sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Reflexões natalinas

Há uma certa melancolia, quase deprê, neste período de festas. Talvez seja pela obrigatoriedade de mostrar felicidade, enquanto a realidade é desanimadora. Culpa também das revisões que o fim de uma etapa impõe e a conclusão de que muito foi sonhado e pouco concretizado e isso vale tanto para a vida pessoal como para o lado profissional.  Se pelo menos os presentes compensassem as frustrações, mas nem isso tem ajudado.

Foi-se o tempo das cestas de Natal repletas de produtos importados, ou das bebidas finas ou, ainda, dos eletrônicos de última geração oferecidos como mimos por clientes e fornecedores. No Jornalismo tal prática é conhecida como “toco”. Escapa ao meu conhecimento a origem da expressão. Talvez represente coisa pequena e o uso  parece ser exclusivo dos jornalistas gaúchos.

Hoje o recebimento dos regalos é visto com restrições ou tratado como folclore, mesmo porque a operação Lava Jato desnudou o toma lá, da cá em nível bilionário.  E, assim, ofertantes e recebedores foram para a retranca, com os toqueiros bagrinhos, aqueles que recebem um misero espumante moscatel ou um panettone, pagando pelos peixes grandes, pós graduados em mamarem nos recursos públicos.

Não estou aqui para lamentar por nenhum deles. Na verdade, quero deixar meu protesto veemente, em nome de todos os capricornianos que fazem aniversário no Natal ou nos dias próximos. Não são poucos, garanto, mas a maioria alega que é discriminada quanto aos presentes, recebendo um que vale por dois devido a coincidência de datas. Por muito tempo fui vitima dessa sovinice, eis que nasci em 6 de janeiro, dia de Reis (mera coincidência), embora  a data seja referencia a chegada dos reis Magos Melchior, Baltasar e Gaspar à gruta de Belém para presentear o Menino Jesus com ouro, incenso e mirra. No  Uruguai a troca de presentes ocorre nesse dia. Mesmo assim, apesar  de  todo esse respaldo bíblico e de tradição, muitas vezes eu ficava sem o  presente de aniversário.

Nem por isso precisei apelar para o divã dos analistas a fim de curar minha frustração por não ser presenteado  e olha que   nem precisava ser ouro, mirra e incenso, bastava um carrinho, uma bola, um joguinho qualquer.


Não vão faltar línguas maldosas para dizer que estou aqui apelando para o coitadismo e  insinuando  a necessidade de ser presenteado no aniversário próximo -  com vinhos importados, espumantes de boa cepa, cervejas  artesanais, camisas azuis de grife, utensílios para churrascos. Não, gente,  não precisa se incomodar. 

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Autofagia colorada

Se algo de bom aconteceu ao Inter neste ano foi ter jogado fora de casa a última e decisiva partida que confirmou o descenso. Imaginem se o jogo fosse no Beira-Rio: não haveria grade que segurasse a torcida e os gomos do estádio correriam sérios riscos.  Se bem que o time, diante da sua massa torcedora, não seria passivo nem conformista como o que enfrentou o Fluminense. Se...

Nada pode ser pior para um clube da grandeza do Inter do que frequentar a Série B e seus adversários aguerridos e campos que deixam a desejar, Brasil afora. Mas nada pode ser melhor para a coesão de uma grande torcida do que o desafio de empurrar o time para voltar ao convívio dos maiorais.  E vamos combinar que o rebaixamento não é o fim do mundo, ainda mais se cotejarmos com outros acontecimentos trágicos deste 2016 e com toda a agitação do cenário político brasileiro durante o ano.

O que fica do episódio, além da inevitável busca dos culpados pela derrocada –  temos obsessão por apontar culpados, como se isso resolvesse -   é que alguns dos principais personagens do drama vivido pelos colorados ficarão marcados para todo o sempre, assim como o foram Rafael Bandeira dos Santos e Flávio Obino nas quedas gremistas.

Como a confirmar a máxima do velho Marx de que a história só se repete em forma de tragédia e farsa, nem Celso Roth, nem Fernando Carvalho conseguiram honrar seus currículos na hora do cai-não-cai. O resultado  esteve mais para  tragédia do que farsa.  Pior ficou a situação de Fernando Carvalho, o mais vitorioso dirigente colorado de todos os tempos, que acabou sendo uma nova vítima de uma certa autofagia que tem contaminado o Inter e que consome a reputação de personagens colorados icônicos.  Ocorreu com Dunga e Falcão, antes e recentemente, e com Fernandão, este felizmente já resgatado e agora imortalizado no pátio do Beira-Rio.

Nesta hora vale para o Inter e para todos os que amargam reveses no esporte e na vida, uma crônica memorável do mestre Drumond, “Perder, Ganhar, Viver”, a propósito da inesperada eliminação do Brasil para a Itália, na Copa de 82: “(...) chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estamos preparados, de tanto não a desejarmos nem a admitirmos previamente, é afinal instrumento de renovação da vida.(...) Se uma sucessão de derrotas é arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o germe de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos, que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de detritos: começar de novo.”


Fica essa modesta, porém sincera, colaboração de um gremista que já penou duas vezes pela Segundona.

sábado, 26 de novembro de 2016

Bom de cama

O caso da jurada que tirou um cochilo em pleno depoimento do acusado de atropelar os ciclistas na Cidade Baixa e, com isso, obrigou o atropelador a refazer sua defesa, me remete aos constrangimentos que já passei por dormir em público e em situações as mais inusitadas.

Lembro que em determinado período era forçado a participar de demoradas discussões salariais com sindicalistas e eventualmente dormia no meio do encontro. Só era acordado quando o ronco ultrapassava os decibéis dos bate-bocas entre as partes.  Outro caso: como assessor comparecia aos debates eleitorais de um candidato a cargo no executivo e desenvolvi uma técnica que sempre deu certo, eis que conseguia despertar do soninho assim que meu candidato devia perguntar ou responder. Em uma dessas situações, o assessor de outro candidato fotografou a dormida e postou nas redes sociais, com um comentário malicioso. Quando fui acordado parti para cima do sujeito, que era mais alto, mais forte e bem mais jovem do que eu, enchi ele de desaforos, sem que o cacalhão reagisse. Baixinho enfezado é fogo.

Já fui flagrado cochilando no Tá na Mesa da Federasul e olha que o palestrante era dos bons, além de apagões em reuniões de diretoria e de comitês. Num congresso em Canela, em que o presidente da empresa ia palestrar, resolvi sentar na segunda fileira, só que o baba ovo aqui não levou em conta que a apresentação se dava logo após o lauto almoço. Aí aconteceu o inevitável, uma vontade quase insuperável de jiboiar quando as luzes foram reduzidas durante as projeções da palestra. O companheiro ao meu lado não resistiu e se entregou a Morfeu, aumentando a minha aflição, ao imaginar que o presidente poderia pensar que, naquele escurinho, era eu o roncador. Mas bravamente consegui superar aquele momento de puxa-saquismo explicito na fila do gargarejo.

Pior mesmo foi o período em que dormia com o carro parado em sinaleiras, aproveitando aqueles 30 segundos de sinal vermelho, até ser acordado pelas insistentes buzinadas dos outros motoristas. 

Esses casos confirmam que sou bom de sono, o popular ¨bom de cama¨. À noite, deito e logo durmo, mesmo que quase sempre dê uma “pescada” durante a novela, ainda mais se a janta foi acompanhada de uma taça de vinho. É que cada vez mais não consigo resistir aquele apelo ao soninho que vem vindo lá do fundo, os olhos pesam e, de repente, apago. 

Contando assim até parece que sempre tive o melhor dos sonos. Ledo engano. Meu sono era pesado, interrompido várias vezes, até que no laboratório, onde a gente passa a noite cheio de fios conectados, os exames registraram que eu era recordista em apneias, ou seja, tinha qualquer coisa como umas 50 paradas repetidas ou temporárias da respiração por hora. Sobrevivi porque devo ser um forte. Agora aderi ao tratamento recomendado, uso um aparelho que me devolveu a tranquilidade do sono e acabou com os resmungos da Santa, que não conseguia dormir por causa dos meus roncos.


Gostaria de saber mais sobre o caso da jurada dorminhoca. Vai ver a coitada está casada com um sujeito que assumiu o posto de recordista em apneias.

sábado, 19 de novembro de 2016

Enfrentando o medo pânico

Das poucas coisas que me desestabilizam a principal é ter que falar em público. Beira o medo pânico, mas já foi pior. Nos tempos de ginásio no Rosário nas aulas de português o grêmio literário era uma atração para quem gostava de brilhar frente aos colegas, declamando poesia, discursando ou recitando uma redação. Todos os alunos deviam se apresentar pelo menos uma vez e quando chegava a minha era como se fosse para o patíbulo. E lá ia eu para a frente da turma gaguejando um texto, enquanto o pessoal do fundão da aula se divertia com minha timidez em público, diante do olhar reprovador do mestre.  E olha que eu era um estudante bem integrado com os outros colegas, já escrevia razoavelmente bem para aquele período escolar, fazia redações para os outros, mas no dia do malfadado grêmio literário tinha um bloqueio.

Mais tarde, essa dificuldade de me expressar em público contribuí certamente para que não tentasse falar no microfone nos tempos em que atuei em rádio, deixando de investir numa carreira que poderia me ampliar as ofertas no mercado de trabalho da comunicação.  Preferi a retaguarda, um tanto invejoso dos colegas que dominavam a arte de tagarelar  para grandes e pequenas audiências.

Quando assumi certas funções públicas que eventualmente exigiam que fizesse algum pronunciamento não tinha como escapar. Assim que o pessoal do cerimonial informava que deveria obrigatoriamente dirigir algumas palavras à assistência em determinado evento eu queria me enfiar num buraco, sair pela janela, fugar pelos bastidores ou torcer para que uma catástrofe natural qualquer interrompesse a cerimônia. Mas isso nunca aconteceu e aí tive que dominar minha timidez e o bloqueio e inventar alguns artifícios para enfrentar as situações com um mínimo de dignidade.

A primeira lição que ofereço a quem padece do mesmo mal é falar pouco e já anunciar essa disposição no início, especialmente naqueles atos de muitos discursos.  Sempre que possível, pedia ao cerimonial para ser o primeiro a falar,  na esperança de que o meu titubeante pronunciamento seria esquecido na sequência das outras participações, normalmente de cobras criadas na arte de discursar. Além disso, sendo o primeiro, poderia apresentar uma ou outra ideia original, sem o risco de ficar repetitivo.

Também fazia ´parte do meu repertório de enganação, quando representava algum figurão, abrir com o anuncio de que trazia o ¨fraterno abraço¨ e o ¨reconhecimento dele ao valoroso¨ (aqui pode haver uma variação de termos, tipo generoso, aguerrido, corajoso, etc) ¨ao trabalho desenvolvido¨ pelo segmento presente e sua inestimável (aqui também cabem variações como importante, imprescindível,  indispensável, etc) ¨contribuição ao  desenvolvimento da nossa terra¨, ou ¨para beneficiar nossa gente , ou ¨para o pleno exercício da democracia¨, e por aí vai.

Depois era só alinhar mais duas ou três ideias bem básicas, agradecer a acolhida, elogiar os organizadores, sempre olhando em rodízio para a plateia à esquerda, à direita e ao fundo. Quando estava mais seguro, até tentava fazer uma graça. Só que,  como não tinha muito jeito para bancar o engraçado, passei por saias justas, como quando tive que falar num evento promocional pré Copa do Mundo em Punta del Este, diante de representantes do corpo consular. Ao destacar o esforço dos uruguaios para realizar a Copa de 30, fiz referência ao fato de que, naquele tempo, ¨vejam vocês, nem existiam celulares ainda¨, uma bobagem que ninguém entendeu e nem sei porque inclui na peça oratória. Pelo menos me obrigou a abreviar a lengalenga.   

Por fim, sempre que era possível, acrescentava um entusiasta desejo de ¨longa vida à...¨, e customizava à atividade ou aos profissionais presentes. Funcionou sempre e, em contrapartida, até mereci aplausos mais prolongados de plateias menos exigentes.

E assim consegui sobreviver a essa provação que é enfrentar o público, mesmo admitindo que ainda não me livrei de um  incômodo ¨tᨠao final das frases, tá, que não sei quando começou, tá, mas que provavelmente incorporei como bengala, tá, para emendar a frase seguinte, tá.



sábado, 12 de novembro de 2016

Nos tempos do Maipu


¨Na mocidade frequentava todas as noites o Maipu¨.  Foi assim que o Neni abriu a conversa na mesa ao lado. Embora a presença feminina fosse maioria naquele fórum etílico e gastronômico, a sentença do Neni foi a deixa para que os talheres e as taças de espumante ficassem de lado e toda a atenção concentrada no que seria relatado depois. Aqui convém esclarecer que o Maipu era um afamado cabaret que marcou época nos anos 40 e 50 do século passado, com diversificado e qualificado elenco de moças. Ficava no Centro de Porto Alegre e tocava tangos e boleros.  Exceto pelo cardápio musical, seria um Carmen´s Clube de hoje.

O fato de recordar o Maipu e de usar o termo mocidade são reveladores da senioridade do Neni, ele que já foi um guerreiro pegador dos mais bem-sucedidos.

Pois na mocidade o nosso amigo batia ponto todas as noites e arrastava uma asa para uma das moças mais bonitas da casa, mas não era correspondido.

- Eu era um pelado, vivia de mesada e ela dizia que de graça nem pensar.

O tempo foi passando e o Neni curtindo aquele desejo reprimido e rejeitado, até que um dia a sorte lhe sorriu.

- A moça aquela me procurou e disse que queria passar uma noite comigo.

Parece que ouvi um ohh de aprovação das colegas de mesa, enquanto o Neni continuava sua narrativa:

- Eu ainda expliquei para a moça que não tinha dinheiro para ela, nem para o quarto e o táxi, que era o mínimo que a gente oferecia nessas circunstâncias...

De novo parece que ouvi um outro ohh, mas em tom de frustração, até que Neni retomou o assunto em tom triunfal.

- Aí ela disse que eu não me preocupasse porque naquela noite era tudo com ela.

E lá se foram para um hotelzinho de encontros que existia no Menino Deus.  Era o clímax da história e dava para sentir uma tensão quase física no ar, ao redor da mesa ao lado. O clímax virou anticlímax diante da revelação de Neni:

- Na hora H, tudo pronto para uma grande noitada, eu vacilei...

O tal vacilo foi a forma atenuada de dizer que havia brochado, o que arrancou ohhs solidários de um lado e decepcionados de outro. Pior foi enfrentar a ira da parceira, como contou.

- Eu banquei tudo, motel, táxi e nem estou cobrando a minha grana e a única coisa que não podia acontecer era tua  brochada. Que papelão, não me procura mais. Aliás, nem me olha mais, - teria dito a moça, diante de um Neni envergonhado e à beira de uma depressão.

Ficou tão abatido e de tal forma preocupado com o episódio que decidiu consultar um psicólogo, pai de um amigo também frequentador do Maipu.

- Olha, acho que a não ereção se deveu a tua ansiedade, meu rapaz, - ensinou o especialista. E sugeriu:

- Faz o seguinte: consegue dinheiro com teu pai e parentes e tenta de novo com outra moça. Se não funcionar, volta aqui.

Neni seguiu à risca a receita e garante que dessa vez funcionou, sem dar maiores detalhes, obtendo mesmo assim ohhs vitoriosos das senhoras e senhoritas da mesa.

Foi então que me dei conta que tinha começado lá atrás, com um enorme fracasso, a trajetória de grandes e variadas conquistas amorosas do querido Neni. As derrotas, como se sabe, podem ser pedagógicas para os que sabem tirar delas lições para outros enfrentamentos. E foi assim que Neni havia se transformado num mestre e alvo de minha confessada inveja, eu que nunca mereci ohhs da mesa ao lado.




quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Se fosse o contrário

Um instigante exercício a ser feito é descrever como os analistas relatariam as causas da derrota de Marchezan, se este fosse o caso. Certamente falariam das suas intermináveis caminhadas pela cidade nos programas de TV, dando a entender que caminhava demais para compensar seu pouco conhecimento da cidade. A equipe de Comunicação seria responsabilizada pelo equívoco. 

Alegariam ainda que seu pavio curto se manifestava nos debates em respostas ríspidas e agressivas às investidas do adversário. Desconstituiriam suas propostas, especialmente as dos pardais denunciadores de carros roubados e a do atendimento médico por telefone.  Parece que estou lendo: ¨O eleitorado não se deixou enganar por tais propostas¨.  Mais ainda: apontariam que o fato de não assumir que fora governo no município e no Estado seria decisivo para a rejeição do eleitorado, que havia flagrado a deslealdade.

Falariam da falta de apoio explícito das lideranças nacionais do partido e do aporte financeiro dos mais ricos.  Até o porte físico em comparação com o adversário seria cotejado: ¨Ele era sempre sorridente mesmo diante de temas complexos, enquanto o oponente se revelava sisudo, preocupado com os problemas em debate¨, alguém por certo escreveria.

Não faltariam outros exemplos, mas a verdade verdadeira é que a história é escrita pelos vencedores.

domingo, 14 de agosto de 2016

O Dia dos Filhos

Reeditado a partir do original publicado em 11/08/2011, mas sempre atual.

Se dependesse de mim, trocava o Dia dos Pais pelo Dia dos Filhos. Parece bobagem, mas o que justifica a paternidade senão os filhos? Filhos são dádivas, sementes que devemos zelar para que cresçam e se transformem em nosso melhor legado para o futuro. Com a certeza de que não errei na receita, celebro então o Dia dos Filhos.

O Dia da Flávia, primogênita, capricorniana como o pai, rebeldia domada pela maturidade, filha e mãe amorosa, solidária e ansiosa com o bem estar dos mais próximos, e agora gerentona. O Dia do Rafael, o atlético do meio, um romântico escorpião e um pouco da sina de rabugento, que agora experimenta as venturas da paternidade. O Dia da Mariana, meu nenê, pequeno dínamo, muita sensibilidade, um passarinho que cedo aprendeu a voar e foi crescer lá longe, voltou ao ninho e se prepara para bater asas de novo.

Talvez não tenha feito justiça, nessas poucas linhas, ao que meus filhos tem de melhor. Mas eles sabem que sinto um enorme orgulho deles e curto a forma como se curtem. E sabem também que o pai que sou foram eles que moldaram. Agora, mais ainda, é eles que me dão o norte e vou estar cada vez mais dependente do rumo que me apontarem.


Instituo, portanto, o Dia dos Filhos e celebro a data, mas aviso: o velho aqui não abre mão dos presentes no domingo. Podem ser até pijamas e chinelos, canecas e camisas azuis, jaquetas e bons vinhos.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Xô, complexo de viralatas

Entramos na reta final para a Olimpíada do Rio e eu, como a maioria dos brasileiros, está torcendo para não passar a chamada vergonha alheia. Já demos vexames suficientes com os problemas da Vila Olímpica, as declarações infelizes do prefeito do Rio, os serviços básicos que não funcionam, a podridão das águas reservadas aos esportes náuticos, a ameaça terrorista tupiniquim, tudo isso ganhando uma dimensão na mídia que de certa forma abala nossa confiança na capacidade realizadora do país. Havia o mesmo sentimento pré-Copa do Mundo de 2014 e, apesar da torcida do pessoal do contra e à parte as obras superfaturadas e o 7 x 1, fizemos uma competição bem sucedida em termos de organização.  Participei diretamente do trabalho realizado em Porto Alegre e testemunhei o esforço para que tudo desse certo.

A Copa mostrou que tínhamos condições de superar novamente o complexo de viralatas, do qual falava Nelson Rodrigues, inconformado com o sentimento de inferioridade que nos acometia diante dos grandes eventos esportivos. ¨O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. (...) não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima¨, reclamava o mestre.  Assino embaixo.

Faço essas constatações depois de ler as postagens no Facebook dos múltiplos jornalistas esportivos José Alberto Andrade e Sérgio Boaz, recordando os 20 anos da cobertura da Rádio Gaúcha nos Jogos Olímpicos de Atlanta, nos Estados Unidos.  Foi a primeira grande cobertura olímpica da Gaúcha e o evento passou a fazer parte do calendário permanente da emissora. Na postagem dos dois ex-colegas e amigos de sempre, lembrei que de alguma forma contribui para essa investida ao visitar Atlanta, num trabalho de percursoria, logo após a Copa de 94, também realizada nos Estados Unidos. A ideia foi do grande Armindo Ranzolin que queria consolidar o novo conceito adotado pela Gaúcha – ¨a rádio de todos os esportes¨-  e ampliar o leque de produtos oferecidos pelo Departamento de Esportes.

E lá fomos, Cézar Freitas, da RBS TV, e este que vos fala para Atlanta, capital da Geórgia, sede da Coca Cola e da CNN, mas uma cidade com um terço da população de Porto Alegre.  Graças a ajuda do pessoal da TVE espanhola que organizava as comunicações da Copa do Mundo e estava envolvida também com a Olimpíada, fomos muito bem recebidos pelo Comitê Organizador, visitamos todos os locais disponíveis e levantamos os dados necessários para a cobertura prevista pela Gaúcha.

No ano seguinte deixei a RBS e não acompanhei a evolução do projeto, que foi bem-sucedido e, confesso, me deixou emocionado quando começaram as primeiras transmissões.  Diferente, porém, da cobertura da Gaúcha os Jogos Olímpicos de Atlanta foram marcados pela desorganização, especialmente nas questões logísticas, sem contar que um atentado à bomba no Parque Olímpico matou dois e feriu mais de 100.  

A opinião negativa sobre Atlanta 96 não é minha, mas do competente repórter da Globo, Marcos Uchoa, que cobre Olimpíada desde Seul, em 1988, em recente depoimento no Sport TV.  Os jogos de Montreal em 1976 também foram um fracasso, só que financeiro, quase levando a cidade canadense à insolvência. Montreal só se recuperou do baque depois de 20 anos.  Em compensação, Barcelona, 1992 é reconhecida como o melhor exemplo de Jogos bem sucedidos  contribuindo também para recuperar uma parte degrada da cidade.  Aliás, foi naquela competição que a Gaúcha fez seu primeiro investimento em Olimpíada enviando à Barcelona o então repórter Antônio Carlos Macedo, numa dobradinha com a Cláudia Coutinho, da Zero Hora.

A contagem regressiva para os jogos do Rio já começou e mesmo quem não queria a Olimpíada no Brasil parece se alinhar na torcida para que sejamos mais Barcelona e menos Atlanta ou Montreal. Apesar de tudo, o Brasil merece o lugar mais alto no pódio. Xô, complexo de viralata!



sexta-feira, 22 de julho de 2016

EI à brasileira

O Chico Anysio tinha, entre tantos personagens, um que eu considerava impagável: Bento Carneiro, Vampiro Brasileiro, “aquele que vem do aquém do além, adonde que véve os mortos”, apresentação pronunciada com sotaque caipira.  Um dos seus  bordões favoritos era  ¨Minha vingança será maligrina¨. 

Ao final dos quadros na TV, depois de muitas trapalhadas nas tentativas de assustar alguém, afirmava olhando para a câmera: “Bento Carneiro, vampiro brasileiro...pzztt”, seguido de uma cusparada.  Era um vampiro fracassado, com baixa autoestima.


Não sei porque me lembrei do Bento Carneiro ao saber detalhes da movimentação da ¨célula terrorista brasileira desbaratada pela PF. Qualquer semelhança não será mera coincidência.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Midas moderno

Resgatei de novo esse conto despretensioso de 2010 na esperança de que alguém ajude a encontrar um final adequado para a história. Quem se habilita?
Ele sempre sonhara em ter nos braços e depois na cama as mais belas mulheres. Nas caminhadas pela cidade, já fazia uma seleção das que lhe interessavam e buscava a diversidade na quantidade. Altas, baixas, magras, mais cheinhas, loiras, morenas, mulheres com cabelos chapinhados ou crespos, ninfetas e trintonas.  Na dúvida se escalaria para seu elenco fictício, dava preferência para as de bumbum bem torneados. Cada uma das selecionadas merecia um enredo e aí a imaginação corria solta. Com a loira de jeans apertado e cintura baixa, sonhou com uma transa naquelas praias paradisíacas do Caribe. Com a morena de lábios carnudos, imaginou mil situações à beira de uma piscina e depois o clímax dentro da água. A baixinha seria personagem de grandes contorcionismos no banco de trás do carro. A mais gordinha teria o privilégio de um pernoite no motel, onde ele poderia percorrer com calma toda a geografia daquele corpo mais avantajado. Para a moça com carinha virginal, reservava os jogos eróticos menos convencionais e para aquela outra, com jeito de safadinha, se entregaria sem pudores, deixando que ela comandasse a brincadeira.
Estava virando obsessão e eram recorrentes os sonhos de conquistas que, na real, jamais aconteceram. Ele achava mesmo que tinha pouco a oferecer: não era bonito, para atlético não servia e ainda penava com o salário magro que o impediria de fazer uma presença às deusas escolhidas. Faltava-lhe, sobretudo, coragem para abordá-las porque não saberia o que dizer depois do primeiro contato. Assim, sem outros predicados, ele queria ser ungido com os poderes mágicos, como os do Rei Midas, o personagem da mitologia grega que recebeu do deus Baco o dom de transformar em ouro tudo o que tocava. Mas seria um Midas moderno porque o ouro de seu desejo seriam as belas garotas que faziam parte da sua galeria de conquistas potenciais. Bastaria um toque, um aperto de mão, um beijo mais carinhoso, e elas se prostrariam aos seus pés, prontas para se transformarem em escravas sexuais, ávidas para satisfazer todos os seus desejos e fantasias, incondicionalmente  suas, e sem muito dispêndio de energia na conquista.
No verão, na véspera do seu aniversário, ele passou a noite sonhando que seu desejo se tornara realidade. Foi um sonho contínuo, onde desfilaram todas as mulheres dos seus desejos e mais algumas que o inconsciente ofereceu – celebridades, amiguinhas de adolescência, primas interessantes, atrizes pornôs e até representantes da realeza européia.  Acordou banhado em suor e exausto, como se tivesse compartilhado a cama com todas elas, uma de cada vez, é claro. Foi um prazeroso, mas cansativo presente de aniversário, pensou. E ainda havia aquela estranha criatura interferindo no sonho, que se apresentou como Eros e que se vangloriava, porque fora deus na antiguidade, de poder mudar a vida dele para melhor.
O sonho fez dele um homem perturbado a caminho do trabalho. Ele queria entender o significado das imagens que povoaram seu sono e nas divagações de uma manhã num ônibus lotado nem percebeu que sua vizinha de banco passou a pressionar suas coxas e se insinuar por olhares e mais movimentos corporais invasivos do seu espaço. Quando percebeu a movimentação da moça, diferente do usual, ficou constrangido e procurou se afastar. Mas a moça, bonitinha nos seus presumíveis 25 anos, insistia em se aproximar mais e mais e ele começou a ficar preocupado. Temia ser acusado de assédio, logo ele que era a timidez em pessoa. E a moça se achegava cada vez mais e ele estava quase fora do banco quando decidiu descer para evitar maiores problemas. Ao levantar, a vizinha de banco veio atrás e desceu junto do coletivo. Agora ele já estava assustado, certo de que estava sendo vítima de um assalto, na pior das hipóteses, ou de uma pegadinha dessas que ridicularizam as pessoas na tv, na menos pior das hipóteses. A moça veio decidida ao encontro dele no ponto de ônibus, mas ele saiu em disparada e entrou no primeiro táxi que encontrou.
Chegou esbaforido ao escritório e foi direto ao banheiro para molhar o rosto e enxugar o suor. O que viu no espelho foi um homem a beira de um ataque de nervos e precisou de alguns minutos para se recompor.
A saída do banheiro esbarrou na estagiária do Departamento Jurídico e antes que pedisse desculpas foi arrastado pela moça para a sala do arquivo. O local era pouco freqüentado naquele horário e a moça, uma belezinha de 21 aninhos, não demorou muito para despir-se completamente e avançar sobre ele. Acuado e atônito ele ficou sem reação e se deixou levar pela voracidade da parceira. Entre arquivos e pastas de documentos se entregaram a uma transa rápida mas intensa. Ao final, sem dizer uma só palavra ela recolocou as roupas e, parecendo plenamente saciada, se despediu mandando beijinhos. “Que loucura foi essa”, ele se perguntou, enquanto recolhia suas roupas e tratava de se ajeitar minimamente para enfrentar o dia de trabalho.
O episódio logo se espalhou, não por iniciativa dele, mas porque a moça não resistiu em compartilhar as emoções do encontro transgressor, logo ela sempre tão recatada. O resultado é que ele passou a ser requisitado para experiências semelhantes por todo o naipe de estagiárias, dos Recursos Humanos às da diretoria, passando pelo Marketing e os Serviços Gerais. A fama de garanhão corria solta e já não havia mais hora nem lugar vedado às peripécias sexuais. Sem dúvida era uma nova fase na vida dele e ele estava gostando até porque seu horizonte de conquistas começou a se alargar. As secretárias da diretoria e de outros setores exigiram espaços na sua agenda e ele os concedeu com prazer. Eram moças e senhoras mais sofisticadas e dotadas de bons conteúdos, mas quem disse que elas queriam conversa. Tudo o que elas desejavam era desfrutar dos prazeres que ele proporcionava e para isso não poupavam recursos, proporcionando ótimos jantares, locações nos melhores motéis e viagens e maratonas sexuais nos fins de semana. Ele dava um jeito de atender a todas, inclusive de outras empresas, além das vizinhas e eventualmente de alguma desconhecida, já a fama estava cada vez mais disseminada..
Envolvido nesse reino de fantasias e prazer, ele já não questionava mais porque tudo aquilo estava acontecendo. Achava que devia se conceder o máximo desfrute, afinal, o que antes era obsessão e sonho, agora se tornara realidade. A única preocupação era manter distância de insinuações indesejadas, como a do diretor financeiro, gay assumido, que propôs trocar seus favores sexuais por um carro zero quilômetro. Aí já era demais, como excedeu também a investida da mulher do presidente da empresa, uma matrona plastificada dos seus 60 anos, que passou a persegui-lo de todas as formas e com todas as propostas. Foi difícil desvencilhar-se dela, mas aos encantos da filha, uma loira desinibida beirando os 30, ele não resistiu, até para ter um ponto de apoio familiar na casa do presidente, caso a mãe, despeitada, resolvesse intrigá-lo.
Eram tantas as pretendentes ao seu toque mágico que ele passou a ser mais seletivo nas suas escolhas. Já não havia diversidade nas que compartilhavam a sua cama . Ele claramente optou pelas mais jovens e mais exuberantes, deixando de lado as maduronas, sem os mesmos atrativos das garotinhas escolhidas, mas mais generosas nas contrapartidas materiais. A seletividade - e ele só se deu conta mais tarde - trouxe dissabores. As rejeitadas passaram a hostilizá-lo. Na seqüência, começaram a espalhar boatos e maledicências a respeito dele e do seu desempenho sexual.
- Aquilo? Foi uma decepção: é muito pequeno.
- Dá apenas uminha e já quer dormir.
- Ouvi dizer que agora está pegando rapazes.
- Achei estranho ele estar usando uma calcinha feminina.
- Só sabe fazer “papai e mamãe”.
- Olha, cheguei a ficar com saudado do meu ex.
A confraria das rejeitadas era formado exclusivamente por mulheres já com boa quilometragem, experientes nas tramas que só as mulheres sabem urdir, casadas, descasadas e recasadas, enfim, senhoras a que se deve dar crédito e, sobretudo, temer. Ele não fazia ideia da energia negativa gerada pela rejeição e o estrago na sua reputação que isso provocaria. A injusta má fama logo se espalhou, mas ele não estava nem aí porque ainda tinha uma missão a cumprir. Faltava conquistar a recepcionista da empresa que o evitava, mantendo prudente distância física. Era uma morena sem maiores atributos físicos, mas o fato de ela se manter invicta passou a desafiá-lo. 
Só que agora ela era um homem determinado e autoconfiante, por isso direcionou seus esforços para vencer a resistência da moça. Até que um dia precisou trabalhar além do horário para compensar as escapadas e...
- Fazendo hora extra?
Quem perguntava era a morena da recepção, livros à mão indicando que estava de saída para a faculdade.
- Não, já estou de saída também.
Saíram juntos do escritório e no elevador os dois tocaram ao mesmo tempo o botão para o térreo. Foi o suficiente para que a recepcionista, a exemplo de suas outras colegas, começasse a despir-se enquanto fazia o mesmo com ele, beijando-o de alto a baixo. Dessa vez ele não reagiu e se entregou a transa com prazer, sem se importar com a câmara espiã que espreitava o casal em êxtase no sobe e desce do elevador. Sempre sonhara em transar no elevador e agora estava realizando o desejo, por isso curtiu cada momento.  Quando finalmente decidiram que era hora de chegar ao térreo, o guarda da portaria, mais preocupado em jogar paciência no computador do que vigiar as câmeras de segurança, não prestou maior atenção a eles. Despediu-se da moça e ficou com gostinho de quero mais.
Mas não houve uma segunda vez, nem terceira nem outras. O seu toque parecia não funcionar mais, pelo menos com a recepcionista. E olha que ele bem que tentou, cercando-a de todas as maneiras. Mas a moça se mantinha irredutível, erguendo uma barreira intransponível entre eles. Tornara-se obsessão para ele reconquistar aquele corpo e repetir os prazeres que o sobe e desce do elevador proporcionara naquele dia do primeiro e único encontro.  O Midas erótico estava perdendo o encanto e ele mesmo já não sentia prazer nas conquistas, tão fáceis e tão descartáveis. Em paralelo, enfrentava a pressão das rejeitadas, que tratavam de miná-lo de todas as formas.  O emprego dele agora estava por um fio porque a filha do presidente passou a integrar, junto com a mãe, o clube das rejeitadas e pedira o cargo dele ao pai. Envolvido nesse turbilhão, ele maldizia o sonho que o empoderara com o toque do prazer. Como no Midas da mitologia queria voltar a ser o que era antes.
(...)

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Histórias da dona Ema

Encontro minha querida amiga Ema em um evento festivo. Encontrá-la nessas circunstâncias é sempre uma festa dentro da festa, porque a conversa rola fácil e divertida, e os causos, dos quais careço para alimentar o ViaDutra, vão surgindo um atrás do outro.

Pra começar ela conta o ocorrido com um candidato a vereador lá da Fronteira, homem íntegro e despachado que, porém, decidiu substituir as pilchas do dia a dia por uma vistosa fatiota e com ela enfrentou um comício num bairro da periferia. O resultado foi desastroso.

- Vocês me conhecem e não devem se impressionar com a minha roupa. Sou candidato agora mas não esqueço minhas origens: já fui um chinelão como vocês!

Os chinelões não perdoaram e, então, uma promissora carreira política se foi pro beleléu.

Na mesma cidade, rico fazendeiro largou a esposa e -  surpresa geral - se emparceirou com a dona do principal prostíbulo da chamada “zona”.  O escândalo provocado na conservadora cidade não demoveu o cidadão do relacionamento. A explicação certamente estava na justificativa da nova parceira, quando confrontada, perfil à perfil, com a ex-titular, mulher rica, linda, bem educada, recatada e do lar.

- É, mas nas hora do remele xoxo sô mais a véia aqui!

E, assim, consta que foram felizes para sempre.

Por fim, dona Ema relata que foi assediada, numa breve fase de solteirice, por dirigente de uma tribo carnavalesca.

- A senhora sabe que agora estou com um cargo numa repartição e ganhando bem, cinco contos por mês -, foi o melhor argumento do assediador.

Dona Ema é do bem,  mas detesta gente sem noção, especialmente do naipe masculino.

- Lá sou eu mulher de me encantar com cinco contos!

E completou:

- E nem vem com mesadinhas de três mil e quinhentos porque também não tem conversa.

A referência aos depósitos mensais feitos por um ex-deputado à uma rainha de escola de samba foi logo e bem entendido por quem participava da roda de causos.

Dona Ema tem cada uma...



domingo, 10 de julho de 2016

Histórias Curtas do ViaDutra: Aliança de Ocasião

Andressa e Giuliana nada tinham em comum, exceto por uma circunstância – namoravam a mesma pessoa – e um detalhe – tinham dentes irregulares. O tal detalhe estético incomodava mais a ambas do que o compartilhamento do sujeito, compartilhamento que só tiveram conhecimento por acaso, quando ele desfilava com uma delas e acabou encontrando a outra pelo caminho.

É difícil reproduzir o que aconteceu, mas testemunhas confiáveis revelam que as duas se miraram firmemente, um estudo de alto a baixo e de imediato criaram uma inesperada empatia, enquanto o acompanhante estaqueava pela surpresa do encontro. Mais tarde, o rapaz alardeava que ele, por seu carisma, teria sido o amálgama que uniu aquelas criaturas que deveriam ser antagonistas.

Na verdade, o que aproximou as duas foi aquela vontade de revidar a traição simultânea dele e a afronta de se descobrirem infidelizadas assim, à luz do dia, com testemunhas e tudo. Estabeleceu-se então um diálogo que levou a novas descobertas e mais munição contra ele:

- Tu sabias que um dos fetiches dele era transar comigo vestindo apenas as botas? -, atacou Andressa.

- Pois nem te conto os pedidos que ele já me fez. Assunto escabroso -, devolveu Giuliana,

- Certa vez, dentro do carro, a caminho da minha casa...

- O quê? Ele te levava em casa? O sacana nunca fez isso comigo, ao contrário, usávamos o meu carro nas saídas que fazíamos.

O alvo da metralhadora de críticas nem piava, mas intimamente regozijava-se com o duelo verbal das namoradas.

- Já me chamou de dentuça e vesguinha -, acusou Andressa.

- A mim só de dentuça -, minimizou Giuliana.

- Até o meu aniversário já esqueceu, o farsante!

- Comigo aconteceu parecido, trocou a data e me cumprimentou dois dias depois!

- E sempre encontrava uma ¨amiga¨ faceira nos restaurantes que frequentávamos.

- Flagrei várias vezes espichando o olho para uma periguete que passava, sem contar as mensagens que recebia e não me deixava ver.

- E quando atendia o telefone, em pleno bem bom!

- Bah, é verdade, tinha um sujeito que ligava sempre quando a gente estava começando a esquentar.

A conversação durou ainda um bom tempo, com um desfile de reprovações ao pobre homem, que não ousava intervir, mas continuava curtindo intimamente aquela devoção em forma de ressentimentos.

Afinal, despediram-se e cada um seguiu seu caminho, elas marcando encontros futuros e ele esperando, na expectativa para saber qual delas ligaria primeiro.

- Nem um inimigo comum consegue unir duas mulheres  nessas circunstâncias -, ensinou. Era uma aliança de ocasião. Daqui a pouco uma delas vai ligar para criticar a outra

Eis que toca o celular dele...e na espera já havia sinal de outra ligação...

A verdade é que o esperto conhecia profundamente a natureza humana, especialmente na sua versão feminina.

(Quem relatou o acontecido jura que é baseado em fatos reais)
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sábado, 9 de julho de 2016

Histórias bem contadas


Já fui um leitor mais voraz, mas ainda mantenho o velho hábito de consumir de três a cinco livros simultaneamente. Agora, por exemplo, estou dedicando atenção às obras de pelo menos três amigos talentosos, gente da comunicação, cujos livros conseguiram me tirar do confinamento imposto pelas redes sociais.

Acabo de devorar mais da metade de Pandegas e Galhofas, de Paulo Motta (editora Vidráguas, e uma bela capa do Cezar Arruê).  O Paulo é um figuraço, autointitulado presidente (ou rei?)  da fictícia República (ou reino?) de Bulhufas, dono de um estilo único e dotado de um humor contagiante, tanto no contato pessoal como nos seus textos. Pandegas e Galhofas, que só foi publicado depois de muita insistência dos amigos, conta um pedaço da vida dele, amores e desamores, grandes e pequenas traquinagens dos ¨maravilhosos¨ anos 80. O maravilhosos é por conta do Motta, mas o livro é uma delícia e várias vezes me vi gargalhando com as aprontadas dele e de sua turma. Recomendo, especialmente pra quem passou um dia atribulado.

Recomendo também Memórias de Uma Vida Hilária (editora Vidráguas), do Auber Lopes de Almeida Filho, que tive o privilégio de ler no original e a honra de prefaciar. Mas não é por isso que recomendo. O Auber está na estrada há mais tempo e já pode ser chamado de escritor, diferente de nós, os iniciantes. Memórias  é o  terceiro livro dele, um sonetista militante que se revelou em A Estética da Tristeza e se consolidou em Nós, compartilhado com o pai, numa homenagem póstuma. As memórias, da Cachoeira natal à Porto Alegre, são contadas com a simplicidade e o sabor que as boas histórias exigem, deixando um gostinho de quero mais, como enfatizei no prefácio. Aguardamos com expectativa o prometido volume 2.

Permitam-me agora falar da minha querida Tanira Lebedeff que lançou recentemente o seu A Velhinha que Entrevistou George Clooney (editora Catarse).  Correspondente e produtora de TV com experiência internacional, hoje à serviço do canal Octo (ex-TVCOM), Tanira relata suas aventuras e desventuras, pessoais e profissionais, mundo afora.  Do mundo do cinema entrevistou gente do calibre de um Anthony Hopkins, Robin Willians, Tom Cruise e contracenou com o tal George Clooney do instigante título, ele no papel principal, é claro, e ela como figurante.  Querem saber mais sobre isso? Vai comprar o livro e fazer como eu, devorando-o crônica à crônica.

Mais do que prestigiar os amigos, o que já seria uma ação do bem, resgato as obras do Motta, do Auber e da Tanira pela superior razão de que cada um, a seu modo e estilo, são contadores de histórias bem contadas e a redundância é proposital. Histórias que prendem desde o início e que nos fazem querer saber o desfecho, às vezes inesperados.  Histórias com gosto de quero mais, vale repetir.   
Alô Lucas Barroso, Gustavo Machado, Caco Belmonte, aguardo as obras de vocês para também poder elogiar e recomendar.  E espero reciprocidade quando lançar o Cronicas da Mesa ao Lado II. A propósito, o que tem de jornalista buscando novas formas de expressão! Será reflexo da tão falada crise do jornalismo contemporâneo? Sei lá, mas não resisti a fazer uma tese.





sábado, 2 de julho de 2016

A idade do amor

E tem aquela história do nosso amigo, cujo nome não posso declinar, que voltou a se apaixonar pela ex, a ponto de enviar mensagens melosas, dando conta da sua saudade dos velhos tempos. Antes desse gesto radical ele postou uma foto com a nova namorada, em represália à foto da ex com seu novo parceiro, exibida também nas redes sociais.

Aqui é preciso acrescentar que a ex é no mínimo 15 anos mais jovem que o nosso amigo, que agora se emparceirou com uma moça que regula de idade com ele, qualquer coisa ali pelos 40 anos. O cotejo de idade entre a ex e a atual tem sido doloroso para ele, daí os apelos endereçados ao antigo amor. A foto dela com um rapagão sorridente, ambos esbanjando felicidade, foi como se uma ferida, quase cicatrizada, fosse reaberta.

- Não paro de sonhar com aqueles nossos momentos -, foi a mensagem dele.

A resposta foi como um torpedo naquele coraçãozinho amoroso e enciumado:

- Agora que eu descobri o vigor da juventude não quero mais saber de velharias. Vai procurar tua turma e me esquece.

A resposta, na verdade, foi menos civilizada, mas o sentido do recado foi o mesmo da frase substituta e mais do que suficiente para provocar grande prostração, depressão mesmo, no nosso amigo.
Pessoa querida, ele pelo menos recebeu o apoio moral e palavras de conforto de seus parceiros mais experimentados nas armadilhas do amor. Aureliano foi um deles:

- Os apaixonados perdem a noção da realidade, cometem bobagens, ficam piegas, mas isso passa, meu amigo -, repreendeu e aconselhou Aureliano.

- Já passei por isso e sei como é -, acrescentou.

Mas nosso amigo não se deu por vencido e pelo jeito não levou a sério a recomendação do conselheiro, tanto assim que pretende fazer uma investida que considera definitiva: vai pedir a moça em casamento.

Não torço contra, mas acho que não vai dar certo. Nosso amigo tem vocação para solteirão e, além disso ou por isso mesmo, não parece disposto a abandonar as mordomias da casa dos pais.


De tudo o que me contaram desta singela, mas algo dramática história, só fiquei encafifado com a resposta da ex, apelando para a expressão ¨velharia¨, dando a entender que nós, os representantes da tal velharia, já estaríamos na fase do ¨era bom¨. Protesto com veemência e com ponto de exclamação! Se bem que quem tenta escapar das relações com a sua turma até que merece esse tipo de resposta. Já aviso que não é o meu caso.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Os interruptores

A propósito do Dia dos Namoradores que se avizinha resgatei este texto publicado originalmente em junho de 2013

Encontrei outro dia um antigo companheiro daquelas tantas confrarias que um dia frequentei. Por razões que desconheço, e já referi essa situação aqui, meus confrades de outrora me tiram para confessionário e com o parceiro desse encontro não foi diferente. Depois da sessão de cinismo inicial, em que cada um jurou que o outro estava em grande forma ("Me dá tua receita pra não envelhecer", insisti, como sempre faço), o  ex-confrade abriu um largo sorriso e com um jeito ligeiramente blasé, disparou:

- Estou de namorada nova e a moça é uma máquina, uma máquina, repetiu.
Ao invés de celebrar a conquista do velho companheiro de tantas batalhas etilicogastronômicas, confesso que fiquei com inveja. Ainda bem que ele não percebeu o meu sentimento perverso, porque logo em seguida desandou a falar em tom queixoso:

- O problema é que na hora do bem-bom tenho sido sistematicamente interrompido por telefonemas de colegas nesta praga que é o celular.

Homem de responsabilidade na firma em que atua profissionalmente, o parceiro não resiste, e no terceiro toque já está atendendo o celular, independente do estágio em que esteja da saliência.

- Sabe como é, pode ser alguma coisa urgente, justifica ele.

Mas completa, pesaroso: “O problema é que a retomada é tão mais difícil....”

Aí fiquei com remorso por causa da inveja anterior. O parceiro estava sendo vítima de uma nova categoria: Os interruptores, agentes de uma forma de bulling sexual, também conhecidos como “os empatadores”.
Na real, são pessoas do bem, mas incluídos na categoria que mais cresce no mundo moderno: os Sem noção.

- O campeão em interrupções é o chefe do jurídico, que me liga sempre quando já consegui engrenar. Acho que como ele não pratica mais agora esta atrapalhando a transa dos outros.

O ranking dos maiores interruptores inclui o vice-presidente, o diretor de marketing e meia duzia de  colegas do mesmo nível, incluindo aquela moça mais expansiva também do marketing.

 A nova namorada estranha a insistência com que ele é procurado, mas tem sido pacenciosa mesmo com as interrupções.  "Mas até quando?", angustia-se ele.

Foi nessa fase da conversa que me comovi e assumi uma atitude solidária com o amigo. Deveria haver uma punição severa para os interruptores. Algo como assistir na primeira fila ao show do Luan Santana ou participar da Dança dos Famosos com a Suzana Vieira ou ser obrigado a torcer para o Ibis.  Interrupção já, aos interruptores.



domingo, 29 de maio de 2016

Marketing dos despossuídos



A grande novidade em termos de marketing de relacionamento pode ser constatada nas principais esquinas da cidade e, por certo, não se originou em cursos de especialização e nem tem um guru de renome a propagandeá-la. A inovação fica por conta da mudança de atitude dos pedintes das sinaleiras ou daqueles que abordam as pessoas nos terminais de ônibus, com cantilenas do tipo ¨eu poderia estar assaltando, matando, mas estou aqui, pedindo uma moeda, uma moedinha que seja... ¨.

Chama a atenção que o apelo é direto, mas com grande carga emocional e aparenta sinceridade, o que torna o atendimento do pedido quase irresistível.  Nas sinaleiras o pessoal tenta também se superar nas abordagens, mas falando menos e comunicando mais por meio dos cartazetes. E quando falam é de forma menos agressiva e sem muita insistência. Afinal, o tempo é exíguo, por isso a estratégia tem que ser eficiente e eficaz para atingir o maior número de motoristas e garantir ganhos de escala. Essa prática depõe contra os manipuladores de malabares e outros praticantes de artes circenses. Quando acabam o número o sinal já está se abrindo e os carros se movimentando, sem deixar o óbolo.

A moda dos cartazes chamativos parece ter sido importada dos EUA, onde os sem teto abusam da criatividade nos seus anúncios em papelão (¨Ajude o viajante do tempo! Preciso de dinheiro para um novo capacitor de fluxo¨, ¨Minha esposa foi sequestrada! Faltam 98 centavos para o resgate¨, são exemplos), ou super sinceros (¨Uma pequena colaboração: para comida, para vinho, para cigarros e para cocaína¨, ¨É sexta-feira e eu só quero uma gelada¨).

Pelo jeito nossos mendigos estão se globalizando, só que são menos intensos, por assim dizer, nas suas mensagens.  ¨Tenho fome, me ajude¨ ou ¨Me ajuda a comprar um lanch qual que ajuda obrigado¨, é por aí e os erros gramaticais são tolerados em nome da solidariedade. Alguns pedintes, entretanto, sofisticam a mensagem como aquele que apela pela contribuição para garantir um futuro melhor ( ¨Sonho em ser bombeiro, mas nunca vou conseguir de estômago vazio¨), ou aquele outro que exibe, diante da negativa dos potenciais colaboradores, uma maquininha de cartão de crédito, conforme relatou Tulio Milman na Zero Hora. O estratagema arranca sorrisos e às vezes reverte a decisão de não doar.


Pra falar a verdade, nem sei se o caso se caracteriza como marketing de relacionamento, mas que funciona, funciona essa estratégia dos despossuídos.