputava uma cadeira na Câmara Federal - foi um dos mais votados e mais tarde elegeu-se  senador. Éramos muito politizados a escadinha de oito irmãos e lembro que na disputa pelo governo do estado , em 1958, meu irmão Telmo instalou em casa um comitê para  o Brizola e minha irmã Silvia um para o Perachi, com farto material de campanha que buscavam nos comitês de verdade.  Os dois não tinham mais de 15 anos!

Depois nos envolvemos de alguma forma nas campanhas eleitorais de meu irmão Luiz Vicente para vereador, bem sucedidas,  e para deputado, nem tanto.   Eu, particularmente, sempre dava um jeito de participar das coberturas eleitorais nas emissoras onde trabalhava. Memoráveis coberturas eleitorais, “urna a urna, voto a voto” que demoravam até uma semana e que as urnas eletrônicas vieram para acabar com o fascínio e a trabalheira daqueles tempos. As rádios Guaiba e Gaúcha montavam enormes estruturas para uma apuração paralela à do TRE e normalmente cantavam vantagem de terem errado por pouco em relação aos números oficiais.
A disputa pelo anuncio do primeiro voto era feroz e lembro que numa das eleições o Edison Moiano, da Guaíba, que acompanhava  em Canoas a abertura de uma das primeiras urnas, transmitiu  do ginásio onde ocorria a apuração:  “Atenção, saiu o primeiro voto no Estado. É para Alceu Collares”. Foi uma vibração incontida na Central de Eleições da então Caldas Junior e aquela “vitória” diante da concorrência serviu de emulação para toda a cobertura.  Indagado mais tarde como conseguira o furo, Moiano teria confessado que viu de relance o voto que seria de Collares caindo da urna para a contagem e decidiu antecipar o tal primeiro voto.  “E, afinal, um voto para Collares teria que ter naquela urna”, justificou.
Durante a ditadura, vivemos um período de trevas e carência de eleições. Veio a redemocratização e a primeira eleição para presidente. Como sempre, assumi minhas posições e meu fervor cívico, acumulado desde a infância, e escolhi os que considerava melhores: Covas no primeiro turno e Lula no segundo. Deu Collor.  Nas duas votações, graças a boa vontade dos mesários, foram meus filhos, Flávia primeiro e Rafael depois, ambos ainda pequenos, quem teclaram os números dos candidatos que indiquei. Mesmo sem ter muita noção do que estavam fazendo, os dois se sentiram muito importantes. Hoje, bem crescidos, continuam escolhendo seus candidatos conforme minha orientação e  isso acontece não porque votem à cabresto, mas certamente porque sabem da importância que dou ao processo político e a responsabilidade que cerca as escolhas que faço.

Neste domingo não será diferente. Nem preciso justificar: escolhi Fortunati, o melhor e ponto. E para vereador, João Bosco Vaz, um voto de reconhecimento pelo magnífico trabalho que promove de inclusão social pelo esporte.  Garboso, lá vou eu perto do meio dia votar no coleginho da zona sul e quando entrar no recinto da urna ainda vou me questionar se estou fazendo a escolha certa. Mas em seguida estarei teclando o 1, o 2...

sábado, 29 de setembro de 2012

Hebe


Vocês podem não acreditar mas eu assistia aos programas que a Hebe Camargo apresentava  em Porto Alegre, na antiga e pioneira TV Piratini, canal 5. Eram tempos pré vídeo tape, lá pelos anos de 1960 do século passado, e toda a programação das poucas emissoras de TV existentes era feita ao vivo e – acreditem – em preto e branco.  O meio TV começa a se expandir  Brasil afora pela tenacidade, o espírito empreendedor e  as negociatas de Assis Chateaubriand, que montou  os Diários e Emissoras Associados. Os Associados, como era conhecido, foi o primeiro grande conglomerado de mídia no País, vale dizer tinha a penetração e o poder da Rede Globo de hoje.
A jovem Hebe de então era uma das estrelas do cast dos Associados e nessa condição percorria o Brasil , apresentando-se nas capitais onde o velho Chatô havia plantado uma emissora.  A cantora acabou transformando-se em apresentadora de TV e é justo afirmar que conquistou a condição de grande dama da TV Brasileira, ela que viveu a evolução do veiculo desde sua primeira transmissão,em 1950, com a TV Tupi de São Paulo.

Consta que no programa inaugural o entusiamado Chatô teria quebrado uma garrafa de champagne em uma das duas únicas câmeras existentes, imitando o gesto que lança os navios ao mar. Só que o resultado foi que também a câmera quebrou e o programa que marcou o início TV brasileira foi ao ar com um só equipamento, na base do improviso.  Acho, porém, que isso é lenda.  Mas a presença de Hebe no programa é confirmada, junto com Lolita Rodrigues e Lima Duarte que estão bem vivos e podem confirmar tudo.

Nasci junto com a TV brasileira em 1950 e, a rigor, isso não representa nada na história, a não ser o fato de que acompanho desde então as mudanças no País e particularmente na TV brasileira. Claro que a modernização do Brasil tem sua correspondência nas emissões da mídia TV, tanto em técnica como em conteúdo.  E o reconhecimento global que, pouco a pouco, temos conquistado como grande nação emergente foi precedido de uma consistente penetração da nossa principal rede em quase todos os mercados mundiais.  Hoje a TV brasileira é referência mundial.
Entretanto, Hebe foi um ícone de um período mais brejeiro e ingênuo, brega mesmo,  de nossa país e de nosso meio televisivo, assim como Chico Anísio, que também nos deixou recentemente, e tantos outros pioneiros que um dia deixaram de estar na moda e ficaram para trás no gosto popular. Hebe parece ser exceção nesse contexto.  Mesmo trabalhando em redes de baixa audiência, manteve-se em alta, com um público cativo, que adorava sua espontaneidade cativante, seus bordões, suas tiradas e suas gafes.

Aliás, eis outro ponto em que me identifico plenamente com a Hebe: sou o rei das gafes, como já contei aqui no ViaDutra. Trata-se de mera coincidência, mas eu prefiro acreditar que é a melhor forma que encontrei para homenagear a grande dama da TV brasileira.

domingo, 23 de setembro de 2012

Habemus Papam


Depois de ter dormido nas exibições dos maus filmes indicados pelo seu o Coisinha,  proprietário da minha locadora, escolhi para a sessão de sábado Habemus Papam, da Nanni Moretti.  Tinha lido boas críticas a respeito e estava curioso para assistir ao filme e não me arrependi.
Nessa comédia dramática, o conclave se reúne no Vaticano para escolher um novo papa. Após várias votações, enfim há um eleito, o cardeal Melville. Os fiéis, amontoados na Praça de São Pedro, aguardam a primeira aparição do escolhido (Michel Piccoli), mas ele não vem a público por não suportar o peso da responsabilidade, e entra em pânico depois de um faniquito.  Tentando resolver a crise, os demais cardeais resolvem chamar um psicanalista, interpretado pelo próprio Moretti, para tratar o novo Papa, que acaba sumindo em Roma, período em que  aflora o seu lado mais sensível, o de ator frustrado.
A proposta do filme é tentadora, instigante até, como diria um amigo cinéfilo. Como católico desgarrado sempre me interessei pelos assuntos do Vaticano,  sou quase um vaticanista, mas  de certa forma fico contrafeito com aquela pompa e circunstância, os rituais de realeza que contrastam com pregação de que é aos pobres que está destinado o Reino dos Céus.

Diferente de Habemus Papam outros filmes recentes sobre o que acontece no Vaticano são mais incisivos em desnudar as mazelas da milenar Igreja Católica. Um bom exemplo é Poderoso Chefão III, nem tanto Anjos e Demônios.
Já o  filme de Moretti  é repleto de alegorias, que permitem variadas interpretações. O que significa, por exemplo, o impensável e hilário torneio de vôlei organizado pelo psicanalista no Vaticano, reunindo os veteraníssimos cardeais? É tudo um jogo? Interessante também o perfil de do novo Papa de Moretti.  Fisicamente lembra João Paulo II (que fez teatro quando jovem), mas com a sensibilidade de seu antecessor, João Paulo I, que morreu apenas 30 dias após ter assumido o trono de São Pedro, porque não teria resistido ao peso do papado.

É disso que trata Habemos Papam , um filme sobre a opressão que o poder exerce sobre os que não estão preparados para ele. O poder não foi feito para os sensíveis, mesmo que haja um deus a protegê-los e guiá-los.  Quantas vezes nos sentimos miseravelmente pequenos diante da grandeza dos desafios que nos são impostos? E quantas vezes, diferente do que ocorreu com o personagem de Habemos Papam, fomos compelidos à luta, sem direito a renúncia, que é um misto de covardia e humildade, mas também exige uma boa dose de grandeza.
O final é emblemático.  O escolhido pelos prelados  renuncia antes mesmo de assumir, enquanto os cardeais escondem o rosto. É uma Igreja perplexa, envergonhada, constrangida, o que resta, tudo a ver com a Igreja dos escândalos que tem vindo a tona e  que a cada dia perde mais e mais fiéis.

 

sábado, 15 de setembro de 2012

Agentes do mal


O momento político é sensível e perigoso. Faltando pouco mais de duas semanas para a eleição municipal as posições começam a se definir e os nervos ficam a flor da pele. Quem está atrás nas pesquisas tende a se exaltar e aí mora o perigo.
Candidato lomba abaixo é como animal acuado: reage com agressividade, quase por instinto. Essa é a fase do “quem não está comigo é meu inimigo”  e qualquer adversário, por mais jaguané que seja, vira agente do mal.  Sei de casos bem recentes...

Às vezes esse comportamento obedece a uma estratégia do marketing da campanha, que busca desqualificar os opositores como forma de estancar a queda e recuperar o terreno perdido. Normalmente não dá certo, mas o pessoal insiste. Também ocorre de o candidato e seus luas-pretas, normalmente gente tranquila e civilizada, ficar transtornada com a rejeição do eleitorado e virar fera disposta a qualquer tropelia. É quando começam as baixarias, a boataria, as difamações,  os falsos  dossiês,  numa ciranda maldosa que não tem mas fim.  Prestem atenção que a guerra já começou.  Nem ex-companheiros de outras jornadas são poupados em nome de uns votinhos a mais. Os parceiros de ontem se transformam nos inimigos de hoje.
Já atuei em campanhas vitoriosas e perdedoras, agressivas e as de “paz e amor” e estou convencido que o conjunto de fatores que leva a vitória  passa necessáriamente por um candidato competitivo, politicamente respaldado,  que inspire confiança, ostente uma biografia que orgulhe, tenha experiência para sustentar os projetos que acena para o futuro, revele sincera indignação com o que está errado e mostre que vai fazer diferença na vida das pessoas e das comunidades.  O resto é trabalho para o marketing.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

PSN

O partido que mais cresce neste período eleitoral é o PSN, Partido dos Sem Noção. Mesmo militantes de outros partidos podem integrar o PSN, pois não há necessidade de filiação formal. Para participar é preciso, antes de tudo,  atitude. E aí é fácil identificar os potenciais sem noçãozistas.

É o cara que te interrompe com um assunto menor quando estamos concentrados em resolver aquela questão crucial ou que interrompe a explanação na parte mais complexa para  perguntar uma obviedade.  É aquela pessoa metida a engraçadinha nos momentos em que se exige seriedade e formalidade. É aquele que é apresentado a gente num dia e no outro já se imagina amigo de infância e faz confidências inclusive sobre a vida sexual dele.  É aquele que não distingue gestos e palavras afetuosas e passa cantada até na mãe dos amigos.
O Sem Noção age sem ter noção de hora, lugar ou contexto, com o perdão da redundância necessária. É um inconveniente e um dedicado à causa de atrapalhar a vida dos outros. O Sem Noção é primo irmão do chato
Na política é aquele ou aquela que só critica, em tudo vê terra arrasada e, provocado a apresentar soluções, vira montanha que pariu um rato. É aquele ou aquela que promete o que sabe que não vai cumprir. É aquele ou aquela  que assume compromissos e não entrega. É aquele ou aquela que teoriza sobre o   que não entende porque acredita que todos os outros são sem noção como ele. No caso da política, o Sem Noção é primo irmão do demagogo.

Se me permitem, lanço um veemente apelo: livrem-me dos chatos e demagogos