domingo, 24 de setembro de 2017

O animal que se tornou um deus




“Alguns livros marcam a vida da gente de forma definitiva. São aqueles que vale a pena ler de novo e que levaríamos  para uma ilha deserta junto com nosso bem querer, ou que provocaram grande mudanças nas nossas vidas.  Amigos mais intelectualizados adoram citar Guimarães Rosa, Joyce, quanto mais indecifráveis melhor, ou Borges , que tem meu voto, ou ainda aqueles russos chatos. “

Cometi essa abertura em um texto de maio de 2013  (A guerra das imaginações e outras obras primas) quando registrei minhas leituras para sempre preferidas, entre elas O Macaco Nu, de Desmond  Morris, um dos livros indicados pelo mestre Marcelo Casado de Azevedo, na Fabico da Ufrgs, lá no início dos anos 70 do século passado. Zoólogo, Morris produziu um instigante ensaio antropológico, que  nos levava a entender melhor sobre o atual estágio da civilização e do comportamento humano. Para esse entendimento, uma  frase  da obra bastaria: “Apesar de se ter tornado tão erudito, o Homo Sapiens não deixou de ser um macaco pelado”.

Pois, agora me vejo na satisfatória contingencia de incluir entre os  livros que considero imprescindíveis uma obra em tudo convergente e complementar à de Morris. Refiro-me a Sapiens-  uma breve história da humanidade,  de Yuval Noah Harari, doutor em História pela Universidade de  Oxford,  lançada originalmente  em 2011, e que agora figura há 46  semanas   na lista dos mais vendidos da Veja. Entretanto, foi em um comentário da Tânia Carvalho que tomei conhecimento da obra. Grande Tânia, e grande lance da nossa L&PM, responsável pela edição brasileira.

Sapiens é fascinante e perturbadora. Harari tenta  lançar luzes sobre as nossas origens e, muitas vezes, reconhece não ter respostas para o mais provocativo dos  questionamentos: por que entre pelo menos seis espécies de humanos que habitavam a Terra há 100 mil anos só os homo sapiens, ou seja, nós, sobrevivemos e conquistamos o planeta?

Com uma prosa agradabilíssima, o autor combina ciência, história e filosofia e, assim, se aventura pelas três importantes revoluções que definiram o curso da história:  a Revolução Cognitiva, que deu início à história, há 70 mil anos; a Revolução Agrícola, que acelerou a história, por volta de  12 mil  anos  atrás; e a recentíssima Revolução Científica, que começou há apenas 500 anos. Nessa viagem através do tempo, Harari dá trânsito a teorias, aparentemente prosaicas, como a disposição para fofocar dos nossos antepassados e sua contribuição para a evolução humana ou a capacidade para a ficção, que distinguia o homo sapiens das outras espécies, e o que isso significou para que se impusesse sobre as demais , ou, ainda, porque a ficção jurídica “empresa de responsabilidade limitada” está entre as invenções mais engenhosas  da humanidade.

Ao final, o autor lança um preocupante alerta sobre o futuro que espera o “animal que se tornou um deus”, como prefere tratar o moderno homo sapiens, muito mais poderoso que os nossos ancestrais, embora provavelmente não mais feliz. Porém, não vou antecipar. Vai lá e confere.

Particularmente, Sapiens teve outro mérito. Fiquei tão envolvido com a obra  que imprimi um ritmo frenético  na leitura, voltando aos tempos em  que era  um leitor  voraz  e consumia pelo menos um livro por semana.   Em compensação, deixei de lado os outros sete livros que leio alternadamente e de forma, digamos, despacita. A explicação para esse comportamento errático talvez possa ser encontrada lá na Revolução Cognitiva.

domingo, 10 de setembro de 2017

Cinismo à brasileira


O eterno pais do futuro transformou-se na pátria  do cinismo.  Um cinismo escrachado praticado em todos os níveis, contaminando a sociedade, se bem que os piores exemplos vem de cima, de um bando de canastrões que infestam a vida brasileira.  Um cinismo desavergonhado, explicito, com justificativas de corar gigolô  a cada denuncia publicizada.

A JBS seguramente  vai para o pódio do cinismo. Responsável pelo maior escândalo de corrupção jamais visto no Pais, a empresa dos  Batistas pretendia contratar o ex-procurador federal Marcelllo Miller, então braço direito de Rodrigo Janot, para uma diretoria anticorrupção que seria criada. Vale o mesmo para Aldemir Bendine que assumiu a Petrobras com a  missão de recuperar a estatal, deu declarações incisivas contra o esquema de corrupção na empresa, tipo   “A gente está com sentimento, diríamos até de vergonha, por tudo isso que a gente vivenciou. Eu faço um pedido de desculpa em nome dos empregados...”.  No entanto, no mesmo período, Bendine mordia uma propina de pelo menos R$ 3 milhões da Odebrecht, isso enquanto as investigações da Lava Jato já estavam bem adiantadas.

Mas o lugar mais alto do pódio do cinismo é do Geddel, que emalocou R$ 51 milhões no apartamento de um amigo em Salvador, grana certamente originária de grossa corrupção. A PF levou 14 horas para contar toda a dinheirama. Geddel, convém lembrar, frequenta os noticiários sobre corrupção desde o episódio que ficou conhecido como a Máfia dos Anões do Orçamento.  Isso não foi impedimento para que ocupasse altos cargos nos governos FHC, Lula, Dilma e Temer. Pois esse sujeito teve a cara de pau de participar dos movimentos que resultaram na queda de Dilma, justificando que saia às ruas porque “ninguém aguenta mais tanto roubo”, criticando o “assalto aos cofres públicos”, além de detonar como “incompetente” o governo do qual havia participado e que permitiu que exercitasse na CEF  sua já consagrada vocação para a corrupção.

Esses corruptos e corruptores  certamente desconhecem que cinismo, na origem histórica, era uma doutrina filosófica grega, que prescrevia a felicidade de uma vida simples. Eles optaram pela corruptela do cinismo, nascida no  século 19, cujo significado já  está explícito no próprio substantivo:  aquilo capaz de corromper (alterar, perverter, adulterar, falsificar ou subornar) algo ou alguém; desfaçatez, descaramento. Tudo a ver com os exemplos citados. E olha que nem falei dos extraclasse Lula e Temer.