Encontro no supermercado meu velho e querido amigo
Belmonte, o João Carlos. Trabalhamos juntos por quase 20 anos nas rádios Guaíba
e Gaúcha entre as décadas de 70 e 90 do século passado. Faz tempo isso e há
tempos não nos cruzávamos.
Belmonte foi, sem dúvida, o melhor e mais criativo repórter
esportivo de rádio que já vi atuando. Às
vezes era chamado a narrar, mas com certeza essa não era a praia dele. Nos
últimos anos migrou para o comentário e foi nessa função que se aposentou,
depois de fazer parte da geração de ouro do radio esportivo gaúcho, a geração do Ranzolin, do Lauro, do Ruy, do
Lasier, do Milton, do Edegar, entre outros. Em boa forma aos 72 anos, agora é mais
conhecido como o pai do Beto (Roberto),
respeitado ambientalista e professor universitário e do Caco (Ricardo),
também jornalista e escritor de texto irretocável.
Na nossa conversa,
diferente do que possam estar imaginando, não ficamos rememorando o
passado – e teríamos tantas coisas para lembrar e celebrar! – mas preferimos
colocar o papo em dia, inclusive cometemos algumas maledicências, como é de praxe em encontro de jornalistas. Belmonte e eu temos, entre outras afinidades,
o fato de sermos aposentados, mas com uma cruel diferença contra mim, que
continuo na ativa, ralando para garantir o rancho da semana e o plano de saúde
indispensável nesta quadra da vida, enquanto ele goza as delicias da ociosidade
e gasta parcimoniosamente a grana que amealhou nos tempos da fama. Agora até virou consultor, demandado que foi
por um ex-companheiro em vias de se aposentar.
- Ele queria saber como eu ocupava meu dia, porque
estava preocupado em não ter oque fazer e se entediar, explicou.
Aí, com entusiasmo e num fôlego só, relatou o seu
cotidiano, que ele considera movimentado.
- Acordo cedo, desço para apanhar o jornal, volto
para fazer o café e preparar as frutinhas para a Liginha (dona Lígia,
companheira de anos), tomamos o café
juntos, leio as noticias esportivas, vou ao supermercado, saio para uma caminhada de uma hora pelo
bairro (Menino Deus) ou para a ginástica no CETE (Centro Estadual de Treinamento Esportivo), volto, tomo o banho, e fico esperando o almoço. Depois faço uma
breve sesta, termino de ler o jornal, jogo uma canastra, vejo as novelas e os
noticiários até chegar a hora de
nanar e lá se vai mais um dia. Isso
quando não dou uma escapada à praia.
E completou: “ Nunca estive tão ocupado como
agora. Antes era um trabalho só, na
rádio, agora são múltiplas atividades no dia a dia.”
Tem sua lógica na ocupação do tempo a rotina diária
montada pelo Belmonte, que revelou, ainda,
que só se desloca de ônibus na cidade, provavelmente para economizar
combustível e fazer uso efetivo da isenção de tarifa concedida aos idosos. Evito, entretanto, opinar a respeito. Na despedida, combinamos de nos reencontrar
no lançamento do livro do Lauro Quadros (Olha Gente! no dia 5, na Livraria
Cultura) e até pensei que ele reclamaria do preço da obra, mas me enganei. Vai ver que recebeu uma cortesia...
O mais incrível é que no encontro em nenhum momento
se falou em doença e remédios, temas recorrentes entre veteranos. Em seguida chegou o
João Padeiro, outro personagem do Menino Deus, que só falou em doenças, mas aí
já é outra história.
-