domingo, 27 de junho de 2010

Fronteiras e a violência na África


Denis Mukwege hoje no Fronteiras

O Fronteiras do Pensamento apresenta nesta segunda-feira (19h30, Salão de Atos da Ufrgs) a conferência do médico congolês Denis Mukwege. Admito que sabia muito pouco do trabalho humanitário de Mukwege nos confins do Congo e foi oportuno o depoimento do médico gaúcho Milton Paulo de Oliveira no caderno Cultura da Zero Hora de sábado, 26. O testemunho de quem participou de missão promovida pela ONG Smile Train (Trem do Sorriso) em Bukavu no Congo é de emocionar, não apenas pelas dificuldades enfrentadas para tratar crianças com a deformação conhecida por lábio leporino numa das regiões mais pobres do mundo, mas também pelo conhecimento que travou com Mukwege.

Com formação em ginecologia e obstetrícia na França, o congolês poderia ter escapado para o exterior diante da violência decorrente dos conflitos internos no seu país, que resultaram, nos últimos 10 anos, em mais de 6 milhões de mortos e milhares de mulheres violadas e torturadas. Mas preferiu ficar e ajudar às vítimas das atrocidades dos infindáveis conflitos armados, especialmente mulheres e crianças.

Hoje, Mukwege dirige o Hospital de Panzi, onde realiza cirurgias reparatórias em vitimas de violência e torturas sexuais, criando ainda uma comunidade para as mulheres e meninas que se curaram no seu hospital e que passam a tê-lo como sua única referência familiar na busca da reintegração social,já que seus outros parentes foram dizimados pela guerra.

“Apesar da guerra, das atrocidades, das mais variadas violações dos direitos humanos no seu país, Mukwege tem o amor como única arma para manter intacta a fé na humanidade, enquanto continua a fazer seu trabalho de maneira incondicional e implacável”, testemunha o médico gaúcho. Graças a isso, Mukwege foi indicado para o Premio Nobel da Paz em 2009 (conferido a Barak Obama) após ter ganho em 2008 os prêmios das Nações Unidas de Direitos Humanos, Olof Palme (Suécia) e Africano do Ano.

O tema do Fronteiras será, portanto, pesado, mas é importante enfrentar e refletir sobre essa realidade perversa, que faz dos mais frágeis suas maiores vítimas, em pleno século 21.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

A Holanda vem aí



Holanda 1974, a Laranja Mecânica e Holanda 2010, perigo à vista


Pelo que tenho visto desta Copa, só temo a Holanda. Desde 1974, quando Cruyff comandou a Laranja Mecânica, os holandeses vem apresentando altos e baixos em copas do mundo. Foram vices em 74 e 78 (perdendo o título para os anfitriões), não se classificaram em 82, 86 e 2002, foram eliminadas em fases iniciais em 90, 94 e 2006.

Em 94, convém recordar, a Holanda foi eliminada pelo Brasil nas quartas-de-final, num jogo duríssimo em Dallas, em que o juiz acabou dando uma mãozinha para o time do Parreira ao não marcar um pênalti – pra mim muito claro – para o adversário. Quatro anos depois, na França, enfrentamos novamente os holandeses num jogo dramático pelas semifinais: empate em 1 x 1 no tempo normal e vitória brasileira nos pênaltis, graças a duas defesas de Taffarel.

Lembro bem que depois do jogo de 94 assisti no centro de Dallas à movimentação dos torcedores holandeses, inconfundíveis com seus trajes e perucas laranjas, felizes da vida e confraternizando com brasileiros e brasileiras, apesar da derrota. A noitada foi de muita cerveja e cantoria, mas não registrei nenhuma confusão. Fiquei encantado com o comportamento dos holandeses e mais ainda com suas torcedoras, as mais belas daquela Copa.

Estive recentemente em Amsterdan, por breves horas, e pude constatar novamente o espírito festeiro dos holandeses. (Sim, vi as mulheres em oferta nas vitrines e dei uma conferida, a prudente distância, nos estabelecimentos que dispõem de um variado cardápio de canabis sativa, a nossa popular maconha. Mas passei ao largo de uma e de outra tentação. Minha praia não é por aí.)

Voltando ao futebol, observo que o retrospecto da Holanda em copas do mundo indica crescimento e boas colocações após uma fase sucessiva de baixa. Agora a fase parece ser de preocupante alta do futebol holandês, e preocupa mais considerando-se que o time laranja pode ser o adversário do Brasil nas quartas-de-final, se passarmos pelo Chile e eles pela Eslováquia.

Como em 94 e 98, vai ser dureza, mas acredito que passando pela Holanda o caminho ficará asfaltado até a final. Porém, se os deuses do futebol estiverem contra nós, vou me bandear para a torcida da Holanda, só para prestigiar as belas moças vestidas de laranja. Só que continuo levando fé no time do Dunga, apesar do futebol que não chega a entusiasmar. E que, depois, venha a Argentina. Enquanto isso, oremos!

domingo, 20 de junho de 2010

As lições de Invictus


Em boa hora chega às locadora o DVD de Invictus. A Copa na África do Sul coloca em evidência a história narrada com a competência e o talento de Clint Eastwood. Uma rápida sinopse do filme: eleito presidente, Nelson Mandela (Morgan Freeman) tinha consciência que a África do Sul continuava sendo um país racista e economicamente dividido, em decorrência do apartheid. A proximidade da Copa do Mundo de Rúgbi, pela primeira vez realizada no país, fez com que Mandela resolvesse usar o esporte para unir a população. Para tanto chama para uma reunião Francois Pienaar (Matt Damon), capitão da equipe sul-africana, e o incentiva para que a desacreditada seleção nacional seja campeã, o que de fato ocorre.

Invictus é uma ode ao perdão e à reconciliação, mas, sobretudo, à grandeza. A grandeza que se expressa na direção de Eastwood que produziu mais um épico, embora Invictus não seja o seu melhor filme. Grandeza também na interpretação de Morgan Freeman. Só ele poderia interpretar, em todas as suas dimensões, o gigante Mandela. Um Mandela, marcado por 27 anos de cárcere, mas que não hesitou em enfrentar as resistências dos mais próximos para atingir um grande objetivo: unir seu povo por meio do esporte.

Não é a primeira vez que a força do esporte é utilizada como instrumento de coesão social. Mas, diferente da nossa experiência com o "Brasil Prá Frente", ou "Ninguém segura este país", da era Médici, que visava validar uma ditadura, Mandela assumiu claramente o rúgbi como um meio para chegar ao objetivo maior de reconstituir uma nação. A grandeza de uma nação está diretamente vinculada à grandeza de intenções e dos sonhos de seus líderes e essa é a principal lição que fica de Invictus.

Extra filme, algumas constatações. O rúgbi, mistura de futebol e futebol americano, é um jogo muito estranho. É um tal de agarra, agarra chatissimo, sem contar que a bola oval, jogada com as mãos, só pode ser passada para trás. Menos mal que na época retratada pelo filme as detestáveis vuvuzelas ainda não haviam invadido os estádios sul-africanos. Por fim, a reflexão que não quer calar: já pensaram se o Mandela dependesse da seleção do Parreira para unir o povo? Coitada da África do Sul.

Cala a boca Faustão

O pior desta Copa do Mundo é aturar o Faustão em todos os intervalos.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

No mundo da Copa

Nasci em ano de Copa do Mundo, em 1950. Portanto, diferente do que dizem alguns dos meus detratores, não assisti aos jogos daquela Copa. Na verdade, só tive consciência do que era a competição em 1958 quando, numa manhã fria de julho, ouvi pelo rádio, na narração compassada de Mendes Ribeiro, a vitória do Brasil sobre a Suécia na final.

“Pelê, Pelê”, gritava o Mendes Ribeiro, trocando os acentos. Não sei se era bossa do narrador ou desconhecimento do verdadeiro apelido daquele que viria a ser o Rei do Futebol. O som do velho rádio valvulado era instável, vinha e fugia, de repente se expandia para logo depois ficar quase inaudível. Aquilo era magia pura para o garoto de 8 anos. Como era possível o som chegar desde a longínqua Suécia até minha casa na rua Bagé, em Porto Alegre e ser capturado pelo aparelho estrategicamente instalado na sala? Só anos mais tarde vim a comprender como funcionava a transmissão via SSB (single side band), o sistema que o mago engenheiro Homero Carlos Simon pôs a funcionar e que catapultou a recém inaugurada Rádio Guaíba à condição de principal emissora dos gaúchos. (No Google devem ter explicações técnicas melhores do que as que eu poderia fornecer).

O advento das transmissões via satélite, a partir da década de 70, acabou com a jornada épica que eram até então as coberturas de Copas do Mundo, tanto por TV como por rádio. Na TV, só em 1970, na Copa do México, tivemos transmissões diretas, ao vivo, mas ainda sem cores. Até então, assistir aos principais jogos só em VT que nem sempre eram fidedignos em relação às transmissões de rádio. Ficávamos desconcertados porque aquele pênalti inquestionável para o Brasil, denunciado no rádio, não era bem assim na exibição da TV. Alguma coisa estava errada. Os narradores e comentaristas certamente exageravam no conceito de que o rádio é o teatro da mente e não poucas vezes apelaram para a ficção em nome do patriotismo. Mas o rádio tinha credibilidade, por isso acreditava mais no que era narrado do que no que no era visto depois.

A partir de 1974, com a Copa ao vivo e a cores direto da Alemanha, participei de todas as coberturas dos mundiais de futebol, sempre na retaguarda, até 1994, quando fui escalado pela Rádio Gaúcha para coordenar a equipe da RBS em Dallas. Passei longos 52 dias em Dallas, uma cidade inóspita, cuja maior atração é o depósito de livros de onde Lee Oswald teria disparado o tiro mortal no presidente Kennedy. Teria tantas histórias para contar daquela experiência única, mas vou poupá-los de reminiscências saudosistas. O que eu observei na verdade, foi uma copa sem brilho, inclusive em relação ao futebol brasileiro, que conquistou o tetra com uma equipe pouco mais do que aplicada, onde despontavam a liderança de Dunga e o talento de Romário.

Depois de 94, virei telespectador de copas do mundo e confesso já não curto os jogos com o mesmo entusiasmo. Acho que todos estes anos ligadíssimo provocaram uma saturação. A overdose está cobrando tributo. O efeito colateral é que assisto à Copa de sangue doce, feliz a cada vitória brasileira, mas sem depressão em caso de fracasso.

Ajo, talvez, à semelhança da seleção do Dunga: nada de emoções extremadas, nada de grandes surpresas. Mas diferente de mim, um mero telespectador, a seleção tem uma missão a cumprir e aposto minhas fichas como o Brasil, com este time mediano ao estilo de Dunga, vai chegar lá, repetindo 94. Se isso acontecer, minha gente, mudo de atitude, vou explodir de alegria, estourar foguetes e sou capaz até de sair gritando “Brasiiiilllll”. Não me cobrem coerência nessa hora.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Marco Polo municipal




Em menos de dois anos, tive o privilégio de visitar a China duas vezes. Já estou me sentindo um Marco Polo moderno e municipal. Isso não faz de mim, entretanto, um profundo conhecedor da China e dos chineses, mas permite algumas observações sobre o surpreendente país asiático. A primeira constatação é de que na China as obras públicas andam e são entregues no prazo, apesar das dimensões macros do que é executado.

Quando lá estive em 2008, acompanhando o prefeito José Fogaça, o espaço reservado para a Expo Xangai 2010 não passava de uma área quase rural, com tudo para ser feito. O projeto podia ser visualizado - em forma de maquete - no Museu do Planejamento Municipal, uma visita imperdível para quem vai a Xangai. Em menos de dois anos, a área transformou-se na maior exposição mundial de todos os tempos. Linhas novas de metrô foram implantadas, assim como uma nova ala para o aeroporto internacional de HongQiao. Conjuntos residenciais inteiros, com torres acima de 20 andares, foram construídos nesse período. Como bem definiu alguém da comitiva de agora , Xangai lembra a Los Angeles futurista do filme Blade Runner,

Em Suzhou, cidade irmã de Porto Alegre, não é diferente. Ao retornar agora à chamada Veneza da China, com a comitiva liderada pelo prefeito José Fortunati, encontrei novas construções que não existiam em 2008. Sete linhas de metrô estão sendo implantadas (a cidade conta com 6 milhões de habitantes registrados ou 12 milhões, considerada a população flutuante) e duas linhas já estão prontas para operar. Enquanto isso, ainda lutamos para ter uma Linha 2 do Metrô em Porto Alegre...

Xangai e Suzhou crescem no ritmo da China, um ritmo alucinante para os padrões brasileiros. O segredo chinês chama-se Planejamento, previsto para um horizonte de 30 anos, e mais a mão de obra intensiva, pouca ou nenhuma resistência do povo às intervenções urbanas, articulação entre o poder central e os governos locais e recursos financeiros abundantes. A receita se completa com muito trabalho, determinação e disciplina, valores que fazem parte da cultura chinesa.

Mas é importante também observar um outro lado da China, para além do desenvolvimento acelerado. O trânsito nas metrópoles continua caótico, independente das grandes obras urbanas, das vias expressas e dos viadutos com até sete níveis. No trânsito, o motorista chinês contraria a índole disciplinada do povo e comete toda a sorte de barbáries: retorno no meio da quadra, fechadas que ficam a um triz da colisão, trocas de pistas sem aviso, desrespeito a sinalização, carros, motos e bicicletas disputando os mesmos espaços e muita buzina. Tudo isso a gravado pelo fato de que os chineses aprenderem a dirigir há pouco mais de 20 anos, quando a propriedade de um carro deixou de ser privilégio dos dirigentes do partido. O inacreditável é que ocorrem raríssimos acidentes de trânsito – é que eles dirigem em baixa velocidade.

A China é o paraíso das sedas e das pérolas para turistas-consumidores ocidentais. E a compra exige um ritual de negociação difícil de descrever. Os chineses são mercadores seculares e submetem os compradores a uma pressão que requer muita paciência e habilidade. É um verdadeiro jogo. Primeiro eles atiram o preço lá em cima à espera de uma contra-oferta. Recomenda-se revidar com um terço ou um quarto do preço pedido. Para isso eles oferecem as calculadoras, onde cada parte vai digitando os valores, os vendedores baixando pouco a pouco e os compradores subindo na mesma proporção.

Na verdade, a negociação é válida como exercício para regatear porque, na real , tanto as sedas como as pérolas - e também as confecções - são tão baratas que a vantagem é mínima. Um lenço de seda pura, por exemplo, pode ser adquirido por R$ 12 ou R$ 13,00 e um colar de pérolas por no máximo R$ 25,00. Mas é preciso seguir o ritual, porque o chinês espera esse comportamento do comprador. Dependendo do valor que for oferecido, ele vai exclamar, num inglês atravessado: “You must be joking” (“Você deve estar brincando”). É hora do comprador virar as costas e fazer menção de ir embora. O vendedor enlouquece e vai atrás, calculadora à mão e elogios à mercadoria, enquanto apela: “You friend. Last Price, last price”. E acaba digitando um valor muito próximo á última oferta do comprador, normalmente menos de 50% do preço original. Negócio fechado e partes satisfeitas. Com boa vontade, o comprador brasileiro ainda vai ouvir um “obligado”.

Essas negociações não valem para as lojas de grifes, sempre lotadas por novos ricos chineses e que mantém os preços inalterados. Não vale também para compradores americanos e alemães que pagam os preços pedidos. Países com moeda forte é outra conversa.

Uma experiência inesquecível é se aventurar no comércio informal. Os visitantes são abordados nas ruas por todo o tipo de ofertas, com destaque para os relógios Rolex – com pouquíssimas chances de serem verdadeiros. Esse comércio informal, tolerado pelo governo, é acessado através de corredores muito suspeitos, em prédios ao lado do comércio legalizado. Mas aparentemente não se correm riscos. O negócio dos chineses é vender. Lá dentro, separados em vários compartimentos, encontra-se de tudo: relógios em profusão, roupas com etiquetas copiadas de todas as marcas, malas e bolsas simulando as mais afamadas grifes, máquinas fotográficas, filmadoras e eletrônicos para todos os gostos. A negociação segue os padrões chineses de proposta e contra proposta.

A pantomina para garantir que o produto é de qualidade chega a extremos: assisti a um vendedor acender o isqueiro e aproximar a chama de uma bolsa, para provar a autenticidade da mercadoria. Minha tese é de que até o fogo era falso.