sexta-feira, 28 de junho de 2019

Relações de consumo


*Publicado em 24/06/2019 em coletiva.net

Semana passada tratei aqui da burocracia que nos aflige também nos serviços privados. Hoje enveredo pelas chamadas relações de consumo e, claro, tenho queixas, ou melhor, certas implicâncias.

Sou um consumidor tipicamente comum: pesquiso preços, gosto de ofertas e não tolero filas. Assim, me sinto autorizado a dar alguns recados a partir das situações vividas no comércio em geral,

Dia desses entrei na filial Panvel do edifício Santa Cruz na rua da Praia e, além de precisar tirar ficha e esperar ser chamado, apenas uma pessoa fazia o atendimento atrás  dos balcões, enquanto outras quatro tratavam de arrumar as prateleiras, com especial atenção à ala  dos cosméticos.  Claro que preferi comprar meu ´produto na São João no outro lado da rua, que não tem fichas e conta com gente suficiente para atender de imediato todos os que entram no estabelecimento. 

A propósito,  naquela quadra entre a General Câmara e a Uruguai existem pelo menos  seis farmácias, algumas da mesma bandeira.  Por isso, aí vai minha primeira recomendação aos empresários do ramo: a oferta de  farmácias é tanta que fichas para atendimento e desatenção com os clientes  é o caminho mais curto para afugentá-los.

Outra situação que me incomoda é o hábito de empurrar  remédios a mais do que o solicitado. Na São João ocorre com frequência, assim como aqueles descontões para levar mais de uma caixa do mesmo produto. Esses procedimentos ligam o meu desconfiometro sobre a integridade do estabelecimento.

Outra situação comum que incomoda este veterano consumidor : o oferecimento dos cartões de lojas ou similares com anuncio de descontos na primeira compra. Naquela rede de supermercados mal me aproximo das caixas e as Kleten, as Darieleen e as Prithiely  já perguntam: “Vai pagar com Cartão Zaffari?”, mesmo que seja um assíduo frequentador  dos mesmos pontos, com as mesmas moças e sempre pagando no cartão de débito, o  pessoal ou o da firma.

Quando pergunto nas lojas para o que serve mesmo os cartões, além do desconto inicial, o pessoal das caixas me olha estupefato como se estivesse cometendo um crime de lesa-comércio e me falam de prazos alongadíssimos para pagar as prestações, mesmo que eu insista que, preferencialmente, pago à vista.  Aliás, as longas filas nos caixas das lojas é também uma boa maneira de irritar e perder clientes.  Não dá  pra entender que até na hora de receber a grana impere a burocracia.

Em se  tratando de filas, nada supera os supermercados BIG, com direito a  resenhas das operadoras de caixas e empacotadores –  nos poucos terminais com empacotadores – sobre rusgas  internas, injustiças nas escalas  de trabalho, acontecimentos familiares e até desavenças matrimoniais.  Já ouvi histórias que dariam, pelo menos,  um curta metragem.  Menos mal  que a maioria é bem atenciosa, especialmente o pessoal beirando a  terceira idade que, em boa hora, está recebendo oportunidades  nessas funções.

Enfim,  como diria aquele colunista do prestigiado jornal, não há o que não haja nas relações de consumo.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

País da burocracia


*Publicado  nesta data em coletiva.net

O jornalista e publicitário Alfredo Fedrizzi publicou no seu espaço quinzenal em Zero Hora um artigo em que detona a burocracia estatal. Sob instigante título A Burocracia Mata, o artigo constata que os procedimentos burocráticos na máquina pública pioram a cada ano e revela exemplos inadmissíveis, como o de um mecenas que quer  doar R$  40 milhões a uma universidade e não consegue devido às dificuldades criadas.

Sou testemunha de  outros  casos, o mais recente envolvendo uma homenagem que  a Associação Riograndense  de Imprensa pretende prestar aos moradores da rua Hipólito da Costa, plantando uma espécie nativa junto ao condomínio residencial que também recebeu o nome do patrono da imprensa brasileira. O gesto simbólico só vai se efetivar porque  o perseverante companheiro Ayres Cerutti decidiu enfrentar os verdadeiros  12 trabalhos de Hércules impostos pela Smam para autorizar a colocação da pequena muda. Excesso de papelada  e de níveis decisórios para um ato que se vincularia também à Semana do Meio Ambiente. 

Entretanto, é importante  que se diga que a burocracia não é privilégio dos entes públicos no Brasil. Não me faltam exemplos de serviços privados que se esmeram em atazanar a vida de quem necessita deles. Já  precisaram providenciar documentação para o aluguel de um imóvel? É irritante para o interessado pelo volume de documentos e constrangedor para o potencial fiador, que precisa expor  toda a sua situação econômico-financeira, muitas vezes junto com os dados da esposa, dependendo do regime de casamento. Passei recentemente por essa situação numa das mais tradicionais imobiliárias da  cidade.  

Igualmente fui massacrado por mil exigências para receber parte  do pagamento da venda de um imóvel, valores que seriam repassados por um consórcio com sede em Caxias. Era o credor, mas fui tratado como se fosse um devedor inadimplente. Por um erro do financeiro  do tal consórcio, o pagamento acabou antecipado, o que motivou  um telefonema da responsável pelo  setor, explicando, vê se pode,   que, na real, só deveria receber 30 dias depois, mas que agora  seriam gentis e  não estornariam os valores. Ou seja, burocráticos e atrapalhados.

O setor  financeiro do país, aliás, é rico em exemplos da máxima “pra  que facilitar,  se podemos complicar (?)” para o  cliente, embora opere e lucre - muito! -  justamente com a grana desses clientes.  Novamente relato um caso pessoal de tratativas com o gerente de um banco com sede no exterior que, depois de longa peregrinação para  abrir  uma conta empresarial, demorou mais seis meses para conseguir o segundo o cartão  para o outro sócio do empreendimento.

É por essa  e por outras que um serviço  bancário que está se lançando no mercado cunhou o termo “bancocracia” para fustigar  a concorrência e vender a agilidade de seus serviços. Aí eu lembro que em 1994  abri uma conta no Bank of Texas, em Dallas, em 20 minutos mediante apenas a apresentação do passaporte. Na mesma cidade, por conta das operações da Rádio Gaúcha na Copa  do Mundo dos EUA,  contratei junto a uma  operadora local oito linhas telefônicas, precisando somente de uma ligação e o envio de um fax, com o endereço para  a cobrança dos serviços. Na época, pré-privatizações, só com pistolão para  se conseguir uma linha de telefone automático no Brasil.

Os cartórios, estas caixas registradoras da burocracia tupiniquim, são um capítulo a parte. Para encurtar uma resenha que se alongaria, conto apenas que, ao precisar de uma procuração (exigência do banco já  referido), o cartório demorou 30 dias para elaborar o documento, uma folha frente e verso, adornada com uma capa de papel, ao custo de R$ 120,00, incluindo uma infinidade de taxas.  Já nem falo da proposital burocracia  das centrais de atendimento ao cliente quando acionadas para resolver algum problema ou cancelar serviços. O objetivo não declarado, mas evidente,  é vencer o cliente no cansaço e nisso são competentes.

Timidamente o governo federal já decreta algumas medidas, entre várias outras decisões equivocadas,  para enfrentar o monstro da burocracia estatal. Só que vai precisar de muita energia e de decisões políticas  firmes para vencer a guerra , iniciada com  Hélio Beltrão e seu ministério da Desburocratização nos idos dos anos 80 do século passado, mas com poucos resultados práticos até agora para os cidadãos. Nós, vítimas diárias da burocracia estatal, esperamos que as  iniciativas atuais  cheguem também aos serviços privados e para além dos apps, esta ferramenta que se imagina possa facilitar todos os problemas enfrentados pelos  consumidores brasileiros e nem é  tudo isso.


segunda-feira, 10 de junho de 2019

Inimigo #1


* Publicado nesta data em coletiva.net

Os cães são o inimigo número um dos amantes. A afirmativa não é gratuita. Os holandeses, sempre muito avançados nas questões dos costumes, já sacaram que os simpáticos dogs  e a  prática sexual são incompatíveis, tanto assim que liberaram uma praça de Amsterdã para encontros amorosos completos, ao mesmo tempo que em proibiram a circulação de cães pelo local.

Será que não é má vontade com os aparentemente inocentes animaizinhos? Os holandeses podem ter lá suas razões que não devem ser muito diferentes das que colhi em vários depoimentos de vítimas de nefasta interferência canina nas suas relações. Todos reclamam que, nos tempos que correm,  número expressivo das mulheres disponíveis, solteiras ou descasadas,  já estão emocionalmente envolvidas. Cães e gatos passaram a ocupar lugar de destaque em seus corações e mentes, o que explica a disseminação e a prosperidade do comércio dedicado a produtos para pets.   

Algumas moças e senhoras, inclusive, tem o hábito pouco saudável de permitir que seus animais domésticos durmam na mesma cama, impregnando-a de pelos e odores. O mesmo leito que depois será compartilhado para práticas mais saudáveis. Um conhecido conta que, submetido a uma situação assim, dava um jeito de só transar na banheira. Outro preferia o sofá, até se dar conta de que o móvel também era hospedaria de cães e gatos. Mas aí já era tarde e depois de um constrangedor acesso de espirros na hora H, decidiu romper com a namorada. Desde então dedicou-se a conquistar mulheres sem animais de estimação.

Mesmo com o excesso de pelos, os gatos não devem ser motivo de preocupação  porque eles não se fixam tanto nas pessoas e sim no habitat, portanto não veem o amante de sua dona como um rival, a disputar espaço e atenções. Com os cães é diferente. Cães são obsessivos, ciumentos.

Pós-graduado em psicologia de mesa de bar, também observo esse crescente apego das mulheres aos animais domésticos, adotados como se fossem filhos.  Constato ainda a preferencia feminina para batizar os animais com nomes estrangeiros, talvez para conferir a eles um status que seus pedigrees não autorizam. Nomes retirados, com frequência,  de séries televisivas ou do Netflix, tipo  Greys, Mirror, Gilmore, Merli, Seinfeld e barbaridades do gênero. 

E tem cada história! Amigo do colunista revela que a maior humilhação que sofreu foi quando uma parceira trocou um promissor happy hour pela compra de rações para seus cães. Até hoje ele não se recuperou da desfeita. Outro amigo conta uma situação que mostra até que ponto a espécie pode ser ardilosa.. Nos primeiros encontros na morada  da amante, o cãozinho de estimação não o hostilizava, ao contrário, fazia festa e se refestelava com ele, doce e meigamente. Mas isso ocasionava problemas quando voltava para casa e o cão da família ficava eletrizado, não largava do pé dele, e ele não sabia explicar o porquê. Só descobriu mais tarde: a amante, na verdade, tinha uma cadela e ela - a cadela - estava no cio, fazendo nosso amigo de portador da química que atiçava o cão  dele.  

Outro companheiro de confrarias se queixa de um cachorrinho voyer, que conheceu na casa da filial. O danado do bicho ficava à espreita na hora do rola-rola do casal e demonstrava todo o seu entusiasmo com o que assistia. O que mais irritava o sujeito era que, assim que colocava os pés na casa da outra, o cãozinho já subia para o quarto, rabo abanando freneticamente, para presenciar o espetáculo. Menos mal que era um animalzinho de pequeno porte, já que o nosso amigo temia que um dia o excitado cão saltasse sobre eles. Imagina o estrago, se o bicho fosse grande.

Ao expor essas situações só espero não ser execrado pelos adoradores de pets, nem sofrer retaliações da Felícia e do Godo, os discretos yorkshire aqui de casa.



segunda-feira, 3 de junho de 2019

Memórias da Fabico II


* Publicado nesta data em coletiva.net

A saga continua, com foco na universidade. Por enquanto, na base da nostalgia.  O texto a seguir é uma reedição do que encaminhei em 2010, a pedido do amigo e professor Flávio Porcello para os eventos que celebrariam o aniversário da  Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação:

A Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da Ufrgs comemorou 40 anos na sexta-feira, 24 (setembro de 2010). Tinha me programado para comparecer ao jantar dançante no Clube Farrapos e rever os companheiros da primeira turma, dos idos de 1969, que deixou a Escola de Jornalismo, ligada a Filosofia, para constituir a Fabico, no prédio da gráfica da universidade, na Ramiro Barcelos. Mas outro compromisso atropelou a incursão nostálgica e só me resta participar das comemorações por meio deste depoimento, recordando fatos pitorescos de uma era que deixou saudades. (Vale registrar que em 2012 a colega Mirian Bravo liderou o movimento que resultou no Fabicaço, um exitoso reencontro de todas as gerações de fabicanos).

Lembro, por exemplo, do esforço que fizemos para promover no início da década de 70 o Salão de Arte e Comunicação, o Saco. Foram duas edições, a primeira dentro do prédio e a outra no canteiro, hoje urbanizado e na época uma espécie de território livre, na frente da faculdade. Isso porque a direção proibiu as manifestações, alegando que o pessoal estava fumando maconha (sim, já se fumava maconha naquele tempo; eu fora) e bebendo muito durante o evento (eu dentro).O grupo do qual eu fazia parte apresentou no primeiro ano um trabalho sobre Poesia Concretista, na base de slides e sons.  Ficou uma bosta, ninguém entendeu, nem nós. (Consta que durante uma das apresentações alguém correu pelado entre espectadores, mas acho que é lenda acadêmica. A ser verdade, fica a evidência de que este negócio de nudismo nas universidades não é novidade).

Lembro com saudade também das viagens que a turma fazia sob qualquer pretexto. Participei de uma para Brasília e outra para a Bahia, ambas de ônibus, dos antigos.  No grupo tínhamos mulheres, nossas colegas, especialistas em surrupiar artigos de lojas de souvenirs. Nunca vi gente tão habilidosa para enganar os atendentes das lojas. Na viagem de volta da Bahia (era um congresso de jornalistas) voltamos – o Félix Valente, ex-consultor de prefeituras do PT,  e este que vos fala – na maior pindaíba, com o equivalente a R$10 reais de hoje para comer e hospedarmo-nos no CEU (Centro dos Estudantes Universitários, no Rio, um pulgueiro,  ao equivalente R$ 1,00 o pernoite. A recomendação era de que a gente não descuidasse da bagagem). No Rio conseguimos comer uma mini pizza e uma guaraná para os dois. Voltamos em ônibus de linha, com transbordo no Rio, e chegamos a Porto Alegre mortos de fome.

E tem ainda a história do primeiro jornal que fizemos denominado Ernestão, homenagem-sacanagem ao professor Ernesto Correa e que constava de uma folha, tipo mural. Até hoje busco quem tenha um exemplar.  O Ernestão  ficou faceiríssimo. O mesmo Ernestão, diretor à época e muito gozador, pregou uma peça no professor Abrelino Rosa, que lecionava literatura brasileira e era um profundo conhecedor de Fernando Pessoa. Pois bem, na falta de professor para a cadeira de Redação Jornalística, convencido pelo Ernesto, o professor Rosa topou assumir a cadeira e começou a dar aula com um livro texto tipo “Jornalismo sem mestre”. Foi um gritedo do pessoal, até ele se dar conta do ridículo da situação, excomungando o Ernestão.

A Fabico era o patinho feito da Ufrgs, mas sempre nos orgulhamos dela.  Nossa turma foi a primeira da faculdade, com currículo novo, de 4 anos, prédio novo, depois de um semestre como Escola de Jornalismo, ocupando o terceiro andar do prédio da Filosofia. Então, isso moldou muito a turma, que superava a falta de condições estruturais com muita criatividade.  Não tínhamos laboratórios de rádio, nem de tv e equipamentos nem pensar.  E a máquina de fotografia era uma velha Roleiflex, compensada pela presença do professor Santos Vidarte.

Conviver com o Santos Vidarte, com o Ernesto Correa, com o professor Marcelo Casado de Azevedo, este um gênio, muito adiante do seu tempo, foi o melhor legado, pelo menos para mim, do anos de Fabico.  Recebíamos aulas de matérias não técnicas de professores de outras unidades da Ufrgs e sempre eram caras do primeiro time, Brochado da Rocha, o pai, Helga Picollo, entre outros.

O grupo de trabalho, quase permanente do qual eu fazia parte (Maria Wagner, Oscar Flores Junior, Silmar Muller,  Jaures Palma, Maria de Fátima, a Nossa Senhora, entre outros- onde anda essa gente?) era pretensioso e um dos trabalhos na cadeira de Rádio foi sobre Histórias em Quadrinhos - quadrinhos em rádio!!! O roteiro previa uma sonoplastia caprichada, com sons que expressassem onomatopeias (sock!, poff!!). Ficou uma porcaria e ainda foi censurado, em parte, pelo professor porque, entre outras coisas, criticava o Capitão América, que acusamos de ser símbolo do colonialismo americano. O argumento para a censura foi prosaico: a Rádio da Universidade, onde gravávamos o programa, tinha convênios de cooperação com o Consulado Americano, que poderia não gostar do nosso programa.

Enfim, levei oito anos para me formar, porque esqueci uma rematrícula e fiquei fora três anos. Consegui voltar em 76 e a formatura foi a coisa mais informal da qual já participei: na sala de aula, com alguns professores, os alunos e uns poucos pais, incrivelmente orgulhosos.  Eu estava de sandália porque tinha interrompido as férias em Florianópolis e minha santa mãe,  dona Thelia,  jamais me perdoou por não tê-la convidado para a minha formatura (história contada em https://viadutras.blogspot.com/2010/05/formartura.html). Um dos alunos tentou fazer um discurso (estávamos em plena ditadura) e o diretor Guerreiro, pra não de incomodar, deu por encerrada a sessão. (Qualquer dia desses resgato o texto que cometi a respeito).

Esperava voltar este ano(2010) à Fabico em grande estilo para a formatura da minha filha Mariana, em RP.  Mas que sina: interrompi uma reunião,  me toquei para a Ramiro Barcelos e adentrei apressado no auditório lotado...de alunos de uma disciplina qualquer. A formatura fora em gabinete, em outra sala, e tão informal que já terminara. E Mariana já havia fugado. Era a história da formatura – sem os pais - se repetindo em forma de drama e farsa.

Assim mesmo, ficam na memória as melhores lembranças da Fabico, especialmente daquela primeira turma, muito integrada, muito festeira e pouco politizada, o que era uma incoerência para a época.

(Voltaremos)