terça-feira, 29 de setembro de 2020

Da série Histórias Curtas

 * Publicado em coletiva.net em 28/09/2020

Três histórias inspiradas em fatos reais

1.Os piscineiros

Aos 16 anos, Guita teve um sonho perturbador. Sonhou que conseguira construir na casa da praia  uma piscina de águas azuis e quem fizera a obra  foram dois rapagões, que trabalhavam só de bermuda, sem camisa, tostados pelo sol litorâneo. A imaginação da moçoila viajou nas relações com os dois operários.

Vinte anos depois, com Guita ainda em boa forma apesar da passagem do calendário, o sonho poderia se concretizar. A piscina encomendada estava pronta e fora construída por dois rapazes, como imaginara no sonho. Só  que...

- Olha, eram uns guris de bom porte, mas quando abriam a boca faltavam dentes e do que diziam nada se aproveitava, além dos detalhes da construção. Assim ficou difícil ser feliz.

E Guita voltou a sonhar, porque era bem mais prazeroso do que a realidade obreira.

 

2. Diálogo impertinente

Na rede social:

- Oi.

- Olá.

- Tudo bem?

- Tudo.

- Me chama no meu Zap,  (...)

- Pra quê?

- Lá vou te apresentar meu trabalho. Vamos ver se vc se interessa.

- Que tipo de trabalho?

- Eu vendo  vídeos e fotos minhas. Sensuais...

- Não tenho interesse.

- Na vdd eu queria sair disso. Queria um companheiro.

- Minha faixa etária não combina com a tua.

- E daí? Eu não quero um novinho, que só quer sexo. Quero um homem maduro, responsável.

- Conheço um local onde tem um monte. Ali onde jogam dama na Praça da Alfândega.

- Vc é muito mau educado, ridículo, grosso.

 

3. O vaidoso

O consagrado escritor, tão talentoso quanto vaidoso, encontra em meio a praça o amigo incauto e depois da saudação inicial, passa a orgulhar-se dos seus feitos literários.

- Meu último livro vai ser traduzido em mais três países. Agora já são cinco versões no exterior. Não é pouca coisa para um escritor da província. O romance foi muito bem recebido pela crítica e até já tenho propostas para que vire filme ou minissérie. Olha, acho que mais  uma vez acertei a mão. A história é realmente interessante, mais do que isso, instigante. Os livros anteriores também tiverem ótima aceitação de público e de crítica, inclusive o de poesias, com meus sonetos preferidos.  Penso que chegou a  hora de pleitear uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Não me tomes por vaidoso, mas acho que já mereço ser um imortal!

A conversa seguiu unilateral por mais um tempo, até que o nosso personagem se deu conta de que estava diante do que deveria ser um interlocutor. Aí fez uma pausa  e disparou:

-Bah, já falei demais. Gostaria de te ouvir também. Então, me diz: o que achas da minha obra. Seja sincero.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Seis roteiros para filmes policiais e uma comédia

* Publicado em 08/09/2020 em coletiva.net.

Assim que passar a pandemia e forem retomadas as produções cinematográficas ouso sugerir alguns temas para roteiros de ficção. Acredito que resultariam em movimentados e instigantes  trailes policiais e até comédia.

Roteiro 1:

Título sugerido: A pastora assassina

Num pais não identificado,  uma pastora evangélica, eleita deputada federal, casa com um filho adotivo, mais jovem do que ela, mas quando ele toma conta das finanças  da família sem prestar contas ou compartilhar os ganhos obtidos em cultos junto aos fiéis, a mulher decide matá-lo. Primeiro tenta envenená-lo, depois não foi difícil  arregimentar entre os numerosos filhos adotivos e naturais quem estivesse disposto a dar cabo do avaro chefe do clã, com a promessa de benefícios monetários pelo êxito da missão. A execução é consumada, mas deixa rastros e evidências da autoria. Ao final a trama é descoberta, mas sem dar spoiler, é possivel antecipar que vários membros dessa família  nada santa estão envolvidos no assassinato a mando da pastora. Recomenda-se Classificação para Adultos por causa das cenas de sexo,  inclusive com troca de casais.

 

Roteiro 2:

Título sugerido: Uma família muito esperta

O presidente de um país da América Latina, em meio a uma crise sanitária sem precedentes, é denunciado porque um ex-assessor fez sucessivos depósitos na conta da esposa do mandatário, sem que haja uma explicação razoável para a origem do dinheiro.  Ao mesmo tempo, os filhos do mandatário também estão enredados em esquemas envolvendo dinheiro de natureza duvidosa ou em relações com milicianos. Destaque para o roteiro: as manobras da primeira família  para escapar das garras da Justiça. Sugestão de chamada para o filme: Presidente, por que depositaram os cheques na conta da primeira dama? Vale advertir que o filme terá linguagem  pesada e palavrões em vários diálogos entre os personagens, por isso a classificação deve ser para Adultos.

 

Roteiro 3:

Título sugerido: O magistrado que virou de lado

Um magistrado pouco conhecido da população é eleito mesmo assim para governar um dos mais importantes e violentos estados de um país latino-americano. O estado é dominado por traficantes, milicianos e uma polícia corrupta, assim como a maioria  dos líderes políticos. Na campanha eleitoral e no discurso de posse, a principal promessa do governador eleito foi varrer a corrupção que dominava o Estado e que envolvia os governantes anteriores. Pouco mais de um ano depois de assumir, ele  é afastado do cargo por denúncias de recebimento de milhões em propinas através das contas da sua mulher. As investigações descobrem o envolvimento de outros auxiliares e de representantes do legislativo, entre eles um pastor. O roteiro deve resgatar o histórico de corrupção dos antecessores, seis deles presos ou com passagens pela prisão.

Roteiro 4:

Título sugerido: Vítimas ou vilãs?

As história de uma deputada e pastora evangélica acusada de encomendar aos filhos a morte do marido, que era filho adotivo dela; o caso  da mulher de um mandatário nacional, que precisa responder por que recebeu altas quantias, de procedência duvidosa, na sua conta bancária; a tentativa de encobrimento, pela mulher  de um governador, do recebimento de propinas destinadas ao seu marido.  Um roteiro cheio de intrigas familiares e de detentores de poder,  e uma questão crucial envolvendo as três mulheres: eles foram vitimas de homens inescrupulosos ou agiram conscientemente, cooptadas pelo crime e pela corrupção? As histórias podem render um atraente seriado, com o fio condutor inspirados para as narrativas: eram elas vítimas ou vilãs?

Roteiro 5:

Título sugerido: Senhores  supremos

No tribunal supremo de um certo país, as histórias envolvendo os 11 magistrados da corte: as tramoias,  as relações  comprometedoras, o favorecimento a  familiares e amigos,  sentenças beneficiando condenados, atropelos à legislação do país e muitas decisões controversas. Um destaque deve ser dado à origem de cada um dos julgadores e quem apadrinhou a indicação. Ótimo roteiro para quem gosta de filme de tribunais, embora a canastrice dos principais personagens e o excesso de jurisdiquês nas longas sentenças, por isso é importante o  suporte de especialistas  à produção. Recomenda-se, ainda, um cuidado especial no tratamento da história pra evitar que algum capa preta do Tribunal verdadeiro censure a exibição do filme.

Roteiro 6:

Título sugerido: Os Guardiões do Alcaide

Roteiro na medida para uma comédia dramática: na ex-capital de um país latino-americano, o alcaide, às voltas com as críticas da mídia e da população, reage contratando uma brigada de defensores. Batizados de Guardiões do Alcaide, os brigadistas se posicionavam preferencialmente junto aos hospitais públicos, hostilizando quem criticava o chefão municipal pelo mau atendimento dos serviços de saúde.  Depois de muitas trapalhadas,  a virada no roteiro deve ocorrer a partir do momento em que os Guardiões decidem encrencar com  as entrevistas dos repórteres da principal rede de TV do Pais e a ação deles vira assunto nacional. Descobre-se que eram pagos com dinheiro público, a mando direto do comandante mor, o alcaide. No lançamento do filme nessa capital a segurança deve ser reforçada porque os Guardiões podem ser reativados para tentar algum tipo de manifestação junto as salas exibidoras,

Importante esclarecer nos créditos de todos os filmes que se tratam de enredos ficcionais e que qualquer semelhança com pessoas e fatos conhecidos será mera coincidência.

 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

REFLEXÕES, OBSERVAÇÕES E DICA EM TEMPO DE PANDEMIA...

1. Sobreviver ao agosto de 2020 já é um feito!

2. Dá uma melancolia passar pelo Parque da Harmonia e não ver os piquetes sendo erguidos, a fumaceira e o cheiro de churrasco no ar.

3. Às vezes fico com a impressão que o governo Bolsonaro faz algumas nomeações só para receber críticas e poder retaliar.

4. As histórias da Flordelis, do Witzel, dos cheques bolsonaristas, que roteiros prontos para serem filmados! Alô, Padilha.

5. A primeira conclusão da investigação sobre os cheques depositados na conta da sra. Bolsonaro: todos tinham fundos.

6. Da postagem alheia: Tradições cariocas - Reveillon, Carnaval, Prisão de Governador . (Copiado de Renato Marsiglia)

7. O maior problema do Rio não são os governadores, são quem elege eles...

8. Só falta quem for julgar o governador afastado do RJ pedir witzel do processo...(Ai,ruim essa, né?)

9. Novo sinal do fim dos tempos: terremotos de magnitude na Bahia!

91. Bah, nunca os baianos foram tão ágeis para escapar dos eventuais perigos...

10. O corretor automático escreve sempre um palavrão quando digito a palavra pauta..

10.1. Gente maldosa insinua  que até meu corretor é sem-vergonha.

11. Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. (by Paulo Motta)

12. Pessoal que foi flagrado fazendo festa  em motel na zona norte de Porto Alegre vai reivindicar o Guinnes de Suruba. Eram 25 participantes ou mais!

13. Ditado moderno: Mais constrangido que gremista comemorando o título do Gauchão.

14. Eu queria ser Isentão, mas do Imposto de Renda.

15. Setembre-se, alaranje-se e rumo ao amarele-se.

- Dica de filme – Se você é assinante da Amazon não deixe de assistir a “O Escândalo” (Bombshell) que conta como as âncoras do da rede Fox dos EUA denunciaram o chefão do canal de Murdoch por assédio sexual, pelo envolvimento em vários casos também conhecidos como “teste do sofá”. De quebra ficamos sabendo como age a mídia engajada dos EUA no processo eleitoral do país e o que está em jogo. Ótimas interpretações de Charlize Theron, Nicole Kidman, Margot  Robbie e John Lithgow como o assediador.

Lei de Benford, o real e o falso

* Publicado em 31/08/2020 em coletiva.net

Fui apresentado a Lei de Benford e a suas aplicações na série A Era dos Dados (Netflix), episódio Dígitos, como relatei na coluna da semana passada. A tal lei, que envolve até os chatíssimos e complicados cálculos logarítmicos, prevê que em conjuntos de números o primeiro digito significativo será baixo. Assim, a distribuição mostra que o dígito 1 tem 30,1% de ser o primeiro à esquerda (zero fora) em qualquer lista de números de um conjunto escolhido aleatoriamente, o 2 aparece com 17,6%, o 3 com 12,5% até o 9 com apenas 4,6%.

O preceito também poderia ser conhecido como Lei Antifraudes, porque uma das suas principais aplicações é na detecção de resultados numéricos manipulados. Por isso, é considerada um antídoto eficaz contra a corrupção e pode ganhar relevância neste ano de eleições municipais.

Aqui recorremos novamente ao episódio de A Era dos Dados, para examinar os casos do uso das redes sociais em campanhas eleitorais, que no Brasil geraram muitas polêmicas e ações judiciais no pleito presidencial de 2018. O episódio Dígitos mostra uma pesquisa da professora Jennifer Golbeack, da Universidade de Maryland (EUA), realizada no Twitter e em outras redes sociais, onde todos os perfis que não se encaixavam na Lei de Benford eram de contas falsas (bots).  Foram identificados mais de 150 mil desses perfis - de origem russa -,  com fotos  de bancos de imagens e que postavam emojis, frases de livros, manuais e outros itens,  davam likes uns nos outros, se seguiam e se retuitavam. A suposição da especialista é que essa “movimentação” entre os perfis era para lhes dar aparência de legitimidade e depois serem utilizados influindo em alguma campanha, como aconteceu na eleição americana e na votação do Brexit no Reino Unido.

O mesmo episódio revela também um efeito reverso quando a lei foi aplicada para identificar fraudes na tecnologia deepfake, que usa inteligência artificial para criar vídeos  falsos, mas realistas. São aqueles vídeos de pessoas, de preferência celebridades,  fazendo coisas que nunca fizeram ou fariam na vida real.  É tal o “parece, mas não é”. Um exemplo que viralizou nas redes sociais mundo a fora  foi o do vídeo em que as palavras de Barack Obama são substituídas pelas do diretor e ator Jordam Peele. Você jura que é o Barack falando.

Existem plenas condições para mostrar que as imagens verdadeiras de uma produção em vídeo  apresentam dados numéricos compatíveis com a lei, mas com o deepfake tudo, vídeo ou áudio, pode ser falso. E o alerta da série veio pelo cientista da computação Harry Farid, dos EUA, sobre o efeito reverso dessa constatação. É  mais do que um alerta, passa a ser uma ameaça quando a nossa mente não consegue mais distinguir o real do falso. E aí surge o problema maior, que não é achar que o falso é real,  mas que o real é falso. Efeito reservo e perverso.

 

Os especialistas não tem ilusões de que serão capazes de acabar com a disseminação de montagens falsas na internet, mas trabalham para aumentar o grau de dificuldades para que circulem nas redes, ainda mais em campanhas eleitorais, e a Lei de Benford é um instrumento eficaz nesse processo.

 

Tão eficaz e disponível que deveríamos rebatizá-la de Lei da Lisura Eleitoral ou, ainda, Lei da Transparência Democrática.