segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Sucessos no boteco virtual


* Publicado  nesta data em Coletiva.net.

O que mais me intriga no momento, eu que já rodo por aí há 69 anos, são essas manifestações que de repente viralizam nas mídias e recebem pencas de adesões e  compartilhamentos. Dois exemplos recentes: o sucesso da música Jennifer ( “o nome dela é Jenifer”) e as fotinhos confrontando 2009 e 2019.

Confesso que não sou muito ligado no mercado musical para entender como surge e se firma um sucesso, nem estou aí para julgar  se Jennifer, consagrada como hit do verão, é boa ou ruim.  Tenho gosto eclético e não preconceituoso.  Entretanto, gostaria de compreender a complexidade do processo que leva uma manifestação dessas a se tornar fenômeno de popularidade. 

É o caso também das postagens  que  mostram a evolução - ou involução - de uma situação ou pessoa em 10 anos, hashtag 10yearchallenge. Até gente circunspecta de minhas relações se entregou à brincadeira, com efeitos perversos em alguns casos. O tempo pode ser  cruel no espaço de 10 anos e aquela caldável de 2009 aparece agora com mais pé de galinha que uma canja e o garotão malhado de anos atrás virou um charque velho e barrigudo. 

Deve haver uma Central de Criações e Sacanagens, uma instituição com várias ramificações, por  trás de tudo isso. O lado positivo, se é que  se pode definir como positivo, é  que tais manifestações despertam a incomensurável veia criativa do brasileiro. Manifestei a dúvida porque a criatividade é mais  voltada a promover a safadeza e o deboche, inundando as redes com aquelas bobagens que fazem a alegria de uns e a fúria de outros. De novo, dois exemplos,  ambos da #10yearchallenge: Fernando  Haddad jovial e bonitão em 2009  e  no quadro seguinte, de 2019, em forma de poste; ou o par  de seios, firme e forte em 2009 e caidaço dez anos depois.  

Pelo receio da comparação desfavorável - e porque abomino o  efeito  boiada -, não participo desses movimentos que  se disseminam nas redes. Vale o mesmo para correntes, apelos por causas fajutas, defesa de larápios de todos  os  matizes, etc, etc.   Continuo me indagando, porém, como surgem, se espalham e,  em seguida, altamente perecíveis que são, acabam substituídas por outro tipo de questão e segue o circo. Começo a acreditar  que se trata de um processo em escala industrial para saciar a necessidade das gentes de se acharem incluídas  nos temas da moda e poderem participar de debates candentes nos botecos virtuais em que se transformaram as redes.

Já eu prefiro a leveza e o bom humor nas postagens, mesmo aquelas  interpretadas como politicamente incorretas ou rabugentas. Para quem pensa assim, vai meu melhor e  mais sonoro buuu.
(Mas encerro continuando sem saber como funciona a tal viralização. Aceito explicações. )

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Prazer verdadeiro.

* Publicado em Coletiva.net em 21/01/2018
Os encontros com Ernesto sempre rendem receitas de bons pratos e ótimas indicações de vinhos. Só que não entendia porque o dileto amigo de tantas confrarias insistia em me brindar com as informações gastronômicas, já que ele sabia que no máximo sei fritar ovos, o que dirá produzir os pratos elaborados que ele descreve. Também já cansara de explicar que meus conhecimentos enológicos se resumiam a distinguir os brancos dos tintos, os espumantes dos frisantes e que passo vergonha se tiver que escolher entre um Malbec e um Cabernet, ou entre um Pinot Noir e um Merlot. É bem verdade que não reconheço os chamados vinhos finos, mas meu paladar está treinado para rejeitar os vinhos de baixa qualidade, da mesma forma que um bolsonarista rejeita um lulista e vice versa. Por aí vocês têm uma ideia da dramaticidade da questão nos encontros com o Ernesto.
De tudo isso era sabedor o meu amigo, mas ele insistia em me torturar gastronômica e etilicamente. "Olha recebi um Chardonnay chileno, safra 2015 que é uma beleza. Vai bem com  frango assado ao molho de limão e ervas, ou anéis de lula na manteiga de limão siciliano", ele recitava, sem uma pausa e parecendo salivar enquanto definia a harmonização. Ou, então, "dia desses, preparei pappardelle com gorgonzola, nozes e um belo filé. Advinha com que vinho harmonizei esse jantar dos deuses?" Diante da minha cara de idiota ele completou: "Com um Reserva Carignan, safra 2014, um vinho exuberante e complexo. Magnifique!", exclamou, num francês sem sotaque, embora a origem  do vinho fosse chilena. Na verdade, ele parecia ter na cabeça um manual de harmonização com todos os vinhos de boas cepas e suas melhores companhias à mesa.
Cheguei a pensar que o Ernesto agia assim para me humilhar, em represália a alguma forma de bullyng que eu teria cometido ou consentido na nossa adolescência. Por isso, depois de uma dessas sessões torturantes, decidi pegar pesado com ele, questionando seu modo de agir. Foi então que, de forma quase inaudível, mas não envergonhada, Ernesto confessou a nova fase da sua vida:
- Perdi o interesse "naquilo". Dá muito trabalho, exige muita conversa antes e muita energia depois. E ainda precisa tomar banho no fim, - justificou, enquanto mudava de tom:
- O verdadeiro prazer está na mesa! Bons pratos, acompanhados de vinhos de qualidade. Não tem erro. E diferentemente "daquilo", dá pra variar à vontade, sem culpa, não se corre o risco de traições, podemos dividir os momentos prazerosos com parceiros masculinos e femininos sem provocar maledicências, as preliminares se resumem aos acepipes das entradinhas e a gente consegue repetir o prazer mais de uma vez ao dia, sem precisar de aditivo químico, a não ser o próprio vinho. É tudo de bom! - acrescentou, cheio de entusiasmo.
Quedei-me, por instantes, num silencio obsequioso depois de tais revelações, porque, afinal, passei a entender a motivação do Ernesto nos nossos encontros. De certa forma, compadeci-me da situação do amigo, mas só me ocorreu uma espécie de solidariedade: anunciei que, por coincidência, estava cogitando participar de um desses cursos básicos de vinho, além de me matricular numa escola de gastronomia. A reação do meu amigo foi de exultante aprovação:
- Maravilha. Vais conhecer o prazer verdadeiro, que não está na cama, mas na mesa.
Agora, nossos encontros ganharam uma pauta adicional: a cobrança dele de quando vou me dedicar aos dois cursos. Ou seja, a tortura foi ampliada, mas eu resisto.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Efeito Boiada no verão


* Publicado nesta data em Coletiva.net

Casas na praia, como sítios em zona rural, proporcionam dois prazeres aos seus eventuais proprietários: quando compra e desfruta ao máximo, e quando vende e passa adiante a encrenca e um monte de despesas. Esse é um princípio bem conhecido por quem já viveu a experiência, entre os quais este que vos fala.
Depois de 10 anos investindo em uma morada em Curasal - a pequena praia da Âncora, entre Curumim e Arroio do Sal - uns gringos de Caxias do Sul arremataram a casa e ficaram bem faceiros, enquanto eu, de saída, livrei-me de um IPTU maior do que o de Porto Alegre, mais taxas de água, energia e demais despesas decorrentes da manutenção de uma casa na praia. Detalhe: nos últimos anos, o máximo que aproveitava era uma semana de veraneio. Ou seja, custo altíssimo para pouco benefício.
Não significa que não goste de praia. Até gosto, já gostei mais, é verdade, e assim parece que estou na contramão em relação ao modo de ser da maioria dos gaúchos, que tem fixação em estar junto ao mar. Para comprovar, pesquisa recente da Fecomércio indica que mais de 6,5 milhões de gaúchos, ou metade da população do Estado, querem ir para as praias neste verão. Outro tanto também gostaria de ir, mas certamente não tem recursos, enquanto apenas 2,5% prefere ficar no caldeirão de Porto Alegre,
Deve ser um atavismo com alguma explicação sociológica que foge a minha compreensão. Ainda lembro de uma charge do Iotti, na edição de ZH da virada do ano em 2012, que ilustra bem essa obsessão: na fila formada por uma boiada, um dos animais pergunta: "Mas, afinal, por que todos temos que ir à praia?". Bingo, efeito boiada, é isso que nos move em direção ao território conhecido no Rio Grande como "as praia". Nosso litoral carece de belezas naturais - exceto Torres, que seria um enclave de Santa Catarina no Rio Grande - enquanto sobram desatrativos, se é que existe o termo. 
E, independentemente do tamanho e da origem dos veranistas, os problemas são os mesmos em todos os balneários: crescimento desordenado, infraestrutura precária, serviços públicos que deixam a desejar, atendimento pouco qualificado e por ai vai. Experimente contratar um pedreiro, um pintor, um encanador e você vai ver o que é bom pra tosse. Primeiro ele precisa aparecer no dia marcado, depois utilizar os materiais nas quantidades que ele mesmo indicou, nem o dobro a mais nem a menos e, por fim, entregar o serviço no prazo e na forma como foi acordado. Experimenta, vai.
Mesmo assim, temos uma atração obsessiva para escapar até o litoral. E aí está o outro problema a ser enfrentado: as estradas entupidas, que não dão vencimento ao volume crescente de veículos, sem contar os Fuscas, os Opalas, as Kombis, legados pelo século passado e cujos donos e suas famílias se consideram também filhos de Deus, com direito a salgar o corpitcho e tomar suas Kaisers e caipirinhas à beira mar, em memoráveis farofadas. Os despossuídos, pelo menos, não estão nem aí para as dificuldades, para o chocolatão do mar e o vento Nordestão, para os mercados lotados e os preços abusivos. Como o macaquinho da velha piada, eles querem é gozar. 
Quem reclama mesmo é aquele pessoal que torce o nariz para as chinelagens do nosso litoral e vai pra Santa Catarina. Houve um tempo em que os catarinas, ardilosamente, erigiram uma barreira na altura de Laguna só para atazanar os chatos dos gaúchos que invadiam suas praias paradisíacas, ao mesmo tempo em que faziam a alegria dos repórteres de rádio com seus boletins repetitivos: "... Neste momento, 10 quilômetros de congestionamento no acesso à ponte de Laguna". Mas até isso acabou com a conclusão da nova ponte.
Os gaúchos que reclamam dos acessos às nossas praias é porque não viveram os veraneios pré Freway, Estrada do Mar, Rota do Sol e outras vias alimentadoras. Até a década de 1970 do século passado funcionava assim: o carro lotado saía cedo para a RS 030, também conhecida como Estrada Velha, que vai de Gravataí a Santo Antônio e Osório, e, dali, acessa Tramandaí.  Ou mais ao Sul, pela estrada que passa por Viamão e vai a Cidreira, a RS 040.  Chegava-se aos outros balneários pela Interpraias e onde ela ficava intransitável, nas praias mais ao Norte, o negócio era seguir pela beira mar, cuidando para não atolar nos inúmeros arroios ou na areia mais fofa.
Em compensação, eram tempos menos corridos e o veraneio podia durar um ou até dois meses, o que é impensável nestes tempos competitivos, de escapadas de fim de semana. Desse jeito, não há quem aproveite ou espaireça de verdade, porque o sujeito mal chega à casa da praia e já começa a sofrer pensando na volta. É por isso que não entendo esse boom de condomínios fechados, disseminados por todo o litoral. Há clientela para tudo isso? E qual a vantagem de sair do aperto da cidade para "desfrutar" do aperto no litoral, com espaços confinados, privacidade às favas e a maioria longe da praia? Como na nossa obsessão pelas praias, aqui também não tenho as respostas. 
Agora devo confessar que a porção praieira que ainda habita em mim clama por uma temporada à beira mar. Se me permitem, vou juntar-me à boiada. Litoral gaúcho, vou lhe usar.