segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Me incluam fora dessas

* Publicada nesta data em Coletiva.net

Sabe aquele evento com mídia bombando, cheio de atrações de peso e que as pessoas fazem fila para entrar e tem até quem vare a noite para ficar entre os primeirões? Me incluam fora deles. São verdadeiras indiadas – com o perdão dos povos originários  – para um cidadão de hábitos moderados e avesso ao efeito boiada, como este que vos fala.

Não me tomem por ermitão, pois até confesso que fico com uma certa inveja de quem tem disposição e energia para encarar um Planeta Atlântida e suas atrações, a maioria das quais desconheço.  Ou um Rock in Rio com sua dimensão internacional, na mesma medida de todas as dificuldades a serem enfrentadas na ex-Cidade Maravilhosa. Fico pasmo cada vez que vejo aquelas multidões acorrendo ao réveillon em Copacabana, acampadas a léguas de distâncias do palco, envolvidas em suas muvucas e revelando, com uma pontinha de orgulho e variados sotaques, de onde vieram e do que se alimentam. 

Por dever de ofício, muito frequentei o nosso Carnaval no Porto Seco. Até gostava no início dos desfiles, mas lá pela terceira escola (e falo do Grupo Especial), já madrugada alta, a gente se dá conta de que ainda está na metade da folia e tem muito  baticumbum pela frente.  Como jornalista, por razões profissionais e depois como torcedor por adesão clubística, enfrentei aglomerações de todos os tamanhos nos estádios.  Pior do que a chegada, era a saída e como a paciência não é o meu forte, prefiro agora o conforto – e sofrer com meu time - bem acomodado no sofá, com a vantagem de que em casa a cerveja é liberada e o banheiro é limpo,

Claro que tem situações bem piores do que essas, como fila de espera em restaurante no Dias das Mães, idem  por  vaga em motel no Dia dos Namorados, congestionamento nas estradas rumo ao litoral, fila em sessão de autógrafos, formatura de curso de Direito e chatos de boteco.

Tem também aqueles atropelos em dias de liquidações, que o comércio brasileiro importou dos EUA – ou será do Japão? É um comportamento que depõe contra o gênero humano. Empurra daqui, empurra dali, parece um arrastão e, de repente,  se sobressai o fortão, carregando nos ombros uma tv de plasma de infinitas polegadas, ou o casal que tenta ajeitar o refrigerador e mais os filhos num Golzinho antigo e quadrado. E é sempre a mesma coisa.

Nessa cruzada civilizatória, fiz um pacto comigo mesmo: chatices em geral e efeito boiada nunca mais. 


segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Fernanda Torres e o preço da fama

*Publicado nesta data em Coletiva.net

A mídia se vale com frequência de porta-vozes da sociedade para temas da hora. Recorrem a personalidades que possam defender uma bandeira, de preferência  que esteja sintonizada com a linha editorial do veículo, ou que tenham uma opinião que chame a atenção pelo ineditismo ou mesmo pela ênfase dada à sentença. 

A bola da vez para este papel é de Fernando Torres, colocada no Olimpo do Oráculo graças a premiação no Globo de Ouro pela sua interpretação em Ainda Estou Aqui e agora, mais ainda, pela indicação ao Oscar.  Em comerciais, nas entrevistas ou nas entre aspas da mídia, com ar mais ou menos grave, ela aparece opinando sobre tudo e sobre todos, rivalizando na ocupação de espaços com Gilmar Mendes e o Papa Francisco, com a vantagem que tem mais charme que o opiniático ministro do STF, mas sem a autoridade divinamente concedida ao Sumo Pontífice. 

Também nesse papel, Fernanda é a legítima sucessora de sua mãe, Fernanda Montenegro, que nos brindou com variadas opiniões e diferentes conceitos, quando foi eleita para a Academia Brasileira de Letras e, antes, quando concorreu ao Oscar.  Diga o que disserem, ambas ganharam uma dimensão tal que foram ungidas pelos deuses da verdade, da mesma forma que Caetano e Gil, com suas baianidades e um toque holístico em se tratando de Gil, quando externam suas posições, algumas beirando o banal. 

Só que essa exposição demasiada não chega a ser uma benesse, mas pode ser uma armadilha, um gol contra. Num país de extremismos ideológicos e posições polarizadas, qualquer declaração é interpretada pelos antagonistas como lhes convém. Para ilustrar, vale o exemplo da Fernanda Torres, que durante a pandemia, escreveu num artigo para jornal: “Torço para que o centro ressurja dessa emergência. E que o coronavírus, a exemplo da peste negra na Europa do século 14, venha abreviar o obscurantismo medieval travestido de liberal em que nos metemos”.  A declaração foi interpretada e viralizada nas redes sociais como se Fernanda tivesse dito  não se importar com as vítimas fatais do coronavírus, se com isso o mandato do presidente Jair Bolsonaro fosse abreviado! Vale como ressalva que talvez – olha o cuidado que estou tendo! -  o texto original tenha dado margem, ou cutucado para a falsa interpretação. Ossos do ofício, preço da fama? Pode ser.  

Mas já tem postagem nova e duvidosa envolvendo a atriz, agora defendendo regimes autoritários: “A gente está vivendo um momento diatópico do mundo, né? Um momento apocalítico, de muito medo e acho que quando isso acontece, a ideia de um governo autoritário, como um pai autoritário – que talvez possa por ordem na casa- cresce”.  Fernanda, assim, revelaria que não tem apreço pela democracia, já acusam seus detratores, enquanto até agora não veio desmentido, nem outra versão para a declaração.

A verdade é que nada disso ofusca o brilho das conquistas da atriz, mesmo que as interpretações maliciosas, fakes, equivocadas que sejam, das suas declarações cresçam na medida do sucesso alcançado, mas também da exposição a que é submetida – ou se submete – por se posicionar sobre tudo e sobre todos.


terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Um golpe nos golpistas

*Publicado em Coletiva.net em 20/01/2025

Quem sabe o governo federal e o STF aproveitam esse auê todo para enquadrar as redes sociais e controlar as fake news e dão um  jeito de acabar com os golpes pela internet? Se conseguirem diminuir a incidência já ajuda e evita que muita gente seja vítima dos golpistas. Afinal, as mensagens com propostas fraudulentas não deixam de ser fake news, uma inverdade, um logro.

Porém, não se observa nenhum movimento pra valer das autoridades no enfrentamento a esses golpistas e aqui nada a ver com o pessoal do 8/1, a cargo do xerife Alexandre de Moraes. Trata-se do problema que atormenta todos os brasileiros diariamente, causando prejuízos à pessoas físicas e jurídicas.

É incompreensível que, com os recursos tecnológicos disponíveis atualmente, não seja possível identificar e combater os golpes na origem.  Na maioria dos casos, são utilizadas ferramentas e plataformas da comunicação, que são rastreáveis, sem contar que grande número de tentativas partem do confinamento dos presídios.

Dessa forma, as fraudes e golpes continuarão contribuindo para a indústria que mais cresce no Brasil, como já manifestei num desabafo na coluna de 18/11/2024 (https://coletiva.net/colunas/a-industria-que-mais-cresce,447986.jhtml). É que está cada vez mais difícil reconhecer nas mensagens recebidas o que é falso ou verdadeiro. Os contraventores são muito criativos e insistentes e, até por isso, têm ganhos de escala. Diariamente recebo pelo menos cinco ofertas e propostas que são puro logro, ou avisos sobre  mercadorias que não comprei, agora retidas no Correios e para as quais devo pagar uma taxa. E, ainda, contas que serão bloqueadas em bancos onde não tenho cadastro, ou pagamentos atrasados para operadoras de celular e   serviços de streaming e a recorrente ameaça sobre a CNH que será retida. 

Pois, estava eu a esboçar este protesto quando o Jornal Nacional da Rede Globo exibiu na semana passada uma matéria do competente repórter da sucursal de Londres, Rodrigo Carvalho, apresentando vovó  Daisy, que nada mais é do que um personagem criado pela Inteligência Artificial para fazer frente a quem aplica golpes por telefone. Sim, no Reino Unido também tem golpe por telefone. 

A encenação funciona, tanto assim que um golpista não se conteve e mandou um fuck you pra a senhorinha, depois de ser enrolado por ela por mais de 40 minutos. Até agora, vovó Daisy já interceptou mais de mil tentativas de falcatruas, o que, convenhamos, é quase nada diante da escala alcançada pelos contraventores, ao menos se pensarmos em termos de Brasil.

Mas só o gostinho de aplicar um golpe nos golpistas já dá aquela satisfação e um sentimento da justa desforra. Alô autoridades brasileiras: queremos vovós Daisy atuando por aqui.


segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

REFLEXÕES SOBRE O BBB

- Fico seriamente preocupado que os ETs baixem por aqui e pensem que a humanidade seja representada pelos participantes do BBB.

- Desculpas para assistir ao BBB:

- “Só dou uma espiadinha de vez em quando.”

- “Assisti, mas com um olhar crítico”.

- “É importante para observar o comportamento humano em confinamento;”

- “Queria conferir o desempenho do Tadeu Schmidt

- “Minha mulher é quem gosta e como só temos uma TV em casa, acabo assistindo também”

- “Tem uma amiga das redes sociais de uma prima minha que está participando e estou torcendo por ela, só por isso tenho assistido”.

-  Da Postagem Alheia: Toda a vez que começa um BBB fico morrendo de medo de sair mais um deputado de lá.

- O melhor antídoto contra o BBB  é o controle remoto.


segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

PRIMEIRAS REFLEXÕES DO ANO, COM MUITOS REPETECOS

1. E dizer que já chegamos a 1/24 de 2025!

2. O cumulo do masoquismo é sentir saudades de 2024.

3. Vem ai um novo BBB. Viva o Netflix

3.1. Aviso que vou críticar todos os q criticarem quem criticar o BBB

4. A propósito os maiores anunciantes da Globo e da RBS TV são, respectivamente, o BBB 25 e o Planeta Atlântida.

4.1. Na Globo, o segundo lugar, ameaçando o primeiro, está a Globoplay.

5. Pelo menos no Planeta Atlântida vamos saber quem são Matuê, Livinho, Kevin O Chris, Lagun e outros “famosos quem”. 

6.1. Supreendentemente Armandinho está confirmado...

7. Vai começar a temporada de liquidações e gritarias nos comerciais.

7.1..Vai ter a Liquidação Fantástica, a Bombástica e só falta a Fodástica.

7.2. Que jequice chamar liquidacao de "sale"!

8. Acabo de receber, junto com  a mensagem do Barichello: “Se fez aniversário é porque mudou de idade. Parabéns” (Dilma, presidente do Banco do Brics)

9. Pena que sensível queda na quantidade de mimos aniversariais frente ao mesmo período do ano passado! 

9.1.. Mas ainda dá tempo, gente amiga!

10. Contagem regressiva: faltam 9 dias para o início do charmoso Gauchão.

11. Ouvido na Mesa ao Lado: A verdade verdadeira não está nas postagens, mas nos comentários.

12. Uma frase de quem deixou saudades: "Quem vai decidir como os robôs vão agir são os humanos. Quanto melhores forem os humanos, melhores serão os robôs." 

(Washington Olivetto)

13. Merchan da casa - título da coluna semanal em Coletiva.net: As costas largas da Comunicação e o destino de Sidônio. Não perda.


As costas largas da Comunicação e o destino de Sidônio

 * Publicado nesta data em Coletiva.net

“Quando o governo vai bem, o mérito é do governo; quando o governo vai mal, a culpa é da comunicação”. Ouvi a frase pelo saudoso Ibsen Pinheiro, que conhecia como poucos as estruturas e os bastidores  do poder público e a quem tive a honra de suceder na Comunicação Social do governo Rigotto. Lembrei da frase a propósito da fritura a que foi submetido o ex-ministro da Secom do governo Lula, deputado Paulo Pimenta. O próprio presidente e lideranças do PT reclamavam que o governo se comunicava mal, não mostrava as realizações e os feitos em benefício dos brasileiros. Essa seria a principal razão para a avaliação do Lula III permanecer estagnada, num quase empate entre positivo e negativo, conforme mostrou recente pesquisa da Folha de São Paulo. No último levantamento da pesquisa AtlasIntel a desaprovação de Lula subiu 2,5 pontos em relação a novembro e bateu recorde, chegando a 49,.8%.

E, assim, Pimenta sofreu na última semana a segunda defenestração pelo presidente. A primeira foi quando Lula anunciou que seu candidato ao governo do RS era Edegar Preto e não o então ministro da Reconstrução, que tinha pretensões de suceder Eduardo Leite.

Não estou nem aí para a situação do Pimenta, um trapalhão e alpinista da política, que fala mais do que deve e quando não deve e realiza de menos. Ele já esteve sob suspeita e  precisou renunciar ao cargo de vice presidente da CPI do Mensalão devido ao  escândalo envolvendo um encontro reservado com Marcos Valério, um dos principais acusados no caso.  Depois, surge como o Montanha, nas listas da Odebrecht. Entretanto, acumulei alguma experiência em veículos e na  Comunicação pública em níveis estadual, municipal e no legislativo, e, por isso, ouso dizer  que a maior responsabilidade pelo desempenho insatisfatório da comunicação do Lula III não é do seu fiel escudeiro gaúcho.  

O governo Lula comunica mal porque passa a ideia de que administra mal o País, ao não controlar como devia as contas públicas, flertar com a inflação, transmitir intranquilidade ao deus mercado, com dólar aquecido, juros em alta, programas sociais cortados, salário mínimo sem ganho real, enquanto nem o desemprego em baixa e o PIB em alta minimizam o viés negativo.  Isso sem falar nas frequentes falas presidenciais fora do tom. para dizer o mínimo, e as intervenções inconveniente da primeira-dama nas questões do governo, canalizando contrariedades de boa parte da população.

A propósito, se a Secom tem por função cuidar da  imagem do governo, parte da responsabilidade pelo mau desempenho deveria ser creditada à dona Janja, que apadrinhou várias chefias no órgão e manteve com Pimenta e o prestigiado fotógrafo oficial da presidência, Ricardo Stuckert, uma disputa para saber quem mandava mais na comunicação governamental.

O secretário de Comunicação é talvez o mais político dos auxiliares de primeiro escalão de qualquer governo,  porque, além de administrar a gorda verba publicitária federal, trata de questões altamente estratégicas, ao fazer a ponte entre o poder público e os cidadãos, buscando aceitação e engajamento às políticas governamentais.  Lula, insatisfeito com a performance do único ministro gaúcho, optou para o cargo por um especialista em marketing, profissional de viés mais técnico, ao invés de um jornalista que também é político. A escolha gerou narizes torcidos entre petistas raiz, que acompanho nas redes sociais.

Sai Pimenta e entra Sindônio Palmeira, que foi o marqueteiro da campanha de Lula à presidência. O novo titular da Secom parece ter um nome que condiciona o destino. Sidônio é um termo que aparece na Bíblia e se refere a uma cidade antiga, Sidom, localizada na região da Fenícia, no atual Líbano.  Ou seja, a origem dele remete a uma região de frequentes conflitos, como ocorre em todos os governos e, especialmente, em Brasília.  Além disso, uma das características marcantes de Sidom era a prática da idolatria, assim como os petistas idolatram seu líder maior, o que certamente Sidônio vai levar em conta na sua nova função. E mais: o Novo Testamento revela que Cristo passou por Sidom e realizou milagres na região, mas talvez seja exagero afirmar que isso vai inspirar Sidônio para que vire milagreiro na tentativa de recuperar a imagem do governo Lula. Vale lembrar, ainda, que os sidônios eram opositores ao povo de Israel, mas com certeza não é caso do novo ministro, se bem que ele vai ter que atuar fortemente para minimizar a repercussão dos pronunciamentos presidenciais anti-Israel. Por fim, conta a favor de Sidônio que seus ancestrais eram reconhecidamente grandes navegadores, legado que o novo titular da Secom espera ter incorporado para enfrentar as tempestades que virão pela frente no Lula III. 

Pela amostra do evento de 8/1 e o improviso do Lula – “...os maridos são mais apaixonados pelas amantes do que pelas mulheres” – Sidônio terá muito trabalho.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Onda nostálgica

*Publicado nesta data em Coletiva.net

Quem lembra desses programas?

- Assista hoje na sua Tv Piratini, Canal 5, a mais um episódio de “Os Intocáveis” Estrelando Robert Stack como Eliot Ness, o agente federal que não dá trégua aos mafiosos de Chicago comandados por AL Capone.

- Não perca o episódio de hoje de “O Vigilante Rodoviário”, o empolgante seriado brasileiro, a cores. O inspetor Carlos e seu fiel cão Lobo lutando contra o crime nas rodovias brasileiras. 

- Conseguirá o doutor Richard Kimble provar sua inocência e encontrar o homem que matou sua esposa?   Acompanhe hoje na TV Gaúcha, canal 12, todas as emoções de “O Fugitivo”, interpretado por David Janssen.

- Os Cartwright, pai e filhos, na defesa do rancho Ponderosa no hostil cenário de Nevada. “Bonanza” é muita ação, em cores, no velho oeste americano. Assista logo mais, depois do capítulo da novela (...). 

- Aqui tem diversão para as crianças de todas as idades. Na TV Difusora, canal 10, hoje é dia de muitas mágicas com a poderosa Samantha e o marido James em “A Feiticeira”.  Não perca. 

Pois é, neste período me bate uma onda nostálgica, mostrando que o tempo passa quando vem a lembrança dos anos 1960 e 70, em que as séries televisivas eram tão aguardadas como os capítulos das novelas. Havia poucos canais de TV e as atrações seriadas, especialmente as produzidas nos EUA, davam audiência e  eram presenças obrigatórias nas grades de programação.  Eventualmente canais a cabo resgatam as séries daquele período, encontráveis também no YouTube.

Hoje o domínio é dos streamings e a oferta de séries, minisséries e filmes de todos os gêneros, é entretenimento garantido. Tanto assim que nas rodinhas de conversas em família, na firma ou nos botecos, a troca de sugestões sobre as novidades dos streamings ganha espaço e interesse cada vez maior, rivalizando com os debates esportivos entre os homens e as novidades estéticas entre as mulheres.

 A pergunta que cabe é: qual será a próxima novidade – inovação? -  que o mundo da comunicação digital nos reserva? Como sempre, na falta de melhor resposta, apelo para o velho clichê: reina grande expectativa, enquanto torço para que não me faltem assuntos no novo ciclo que está começando.


segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

A senhorinha e a garrafa de cachaça

*Publicado nesta data em Coletiva.net

*Baseado numa história real

O homem ficou intrigado com o que viu nas gondolas de bebidas alcoólicas do supermercado. A senhorinha, aparentando seus 90 anos, escolheu, sem muita hesitação, uma garrafa de cachaça, acrescentando ao carrinho junto à barra de chocolate e aos dois pãezinhos.  Curioso com o desdobramento da ação, ele acompanhou a veterana até a caixa. Lá chegando, a atendente passou os produtos pelo sistema, mas o valor excedia às notas amarrotadas que ela retirou da velha bolsinha. Em seguida, sem demonstrar contrariedade, a nonagenária pediu à moça:

- Então pode  retirar o chocolate.

Foi aí que o homem decidiu intervir e, generosamente, se dispôs a integralizar o que faltava em dinheiro no pequeno rancho, o que nem era uma grande quantia. 

- Receba como um presente de Natal meu, - completou. 

A senhorinha agradeceu – “brigado, meu filho” - e deixou o homem faceiro pela boa ação, mas com uma dúvida pertinente, que a guria da caixa não conseguiu esclarecer:

- Ela vem todas as semanas, escolhe sempre a mesma marca de cachaça, fico louca de vontade de perguntar o que ele faz com a bebida, mas não tenho coragem,- esquivou-se a atendente.

O homem, que não era propriamente um consumidor de destilados, mas conhecia o teor alcoólico das bebidas, calculou que o produto adquirido por sua beneficiária deveria ter, no mínimo, uma graduação de 40%. 

Isso só aumentou a curiosidade dele. Qual destino a senhorinha daria aquela cachaça? Seria para consumo próprio? Ele procurou afastar mentalmente essa hipótese. “Um absurdo”, pensou. Ou estaria atendendo ao pedido de seu companheiro, ele sim um contumaz apreciador de cachaça, talvez mais do que deveria? Quem sabe era item indispensável em alguma receita culinária da simpática senhora? Ou, ainda, a bebida poderia fazer parte de algum ritual religioso? 

Consumido em dúvidas, o homem teve, entretanto, um momento de intima alegria, ao se dar conta que, de alguma forma, contribuíra para a felicidade da velha senhora. Afinal, era tempo de Natal e o pequeno gesto dele pode ter feito uma grande diferença para ela, mesmo presenteando com uma garrafa de cachaça, que ele torceu para que fosse usada para fazer a felicidade de mais gente, de preferência em saborosos quitutes para a ceia natalina.


domingo, 22 de dezembro de 2024

LIGEIRAS REFLEXÕES PRÉ-NATALINAS, COM MUITOS REPETECOS

- Meiguice Relativa do Ar neste período: ALTÍSSSIMA!

- Tem aqueles que são fdp o ano inteiro e viram doces e meigos agora.

- Quantos retratos de festas da firma ainda vou ver no Facebook?

- Aviso aos navegantes: os piores lugares para circular nestes dias são os shoppings e os supermercados.

- Mais um a pouco e já será Natal na Austrália.

- Apreciaria que os votos de boas festas viessem acompanhados de um bom vinho ou espumante.

- Para receber mimos, não fechamos no Natal nem no Réveillon. Mas não me venham com panettone.

- E ainda há tempo para mimos nas segundas e terças-feiras...

- Certos presentes recebidos estão mais para Amigo da Onça Secreto. Não é o meu caso.

- Neste período até podem me chamar de bom velhinho.

- Seria o peru é o chuchu das aves?

-  E o panettone o chuchu dos bolos?

- Qual o parentesco do peru com o chester,o fiesta e o buster? É pai ou é primo irmão?

- Show do RC na TV, mas pode chamar de Déjà Vu!

- Por fim uma extra natalina: essa relação do Grêmio com o técnico português está se revelando uma caixinha de surpresas.

- Para que o Bom Velhinho seja generoso neste Natal, roguemos com fervor 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

A Era da Banalidade

* Publicado nesta data em Coletiva.net

Outro dia tratei aqui do que intitulei de Era da Enganação ou da Desconfiança, como resultado dos múltiplos golpes e fraudes que infestam o dia a dia dos brasileiros. Mas outra Era se impõe nestes tempos pós-modernos:  a Era da Frivolidade, ou da Banalidade. 

São tempos de excessiva exposição aos conteúdos digitais de baixa qualidade, sobretudo nas redes sociais. Com base nisso, a Oxford University Press, que edita o conceituado dicionário Oxford English elegeu “brain rot” como a palavra/expressão do ano de 2024. A tradução para o termo é  “podridão cerebral”, uma metáfora que significa a "suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente vista como resultado do consumo excessivo de material (agora particularmente conteúdo online) considerado trivial ou incontestável. Também é algo caracterizado como passível de levar a tal deterioração",  como descreve a Oxford. O termo aumentou a frequência de uso em 230% entre 2023 e 2024. 

Interessante é que o uso da expressão “podridão cerebral” não é recente. Foi usado pela primeira vez em 1854, no livro “Walden”, de Henry David Thoreau, só que usado com outro significado. Thoreau, escritor, poeta e naturalista norte-americano, criticava a tendência da sociedade da época de desvalorizar ideias complexas em favor de ideias simples, num indicativo de um declínio geral no esforço mental e intelectual.

Corte para os anos 2000, já na era digital, e Zygmunt Bauman,  de alguma forma. estabelece – ou antecipa -  uma conexão com o debate que está  posto, ao apresentar seu “Tempos Líquidos”.  Na obra, o  filósofo polonês argumenta que, em uma sociedade onde tudo é fluído e temporário, os valores e certezas tradicionais tendem a ser desafiados, resultando em um ambiente onde a volatilidade prevalece.

A questão, na verdade, não pode se restringir a qualidade dos conteúdos oferecidos pelas redes sociais e mais acessados pelos usuários. O tempo gasto nas redes, especialmente pelas crianças e adolescentes, tornou-se motivo de grande preocupação das famílias, das escolas e chegou  aos governos.  Relatório recente da We Are Social e Meltwater revela que a média diária dedicada às redes sociais no Brasil é de 9 horas e 13 minutos! Só perdemos para a África do Sul, que registra 9 horas e 24 minutos. Estudo do IBGE aponta que 92,9% dos brasileiros possuem acesso à internet, enquanto apenas 66,1% contam com saneamento básico. O Brasil soma mais de 144 milhões de usuários nas principais plataformas.  Aí temos um campo fértil para o surgimento de figuras tipo Pablo Marçal, André Janones e a multidão de influencers palpitando sobre tudo que possa ser monetizado, não interessando a qualidade das mensagens.

A reação ao excessivo protagonismo das redes sociais em nosso dia a dia já se faz sentir por meio de iniciativas como o projeto de lei que proíbe o uso de celulares em escolas públicas e privadas do país, em tramitação no Congresso. Em São Paulo, a Assembleia Legislativa já aprovou legislação neste sentido. O RS tem legislação específica sobre a questão, mas o governo ainda deve editar decreto em 2025 para orientar as escolas em relação ao uso de celulares. A Austrália radicalizou e, numa decisão inédita no mundo, aprovou a proibição do acesso às redes sociais para menores de 16 anos. As plataformas que descumprirem a lei serão multadas pelo equivalente a R$ 200 milhões.

Projetos de lei e decretos não são garantia de que os dispositivos previstos serão cumpridos. O papel aceita tudo. Se não houver um esforço conjunto, que começa na família e se estende a toda a sociedade, com educação para o mundo digital desde  cedo, campanhas de esclarecimento e fiscalização permanente para o cumprimento da legislação, a efetividade dos regramentos ficará irremediavelmente prejudicada e as redes sociais continuarão influenciando o comportamento das pessoas.  Era da Banalidade terá se consolidado.