domingo, 29 de maio de 2016

Marketing dos despossuídos



A grande novidade em termos de marketing de relacionamento pode ser constatada nas principais esquinas da cidade e, por certo, não se originou em cursos de especialização e nem tem um guru de renome a propagandeá-la. A inovação fica por conta da mudança de atitude dos pedintes das sinaleiras ou daqueles que abordam as pessoas nos terminais de ônibus, com cantilenas do tipo ¨eu poderia estar assaltando, matando, mas estou aqui, pedindo uma moeda, uma moedinha que seja... ¨.

Chama a atenção que o apelo é direto, mas com grande carga emocional e aparenta sinceridade, o que torna o atendimento do pedido quase irresistível.  Nas sinaleiras o pessoal tenta também se superar nas abordagens, mas falando menos e comunicando mais por meio dos cartazetes. E quando falam é de forma menos agressiva e sem muita insistência. Afinal, o tempo é exíguo, por isso a estratégia tem que ser eficiente e eficaz para atingir o maior número de motoristas e garantir ganhos de escala. Essa prática depõe contra os manipuladores de malabares e outros praticantes de artes circenses. Quando acabam o número o sinal já está se abrindo e os carros se movimentando, sem deixar o óbolo.

A moda dos cartazes chamativos parece ter sido importada dos EUA, onde os sem teto abusam da criatividade nos seus anúncios em papelão (¨Ajude o viajante do tempo! Preciso de dinheiro para um novo capacitor de fluxo¨, ¨Minha esposa foi sequestrada! Faltam 98 centavos para o resgate¨, são exemplos), ou super sinceros (¨Uma pequena colaboração: para comida, para vinho, para cigarros e para cocaína¨, ¨É sexta-feira e eu só quero uma gelada¨).

Pelo jeito nossos mendigos estão se globalizando, só que são menos intensos, por assim dizer, nas suas mensagens.  ¨Tenho fome, me ajude¨ ou ¨Me ajuda a comprar um lanch qual que ajuda obrigado¨, é por aí e os erros gramaticais são tolerados em nome da solidariedade. Alguns pedintes, entretanto, sofisticam a mensagem como aquele que apela pela contribuição para garantir um futuro melhor ( ¨Sonho em ser bombeiro, mas nunca vou conseguir de estômago vazio¨), ou aquele outro que exibe, diante da negativa dos potenciais colaboradores, uma maquininha de cartão de crédito, conforme relatou Tulio Milman na Zero Hora. O estratagema arranca sorrisos e às vezes reverte a decisão de não doar.


Pra falar a verdade, nem sei se o caso se caracteriza como marketing de relacionamento, mas que funciona, funciona essa estratégia dos despossuídos.






sábado, 21 de maio de 2016

Sobre pontualidade e fuga

Sou um obsessivo por horário.  Chego sempre com antecedência nos eventos, mesmo os familiares, razão pela qual sou criticado pelos de casa que deveriam, contrariamente, louvar minha pontualidade e considerá-la uma qualidade superior. Já ocorreu de chegarmos à casa de um familiar para um festivo almoço dominical e estarem todos dormindo ainda. Era quase meio dia, portanto não estávamos, eu e meus detratores caseiros, muito fora do horário estabelecido para o convescote.

Até tolero uma pequena margem no descumprimento dos horários, mas abomino aqueles que fazem do atraso uma atitude corriqueira, especialmente em solenidades oficiais. Consta que o ex-presidente Lula costumava atrasar-se, às vezes por mais de duas horas para os atos no Planalto. Alguns políticos acreditam que o atraso lhes confere uma importância que carecem ter em seus mandatos. Não é o caso de Lula, me apresso a afirmar, mas tanto o chá de banco que ele eventualmente provocava,  como os de outros agentes públicos menos votados, são reprováveis desrespeitos com os que são obrigados a esperar.

Já convivi com políticos que agem assim e com outros que, como eu, se pautam pelo cumprimento dos horários e cito como exemplo o prefeito José Fortunati que já flagrei chegando mais cedo do que eu em determinadas agendas.

No meu caso, essa obsessão pelo rigor com os horários certamente é herança dos tempos em que atuei em rádio e TV.  Foi naquele período que aprendi uma regra básica: programa que não está pronto no horário corre o risco de não ir ao ar. Outra regra é que o programa deve terminar no horário previsto. Quem trabalha com programação televisiva em rede sabe como funciona o esquema e ái daquele que não entrega para a rede no horário.

Pois a obsessão que desenvolvi a partir da vivência na mídia eletrônica me leva a cometer certos excessos, como chegar com muita antecedência a determinados eventos, devido mais a uma desatenção atávica a depor contra minha formação de repórter que um dia fui e que exigia checagem das informações. Já me mandei para a estrada para participar de um seminário em que deveria palestrar e encontrei fechado o local em cidade relativamente distante de Porto Alegre. O evento estava marcado para o mesmo sábado...na semana seguinte.  Recentemente cheguei 15 minutos atrasado para o lançamento de um livro que ocorreria uma semana depois.  Teria outros exemplos, mas fico por aqui, porque quando cai a ficha do equívoco a sensação é de que a goiabice está tomando conta.


Chegar cedo aos locais me permite, por outro lado, praticar com nível de excelência a manobra de fugar dos eventos chatos ou alongados, tática conhecida como saída à francesa. Funciona assim: circulo com desenvoltura pelos espaços, cumprimento a todos os que devem ser cumprimentados e um pouco mais, aceno aqui e ali e, concluído esse ritual, fico postado próximo à saída. Quando começa a discurseira é a senha para ¨ir à casinha¨ e escapar da chatice. Para quem pretende aderir a essa estratégia, recomendo sair do local simulando atender uma ligação urgente no celular, caso seja flagrado  por algum retardatário.  Garanto que não falha nunca, mesmo para o sujeito desatento como eu. 

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Histórias Curtas do ViaDutra: O impeachment

A ordem foi imperativa e veio da mesa ao lado:

- Ela tem que perder a condição de Homem Honorário.

A determinação partiu da recém promovida Marivalda, depois de um período como Homem Honorário trainee, indignada agora com o comportamento recente de uma veterana titular dessa nobre casta.

As Homens Honorários são um grupo muito especial de mulheres.  Nada a ver com masculinidade ou feminilidade, trata-se tão somente de mulheres que frequentam grupos majoritariamente masculinos e participam com naturalidade de conversas escabrosas, eroticamente falando, e ouvem o que devem e o que não devem. As Homens Honorários são encontráveis especialmente nos ambientes profissionais, onde os naipes femininos e masculinos convivem diariamente, às vezes mais horas do que em suas casas. 

Pois a Marivalda fez valer a sua fidelidade à causa para esbravejar contra a outra, uma moça identificada como ¨aquela muito expansiva¨, que não estaria honrando sua condição de Homem Honorário.

- Onde já seu viu dar um conselho desses à Interposta Pessoa? Pra mim isso é delação premiada e motivo suficiente para um impeachment.

A indignação teria seus motivos: a denunciada encontrara Interposta Pessoa, denominação da parceira não declarada mas bem conhecida de um contumaz pulador de cerca, e aconselhou-a tomar cuidado com o novo emprego do sujeito, pois ele estaria cercado de muitas tentações femininas. A maldosa advertência provocou uma crise no casal semioficial, já que Interposta Pessoa é dada a ciuminhos, embora o parceiro jurasse fidelidade eterna, aliás, de maneira enviesada: ¨Tu sabes que eu sou muito fiel na infidelidade...¨

- Isso é atitude de Lambisgóia, não de Homem Honorário. Fomos eleitas para honrar nossa missão, protegendo nossos confrades masculinos -, sentenciou Marivalda, como se estivesse proferindo voto no Supremo ou junto ao Baixo .Clero da Câmara Federal.

O processo só não teve seguimento porque Maribel, outra Homem Honorário, esta mais sensata, pediu vistas para acamar os ânimos.

Ao ouvir este relato, fiz apenas uma recomendação: não convidem para a mesma mesa a Marivalda, a moça expansiva e Interposta Pessoa. Aí vai ter golpe mesmo!