terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Vem logo 2015

2014 já vai tarde, buuuu pra ele, 2015 é daqui a pouco  e como sempre faço nesse período antecipo meus pedidos ao novíssimo ano e assumo os compromissos de contrapartida para equilibrar a relação. Ok, confesso, é uma reedição dos anos anteriores, mas vamos lá.

Em tese, mas só em tese por enquanto, não quero paz, mas as provocações que constroem e não as que desqualificam. Quero emoções novas e desafios que eu mesmo me imponha. Quero um pouco de desarmonia, que não é sinônimo de conflito, mas uma forma de mostrar outros matizes e semitons onde pode estar contida a verdade verdadeira.

Sigo reiterando o apelo feito em anos anteriores: encarecidamente,  livrai-me dos chatos; vale repetir, livrai-me dos chatos. E reforço os outros pleitos: mantenha longe de mim também os mordedores em geral, os picaretas de todos os matizes e os pedintes de favores que não estão ao meu alcance. Se possível, afaste os hipocondríacos, com suas doenças e seus remédios para todos os males. Quero distância igualmente dos baixo astrais, dos angustiados, dos obsessivos porque tenho medo de contrair uma deprê. E mais, se não for abuso, suplico: mande para longe os duvidosos de caráter, os falcatruas, os descompromissados e os sugadores de energia. Coloque em fuga, por especial gentileza, os arrogantes, os prepotentes, os invejosos e todos da mesma laia.

Repito igualmente  outros pedidos, porque não dá para postergar. Apelo para o teu anunciado espírito harmonioso para reaproximar-me dos que ofendi e se apartaram, e dai-me o dom da tolerância para aceitar e receber os que se desgarraram. Faça pousar em mim a deusa da paciência e que venham juntas as amazonas altivas da fé e da esperança. Com isso, serei fortaleza que não se dobra, terei coragem para enfrentar as adversidades e energia para novos desafios, mas que sejam bem menores e menos intensos do que os do já decrépito 2014.

No repeteco, salve-me das filas, as dos bancos e dos supermercados, e todas as outras onde corra o risco de ser interpelado por desconhecidos que me tiram para confessionário e interrompem minhas ruminações. Não admita, por compaixão, que a guria bonita me pergunte a idade antes de distribuir a senha, se a maldita fila for inevitável. Guarde uma boa vaga de Idoso pra mim nos supermercados.  Abusando da compaixão, não permita que as bonitinhas me chamem de tio e muito menos de vô, chamado que reservo apenas para a Maria Clara e a Rafaela. Mas não abro mão do carinho das caldáveis, ainda que seja virtual.

E tem mais uma listinha facilzinha e repetida, meu ainda futuroso 2015. Não deixe faltar uma boa carne na minha mesa, saladas variadas, cerveja gelada, um vinho encorpado para as noites de inverno e um espumante para acompanhar o gosto feminino. E se não for pedir muito, que eu reencontre aquele doce de abóbora de comer ajoelhado e o pudim que justifica nossa ida frequente aquele restaurante.  Ah, e aquela berinjela, a carne de panela com batatas e uma caixa de Bis só pra mim. Pode ser de Ferrero Rocher também.  Se não for contraditório, aproxime de mim essas tentações. E que sempre possa dividir a boa mesa com companhias agradáveis, brindando os bons momentos da vida que não são muito e até por isso precisam ser valorizados. Conceda-me, de vez em quando, jogar um pouco de conversa fora, curtir mais a minha gente, vagabundear sem culpa, experimentar o novo e, por que não?, me entregar a alguma extravagância. E dá uma forcinha e inspire os médicos para que receitem menos remédios e exijam menos exames.  

Em contrapartida, Novíssimo Ano, prometo continuar sem fumar , me exercitar com regularidade, voltar a academia, comer menos fritura e beber moderadamente, cometer menos infrações no trânsito, voltar a ler e fuçar menos na internet, ouvir mais e falar menos, terminar meu TCC, lançar um livro, respeitar mais e debochar menos, lembrar o aniversário de casamento e outras datas importantes e não desejar a mulher do próximo, nem a do distante, porque os outros pecados não os cometo. A não ser que um pouco de rabugice seja pecado, dos veniais, mas até isso pretendo corrigir. Nesses termos peço sua compreensão e deferimento, jovem e bem-aventurado Novo Ano.


terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Três histórias da mesa ao lado

A primeira reúne uma dileta amiga, caldável premium, que passava férias com outro querido amigo na casa dele em Balneário Pinhal. Com ela na direção a dupla foi dar um passeio em Tramandaí e na volta ocorreram dois fatos que, aparentemente, não teriam relação entre si. Sucede que o nosso amigo é chegado a uma canabis e decidiu enrolar unzinho na viagem de retorno à próspera Pinhal.  Mas aí os dois se deram conta de que não sabiam como acessar a interpraias rumo ao Sul. Tenta daqui, tenta dali, a moça se tranquilizou ao avistar um brigadiano numa calçada.

- O brigadiano deve saber o caminho, vamos parar e perguntar, alertou a inocente.

Realmente foi um alerta porque o carona deu um berro e quase engoliu o cigarro artesanal.

- Não, brigadiano não!

Ainda levou  um tempo até cair a ficha da motorista que foi obrigada a fazer uma manobra brusca  para evitar o agente da lei que poderia dar o flagra desagradável, sabe-se lá com que consequências diante de um veículo infestado com aquele aroma característico.

- Ao invés de ficar zen acabei ligadíssimo, confessou depois o amigo, que completou o cigarro na tranquilidade de sua morada, depois de todo esforço para encontrar a Interpraias.

Bem que merecia.

Por falar em flagra, outra amiga conta que combinou com seu parceiro da ocasião uma esticada ao motel no final da tarde.  Chegando ao estabelecimento,  recebeu no celular a ligação de um colega de trabalho. Mas o casal já tinha iniciado as preliminares, no carro mesmo e como tinham muito amor pra dar e algo mais,  ela decidiu não atender, colocando o aparelho no silencioso.

Finalizada a ardente sessão, ela deu retorno ao inconveniente, na verdade, uma série de ligações não atendidas da mesma pessoa.

- Qual é o problema, Conrado?  Pra que tantas ligações.? Estava numa reunião importante e não podia atender...

- Pois é, eu precisava te informar que estou no mesmo estabelecimento dessa tua reunião, aliás estou saindo justo agora.

Foi quando ela olhou pra trás e recebeu do carro que também esperava na fila do pagamento um abano discreto do colega de trabalho.

Depois do constrangimento, o causo virou folclore entre os colegas. E "reunião no estabelecimento" virou senha para aquilo.

A terceira historia foi contada pelo Saulo Motta, que já frequentou a mesa ao lado em outros causos. Em idos tempos, o  Saulo  trabalhava no Morro Santa Teresa e dependia da linha 95 da Trevo, aqueles ônibus com pintura de um verde e um amarelo aguados.  Eram fáceis de identificar, menos para o nosso amigo que numa manhã nublada esqueceu os óculos em casa e não conseguia distinguir um Trevo de um Tinga.

Mas o Saulo é um sujeito despachado, fácil de se relacionar e ao perceber que tinha a companhia na parada de uma senhorinha, interpelou a idosa:

- Minha senhora, por gentileza, aquele ônibus que está vindo ali é o 95 da Trevo?

- Não sei , meu filho, eu também sou analfabeta, foi a resposta da doce senhora.

Nada como uma velha piada revisitada, ainda mais pelo Saulo Totta.



domingo, 21 de dezembro de 2014

Homem Rodado ou Homem Passado?

Amigos e amigas de boa índole – sim, eu os tenho – estão indignados com um assunto que vem bombando nas redes sociais: a Mulher Rodada, sinônimo de parceira que já praticou muito e com muitos. Existem até métricas para determinar se a mulher é rodada ou não, o que enfurece o naipe feminino e constrange o masculino.

O tema ganhou tal proporção que chegou à grande mídia, tanto assim que a colunista Mariliz Pereira Jorge, da Folha de São Paulo, decidiu dar o troco e publicou um texto debochado, com vários questionamentos que definiriam a verdadeira Mulher Rodada.( www.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2014/12/1564090-voce-e-uma-mulher-rodada.)

Como sempre, o assunto chegou à mesa ao lado, conforme relatei em A Festa da Firma na Mesa ao Lado, num encontro recente de predominância feminina. No matraquear das moçoilas,  ouvi coisas do arco, mas o episódio acabou tendo seu lado positivo, até por aí. É que um dos meus atentos leitores, que pediu anonimato, enviou-me uma série de questões para contrapor às relacionadas pela colunista da Folha, questões que comporiam o Homem Rodado.  Sem entrar no mérito de tais questões, recomendo às moças e senhoras que fiquem longe do tipo que responder afirmativamente a maioria dos itens. Trata-se de um elemento potencialmente perigoso, para dizer o mínimo

Confere ai as questões desse Homem Rodado, com viés porto-alegrense:

É reconhecido pelos garçons da Tia Carmem ou do Gruta Azul?
Frequentou a Marli e/ ou a Mônica?
E os motéis Vison,  Vip Paradise e da Ilha?
Teve caso com socialite que paquerou no Encouraçado Butikim?
Ainda usa o termo paquera?
Tentou transar no primeiro encontro?
Conseguiu transar no primeiro encontro?
Já transou com uma namorada em Paris ?
Conquistou namorada em Londres, Barcelona, Praga?
E em Buenos Aires? Em Montevidéu? Em Machu Picchu?
Já transou num Fuca?
Numa Brasília?
Numa SUV?
Já transou na praia, na casinha do salva-vidas?
E no parador do Morro Santa Teresa?
Dentro de um cinema?
Na escadaria do edifício dela?
Na cama dos pais dela?
Com a secretária, na hora do almoço?
Garante que adora sushi e keep cooler só pra conquistar uma nova parceira?
Já deu em cima da mulher/namorada do melhor amigo?
Deu em cima e levou pra cama a mulher/namorada do melhor amigo?
Transou com uma ex-miss?
Participou de pelo menos uma ménage?
É PA de algumas amigas?

O sujeito que fez a listagem adicionou um ranking, considerando à grosso modo um ponto para cada resposta positiva. Quem gabaritar é Homem Rodado Premium, como se fosse um pneu careca ou a broca da Petrobrás no pré-sal. Se bem que alguns questionamentos indicam que vai estar mais para passado do que para rodado.


Verificando mais detidamente a listagem quase me deprimi ao constatar o quanto respondi de nãos.  Cheguei a conclusão que sou um Homem Rodado Só Que Não, um autentico representante dos despossuídos de rodagem e quase um Homem Passado.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

A festa da firma na mesa ao lado

Fim de ano é um período infernal para frequentar restaurantes. Nos almoços, nos jantares ou num simples happy é inevitável enfrentar na mesa ao lado alguma confraternização de fim de ano da firma ou a própria festa da firma.  Observador atento que sou, sei distinguir logo a confraternização, um ritual mais ligeiro, da festa da firma, que exige uma produção mais requintada. Tanto assim que na festa as moças se apresentam invariavelmente em seus pretinhos básicos ou nas modernosas roupinhas com estampas tigradas.  Todas de banho tomado, maquiagem  e cabelos caprichados, olhar do tipo “é hoje!” e sobraçando o embrulho com o presente do Amigo Secreto.  Sim, porque confraternização ou festa de firma que se preze tem que ter Amigo Secreto, com cerimônias de entrega plenas de algazarras – um mico para os mais austeros, entre os quais me incluo.  

E segue a fuzarca, em alguns casos interrompida pelo discurso do “Homem”, o chefão que banca a festa e vai agradecer aos “nossos colaboradores pela dedicação e a superação dos desafios”.  A frase é tão previsível como o inconveniente de fim de festa, que tomou uma a mais,  acha que é o gostosão do pedaço e passa a tirotear em todas as colegas.  Como sou rodado já vi de tudo nesses ocasiões.
A propósito de rodado, no último episódio do qual fui testemunha da série  “festa da firma na mesa ao lado” o tema recorrente entre as moçoilas, predominantes no caso,  era um texto publicado na Folha de São Paulo com o sugestivo título “Você é uma mulher rodada?” (www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2014/12/1564090-voce-e-uma-mulher-rodada). Confesso que fiquei enrubescido com o pouco que pude ouvir das quase senhoras, que eu arriscaria dizer de conduta ilibada.
Pelo que entendi trata-se de um questionário, resposta irônica e bem humorada ao machismo, com indagações do tipo “Já fez sexo no primeiro encontro?”, “Já fez sexo no primeiro encontro mais de uma vez?”,  “Não sabe quantos parceiros teve na vida”, “Na verdade, nunca contou”. Essas, eu diria,  eram as questões mais civilizadas. Não resisti,  agucei o ouvido e me arrependi porque as moças, quase senhoras, começaram a pegar pesado nos questionamentos que caracterizam a mulher rodada. Coisas do tipo: “Transou com estrangeiros na Copa?”, “Transou com colegas de trabalho na festa da firma?” “Já fez canguru perneta”, além de uma que me deixou chocado – “Transou com anão” -  e outra muito intrigadíssimo – “Já teve (tem) um PA e recomenda”.
PA? O que indicaria a sigla? Quase abandonei minha posição de ouvidor passivo e fui perguntar  às ocupantes da mesa ao lado, mas recuei eis que sou um tanto desprovido no quesito altura e minha presença poderia ser interpretada como o tal anão da transa, um anão oferecido que, se utilizado, resultaria em pontos extras rumo a mulher rodada.
Ao deixar o restaurante e a algaravia das moças, sai angustiado com o desconhecimento que persiste quanto ao significado de PA.  Não me arrisco a dar qualquer outro significado que não  o verdadeiro e talvez seja condenado a ficar eternamente com essa dúvida, castigo para deixar de ser abelhudo. E aí, veio a surpresa final, quando uma das moças, quase senhora, disparou em alto e bom som:
- Tirando transar com anão, me enquadro em todas as outras questões!


Apressei o passo para me afastar logo do local. Vamos que a moça estivesse interessada em completar a série, convocando um anão...

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O Sarninha

De tanto insistir para entrevistar João Saldanha que visitava Porto Alegre lá pelo início da década de 70 do século passado, o jovem repórter atingiu o seu intento, mas foi brindado com uma rabugice do consagrado jornalista:

- Mas que sarninha!

O “sarninha” era Edegar Schmidt, recém chegado de Cachoeira  do Sul – cidade celeiro de grandes homens de comunicação – que precisava se firmar em Porto Alegre e especialmente numa equipe cheia de cobras que era a Rádio Guaíba de então. Com a determinação com que conseguiu a entrevista de Saldanha, Edegar construiu uma carreira marcante no jornalismo esportivo como repórter, comentarista, âncora de TV e colunista (assinava a coluna Líbero na extinta Folha da Tarde).

A partir de 1974 nossos destinos se cruzaram nos estádios onde setorizávamos e depois na Rádio Guaíba. Logo nos identificamos, seja pela faixa etária, seja pela necessidade de nos impormos profissionalmente. Casamos pela mesma época, ele e a Maristela foram padrinhos do meu casamento, nossos filhos regulam de idade e  fizemos ótimos veraneios juntos e pelo  menos um Carnaval inesquecível no clube Rio Branco de Cachoeira. Mas o Edegar era muito mais irrequieto que eu e na esteira da crise da então Caldas Junior partiu para outras, uma vez que também tinha um espírito empreendedor que a mim faltava. Ele sabia como ganhar dinheiro, mas era bom em gastar também.

Acabamos  nos desgarrando,  mas volta e meia nos encontrávamos em função das atividades profissionais de um e outro. Sentar à mesa para tomar um cafezinho com o Edegar era ouvir os planos futuros que ele tinha em mente, pois jamais deixava de sonhar com a possibilidade de um novo projeto.


Ao confessar a minha inveja por  esse traço visionário do amigo,  também não deixo de registrar que hoje, ao observar a mesmice da reportagem esportiva, é quando mais sinto falta da sarna de um Edegar.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Histórias da mesa ao lado: maconha bíblica

Encontro na mesa ao lado o Saulo Totta, parceiro chegado a grandes e pequenas aventuras e desventuras.  Conversa vai, conversa vem, o Totta emenda uma história de sua passagem por Santa Maria, quando era um irrequieto adolescente em busca de novas emoções. Nosso amigo juntou-se a um bando de iguais, cuja maior transgressão era fumar maconha.  Estamos falando do final da década de 60 do século passado.  A cannabis sativa não tinha a aceitação de hoje, quando é comum sentirmos  nas ruas e nas praças cheiro característico da erva sendo consumida.  E na conservadora Santa Maria de então quem fumava maconha era marginal.

- Chispa daqui maconheirada! lembra Totta de ouvir dos donos de boteco quando a gurizada, cheia de constrangimentos, procurava  o papel especial para enrolar unzinho.

Mas os neo-maconheiros não se entregaram e passaram a raspar o invólucro interno dos maços de cigarro, o chamado “ourinho”, até que ficassem uma camada de papel bem fina, pronta para receber a erva.  Dava uma trabalheira danada, mas não existem barreiras para uma juventude criativa.

Alguns pegas depois, a turma foi brindada com a viagem de uma tia velha de um dos seus mais ativos membros e isso significava um enorme apartamento disponível por um fim de semana inteiro. Apesar do tempo decorrido, Totta evita detalhar o que aconteceu naquele espaço num fim de semana trepidante.  Entretanto, revela que foi  naquela ocasião que recebeu uma “ verdadeira inspiração dos céus”.

Foi assim: curioso como só ele, Totta fez um levantamento minucioso de todas as peças do amplo imóvel, até chegar ao quarto da senhorinha. Era uma peça decorada  sobriamente, de acordo com o perfil da ocupante:  uma cama de solteiro com uma colcha mais vistosa, um guarda roupa de tonalidade escura,  uma cômoda também  escura e a mesinha de cabeceira, suporte do inevitável  abajur  e do relógio despertador, dos antigos com duas campainhas.  E, em destaque sobre a mesinha,  uma Bíblia, a Bíblia Sagrada, volumosa, colorida e de capa dura. “Uma preciosidade”,  pensou Totta, que movido por sua incomensurável curiosidade começou a folhar o livro, detendo-se aqui e ali num versículo,  embebendo-se  das exortações bíblicas.  Foi então que, manuseando aquelas páginas de fino e precioso papel , ocorreu a inspiração dos céus.  “Pessoal, pessoal , olha aqui o que eu achei”, convocou.

É difícil descrever a faceirice do pessoal, explica ele, diante da solução para o recorrente problema de enrolar unzinho.  A partir de então,  o livro sagrado ficou sob a guarda do sobrinho  da dona da casa que, para não dar na vista, destacava página por página começando com o Antigo Testamento e  o suficiente para uma rodada.

- Só eu fumei meio Antigo Testamento e mais um tanto do Evangelho de Mateus e outro pedaço do Atos dos Apóstolos, revela Totta, hoje ex-atleta da erva.

Mas a revelação é feita com indisfarçável nostalgia, enquanto sorve mais uma dose do seu Cabernet.  “Um tinto encorpado... é só o que me resta”, resmunga, esperando nossa  careta solidariedade.



quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Chatices do fim de ano

Está aberta a temporada de chatices de fim de ano. Com isso é cada vez maior o numero de pessoas que se deprimem, ficam melancólicas nesta época  e admitem publicamente que detestam as chamadas festas natalinas.  O número de desgostosos cresce na proporção direta em que o comércio antecipa suas campanhas de Natal, para vender mais e quanto mais cedo melhor.  Os shoppings, esses templos do consumo, se enfeitam como se disputassem um campeonato  de ornamentação natalina.

Particularmente já curti menos o Natal, mas voltei a me entusiasmar por causa das netas Maria Clara e Rafaela.  Natal é a grande festa da criançada que  adora as tais casas do Papai Noel nos shoppings , mesmo que os pequeninos ainda se assustem com o velho gordo, de barbas brancas e vestido de vermelho. Mas, como diz minha faceamiga Monica Goulart,  acabar com a fantasia das crianças é crime inafiançável.

Eu prefiro olhar as assistentes do personagem,  mas não pensem que é um olhar cúpido, nada de más intenções, apenas um gesto fraterno de solidariedade, creiam-me,  às moças que lidam com crianças irrequietas ou assustadas e pais ansiosos.  Pois é  assim que se estabelece o ciclo que vai impulsionar ao consumo: atraindo a criança para o ambiente repleto de ofertas de produtos e serviços é inevitável que os mais velhos sejam levados ao ato da compra.  Os números variam conforme a pesquisa, mas de 50 a 60% dos brasileiros admitem fazer compras por impulso.  E a roda da economia anda.

Frequentar os shoppings nessas circunstâncias não é a pior chatice do período.  Tem coisas que nem o CD natalino da Simone ou o show do RC conseguem bater em termos de malice.  O noticiário esportivo, por exemplo, se esmera em nos torturar com teses sobre o (mau) desempenho dos nossos clubes e as especulações sobre reforços e dispensas.   E quando tem eleição em clube o pessoal se supera no vai e vem das candidaturas, como se fosse uma eleição verdade, a influir nas nossas vidas e nos nossos futuros.  E as retrospectivas repletas de pequenos e grandes dramas; e as previsões para o próximo ano, repletas de obviedades.  E os comerciais piegas;  e a programação de fim de ano das TVs. Ah, e tem a festa da firma e o inevitável  Amigo Secreto,  que por si só já mereceriam uma boa dose de Prozac.

É quando sobrevém aquele sentimento de impotência e incompetência pelo que foi plabejado e não realizado. Sempre fica algo para trás, inconcluso, desafiador, a debochar da nossa capacidade de entrega, como se os 12 meses  passados não fossem mero recorte de um tempo que prossegue, um tempo  em que nem tudo precisa ser renovação, mas sim um espaço para continuidades e retomadas. 


Relaxemos, pois, porque há vida após o Natal . O ciclo recomeça logo adiante, na passagem para mais um ano, uma etapa que como as outras anteriores e as que virão nada mais é do que representação  de uma convenção.   Perdão pelo reducionismo, mas é simples assim. Portanto, não precisa forçar a alegria. 

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A propósito do Black Friday: Farofada na fila

* Está aberta a temporada das grandes liquidações, por isso reedito esse texto de 2009, mas tão atual como nunca.

Brasileiro adora uma fila, até mesmo para praguejar contra ela. Observador da cena que sou, fico pasmo quando se aproxima o Carnaval e constato as imensas filas que se formam, as vésperas do início da venda de ingressos para os desfiles. È uma farofada de cadeiras de praias, cozinhas e camas improvisadas, chimarrão e trago circulando de mão em mão, tudo isso pelo privilégio de serem os primeiros a adquirir os ingressos. Famílias inteiras, inclusive com bebês de colo, participam da maratona tresnoitada, onde não faltam garotas assanhadinhas e rapazes ativos e operantes. Tudo inútil. Sobram ingressos, assim que a fila dos apressadinhos se dissipa.

Esse comportamento que precede os grandes eventos sempre me intrigou. Essa gente não trabalha? Se é ociosa, de onde vem a grana para os desejados ingressos? Será que não existe nada mais interessante e produtivo para passar o tempo do que marcar espaço a espera da bilheteria abrir? E a higiene desse pessoal como é que é feita? Estava ruminando acerca dessas importantes indagações e dos sacrifícios a que se submetem esses vanguardeiros, quando me caiu a ficha: é que as emissoras de TV, cumprindo uma pauta pouco criativa, estão sempre presentes para captar imagens desses grupos. Aí é festa!

Observem as imagens: sempre há alguém dormindo ou se fazendo, mesmo que o sol já esteja a pino, outros repartindo refeições e bebidas das intermináveis garrafas térmicas e uma alegria artificial de quem está recebendo o justo reconhecimento dos 5 segundos de fama a que tem direito. Não foram escolhidos para o BBB, então só resta ser celebridade na fila. Podem conferir, as imagens são sempre as mesmas, como são as mesmas as óbvias perguntas dos repórteres. “Desde quando estão aqui?” Se for antes de show de artista pop não vai faltar cerveja e um rosário de sonoras identificando as cidades de origem

Foge a minha compreensão  aqueles atropelos nas lojas dos EUA e na Inglaterra  no início das liquidações. É um comportamento que depõe contra o gênero humano. O pior é que a moda está pegando aqui no Brasil e dia de abertura de liquidação nas lojas mais populares é precedida de farofadas nas filas, com as mesmas cadeiras de praia, as mesmas garrafas térmicas, eventualmente uma barraca, gente insone, mas cheia de energia para comprar o que nem sempre precisa, mas garantir uma eventual participação televisiva. Empurra daqui, empurra dali e daqui a pouco se sobressai o fortão, carregando nos ombros uma tv de plasma, ou o casal que tenta ajeitar o refrigerador e mais os filhos numa velha Brasília. E é sempre a mesma coisa.

Estou sendo demasiadamente cruel com os hábitos populares? Pode ser, mas se um dia me virem participando de uma farofada dessas, chamem a SAMU e me internem.

*Publicado originalmente em Coletiva.net, em 8/7/2009


terça-feira, 25 de novembro de 2014

Três anos depois

Completei  por esses dias três anos sem fumar.  Na real, tenho dado boas tragadas em sonhos, é incrível como continuo sonhando com o cigarro e como isso me dá prazer e sentimento de culpa até acordar. Todos os ex-fumantes relatam a mesma sensação, o que mostra a verdadeira dimensão do registro do vicio do tabagismo no nosso organismo e nas profundezas da nossa mente.

E porque é vicio é prazeroso. Caso contrário seria tão mais fácil deixar de fumar. Não  é o que acontece, pelo menos na maioria dos casos que conheço.  Já devo ter contado aqui a declaração do médico, autoridade reconhecida no tratamento das dependências,  que me tratou na primeira  vez que parei de fumar.

- Doutor, o senhor já experimentou cocaína?,  perguntei.

- Não,  porque posso gostar e me viciar, foi a resposta.

O bom doutor aproveitou a deixa para repetir o mantra necessário:  “A droga é mais forte que a gente, não dá pra vacilar.”

É verdade, só que eu virei o jogo e depois de quatro ou cinco tentativas frustradas, agora o vitorioso sou eu e acho que desta vez é para sempre.  Foi sofrido no início, depois a gente supera e aí melhora a capacidade pulmonar, baixa o colesterol e vem outros benefícios, mas ganhei um sobrepeso e uma barriguinha que me constrangem.

Ainda hoje encontro pessoas que não acreditam que me livrei dos cigarros, eis que era um fumante comprometido com o vício.  Meia dependência é como meia gravidez: não existe.


Mas também não me transformei num ex-fumante chato, como tantos que conheço, a dar lições de moral e a atazanar os viventes com os males provocados pelo tabagismo .  Tenho o máximo respeito pelo vício alheio e estou convencido que há um certo determinismo nesta questão, ou seja, mais dia, menos dia chega a hora de parar e o cigarro vira só um sonho prazeroso. 

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Histórias da mesa ao lado: A senha

Encontro na mesa ao lado aquele amigo que sempre tem uma história para contar, vivida por ele mesmo ou repassada em segunda mão.  Como de hábito, resolvi indagar:

- E aí, alguma novidade?

- Nem te conto, apressou-se em dizer, como se estivesse esperando a pergunta.

E de imediato passou a contar detalhes da sua última conquista amorosa, iniciada com uma conversa despretensiosa pelo Facebook, inbox, é claro.  Ela se apresentou como publicitária, tinham amigos em comum e aí ele se animou a convidá-la para um happy.  Ela aceitou de imediato, mas no dia e hora marcados ele não pode comparecer. Uma semana depois, ela cobrou a renovação do convite e se agendaram para o dia seguinte. 

Cheio de expectativas ele se dirigiu cedo para o pub perto da casa dela, que mesmo assim, estava atrasada. Segue um relato prenhe de detalhes, um das características dos casos contados pelo nosso amigo:

“De repente surgiu ela, estacionando junto à mesa em que eu  esperava. Tinha me distraído com o vai e vem do trânsito na avenida a frente e foi quase uma surpresa o aparecimento daquela mulher esguia e alta.

 - É tu mesmo? Foi tudo o que e consegui dizer, enquanto oferecia lugar a ela, numa posição mais protegida na mesa, como convém a um cavalheiro. De início, ela não entendeu a pergunta (“Ué, não estavas me esperando?”, indagou). Ocorre que eu não a conhecia, nem por foto, e o que poderia ser uma manifestação de espanto era, na verdade, uma exaltação à presença e à imponência dela.

Ainda impactado pela situação, sugeri que bebêssemos e comêssemos algo, e pra impressioná-la escolhi um  clericot e ela os petiscos.  Foi quando comecei a recuperar a confiança e tomei a iniciativa da conversa, dando conta de quem era e o que esperava do encontro.  Medi bem as palavras, fiz muitas perguntas para manter a iniciativa,  mas ela estava receptiva e o bate papo fluiu, até que chegou a hora de dar o bote e ai  fui mais direto do que devia, um pouco devido a ansiedade e outro tanto porque a bebida fizera efeito:

- Queria que a gente continuasse essa conversa num motel? O que achas?

Ela olhou sério, no fundo dos olhos, fez uma pausa que pareceu uma eternidade e com um sorriso e um aceno de cabeça concordou.  De imediato senti que estava com uma ereção em andamento.”

Sempre detalhista,  nosso amigo contou o  que podia do entrevero  no motel que ela já conhecia de outras incursões.  Não é o caso de reproduzir aqui a pegação.

No final da primeira transa, naquele momento de relaxante aconchego, o  parceiro foi surpreendido com uma exigência dela, cláusula pétrea  para continuarem a relação, que, aliás,  já dura dois anos:

- Preciso saber de duas ou três pessoas a quem possa telefonar caso te aconteça um piripaque aqui no motel.  Sabe como é, a gente  excedeu...

Faltou esclarecer que ele era bem mais velho do que ela e ao dizer que excederam  estava implícito um elogio ao desempenho  dele numa quadra da vida em que a natureza conspira e baixa, por assim dizer,  as vontades  e as expectativas.  Mesmo assim o pedido dela era insólito, constrangedor para dizer o mínimo, e capaz de perturbar a elogiada performance do nosso amigo.  Contrariado com o pragmatismo da moça, ele acabou nomeando  dois parentes e um colega de serviço, garantindo que eram gente da maior confiança, que saberiam como agir e preservariam a reputação dela e a memória dele.

- Outra coisa, caso aconteça o pior, avisa ao pessoal que quando eu ligar a senha será  ‘o Sol apagou’, não esquece, ‘o Sol apagou’...

Mais do que uma senha, a menção ao  astro rei foi recebida como uma homenagem, mesmo em se tratando de uma situação limite, e  deixou nosso amigo  reconfortado, cheio de vaidade e ai mesmo é que excedeu, atuando com brilho cada vez maior, como se sua energia fosse inesgotável. 


terça-feira, 18 de novembro de 2014

ViaDutra, o livro

Venci a preguiça deste meu período sabático e comecei a fazer a pré-seleção dos textos do ViaDutra que poderão compor o livro Crônicas da Mesa ao Lado.  Nem sei se o título será esse, mera sugestão inicial de autor em potencial. A sugestão é inspirada num dos capítulos da edição, justamente aquele em que serão relatadas as histórias, nem todas inteiramente verídicas, ouvidas na mesa ao lado ou reproduzidas por quem frequentou tal espaço.  Os nomes dos envolvidos nos casos  mais escabrosos serão preservados.

A proposta da edição prevê dois outros capítulos, Crônicas da Vida Real e Crônicas da Nostalgia, o primeiro com textos que retratam muito do cotidiano e o segundo com histórias – as que podem ser contadas - da vida pregressa do autor.  Pra encerrar, uma coletânea de frases ouvidas na mesa ao lado, ou verdade peremptórias ou ainda duvidas cruéis que nos atormentam e cuja fonte é o descompromissado Facebook. Vou roubartilhar algumas tiradas de amigos mais talentosos e prometo dar o crédito.

Por enquanto, o que temos é só um projeto e o compromisso do editor, indicado pelo Lucas Barroso, assessor de comunicação da EPTC que tem se revelado um escritor talentoso.  O editor gostou da proposta e estamos apalavrados para sair a publicação em 2015. Já fiz contatos com um festejado escritor gaúcho para o prefácio, um jovem cronista fará a revisão dos textos  e a capa será de autoria de outro mestre na sua arte. 


Cá entre nós, não sei se vai dar certo. Tenho sérias duvidas sobre a qualidade dos textos, que me divertem muito enquanto postados no ViaDutra, mas daí a virar livro, sei não...É nessa hora que penso em Mário Quintana que recusou uma homenagem de sua Alegrete natal, um estátua em bronze na praça principal da cidade, com uma frase que virou lapidar, com o perdão do trocadilho: "Um erro em bronze é um erro eterno".  É isso, com  benção do poeta:  vários equívocos em forma de livro são quase erros eternos. Se nada der certo, já tenho a justificativa pronta: a culpa é dos que me botaram pilha para publicar o livro e não foram poucos.

sábado, 15 de novembro de 2014

Acorda, PT

Cada vez entendo menos o atual cenário  político brasileiro.  Quem ganhou a eleição se comporta como quem perdeu e os vencidos  se movimentam como se vitoriosos fossem. Ministros demissionários saem atirando, com criticas contundentes ao governo, sem falar que as últimas medidas econômicas deram a munição que oposição precisava (a crônica do Ricardo Noblat  sobre o assunto é admirável: confira em http://noblat.oglobo.globo.com/meus-textos/noticia/2014/11/do-outro-lado-do-espelho-ou-o-comeco-do-governo-aecio.html).  Nunca antes na história desse país se viu um governo eleito tão frágil e uma oposição derrotada tão fortalecida,  que marca com força seu posicionamento e conquista mais e mais a opinião pública.
A  situação mobiliza as centrais sindicais e os chamados movimentos sociais – a maioria deles subsidiados por verbas governamentais – para fazer frente a mobilização da oposição. É a oposição à oposição, como bem flagrou El Pais em “Não é perigosa uma oposição contra a oposição?” (confira em http://brasil.elpais.com/brasil/2014/11/14/opinion/1415983363_564415.html).  É  o clamor “Direita Golpista”  x “Fora Dilma, Fora PT”.  Sim, é o terceiro turno da eleição e a oposição esta vencendo, pelo menos na minha opinião, com o desconto que tenho lado bem definido.
Os dillmistas ainda não entenderam que a  tentativa petista de tentar equilibrar o jogo da mobilização acaba inflando ainda mais o outro lado. É combustível para a reação popular que cresce especialmente nos grandes centros.  E aí estoura o escândalo bilionário da Petrobras e ao invés da condenação veemente aos malfeitos, o que vemos é a desqualificação dos magistrados envolvidos na operação e ameaça de intervenção na Policia Federal. Pior: tem liderança petista clamando para que as forças de segurança intervenham nas manifestações contrárias ao governo, como se não bastassem os movimentos para garrotear a mídia.  Pior ainda quando fazem a defesa veemente das práticas cubanas ou venezuelanas – e agora também as bolivianas – como forma de se validarem, quando deveriam aprofundar as soluções para os grandes e variados passivos do Brasil. Mas os companheiros cultuam e se espelham nesses bufões latino-americanos.
Preferem também aquele olhar ao passado  na forma de contra ataque lembrando os casos de corrupção nos governos tucanos, como se uma coisa justificasse a outra;  e, ainda, uma tentativa de estabelecer uma  competição entre quem roubou mais ou menos, como se defender corruptos não é o mesmo que se igualar a eles. 
O PT parece tonteado depois da difícil reeleição. Parece ter gasto toda a sua energia e inteligência na campanha eleitoral.  Está sem estratégia no governo, perdeu o discurso, ampliou o espectro de inimigos, está perdendo o protagonismo e fazendo tudo ao contrário de como sempre agiu quando se fez vitorioso. Age como naquele post, de gosto duvidoso é bem verdade, mas  que adverte: “Todo o petista fanático é igual a corno apaixonado.  Você fala, mostra prova, mostra fotos(...) desenha, mas não adianta! E no fim ele continua cego de amor e você sai como errado e destruidor de lar.”
Nesse contexto, até vou prestar um serviço aos companheiros da estrela: ao invés de “Fora PT”, vou gritar  um sincero "Acorda, PT”.  Ainda dá tempo.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Pérola das Colônias e outras pérolas

Quer saber quão antiga uma pessoa é:  é só observar como ela se refere aos jovens.  Se usar Mocidade, bingo,  é dos antigos! Até Juventude está saindo de moda, substituído por  Geração isso e aquilo, mas isso e aquilo já é outra história.

Pois, estava ruminando essa relevante questão e me dei conta de que de alguma forma modernizamos a linguagem, tornando-a menos barroca e também menos charmosa.  Os meios de comunicação, especialmente o rádio e os jornais, é que difundiam termos e expressões que tiverem seu valor a um tempo, mas que já não colam mais (ainda se usa “cola” neste sentido?).

Era comum os clubes de futebol serem conhecidos a partir das suas cores. Rubro negro (Flamengo) e alvirubro (Inter) até passam, mas o que dizer do Grêmio Bagé, com suas camisetas à Penharol em preto e amarelo, também anunciado como  “jalde negro da Fronteira”.  Pior era reservado ao Pelotas,  em  amarelo e azul,  mas chamado de “auri cerúleo” , ou traduzindo, da cor do sol nascente e  azul da cor do céu.  Os cronistas esportivos usavam e abusavam desses apêndices aos nomes dos clubes e nem faz tanto tempo assim.  Á época  o jogador negro era chamado de “colored”, importado do inglês (o pessoal devia se achar erudito)  e o ágil ponteiro de “expedito”.

As cidades também tinham cognomes, igualmente por influencia do rádio, creio eu.  Porto Alegre, por exemplo, era a “Cidade Sorriso”, certamente por causa do alegre no nome. Caxias se orgulhava do ser a  “Pérola das Colônias” que remetia as suas origens italianas,  Pelotas era a ‘Princesa do Sul”, resquícios prováveis de sua fase mais sofisticada no tempo das charqueadas , Rio Grande, a “Noiva do Mar”  e Bagé , a “Rainha da Fronteira”.  São Gabriel era a “Terra dos Marechais”, homenagem a seu filho mais ilustre, o marechal Mascarenhas de Morais, que comandou a FEB na Segunda Guerra.  E Santa Maria ficou bem na parada como “Cidade Universitária”,  graças a UFSM.

Outras cidades se identificavam pela sua produção mais relevante, como Novo Hamburgo, a “Courocap”, Cachoeira, a “Capital do Arroz”, ou Santa Cruz, a “Capital do Fumo”, designação inimaginável nestes tempos politicamente corretos.  Particularmente sempre gostei de Vacaria como a “Porteira do Rio Grande” por sua localização no noroeste do estado. Mas nada supera Turuçu, pequena cidade cortada pela BR 116 na região Sul, que se apresenta com a “Capital Nacional da Pimenta Vermelha”.  Isso deve atrair turistas pra caramba.


Ironias à parte, acho que estou com nostalgia da mocidade.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Erotismo cósmico e abordagem tântrica

Meu bom  amigo Ira (pronuncia-se Áira)  é chegado a uma travessura com gostosuras e, mais do que isso, adora um frase de efeito, ligeiramente épica, para justificar seu modo de vida;

- Pra mim, todo o dia é Halloween, com travessuras gostosas  e gostosuras travessas, dispara o pândego.

O jogo de palavras é de qualidade duvidosa e o  linguajar é um tanto enviesado, mas quem conhece a história pregressa desse nosso amigo sabe que as frases encerram grande dose de sabedoria e uma carga de experiências vividas de dar inveja a muito jovem metido a conquistador, ele que já é um senhor de meia idade e um pouco mais.

Outro dia ele saiu-se com uma que morri de inveja por não ter sido eu o criador.  Pressionado para que revelasse os detalhes de suas travessuras apelou para a falsa modéstia:

- Sou poeira cósmica no universo da safadeza.

Fiquei tão embasbacado com a tirada que saí a repetir mentalmente, esperando um dia poder usar a frase para impressionar alguém:  “Sou poeira cósmica no universo da safadeza, sou poeira cósmica no universo da safadeza, sou...”

Bem sei que não alcançarei o mesmo efeito, até porque o atilado Ira sempre tem um complemento e o faz com pompa e circunstância, de modo a arrasar a periferia.

- Senhores e senhoras, chamamos a isso de erotismo cósmico. Sabemos que é importante, mas temos dificuldade para dimensionar sua extensão e o quanto pode nos proporcionar de retribuição prazerosa, filosofa ele.

Ira se supera a cada dia, como no recado que mandou a uma amada, poético e erudito:

- Beijar é Química pura, minha Deusa.  É mistura homogênea de sais.  Eriça, tira um corpo da inércia. Aí já é Física, Deusa minha.

Me dá vontade de pedir bis, mas me contenho, porque em seguida ele começou a explanar sobre um novo tema, que prendeu a atenção de todos nós,  seus  invejosos fãs:

- A primeira vez que usei a abordagem tântrica...

Neste ponto só posso lhes dizer o seguinte:  reina grande expectativa.  O homem é fera, bom de verbo e atitude! Voltaremos.


segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Histórias da mesa ao lado: três em um

Encontro na Feira do Livro minha boa amiga Lem, elegantérrima como sempre,  e antes que consiga cumprimenta-la e tomarmos um cappuccino na mesa ao lado, ela dispara:

- Tenho boas histórias para te contar.

Além de frequentadora assídua do ViaDutra, Lem é uma fonte confiável de  boas histórias. Segundo ela, são causos acontecidos com amigas, mas suspeito que a própria tem sido personagem principal algumas vezes, mas enfim, vale o relato assim mesmo.  Como o ocorrido com a bela loira que a acompanhava numa incursão noturna e que se queixou do garçom, estabelecendo-se um diálogo surreal.

- Era só o que me faltava:  o garçom não para de piscar pra mim.
- Amiga, ele não está piscando pra ti. É cacoete dele.
- Bah, que fase, nem garçom mais me dá bola!

Outra amiga se encantou com o rapaz bem apessoado no pub e,  feito os contatos imediatos, passaram a trocar informações.  Ela, interessadíssima no moço, se apresentou com funcionária pública e ele já estabeleceu afinidades, informando que também era servidor público, de uma estatal de energia.  Em seguida, sugeriu que era de "alto escalão na estrutura da empresa” e que as responsabilidades que pesavam sobre seus ombros másculos não eram pouca coisa.  Como se fosse ensaiado, o celular logo tocou e ele se desculpou;

- Desculpe, mas preciso ir. A  firma precisa de mim com urgência.

E se despediu, mas ficou na frente do estabelecimento, atendendo ao telefone e gesticulando muito.  Sucede que as moças já haviam pagado a conta e, sem que ele percebesse, puderam observar na rua quando o rapaz entrou na camionete adesivada  da empresa e saiu em disparada.  Sobre o veiculo,  uma visão do que significava ser de alto escalão:  uma enorme escada,  daquelas indispensáveis aos consertos bem acima do chão.

- Bem que achei ele muito elétrico, conformou-se a amiga, que naquela noite ficou sem energia para outras abordagens.

Por fim, tem a história daquela outra amiga, bem ajeitadinha nos seus trinta e tantos anos, que se encantou com um vizinho bem mais jovem.  O encantamento se acentuou cada vez que o garoto chegava em casa, sempre transportado por um carrão diferente. Não demorou muito acabaram “ficando” e foi quando a moça descobriu que se tratava de um promissor atleta das divisões de base de um dos grandes clubes de futebol da Capital, mas  com um salário desproporcional aos seus, digamos, atributos, se bem que com  muitos companheiros generosos em suas caronas em carros e SUVs vistosos.  Detalhes, detalhes, segundo ela:


- Qual é o problema? Descobrimos que temos pelo menos uma afinidade:  somos do mesmo time!

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Terceiro turno

Estava enganado quem apostou que o segundo turno das eleições colocaria um fim à guerra de posições que dividiu o país neste histórico 2014. A guerra se transformou em guerrilha que seria divertida, não fosse dramática na medida em que o resultado das urnas esta consumado e ninguém mais vai convencer ninguém de que seu posicionamento é o que vale, como de resto não convenceu no primeiro nem no segundo turno, pelo menos nas redes sociais. 

Agora é o terceiro turno em curso. De um lado os aecistas contestando os resultados no TSE e fustigando a candidatura oficial com ameaça de impeachment e oposição feroz no legislativo. De outro os dilmistas defendendo a legitimidade da vitória e buscando argumentos para sustentar um governo que vai recomeçar frágil, tanto assim que o mentor de Dilma, o ex-presidente Lula, vem a público dizer que vai participar mais da próxima administração.  Trata-se claramente de uma maneira de reforçar politicamente o novo período, ainda mais que já tem aliado fazendo mais oposição do que os tucanos.

Só com uma boa dose de humor para aguentar o que vem por aí.  Procuro fazer um esforço danado nesse sentido nos meus embates facebuquianos contra os petistas.  Mas eles não ajudam no processo.  Tenho enfrentado cada chato que vou te contar. É só postar algo mais provocativo e eles atacam de bando, furiosos alguns, peremptórios outros, cheios de cifras, fatos e versões  para embasar suas opiniões e contra-ataques.  Chego a suspeitar que exista uma central petista, permanentemente on line, só pra subsidiar essa gente.

Às vezes participo dos debates de forma mais aguda, dando uma canelada aqui e ali,  porque todos tem telhas de vidro em seus telhados, mas prefiro responder com bom humor e alguma ironia, deboche até.  É o que recomendo aos que cerram fileiras – nada a ver com a volta dos milicos – no nosso campo democrático , para usar uma expressão tão a gosto do outro campo.  Fiquem atentos especialmente aqueles que afirmam não ter filiação, nem militância, mas estão sempre alinhados com um só lado, constrangidos, os cínicos.  Guerreiro da democracia que se preze tem lado e sai do armário na política.


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Se Curasal fosse um país

O texto abaixo não é inédito: foi publicado em janeiro de 2013, mas ficou mais atual do que nunca diante dos resultados eleitorais que acentuaram a divisão do Pais entre "nortistas" e "sulistas", além de potencializarem os movimentos que advogam o separatismo desses dois brasis. Curasal, se fosse um pais, certamente pediria para se separar do Brasil e formar uma federação com o Rio Grande do Sul. Mas antes seria necessário constituir esse novo estado soberano. Assim:

Um plebiscito vai propor a independência de Curasal do Brasil.  A ideia é inspirada na Revolução Farroupilha, uma vez que a futura capital, a próspera Âncora, nasceu com o nome de Bento Gonçalves e as seis ruas da localidade ganharam nomes de vultos históricos dos farrapos, como Anita Garibaldi, Antonio Neto, Davi Canabarro. 

O novo país será dividido em dois territórios bem definidos: Curasal do Sul e Curasal do Norte, separados pela principal rodovia da região, a Interpraias, que certamente receberá um novo nome. Outros territórios de menor importância serão  Marambaia, Bom Jesus e Curumim na fronteira com Arroio Teixeira, e Figueirinha e Raiante na fronteira com Arroio do Sal.  As duas fronteiras serão fortemente vigiadas porque Curasal já nasce com pretensões expansionistas e tem ocorrido atos de beligerância nos limites com os dois vizinhos. 

Movimentos radicais se preparam para propor ações bélicas visando a anexação de Arroio do Sal e depois Rondinha e Torres, isso litoral acima, e Arroio Teixeira, Capão Novo, Praia do Barco e toda a Capão da Canoa, litoral abaixo, preservando apenas Xangri-lá porque isso não é nome que se dê a uma localidade.  O critério para anexação será o étnico:  praias com pessoal predominantemente da região serrana correm riscos.  Existe até quem advogue que o novo país se chame Gringolândia.

O problema para o enfrentamento com os vizinhos é que as forças armadas de Curasal se resumem a meia dúzia de salva-vidas que serão nacionalizados, tornando-se cidadãos curasalenses. A verdade é que os futuros adversários estão mais bem equipados e provavelmente o governo de Curasal será obrigado a recorrer a mercenários, a exemplo do que fizeram os farroupilhas com Giuseppe Garibaldi.

A Constituição do novo país validará um regime inédito, que será conhecido como Rodízio Democrático, pronunciado com carregado sotaque de gringo. Funciona assim: de seis em seis meses um dos comerciantes da região assume o executivo, enquanto os outros compõem a Câmara de Representantes, que seria uma espécie de legislativo. É a forma engenhosa de valorizar o empreendedorismo e evitar que se eternizem nos cargos. Só não está definido como esse pessoal será eleito, mas aí já é detalhe.

 A Carta Magna, para reforçar o patriotismo da população, vai exigir que todos os órgãos públicos e grandes empresas agreguem o nome do país.  Assim, teremos a Air Curasal (um teco-teco e dois paragliders),  a CurasalNet (distribuidora de sinal de TV), a Olá Curasal (operadora de telefonia celular), a TeleCurasal (principal rede de TV), a RMC (Rede de Metrôs de Curasal), a Loide  Curasal (marinha mercante à serviço dos pescadores) e por aí vai.

Difícil dizer se daria certo, mas que seria divertido, ah,seria!


sábado, 25 de outubro de 2014

15 verdades inconvenientes desta eleição

            1)      Os grandes derrotados foram os institutos de pesquisa
2)      Dilma foi mal em todos  os debates
3)      Agressividade de Aécio  nos debates foi gol contra
4)      Debate civilizado é uma chatice
5)      O eleitor foi muito volúvel
6)      Veja e Carta Capital prestaram um desserviço à democracia
7)      O que teve de jornalista de redação engajado!
8)      Maluf, Collor, Renan e Sarney não pesaram contra Dilma
9)      Ronalducho, Neymar e Romário não pesaram a favor de Aécio
10)  O PT deve trocar de nome e se chamar PD,  Partido da Desconstituição ou Partido Desconstituído
11)  Minas Gerais e Cuba foram mais importantes que o Brasil.
12)  Arrogância tira votos, viu Tarso?!
13)  Quanta mentira nesta afirmação:" O que importa são as propostas"
14)  O próximo presidente vai governar um país mais dividido ainda
15)   O Facebook não será o mesmo depois desta eleição

Há outras constatações, mas como escrevo antes da abertura das urnas, o risco é que as verdades virem teses ou desejos, Então, fiquemos por aqui.