* Publicado nesta data em coletiva.net
Houve um tempo em
que as redes sociais estavam infestadas de textos atribuídos a autores consagrados
que jamais escreveram o tal texto. As vítimas mais frequentes para os fakes
text eram Luís Fernando Veríssimo, Arnaldo Jabor, Caio Fernando Abreu e Clarice
Lispector. Tinha até gente talentosa
envolvida nesse processo, porque algumas
produções poderiam mesmo passar pelo estilo
dos imitados
Mais intrigante
ainda são os casos de textos atribuídos a vários autores. Dois deles considero
clássicos, um dos quais diz respeito a esta ideia:
“Um dia, vieram e
levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei.(...) No
quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar”.
A autoria desse
texto contra o nazismo, na forma completa, é atribuída preferencialmente ao
dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956), mas também ao poeta russo
Vladimir Maiakóvski (1893-1930), ou ao brasileiro Eduardo Alves da Costa, que
publicou em 1968 o poema “No caminho, com Maikóvski”, do qual esta segunda
estrofe originou parte da confusão:
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Mais tarde, a autoria foi atribuída
também ao nobel colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014) e ao psicanalista
austríaco Wilhelm Reich (1897-1957). Note-se que já são cinco não-autores.
Na
verdade, o autor do libelo original contra a omissão é o teólogo
protestante alemão Martin Niemöller (1892-1984), que chegou a flertar com o
nazismo nos primeiros tempos, mas ao descobrir quem era Adolf Hitler e o que
ambicionava, tornou-se o inimigo público número um do Führer, passando sete
anos preso em campos-de-concentração. Existem diferentes versões da citação,
porque Niemoller usou-a de formas variadas e de improviso, em diferentes
ocasiões para diferentes públicos, mas a primeira versão é aceita como sendo
esta:
Quando os nazistas
vieram buscar os comunistas, eu fiquei
em silêncio; eu não era comunista.
Quando prenderam
os sociais-democratas, eu fiquei em silêncio; eu não era um social-democrata.
Quando eles vieram
buscar os sindicalistas, eu não disse nada; eu não era um sindicalista.
Quando eles
buscaram os judeus, eu fiquei em silêncio; eu não era um judeu.
Quando eles vieram
me buscar, já não havia ninguém que pudesse protestar.
O outro texto clássico de multiautoria
é esta preciosidade: “Sonho que se sonha
só é apenas sonho; sonho que se sonha junto é o começo da realidade”. A busca pela autoria passa
por dom Helder Câmara, pelo
beatle Johm Lennom,( “A dream you dream alone is only a dream. A dream
you dream together is reality".), com uma versão da mesma frase como sendo
da mulher dele, Yoko Ono, e chega ao
Maluco Beleza, Raul Seixas, por causa da
música Preludio, cujo único verso é
este:
Sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto é realidade
A sentença é um apelo para o compartilhamento,
uma mensagem atual como nunca, que, na verdade, está presente originalmente na
obra do espanhol Miguel de Cervantes
(1547-1616), a clássica “Dom Quixote de La Mancha”, considerada a melhor do
gênero ficção de todos os tempos.
Polêmicas à parte,
volto ao tema do plágio às avessas, para dizer que não consigo entender
por que alguém, em determinados casos, abre mão de um bom texto, de uma tese defensável, de uma crítica legítima,
para repassar a autoria a outrem. Deve
ser um autor com baixa autoestima, tanto
assim que nem ele mesmo acredita no que escreve. E, claro, tem aqueles que
precisam validar suas ideias e procuram quem tem credibilidade e reconhecimento
público para isso e, ainda e pior, os
mal-intencionados que querem
transferir para os outros alguma proposta indigna para
assim fazê-la transitar. Estes últimos, talvez, até sejam a maioria.
Não tenho baixa
estima, não me inscrevo entre os maldosos, nem entre os que buscam respaldo na credibilidade
alheia. Ao contrário, gostaria, numa boa,
de ser imitado, parodiado, falsificado. Seria a consagração, a glória, como autor. Só
dos maiorais é usurpado o prestígio. Pior é a indiferença dos fakers. Prometo que não vou recorrer ao Alexandre de
Moraes, faria apenas uma denúncia tímida
para faturar algum notoriedade em cima do episódio, mas depois calaria,
esperando mais e mais créditos literários indevidos. Talvez até assumisse a autoria de alguns. Venham, então, mas caprichem.