domingo, 30 de outubro de 2011

"Vou me embora pra Pasárgada"



“Vou-me embora pra Pasárgada”, publicado pela primeira vez em 1930,  é um dos poemas mais conhecidos e citados da literatura brasileira. O autor, Manoel Bandeira, revela que foi o poema de mais longa gestação de sua obra. Acometido de tuberculose, Bandeira encontrou em Pasárgada o refúgio ideal, onde seus sofrimentos teriam fim e todos os seus sonhos poderiam se transformar em realidade:

“Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego. [...] O douto Frei Damião Berge informou-me que Estrabão e Arriano, autores que nunca li, falam na famosa cidade fundada por Ciro, o antigo, no local preciso em que vencera a Astíages. Ficava a sueste de Persépolis. Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas” ou “tesouro dos persas” suscitou na imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias (...). Mais de vinte anos quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda sensação de tudo o que eu não tinha feito na minha vida por motivo da doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me Embora pra Pasárgada!” Senti na redondilha a primeira célula de um poema, e tentei realizá-lo mas fracassei. Abandonei a idéia. Alguns anos depois, em idênticas circunstâncias de desalento e tédio, me ocorreu o mesmo desabafo de evasão da “vida besta”. Desta vez o poema saiu sem esforço, como se já estivesse pronto dentro de mim. Gosto desse poema porque vejo nele, em escorço, toda a minha vida; e também porque parece que nele soube transmitir a tantas outras pessoas a visão e promessa da minha adolescência - essa Pasárgada onde podemos viver pelo sonho o que a vida madrasta não nos quis dar”.

O ViaDutra, em momento poético cultural, reproduz o famoso poema, para levantar o astral na pré segunda-feira:

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo incosenqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive


E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei um burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’agua
Pra me contar as histórias
Que no tempo de seu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada


Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar


E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada







segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Haja coração!

Eta semaninha complicada. Vencê-la será um martírio. A contagem regressiva já começou e tudo tem que estar nos trinques em pouco tempo. Sobre a mesa, há uma montanha de papéis, projetos, documentos, pastas diversas e só de olhar dá um desânimo. Cada papel terá que ser examinado com critério, antes de ser preservado ou descartado para a “cesta” sessão. Jornalista paga caro por essa mania de guardar tudo, imaginando que um dia terá utilidade e jornalista desorganizado paga mais caro ainda. Tenho evitado olhar para aquelas pilhas porque a papelada já deve estar desconfiada que logo será travada a grande batalha do homem contra o que deveria ser acervo. Haja coração!


E ainda há as gavetas, entulhadas de outros papéis, contas pagas, coisinhas particulares, dois ou três pendrives cujo conteúdo desconheço e outras inutilidades. Por fim, será necessário enfrentar os armários, também repletos de guardados de passado útil, mas futuro duvidoso. Em cima dos armários, outras pilhas, atopetadas de revistas, planos comerciais e algo mais que só vou descobrir quando aportar naquele espaço.

Não posso esquecer de levar o porta-lápis com as fotos da Maria Clara, nem os cartões com o nome do ocupante da mesa em mandarin, muito menos o cartaz “Eu Curto, Eu Cuido”, atrações da sala, mas vou deixar a latinha cheia de moedas, espécie de caixinha do gabinete. Assim, o café da semana estará garantido. A propósito,vou deixar a bela cafeteira italiana recém adquirida - com recursos próprios. Será o meu legado.

De resto, é atender os telefonemas cheios de por quês a espera dos meus porquês. Haja coração!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Celebração

Já é possível pressentir um novo horizonte ali adiante. Esse novo tempo que se aproxima, repleto de boas expectativas, é também de ansiedade. Uma ansiedade bem-vinda, porque placidez em demasia leva ao tédio, que não é bom companheiro nas guinadas da vida.


Uma etapa se completa, deixou marcas, mas daqui a pouco tudo volta a ser como antes, ou melhor do que antes e mais um ciclo se inicia. Não dá para congelar o tempo, nem impedir a renovação. O importante é que todos saiam, no final do processo, maiores do que entraram porque isso fortalece para os embates que virão.

Não é hora de despedidas, sempre melancólicas, mas de celebração do que ficou de bom e de acreditar que a renovação é que nos move e deve nos animar para o passo adiante. E é sempre a confirmação que a única certeza nesta vida é que estamos de passagem. Sempre de passagem, porque meu lugar é em trânsito.

sábado, 15 de outubro de 2011

Rafinha Bastos e outras frivolidades.

Fico pasmo com alguns assuntos que a chamada mídia tradicional, e aí já incluo os portais de notícias, elegem para destacar e suitar. O tema frívolo da hora é o comportamento do tal de Rafinha Bastos, do programa CQC, atração da Band, que passou dos limites em termos de inconveniência ao comentar a gravidez da cantora Vanessa Camargo – ou seria da Maria Gadú?

O assunto está rendendo há mais de uma semana, potencializado pelas redes sociais que, não se enganem, ainda tem nas mídias tradicionais a principal matéria prima para suas postagens e comentários. O que está bombando no momento é o futuro de Rafinha, que foi suspenso do programa e ameaçaria se bandear para a concorrência. E, claro, se formaram correntes pró e contra o humorista- ele um dos campeões de seguidores nas redes sociais.  Até o Juremir Machado dedicou uma coluna inteira ao caso.

Tempos atrás se desperdiçou enorme espaço nos meios digitais e analógicos em torno do músico Tonho Crocco, por causa de uma música descascando nossos deputados estaduais, que virou polêmica porque um deles decidiu buscar reparação na via judicial. “Abaixo a censura”, bradaram os mais exaltados e o deputado, acuado, acabou retirando a ação. Mas até isso acontecer, o assunto rendeu bem acima do talento do músico e da importância do assunto.

E tem também a polêmica envolvendo a virginal Sandy que vacilou numa pergunta maliciosa em entrevista a Playboy sobre sexo anal e precisou dar muitas explicações. Quanto mais explicava, mais o assunto bombava. Queria o que a doce e meiga Sandy numa entrevista para a Playboy? Perguntas sobre papai-e-mamãe?

Confesso que se abate sobre mim um desânimo ao constatar o destaque dado a esses casos, mesmo num episódio mais picante como o da Sandy. Vou radicalizar: temo que a revista Contigo esteja influenciando em demasia as chamadas mídias tradicionais e, em outro viés, os rasos conteúdos e a ausência de outros interesses de boa parte dos adeptos das redes sociais acabam por produzir o fenômeno da reprodução massiva das frivolidades.

Agora, se me dão licença, vou descarregar minha rabugice e algumas frivolidades nas redes sociais.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A praça

A praça rústica e um tanto descuidada em frente à casa já foi o parque de diversão dos filhos quando crianças. Havia muita fantasia naquele espaço verde e cada recanto aguçava a imaginação dos três pimpolhos, fazendo a inveja dos primos visitantes que não tinham o mesmo espaço de aventuras tão próximo.

Amigos imaginários transitavam por ali, a árvore mais copada podia ser um castelo de fadas, os caminhos de terra batida levavam à terras desconhecidas e a mata nativa certamente era a floresta onde habitavam seres estranhos, alguns talvez malévolos. Tudo ao redor é grande e, às vezes, assustador quando a gente é criança.

As crianças cresceram e a praça ficou por um tempo fora de seus mundos, substituída por outros apelos e novas emoções. Mas o reencontro começa a acontecer com a nova geração que chega. A visita à praça envelhecida, levando a menina pela mão, foi mais prazeroso para o homem do que para a pequena, que ainda não descobriu todo o fascínio dos cantos e recantos cercados de verde.

Para a menina, como para sua mãe e tios quando iniciaram a fase das descobertas, o que atrai agora são as pequenas flores silvestres e o som compassado do balanço enferrujado que, para ela, passou a ser sinônimo da praça- di-dá, di-dá, di-dá.

A volta no tempo é inevitável, mas é preciso refrear a nostalgia, porque este é um momento mágico e curti-lo com a menina-criança não tem preço.

domingo, 9 de outubro de 2011

Fetiches de consumo

Tenho alguns hábitos, quase fetiches, em termos de consumo que me acompanham há alguns anos e que, com o passar do tempo, procuro refinar. Camisas azuis, de preferência quadriculadas, fazem parte dos fetiches. Diante de alguém envergando tal peça do vestuário não hesito em perguntar onde adquiriu e quanto custou. E, confrontado com o mostruário das lojas, vou direto às azulzinhas quadriculadas, até ouvir a corneta da Santa: “Camisa azul, de novo!!!”.


Nas gôndolas de vinho nos supermercados não tenho sofrido reprimendas quando adquiro, uma vez sim e outra também, aquele tinto encorpado que vai me dar prazer, cálice à cálice. Minha adega caseira é modesta em quantidade, mas tento preservar a qualidade, sem chegar ao exagero do Renato Machado, aquele âncora da Globo, segundo o qual vinho bom deve custar mais de 100 dólares!

De um tempo para cá, adquiri novo fetiche: canecas. Tudo começou quando amigas doces e meigas me presentearam com uma caneca personalizada, onde apareço de forma caricata com uma xícara de café numa mão e um cigarro na outra. Até hoje não entendi se era uma homenagem um uma censura. A verdade é que, a partir daquele mimo inicial, minha coleção se multiplicou e o canecódromo aqui de casa já conta com mais de 100 peças, de todos os tamanhos e formas. A cada viagem novos e diferentes tipos de canecas são acrescentadas, sem contar as que recebo de presente, como a mais recente incorporada ao acervo, a que a minha nenê Mariana me trouxe de Buenos Aires

Já os livros não são um fetiche, mas uma obsessão. Entrar numa livraria é um martírio: gostaria de adquirir todos os lançamentos ofertados, auto-ajuda fora. O que me atormenta é que não teria recursos, nem tempo para curtir tudo e fico frustrado porque deixarei muitas histórias e novos conhecimentos para trás.

O que me levou a escrever este texto foi exatamente o dilema que estou enfrentando: em algum momento perdi o hábito da leitura diária, substituído pelas incursões na internet, sessões de vídeo caseiro e necessidade de produzir trabalhos profissionais e acadêmicos. Na cabeceira da cama repousam, à espera do leitor ávido que fui, pelo menos cinco livros, do "Marketing 3.0"", de Philip Kotler, ao "Filé de Borboleta", de Luiz Coronel, passando pela coletânea "24 Letras por Segundo", pelo "Sob o Céu e Agosto", de Gustavo Machado e pelo "Vozes da Legalidade", do Juremir Machado. Houve um tempo em que traçava meia dúzia de obras, partes de um e de outro a cada dia, mas hoje mal comecei a leitura dos atuais livros de cabeceira, sem contar os mais de 30 que comprei nas duas últimas feiras do livro e outros tantos que ganhei e que estão na fila, intocados na prateleira e entristecidos pelo descaso.

Vem ai mais uma Feira do Livro e, apesar de tudo, vou circular entusiasmado pelas barracas, esgravatar nos balaios e, certamente, adquirir um lote de livros que estão condenados a fazer companhia aos outros desprezados pela indiferença.  Um dia me reencontro com todos eles.

sábado, 1 de outubro de 2011

Politicamente (in) correto

Piada de negrão? Não pode. Piada de judeu? Também não pode. Piadas de gays? É preconceito. Piadas do Joãozinho safado? Cuidado que pode afrontar o ECA. Cantada na colega? Assédio sexual. Exigir responsabilidade? Assédio moral.

Vivemos em tempos de amarras ao políticamente correto. Pelo menos as piadas de sogra ainda não sofrem restrições. Ainda, porque não vai faltar quem advogue que atenta contra os direitos da terceira idade.

Reprimir a espontaneidade e a criatividade popular, a malícia que não é maldosa, hábitos e práticas aculturadas, como sendo incorreções políticas, preconceitos e outros que tais, convenhamos, é uma demasia, é procurar cabelo em bola de bilhar. “Ás vezes um charuto é apenas um charuto”, teria dito Freud, restringindo as interpretações fantasiosas de que o charuto poderia ser um símbolo fálico. Quase sempre uma piada é apenas uma piada, não uma forma de desqualificação e o julgamento que cabe é se tem graça ou não.

Politicamente incorreto, verdadeiramente, é o autoritarismo, a corrupção, a violência, as injustiças, a falta de serviços públicos básicos, o levar vantagem e tantas outras mazelas que infernizam a nossa vida. Em nome do políticamente correto, permitem-se contraditórios.