sábado, 24 de fevereiro de 2018

El Netflix


                                          A Casa de Papel
Entre as dezenas de séries disponíveis no Netflix chama atenção o destaque dado às produções espanholas e ao protagonismo das mulheres nessas séries.  Antes de mais nada deixem confessar que fico encantado com o espanhol da Espanha, com aquela fala mais macia, meio língua presa.  Por isso, fico ligado nos diálogos, curto muito a pronuncia e não deixo de observar os pecados cometidos pelos nossos tradutores. 

Mas eu queria mesmo era falar sobre a enxurrada de séries espanholas na plataforma de streaming, a começar pela elogiadíssima A Casa de Papel, um roteiro surpreendente, de tirar o fôlego e atuações que correspondem à repercussão conquistada por essa produção.  O título é referência ao espaço onde se desenrola a trama, a Casa da Moeda  da Espanha, e mais não antecipo dessa que é considerada a melhor série espanhola de todos  os tempos.  Vale, porém, destacar o elenco feminino a começar pela bela Ursula  Corberó, no papel de Tokyo, passando pela jovem Maria Pedraza (a estudante Alisson Parker) e a madurona Itziar Ituño, que interpreta a inspetora Raquel Murilo.

As protagonistas femininas são destaques também em pelo menos três outras séries espanholas, entre elas Tempos de Guerra, que registra – com uma boa reconstituição de época – a verdadeira  aventura de enfermeiras voluntárias da elite de Madri na cidade de Melila, no Marrocos, durante a Guerra dos Rife nos anos 20 do século passado. Conferi metade da primeira temporada e recomendo.  Ambientada no mesmo período, As Telefonistas conta a história de quatro mulheres de diferentes origens contratadas por uma empresa de telefonia, uma nova realidade que abria espaço de trabalho para as mulheres. Assisti ao primeiro episódio e confesso que não me entusiasmei. A história dos espanhóis  é marcada por conflitos e isso está presente na série O Tempo Entre Costuras, que acontece  durante  a Guerra Civil Espanhola, narrando  como a jovem costureira Sira Quiroga (Adriana Ugarte) se torna uma espiã  para ajudar seu país. Os primeiros episódios a que assisti me autorizam a recomendar a série.

Sobre Merli, uma série adolescente (Malhação à espanhola?) tenho poucas referencias, exceto que gira em torno de um professor de filosofia do ensino médio que utiliza  métodos poucos convencionais para inspirar seus alunos. Já O Ministério do Tempo remete inevitavelmente ao seriado O Túnel do Tempo dos anos 1960. Essa releitura reúne um guerreiro do século 16, uma estudante do século 19 e um enfermeiro do século 21,  que se juntam em uma agencia secreta para viajar no tempo e evitar mudanças na história. A série vem precedida de boas recomendações e já me agendei para assistir, assim que conseguir vencer as temporadas de A Casa de Papel e Tempo de  Guerras.

As séries espanholas são uma amostra do investimento pesado da Netflix na distribuição de produções não americanas, como as inglesas – ótimas -  The Crow e Black Mirror, a alemã Dark, a dinamarquesa Rita e até as colombianas  La Nina e Narcos (coprodução com os EUA), além do anuncio de que pelo menos cinco seriados da Índia farão parte do cardápio do sistema. Agora mesmo fico sabendo que a segunda série mais “devorada” em todo o planeta, seja lá  o que isso significa, é  a brasileira 3%, que apresenta um mundo pós-apocalíptico onde apenas 3% das pessoas são bem sucedidas e seguem adiante.  Confesso meu desconhecimento sobre a série nacional, assim como a primeira colocada no ranking da devoração, a American Vandal, sobre a história de um  crime em uma escola da Califórnia.

E já  que estou numa fase confessional, devo revelar que só inventei este texto para poder me exibir escrevendo  “plataforma de estreaming”, mas acabei esquecendo de incluir spoiler que também gostaria de escrever para parecer moderninho.






sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Huck, FHC, Macron


Só os muito tolos ou os que sempre acreditam em movimentos conspiratórios, igualmente tolos,  para imaginar que a Rede Globo estava por trás da já descartada candidatura presidencial de Huck.  Nem é preciso muito exercício mental para concluir que a Globo só tinha a perder com a candidatura de sua estrela dos sábados à tarde.  Se a campanha prosperasse, em caso de uma provável derrota de Huck, a Globo também seria derrotada, abalando sua credibilidade cada vez mais contestada. 

Em caso de uma não impossível  vitória, a Globo perderia duplamente:  perderia um campeão de audiência e de faturamento, mais a esfuziante Angélica, que certamente deixaria a TV para acompanhar o maridão ao Planalto.  Haveria, ainda, um terceiro prejuízo para a Globo, que seria encarada como fiadora do governo de um inexperiente Huck, para o bem e para o mal, mas com a pressão permanente e inerente ao mais alto cargo da nação e por quatro anos!  A lição da era Collor foi aprendida.

Na verdade, quem surgiu como avalista do apresentador global, ou melhor, quem deu corda para a candidatura dele nos últimos dia, foi o ex-presidente FHC.  Qual seria o propósito desse apoio velado, uma vez que os tucanos  têm outros postulantes de plumagem mais alta, como o experiente Alckmin? Sou tentado a me aliar à tese que li numa das colunas políticas do centro do País, cuja autoria me escapa.  Seria o seguinte: FHC, enciumado, quer competir com Lula na indicação de um “poste” com viabilidade eleitoral,  para mostrar que ainda tem tanto prestígio como o petista.

FHC sonharia também em construir um Macron tupiniquim,  sem levar em conta que o jovem presidente francês (40 anos) já militava no Partido Socialista desde 2006, foi secretário-geral da presidência da República e ministro da Economia antes de se candidatar ao cargo, além da vasta experiência como banqueiro e da formação, com mestrado, em Politicas Públicas. Ou seja, encarna o novo, mas não é neófito, enquanto Huck se especializava em reformar carros e casas nos quadros mais populares de seu programa televisivo. A única vantagem do brasileiro sobre o francês é que Angélica é bem mais jovem e bonita  do que a primeira-dama francesa,  Brigitte Marie-Claude Macron, 24 anos mais velha que o marido.

Quanto a sua  participação no processo eleitoral, a Globo vai aguardar o resultado do pleito e os acenos amistosos do vencedor...


quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Sexo, mentiras e Carnaval

* Reeditado a partir do original publicado em 06/11/2009, mas continua atual como nunca

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente 
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

Parafraseando Fernando Pessoa, o infiel é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é real, o fingimento que deveras finge. Com o perdão do poeta, submetemos a apreciação do prezado público nosso enfoque sobre o fingimento - aqui com conotação de mentira -, em sua relação indissociável com o adultério. E adicionamos a oportunidade representada pelo Carnaval.

A premissa básica é que não existe adultério sem mentiras. Entretanto, há uma tênue linha separando o exercício de enganar o próximo por necessidade da mentira por compulsão. Conheço sujeitos que se dedicam a infidelidade só para poder mentir, quando o correto seria mentir para continuar traindo. Uma é arte, a outra é patologia.

Mas o que é a mentira, além de um pecadilho venial? O celebrado Guy Durandin, autor de As Mentiras na Publicidade e na Propaganda, sustenta que a mentira contempla quatro operações: omissão, ampliação, redução e invenção. Todas elas revelam que o autor da mentira busca fragmentos do real, ou seja, no fundo é um bem intencionado.

A invenção! É neste tópico que os infiéis se consagram em busca do estado da arte em termos de explicações para suas práticas extraconjugais. Há um clamor por exemplos. Selecionamos dois.

P., executivo de multinacional, se esbaldou em um baile pré-carnavalesco e acabou a noitada com uma havaiana, mulher do tipo "aprecie sem moderação". Um resultado perverso do encontro é que ficou todo adesivado com purpurina, aquelas estrelinhas que inventaram para atazanar os infiéis do período momesco. De quebra, nosso executivo tinha confetes até na raiz dos cabelos.

O que fazer se no final da tarde iria se encontrar com a família na praia? A purpurina é resistente até ao mais caprichado banho e os confetes entranham nas roupas e se escondem nas dobras mais complicadas. Chega a hora em que serão descobertos, você sabe por quem. Mas o nosso executivo era um homem de sólida formação em planejamento estratégico, com especialização em gestão de riscos, e logo montou um plano emergencial para justificar as purpurinas e os confetes. Antes de seguir para o litoral passou numa loja especializada e comprou dois sacos de purpurina e outros tantos de confetes. Levou ainda três rolinhos de serpentina, máscaras de papelão para as crianças e, num toque de safadeza, um colar de havaiana para a mulher.

Ao chegar à casa da praia, foi recebido com alegria pela família e ficou contagiado, quase comovido, pela recepção tributada a um chefe de família que passara a semana ralando na Capital. E desceu do carro extravasando as emoções que o momento exigia:

- Alegria, alegria! É Carnaval, venham, venham, - convocava aos familiares.

Para reforçar o clima carnavalesco o som do carro reproduzia antigas marchinhas. Tudo fora previsto. E quando a família estava bem próxima ele começou a jogar para o alto as purpurinas e os confetes, todos ficaram impregnados, comungaram daquela espontaneidade e ele não precisou justificar nada. À noite, com as energias que ainda lhe restavam, foi exigido sexualmente pela mulher que, a pedido dele, usava apenas o colar de havaianas...Agiu como um “serial killer” que deixa sua assinatura nas vítimas.

Conheço também casos de quem se deu mal. Lá pelos anos 60 do século passado,  amigo contabilista, profissional competente e chefe de família exemplar, alegou um congresso da categoria no Rio e para lá viajou dias antes do Carnaval.  Voltou  uma semana depois, justo no dia em que a aguardada revista Manchete, edição especial do Carnaval,  chegava às bancas, adivinhem com quem sobraçando uma mulata semivestida -  ou muito despida -  numa foto de pagina inteira? Ele mesmo, com seus óculos de grossas lentes, como se fosse a denunciadora firma reconhecida de que era ele mesmo, e na cabeça um ridículo quepe de marinheiro,  a guisa de fantasia.
Resumo do enredo carnavalesco:  nosso mestre sala dos mares  foi chutado de casa, mas ganhou a admiração da gurizada do bairro graças a escultural mulata  daquela noite transgressora.