terça-feira, 28 de abril de 2015

Diálogos da mesa ao lado

Os diálogos que tenho ouvido na mesa ao lado vale a pena serem socializados. São verdadeiras aulas de como as relações humanas ocorrem no dia a dia.  Quando se trata de situações envolvendo o naipe feminino, então, são joias  raras de convivência, verdadeiras lições de vida como só as mulheres sabem mostrar.

Vamos aos casos concretos. O caso 1 reúne à mesa três moças solteiras e uma namoradeira. Preste atenção ao esclarecedor diálogo:

Solteira 1:  "Como tu consegues?"

Namoradeira:  "O quê?"

Solteira 1: "Ter tanta sorte com os homens."

Solteira 2 –  "É isso mesmo!.Só namoras caras legais, tanto que termina e eles continuam sendo teus amigos, estás sempre bem servida e feliz, e mesmo quando ficas solteira tens quem acionar em caso de necessidade. Viaja horrores à trabalho e tem até aqueles "amigos" 100% disponíveis em qualquer lugar."

Namoradeira  – "Ah, gurias, sei lá! Acho que é porque eu não implico com uma barriguinha ou sardas, ou porque ele prefere cerveja e eu vinho, nem dei nos dedos de nenhum cara quando me disse que gosta de pagode. Nem pego no pé forçando o cara a ser e agir do jeito que eu idealizo. Aliás, eu nem idealizo. Vocês é que são muito chatas! "

Solteira 3 - "Eu não sou chata! Eles nem sabem com o que eu implico." 

Namoradeira-  "Então tu és mais chata do que imagina porque sequer dá a chance de o cara te agradar e tu desimplicar! Chatérrima."

Solteira 1 - "É verdade! Mulheres são chatas. Por isso eu não gosto de mulher. Gosto de homem".

Namoradeira - "Amiga, tu não gostas de homem. Se gostasse não estavas encalhada. Tu gostas de algo que não existe."

Quase intervi no debate, mas mantive-me em silêncio obsequioso para não pensarem que estava tomando partido. Agi da mesma forma quando presenciei o diálogo seguinte, desta vez envolvendo duas esperançosas solteiras, uma senhora casada e uma noivinha faceira.

Solteira esperançosa - "Amiga, bota meu nome na barra do vestido de noiva pra dar sorte e eu arranjar marido?"

Noivinha faceira  - "Eu não! Com esse azar pra homem que tu tens, se eu fizer isso meu casamento vai acabar sendo uma desgraça."

Penalizei-me sinceramente com a solteira esperançosa, ainda mais quando a outra solteira e a casada, caíram na gargalhada diante da cruel resposta da noivinha faceira.

Mas voltei a ter esperança na humanidade com o terceiro caso, agora envolvendo três moças solteiras, duas casadas e uma noivinha bem faceirinha. Pelo que entendi, uma das solteiras era a rainha da rabugice, sempre cobrando das amigas eventuais excessos etílicos, gastronômicos ou comportamentais. Até que conheceu um cara que passou a exercer forte influência em seus hábitos, tanto assim que após redescobrir as noites em claro bem aproveitadas e um fim de semana puxado, digamos assim, ela se entrega agora a outros prazeres, consumindo à mesa com vontade, enquanto festeja:

Solteira recém convertida à vida - " Coisa boa viver, né? Comer, beber, queimar as calorias depois!!! Azar que nem durmo mais!"

Solteira  desaforada - "Amém! Nunca mais larga esse cara. Tu és outra pessoa. Agora tu come, bebe, transa e não reclama!"

As outras personagens entram nesse caso como Pilatos no Credo e, antes que me acusem de machista e invasivo da privacidade alheia, devo revelar que todas as situações aqui relatadas foram devidamente liberadas para o ViaDutra.

E pra não dizerem que estou de implicância com o naipe feminino,  aqui vai um caso ocorrido na mesa ao lado envolvendo um particular amigo nosso, o Gunther.  Conquistador por excelência, ele conheceu numa casa noturna uma médica deslumbrante, quase uma Mais Médica de tão deslumbrante.  Imediatamente providenciou com o Odorico das Flores seis rosas vermelhas, que fez chegar à deslumbrante alvo de suas atenções. A estratégia deu certo

- Gostei das flores, gostei mesmo. E aí, onde tu moras? Interessou-se  a deslumbrante

Apanhado de surpresa, Gunther apelou para uma meia verdade para não revelar que morava na próspera Viamão.

- Eu moro na Grande Agronomia.

A deslumbrante sorriu amarelo e continuou o questionamento:

- Mora sozinho?

- Não,  atualmente moro com meus pais, obrigou-se a contar a verdade dessa vez, ele que está beirando os 40.

A deslumbrante, visivelmente decepcionada com a condição do pretendente, deu uma desculpa qualquer e evadiu-se do local. Ele ainda tentou uma última cartada, gritando enquanto ela saia.

- Mentira minha...Eu moro em Viamão, parada 32.

A reação dela foi jogar as rosas para o alto, sem sequer olhar para trás. E ele ficou a se perguntar:

- O que elas têm contra Viamão e com quem mora com os país?

Tentei consolá-lo conjecturando que talvez a especialidade da Mais Médica fosse urologia e quem sabe tivesse nascido em Unistalda ou Tio Hugo.

- Acho que vou me mudar para a Grande Partenon, replicou Gunther, já recuperado da inesperada rejeição.



                                                                      


terça-feira, 21 de abril de 2015

Futebolês

Claudio Coutinho era um capitão do exercito que participou como preparador físico da vitoriosa campanha do tricampeonato da seleção brasileira no México, em 1970. Depois assumiu como treinador da seleção para a Copa de 78 na Argentina, quando cometeu a sandice de deixar Falcão de fora, em detrimento do brucutu Chicão.  Com certeza essa opção  contribuiu para que o Brasil ficasse fora das finais, se bem que até hoje crescem as suspeitas de que os peruanos arreglaram para os argentinos chegarem as finais e ao título.

Maracutaias e equívocos a parte, Coutinho (gaúcho de Dom Pedrito) deixou sua marca no futebol brasileiro, nem tanto pelo estilo europeu que defendia ,  mas pela terminologia que passou a empregar e que de certa forma renovou o futebolês.  Exemplo é  o overlaping, ou ponto futuro,  que descrevia o procedimento em que o  jogador combinava o lance com um companheiro já se posicionando para receber a bola adiante.  Introduziu também o conceito de polivalência, baseado no futebol  total da Holanda da Copa de 1974, em que cada jogador passava a exercer mais de uma função em campo.

Coutinho estava adiante do seu  tempo, mas foi ridicularizado por uma mídia conservadora, vivendo em sua maioria ainda no tempo do sistema WM ou enaltecendo o 4-2-4 do tempo dos gramofones.  E não teve o devido reconhecimento ao falecer precocemente aos 42 anos quando praticava pesca submarina.

Atuei por mais de 25 anos no jornalismo esportivo e acompanhei de perto a evolução do futebol nesse período e as mudanças na linguagem da crônica esportiva. O rádio, por lidar com a emoção,  é mais grandiloquente. A  imprensa escrita, porém,  modernizou em muito seus conteúdos nas matérias de esportes, desapegando-se da terminologia inglesa que impregnava especialmente a cobertura do futebol  com seus corner, match, team, goal e outros tantos. A TV por seu lado conseguiu livrar-se da influência do rádio e o primado da imagem é que condiciona a linguagem, misto de emoção e texto mais elaborado.

Hoje o futebolês alterna modernidade e singularidades.  Nas  posições dos jogadores talvez tenham ocorrido as maiores mudanças, dos originais ingleses  beck, center half, center foward, para volantes, armadores, alas, passando antes pelos centromédios, laterais, meias,  apelando para a polivalência  na escolha das posições.

O Cláudio Coutinho do futebol moderno incorporou no gaúcho Tite, com seu palavreado que beira a discurseira da autoajuda e conceitos como treinabilidade,  flutuação, potenciar individualidades e outros termos com a marca dos  programas de gestão.  Já os jogadores adoram afirmar que estão focados e os jovens repórteres abusam do termo desconforto que substituiu o que se conhecia por lesão.  O time quando passar a jogar bem encaixou, com  os setores bem conectados. Até a segurança privada nos estádios, isto é, nas arenas, trocou de nome: agora atendem por stewards (guardiões em tradução livre), o que talvez represente um retorno aos termos ingleses originais.

No caso das singularidades nada supera o cascudo e seu sinônimo, rodado, jargões usados para identificar os jogadores experientes,  enquanto  brucutu referido antes  é a ofensa reservada aos jogadores  desqualificados tecnicamente.

Como sou do tempo em que o ponteirinho  ágil era expedito e jogador  negro era colored concluo que o tucanês do Macaco Simão chegou ao futebol.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

O dono da rua

- Doutor,  tenho visto cada coisa neste Centro!

A afirmação é do Tonhão, guardador de carros numa das mais movimentadas ruas do Centro Histórico de Porto Alegre. Classificá-lo apenas como guardador é desqualifica-lo como cidadão e profissional,  porque Tonhão é de absoluta confiança, aceita fiado e qualquer moeda é dinheiro para ele. É um prestador de serviços e a verdadeira autoridade no território sob sua responsabilidade. Afinal, ali é também sua residência numa meia água de papelão sob a marquise de um prédio publico.

Tonhão é um conservador quanto aos costumes, tanto assim que não se conforma com as liberalidades  que a sociedade já aceita e torce o nariz cada vez que vê duas mocinhas  transitando de mãos dadas ou se acariciando nos bancos da praça ali adiante.

- Um desperdício, doutor.  Umas gurias bunitas ficam de agarração.  Se fossem minhas filhas dava uma camaçada de pau, apela.

Se forem rapazes, o veredito também é grave:  "Estes estrupícios ficam aí se beijando. Homi que é homi não beija outro na boca. Uma nojera!"

Mulato atarracado, com uma idade incerta entre os 30 e os 40 anos, fruto dos maltratos da vida errante,  ele desconversa quando se tenta descobrir como foi parar ali, qual sua origem, se tem família ou  alguém a espera que volte para casa.

- Meu mundo é aqui. Ninguém pra me mandar. Doutor,  aqui sou feliz.
Pois outro dia, ele fez valer sua autoridade diante de uma alteração da ordem pública. Foi assim: estudante, aparentando cerca de 30 anos, na saída do restaurante foi atacada pelas costas por outra com roupa de ginástica. Puxão de cabelo, unhadas, tapas e arranhões feito duas loucas. Chegaram a rolar calçada abaixo, cada uma com um chumaço de cabelo da outra na mão. É claaaaaaaro que tinha homem por trás da disputa: 
- Sua vagabunda,  gritava uma...
- Vagabunda é tu, vocês só estão juntos porque eu toquei ele pra fora de casa, retrucava a outra. 
A fúria era tanta que ninguém ousava se meter. Nem homem. Até que o Tonhão resolveu agir e finalmente apartou:
- Agora chega, suas cachorra.. Vamu liberá a calçada!
Foi aplaudidíssimo e ao final da intervenção, sentenciou:
- Doutor, tenho visto cada coisa neste Centro...
* Tanks a Cristina Lac Rohe



terça-feira, 14 de abril de 2015

O poder da palavra

Sou verdadeiramente fascinado pela pregação dos evangelizadores dessas igrejas pentecostais.  Fico boquiaberto com a capacidade deles de transmitirem suas mensagens em nome do Senhor.  São máquinas de falar, equipadas com o que há de mais eficaz em termos de convencimento.  Experimentem assistir aos cultos na TV: os caras conseguem dominar qualquer plateia e fazê-las até mesmo acreditar que  os supostos milagres ali apresentados são reais., que o paralitico voltou a  andar, que o cego recuperou a visão, que a doença abandonou o corpo do sofredor.  A força da imagem,  todo o colorido dos cenários e a movimentação durante o culto se curvam quando o verbo se impõe.  

Há que se respeitar e temer esse processo, porque não interessa o que as pessoas estão vendo, mas o poder da palavra, a capacidade de persuasão. Nossos missionários  provavelmente aprenderam com os tele evangelistas dos Estados Unidos que são mestres na oratória e na expressão corporal, embora sejam mais sutis na arte de arrancar contribuições dos fiéis, diferente dos tele pastores tupiniquins, excessivamente agressivos na dita arte.

No Centro de Porto Alegre eventualmente cruzo com algum pregador a brandir, Bíblia na mão e sempre engravatados,  contra os pecados e os pecadores.  Nesse caso, o que me impressiona é o volume da voz, sempre grave e sonoramente impositiva, enquanto o olhar se dirige ao infinito, onde talvez esteja recolhido seu deus.  Pouca gente presta atenção ao matraquear  dessas pregações, porque falta a mística dos templos,  mas eles não esmorecem e no dia seguinte voltam para imprecar contras os males deste mundo pecaminoso.

Concorrência - Acredito mesmo que o crescimento da cruzada evangélica está diretamente vinculado à força da palavra que emana dos seus cultos. E assim se espraia uma onda de conservadorismo, ao mesmo tempo em que outros sinais de poder terreno de sobressaem, como a formação de uma verdadeira bancada evangélica nos parlamentos, o investimento em templos salomônicos e em veículos de comunicação ou  em horários nobres nas redes comerciais.  Aqui vale a observação do professor de sociologia da religião da PUC-SP, Edin Abumanssur, que li na Zero Hora de 12/04: “Antes a gente era católico por herança, agora existe concorrência”. E que concorrência, acrescento eu.

A rigor, não estou sendo original no reconhecimento do poder do discurso evangélico.  Silvio Santos, dono do SBT e um dos mais festejados  animadores da TV, chegou a afirmar há alguns anos que gravava em fitas os cultos do líder da Igreja Universal, o bispo Edir Macedo, para ouvir no carro. “O Edir Macedo me chama a atenção pela forma como fala”, explicou o homem do Baú.  Vale recordar que o bispo Edir é o proprietário da Rede Record, concorrente do SBT.

Que fique claro que não estou fazendo juízo de valor sobre a ação das igrejas evangélicas pentecostais e neo pentecostais, se tem doutrina ou não, mas apenas constatando uma verdade:  seus líderes são bons de goela.  Eu mesmo acabei  sendo envolvido por um deles. Foi assim: tempos atrás, depois de uma reunião em que tratamos assuntos profissionais,  sugeri que o pastor com o qual conversava que me incluísse  nas orações dele. Estava querendo ser cordial, mas foi a senha para que ele pegasse minha mão e começasse a reza, invocando os céus numa voz tonitruante:

-   Vamos pedir bênçãos ao senhor Deus agora mesmo! Senhor, protegei este teu filho, que precisa muito de tuas bênçãos, do teu amor.  Estendei, ó Senhor, tua proteção e tuas graças aos familiares deste teu filho,  a nossa cidade e a seu povo para que nada de mal lhes aconteça...

E emendou, sem uma pausa sequer, mais uma dezena de pedidos de bênçãos,  enquanto segurava firmemente meus braços como se quisesse transmitir uma corrente de fé ao ateu  que habita em mim. Apesar de tudo, portei-me civilizadamente e o generoso pastor saiu convencido de que eu fora tocado por suas rezas.  O que ele não sabe é que eu estava preocupadíssimo em que alguém entrasse na sala e visse aquela cena pra lá de estranha. Precisaria de uma oratória de pastor para poder explicar e convencer.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Choronas, gritantes & sussurrantes

Diferente do que a maioria meus detratores espalha,  não sou daqueles que presta  atenção integral  às novelas.  Assisto  a partes das tramas e tiro de uma ou outra cena os comentários maldosos que posto no Facebook. Faço questão de dar esse esclarecimento porque outro dia compareci a um evento noturno e só o que me perguntavam é como eu faria para acompanhar o capítulo daquele dia.  Cheguei a ficar ligeiramente magoado.

Não é esse lado, meus amigos.  A TV pra mim funciona como segunda tela, fenômeno que está se tornando comum e que consiste no uso as redes sociais de forma complementar, comentando o que se assiste na telinha. Só essa explicação já  mostra que tenho um viés intelectual em busca de refinamento  e não sou um mero noveleiro.

Mas  é das bisbilhotadas na chamada teledramaturgia que elenquei  (adoro o termo e já que o assunto é novela...) alguns perfis de nossas mais promissoras atrizes e também de uma ou outra veterana e mesmo atores que mereçam o comentário. Observo, por exemplo, que voltaram os tempos dos novelões mexicanos, com mocinhas sofredoras e choronas.  A melhor da categoria no momento é a personagem Laura, de Nathalia Dill em Alto Astral,  que deixou dois noivos no altar, é sacaneada pelo irmão, o marido é um canalha, não sabe quem é a mãe e ainda por cima é jornalista na trama. Tem mais é que chorar mesmo.  Mas me dá uma um dó ver aqueles olhões marejados de lágrimas, capitulo sim, outro também.

Já as gritonas e gritões  aparecem com um time e tanto em Babilônia, alvo principal da nossa maledicência atual.  A veterana Arlete Salles está pra lá de over no papel da mãe de um prefeito corrupto, mas nada supera as gritarias de Maria Claro Gueiros  quando entra em conflito com os filhos e o marido que a corneia. O cara é um assessor de imprensa, mas não faz justiça aos seus iguais da vida real. E tem ainda os faniquitos da Camila Pitanga e  do Marcos Veras , este contra seus companheiros de morada,  num fajuto papel de chef de cozinha.

Na categoria sussurrantes a rainha é Fernanda Montenegro, que fala daquele jeito que parece cult e civilizado, diferente de outro sussurrante, o Selton Mello, que interpreta os textos como se recém tivesse saído de um exercício de fonoaudiologia. O avô dos sussurrantes é o Carlos Vereza, com uma particularidade adicional: ele está sempre interpretando o Carlos Vereza.


Tem ainda as chatinhas, mas vou leva-las livres porque são todas candidatas à caldáveis premium no futuro,  até porque para tratar dessas abobragens o ViaDutra deve estar sem pauta. É vero!

sábado, 4 de abril de 2015

De Darin e Schunemann

Darin

O cinema argentino tem um vigor e uma qualidade de dar inveja às produções brasileiras, agora mais focadas nas neo chanchadas sob inspiração da Rede Globo.  Só não entendo porque todo o filme argentino precisa ter o Ricardo Darin, 58 anos, como principal ator. Desde 1969 quando estreou em A Culpa até Relatos Selvagens, de 2014, foram 20 filmes e pelo menos uma direção (O Sinal, no qual é ator também), mais de um filme por ano. 

Ainda não assisti à Relatos Selvagens, do qual falam muito bem , mas dos que já conferi  minhas preferencias vão para Um Conto Chinês e Elefante Branco. Este filme curiosamente inclui no roteiro a relação conflituosa de um padre da periferia de Buenos Aires, interpretado por Darin, com o  seu arcebispo,  que não guarda qualquer semelhança com o futuro Papa Francisco. Pelo jeito vão gastar o Darin de tantos filmes, pois ele está envolvido em pelo menos mais 20 projetos.

Reno Auteuil

            
Tenho uma quedinha  pelo cinema  francês  e constato que o Darin de lá,  atualmente,   é  Jean Reno, digno sucessor da linhagem de Alain Delon, Jean Paul Belmondo, Yves Montand, Gérard Depardieu,  se bem que é parelha  a disputa  com Daniel Auteuil . Reno, 68 anos e 32 anos de profissão, já atuou em 38 filmes; Auteuil, dois anos mais moço e com 25 de carreira, aparece em 20 filmes e uma direção.  Detalhe: Reno é marroquino e Auteuil é argelino.

No Brasil o correspondente aos  icônicos atores da Argentina e da França seriam o Selton Melo (30 anos de careira, 26 filmes e 14 series, dirigiu 2 filmes e duas series ) ou o Wagner Moura (23 filmes e 8 séries, uma direção em 14 anos de carreira), mas sobra também para o Lázaro Ramos (17 anos de carreira, 24 filmes e 9 series).  Detalhe2:  Wagner Moura e Lázaro Ramos, ambos baianos, atuaram juntos em nada menos do que 10 filmes.  Com Selton  e outros menos votados eles se projetaram mesmo através das novelas e séries da Globo, o que já estabelece alguma diferença em relação à produção cinematográfica de outros países.

Mesmo no Rio Grande tivemos um caso de ator hegemônico.  Foi Werner Schunemann, 13 filmes oficialmente contabilizados, sem contar  Deu Pra Ti anos 70 e Inverno, rodados em super 8 e  Verdes Anos  (de 1984), filme  que marcou toda uma geração e  que projetou Werner a ponto de transformá-lo em presença obrigatória em todos os longas e especialmente os curtas aqui produzidos. São desse período os curtas  O Zeppelin passou por aquiDeus ex-machina, O Velho do Saco, entre outros.  Tudo isso muito antes do mergulho no arroio Diluvio...

A essa altura vocês devem estar pensando:  “Como entende de cinema esse Flávio Dutra”.  Que nada, quem entende mesmo é o Renato Martins, do  #cenadecinema.  Apenas estava fazendo uma reflexão sobre o motivo pelo qual todos os filmes argentinos exigem a presença do Darin.  Deu no que deu, o resto é pesquisa no Google.


sexta-feira, 3 de abril de 2015

A pauta da Sexta-feira Santa

Publicada originalmente em abril de 2012.
Repórter de plantão na Sexta-feira Santa enfrenta uma pauta obrigatória: a cobertura da encenação da Paixão de Cristo no Morro da Cruz, no Partenon, também conhecida como subida ou procissão do Morro da Cruz. O evento ocorre desde 1960, criado pelo padre Angelo Costa, já falecido, e cresce a cada ano, reunindo preferencialmente atores da comunidade. Lá no final da década de 80 do século passado este que vos fala era repórter de geral da Zero Hora, estava de plantão da Sexta-feira Santa e, claro, foi escalado para acompanhar a encenação.
Lembro bem que era um dia quente no final de março e para escapar das obviedades das coberturas tradicionais, decidi escolher dois ou três personagens interpretados por atores locais para, através deles, montar a minha matéria.  Um dos personagens era balconista de uma ferragem e intérprete do soldado romano que passava toda a encenação surrando, com uma espécie de relho, um dos ladrões, que na vida real era motorista de táxi.  É importante esclarecer que a encenação reproduz a Via Sacra  e suas 14 estações ou etapas do suplício de Cristo naquela sexta-feira, há mais de dois  mil anos. Só que alguns atores imprimem demasiado realismo a suas interpretações e era  caso do soldado romano que, volta e meia, pesava a mão contra o pobre e talvez bom ladrão. O infeliz olhava enfurecido para seu algoz, mas nada podia fazer durante a celebração religiosa, mesmo que o sacana legionário revelasse perversa satisfação em maltratar o companheiro de elenco.  Sei lá se não deu o troco após o evento. O soldadinho, um sujeito atarracado e malvado, bem que merecia.
O mais inusitado ainda estava para acontecer naquela encenação do século passado.  O gran finale seria a ascensão de Cristo, a partir da capelinha existente no platô do Morro da Cruz e onde ocorria o final da procissão.  O espetáculo no fim da tarde previa jogo de luzes, uma trilha épica e aqueles fumacinhas de shows,  que acompanhariam a subida do filho de Deus feito Homem aos céus. Um engenhoso sistema mecânico elevava o ator, com suas vestes brancas, enquanto ele recitava lições de religiosidade. O ator já era o ex-vereador Aldacir Oliboni, considerado a réplica moderna do Cristo, de acordo como mostram as ilustrações que conhecemos.
Pois bem, lá estava o Cristo- Oliboni exortando os fiéis quando, à esquerda do platô, começou uma movimentação frenética. “É ele, é ele, sim!”, repercutia a massa.  Vocês estão autorizados a pensar que era o próprio Cristo redivivo comparecendo ao seu velório, mas na verdade era quase isso, guardadas as proporções e o período histórico. Quem surgia triunfalmente era Sérgio Zambiasi no auge da sua popularidade. O Zamba foi cercado e festejado pela multidão, enquanto Cristo subia ao encontro do Pai,  lentamente e quase de forma incógnita. 
Oliboni ainda tentou atrair a atenção dos infiéis, gritando palavras de ordem pelo sistema de som:  “Cristo está aqui!  Cristo está aqui! Agora é o momento  glorioso da subida aos céus. Venham, venham, é aqui que está o Filho do Senhor! Demos glórias ao Senhor!”, apelava o bom Oliboni. Inúteis apelos.  A massa queria mesmo era confraternizar – e fazer pedidos – a quem mais tinha a oferecer naquele momento.  Entre os consolos espirituais que Oliboni inspirava e os materiais que Zambiasi poderia proporcionar  a escolha do povo pecou pelo pragmatismo, mesmo na Semana Santa.
Confesso que fiquei penalizado com a situação do Oliboni, supliciado durante toda a subida do morro e justo no momento da sua consagração como Cristo e ator o público o abandonava daquela forma, trocando-o por uma situação tão mundana.  De novo, mais de dois mil anos depois, a história se repetia e  o povo renegava Jesus Cristo. 
Insensível público, mas depois fiquei pensando que fatos como o que presenciei talvez expliquem porque Sérgio Zambiasi chegou a senador e Oliboni, mesmo sendo Cristo por um dia, só agora conseguiu assumir como deputado estadual, ainda assim vindo da suplência. Mas aí já é outra história, nada a ver com a Semana Santa.
Boa Páscoa a todos. Que o coelhinho seja mais generoso que a massa que renegou Cristo-Oliboni.



quinta-feira, 2 de abril de 2015

Casos de familia

Tive o privilégio e fui atormentado pelo fato de  nascer e crescer numa família de muitos irmãos, nove no início e oito na maior parte do tempo. Não há contradição entre os dois sentimentos, quem viveu situação semelhante sabe disso, família grande  é sempre uma relação intensa, mas garanto que o resultado é mais positivo do que negativo.

Entre todas as manifestações que resultam desse convívio o que me chama a atenção é uma espécie de código familiar que acaba se estabelecendo naturalmente - expressões, frases, atitudes, estilos.  Nossa mãe, Dona Thelia, por exemplo, usava um subterfúgio quando queria apoio para uma tese ou proposta,  dirigindo-se preferencialmente às noras e as mulheres visitantes:  “Fulana, tu que és uma pessoa esclarecida, o que tu achas de...?”  Não registro caso de pessoa esclarecida que não aderisse ao que propunha a matriarca. Pior é quando ela fazia alianças de ocasião com as noras para algum tipo de cobrança aos filhos, o que nos levava  a lembrá-la :

- Mãe, nos é que somos teus filhos...

Ocorria também de assumir as queixas dos netos que reclamavam das restrições ou cobranças dos pais e, é claro, era adorada pelos pimpolhos – estamos falando de mais de  uma dezena de pequenos traquinas,  masculinos e femininos.

Dona Thelia era uma figura, um tanto debochada,  acho que por herança de seu pai, o cafuso alagoano vô Bastião misturado com a carcamana vô Amália , o que talvez explique muita coisa do passado e das gerações futuras.  Num veraneio em Arroio Teixeira descobrimos que ela tinha afinidades com Iemanjá, ou outra entidade do gênero, pois era a única pessoa que conseguia resgatar das águas uma moça que ficava em transe cada vez que entrava no mar. Ali pelos 50 anos começou a trabalhar na empresa de cortinas do meu irmão, e se encontrou como estilista.  Passou a fumar nessa época, começou a viajar pelo Brasil e no fim da vida, já doente, aprendeu a gostar de cerveja para combater as aftas que a atormentavam.

- Coisa bem boa,  agora entendo porque vocês gostam tanto de cerveja, regozijava-se enquanto saboreava sua bebida bem gelada.

Já o coronel Dastro (na verdade, tenente-coronel brigadiano, mas ele não recusava o título superior), nosso pai, era o oposto.  Sisudo, virou um católico fervoroso depois de uma juventude de devassidão, sobre o qual evitava falar, inclusive sobre como e quando ocorreu sua epifania. Consta que em Santa Maria (lá estudava no colégio Marista), quando removeram as gurias da “zona” na região central ele e o irmão Tarso seguiram juntos, em solidariedade, no caminhão que transportava as moças. Tantas  fez que seu pai, Vicente Dutra,  médico e prefeito de Iraí, decidiu alistá-lo nas tropas que combaterem os paulistas na Revolução Constitucionalista de 1932. Ele tinha apenas 16 anos!

O velho era um ambientalista nato, sabia tudo de plantas, isso antes que o termo sustentabilidade fosse inventado.  Nos pomares e hortas que cultivava o adubo sempre era orgânico, resultado do reaproveitamento do lixo doméstico.  As futuras noras e genros só ganhavam acesso livre à morada dos Dutras se o coronel os convidasse para conhecer sua produção agrícola. Os candidatos a genro tinham ainda as placas dos seus carros anotadas e lá ia ele buscar informações sobre o sujeito. Quando o assunto era sensível, advertia : “Assunto escabroso” ou então desviava a conversa afirmando “as mulheres gaúchas são muito bonitas”,  o que até hoje estamos sem entender o que queria dizer.

Assim, com esse DNA viramos uns tipos rústicos, tudo virou folclore e é lembrado com uma ponta de melancolia na confraria que reúne os irmãos. Agora somos seis, mas as histórias são sempre as mesmas, isso quando não estamos levantando assuntos escabrosos dos ausentes, aqueles que certamente não são pessoas esclarecidas.