segunda-feira, 30 de maio de 2011

Otimistas e esperançosos

Sinto uma santa inveja daqueles que, cheios de amor para dar, postam mensagens positivas nas redes sociais, desejando “bom dia”, “boa semana” e outras manifestações do gênero. Um parceiro, pessoa meiga e com o coraçãozinho transbordante de entusiasmo, agrega uma cor a cada dia, na sua saudação matinal. Deve fazer muito bem a ele e aos receptivos à mensagem.


Não desqualifico, nem recrimino os otimistas de plantão. Só os invejo, repito. Gostaria de ter recebido o dom de enxergar o cotidiano e seus problemas com os olhos da esperança, aquela esperança de que, ao fim e ao cabo, tudo se resolve; aquela esperança que nasce da certeza de que o mundo não vai acabar se os nós não forem desatados; aquela esperança que se renova porque existe um dia seguinte.

Essa esperança, porém, não deve ser diferente da que conflita com a vida real, na qual, ao fim e ao cabo, nem tudo se resolve, o mundo não acaba mas o nosso universo particular pode desabar e o dia seguinte pode ser um acumulado de problemas não resolvidos. Ainda assim, invejo o astral dos otimistas e dos esperançosos. Só gostaria que junto com as mensagens positivas indicassem também a fórmula para agüentar os chatos e os interesseiros, para dizer “não” sem magoar, ser duro sem perder a ternura, conciliar necessidades com disponibilidades, enfim, desentortar pepinos, descascar abacaxis e abater um leão por dia de forma que haja um mínimo de gratificação pessoal.

Bem sei que a fórmula não existe ou se existe está dentro de cada um. Se estiver dentro de mim deve ter se refugiado num recôndito que minha sensibilidade não consegue alcançar. Mas não esmoreçam, otimistas e esperançosos. Continuem mandando suas mensagens. Pode ser que daqui a pouco os deuses do otimismo olhem para esse pobre e frágil mortal e me transformem num guerreiro da esperança.

sábado, 21 de maio de 2011

Macho Man

A diminuição do preconceito contra os gays de todos os matizes deve muito às novelas da TV. Não há um dramalhão sequer que não tenha sua porção gay e o detalhe é que todos pertencem à banda boa da trama, são leais e felizes, diferente do machão típico, ao qual é destinado sempre o papel de mau caráter. Pode ser uma leitura simplista dos roteiros televisivos, mas a verdade é que esses papéis não são designados ao acaso. Na origem e na condução da história está o autor e não é segredo para ninguém que boa parte dos nossos novelistas são gays, daí que não pegaria bem desqualificar os seus iguais com papéis menos nobres.


Semana passada, por exemplo, o SBT exibiu o primeiro beijo entre mulheres em novelas, que foi saudado como um avanço nesse processo. No caso, a ficção esta bem atrasada em relação à realidade, basta circular pela Cidade Baixa...

O que se observa agora é um sutil movimento para transformar os gays das novelas em personagens menos caricatos, sem tantos trejeitos. Começam a aparecer homossexuais que enganam como heteros, mas que assumem que estão fora do armário há tempos. Isso quanto ao, digamos, naipe masculino. Quanto às lésbicas, que passavam ao largo da caricatura, parece estar ocorrendo um movimento inverso, com o aparecimento de personagens mais masculinizadas. Talvez seja só impressão minha, sei lá. Também pode ser só impressão minha mas tenho visto muitas cenas de brigas entre mulheres nas novelas – é um tal de puxa cabelo, unhada pra cá e prá lá e agarrões como se fossem moleques de rua. Não sei aonde querem chegar os nossos novelistas trazendo as mulheres para um patamar menos civilizado.

Isso me incomoda, ao contrário da exposição maior das chamadas relações homoafetivas, pois convivo bem com a diversidade. Só não peçam para me desculpar por ser hetero. É importante ser claro nessa hora, incompreensões e radicalismos - de todas as partes - fora.

Um exemplo de como tratar o tema com leveza, bom humor e sem preconceito é a série Macho Man, que a Globo exibe às sextas-feiras. Na modesta opinião do ViaDutra , Macho Man é – disparada – a melhor série da nova safra da Globo. Os textos são do casal Fernanda Young e Alexandre Machado, o mesmo de Os Normais, e a história gira em torno do cabeleireiro Zuzu ( Nelson na vida  "real”), que leva uma pancada na cabeça, deixa de ser gay e passa a gostar do sexo oposto. Na nova “ fase”, Zuzu, numa magistral interpretação do ator e diretor Jorge Fernando, compartilha suas angustias e dúvidas com Valéria, sua assistente no salão de cabeleireiros, papel que Marisa Orth desempenha em grande estilo, fazendo o gênero ex-gorda que não consegue despertar a atenção dos homens. Todo o elenco, formado por coadjuvantes não muito conhecidos, tem uma performance de primeira, mas as rápidas transposições de Jorge Fernando durante os diálogos – de gay para hétero e vice versa – fazem os melhores momentos da série.

A questão central que está posta na divertida comédia é, na real, uma afronta a um tabu consolidado na sociedade: não existiria a figura do ex-gay, uma vez que a opção pela homosexualidade seria um caminho sem volta. O mote é interessante, mas reina grande expectativa sobre como os autores desatarão esse nó. Enquanto isso, divirta-se, sem preconceitos, com Macho Man.

terça-feira, 17 de maio de 2011

A Casa das Estrelas

* Recomenda-se ler a postagem No Reino da Fantasia, de 26/04/2011

A Casa é o que sou

Sem ela nada seria

Não fui eu quem sonhou

A Casa só existia

“Quando eu tinha mais ou menos quatro anos, eu “criei” Casa das Estrelas. Só quem tinha acesso a tal lugar era eu e meu pai. Eu costumava dizer aos meus irmãos, primos e amigos deles que os levaria lá, eles - sabendo que a Casa não passava de um fruto de minha fértil imaginação -, acompanhavam-me sempre pelos caminhos malucos que eu inventava. Eram horas de ginástica, que incluíam abaixa-levantas, rodadinhas e pulinhos e engraçados. Tudo, é claro, estava no mapa, ao qual eu e meu pai éramos os únicos que tínhamos acesso.


Incrivelmente sempre que eu me propunha a levar pessoas estranhas para lá, acabava perdendo-me no meio do caminho. A minha explicação era a única plausível: a Casa, que naturalmente, tinha vontade própria – não os queria lá.


E a Casa das Estrelas possuía moradores também: o Gleds, o Bleds – que eram gêmeos – e o Gledson – que era o irmão caçula. Não lembro da existência de nenhuma mulher na Casa.


Eu realmente não tinha muitos(as) amigos(as) aos quatro anos. Inclusive porque eu odiava a maioria das pessoas que se interpunham em meu caminho. Eles realmente eram muito chatos em comparação aos moradores da Casa das Estrelas, que sempre tinham alguma novidade ou algum fato intrigante, que eu me encarregava de narrar às pessoas que não tinham acesso à Casa.


Existiam várias filiais da Casa das Estrelas – não me lembro bem se eram nove, 11 ou 13, mas sempre gostei de números ímpares...-, algumas inclusive eram habitadas por fantasmas.


E cada filial tinha sua peculiridade. Não me lembro de nenhuma em especial, fora a dos fantasmas, fora a dos fantasmas. E em uma casa eu ia quando estava feliz, em outra quando tinha medo e em outra quando estava triste...Era ali o meu refúgio. Ninguém podia me incomodar ou ter acesso aos meus problemas enquanto eu estivesse l´.


E esse livro é uma busca de mim, da guriazinha que ficou esquecida em algum dos cantos da Casa das Estrelas. Porque hoje eu não tenho mais tempo para fugir, embora não me falte vontade. (...)


Algumas partes de mim ficaram por lá. Quando eu encontrar e entender o mapa, volto para buscá-las!"


A Casa das Estrelas esta lá

Pouco além do que espero

Fica lá a me esperar

Guardando as coisas que quero

** Do livro A Casa das Estrelas, inédito, de Mariana Dutra, ora exilada em Buenos Aires, buscando um caminho que e leve de volta às estrelas.

domingo, 8 de maio de 2011

A formatura

*Relembrando dona Thélia!

Minha santa mãe, a dona Thélia, jamais me perdoou por não ter sido convidada para a minha formatura no Jornalismo da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, a Fabico da UFRGS. Acho que foi lá pelo ano de 1977, quando retornei ao curso para conseguir me graduar, depois de três anos afastado. À época trabalhava na Rádio Guaíba, já estava casado, passava férias em Florianópolis e precisei vir a Porto Alegre apenas para a formatura. A viagem foi em grande estilo, de avião, pela falecida Vasp, eu e minhas sandálias franciscanas, uma calça jeans surrada e camiseta.


E foi assim que me apresentei para a formatura numa das salas da Fabico, no final da manhã. Aqui cabe explicar que a turma da faculdade era um tanto alternativa, para não dizer anárquica, naqueles idos dos anos 70 do século passado. Eram uns 30 formandos, grande parte deles já veteranos, só esperando receber o canudo para regularizar a situação profissional. Mas ninguém escaparia ao ritual exigido para as formaturas, mesmo que de forma discreta e em sala de aula. Pelo que lembro, apenas uma colega teve a coragem de convidar a família para a cerimônia.

Os coitados dos familiares ficaram chocados com a algazarra que a turma fazia a cada nome chamado para o juramento profissional. Ao final, o professor Guerreiro, diretor da faculdade e condutor da cerimônia, fez uma fala breve e cumpridora. Em seguida tratou de encerrar o ato, porque um dos gaiatos formandos ameaçava com um discurso e homem não queria correr riscos de ouvir mais bobagens ou alguma critica ao regime ditatorial que vigorava no Brasil de então.

Depois da formatura, aproveitei para filar o almoço na casa da dona Thélia. Foi quando ela teve o choque:

- Veio para a formatura? Que formatura? E por que eu não fui convidada? Menino, isso não se faz com uma mãe!

Dona Thélia sempre prezou que os filhos cursassem a universidade e a formatura era o ápice desse orgulho materno. Acho que eu era o primeiro filho a se formar, não em arquitetura como ela gostaria, porém em Jornalismo que ela apenas tolerava, mas isso pouco importava diante da insensibilidade de não convidá-la para a cerimônia. Era muita desfeita para uma mãe zelosa com o futuro dos seus rebentos. Dona Thélia era uma figura, calabresa na origem por parte de mãe e, até por isso, não media as palavras quando era desfeitada.

- Olha o que este menino me aprontou. Não me convidou para a formatura, eu que sonhei com isso toda a vida.

Estava me sentindo o pior dos filhos e não adiantava explicar a simplicidade da cerimônia ou que eu não dava tanto valor ao ato.

- Pra ti pode não ter valor, mas pra tua mãe era muito importante. Agora o que eu vou dizer para as tuas tias e as amigas da Igreja?

Essa era a chave para compreender o tamanho da frustração da dona Thèlia, que mantinha uma disputa velada com suas irmãs e as amigas devotas, comparando quem tinha mais filhos na universidade. Que curso sem valor era esse que o filho tinha vergonha de levar a mãe para a formatura? Dona Thélia perdia pontos preciosos na competição e isso eu só avaliei durante o sermão naquele indigesto almoço. (Ela dava tanto valor as formaturas que, anos antes, no colégio Rosário pediu ao Irmão José Otão, então reitor da PUC, para que me entregasse o diploma de conclusão do curso ginasial. O bondoso irmão concordou e lá fui eu, todo pimpão, de fatiota, receber o canudo da mais alta autoridade da mesa)

Deve ter sido praga de mãe, e praga poderosa, as torturas a que tenho sido submetido, desde então, em formaturas. (...)


Devo confessar que também fiz minhas macaquices e curti muito as formaturas dos meus filhos mais velhos – Rafael em Educação Física e Flávia em Psicologia. Nas duas cerimônias, foi inevitável a lembrança da mágoa e da frustração da dona Thélia por não ter participado da minha formatura. Ali estava eu, feliz da vida com o sucesso dos meus filhos, mas carregava a culpa de não ter permitido que a dona Thélia realizasse o sonho de ver seu filhinho formado, mesmo que fosse em Jornalismo. Deu nó na garganta. Mãe, como eu gostaria de poder voltar no tempo e reparar aquele equívoco da juventude. 

*Editado a partir da publicação original em 25/05/2010