* Publicado em 31/08/2020 em coletiva.net
Fui apresentado a Lei de
Benford e a suas aplicações na série A Era dos Dados (Netflix), episódio Dígitos,
como relatei na coluna da semana passada. A tal lei, que envolve até os chatíssimos
e complicados cálculos logarítmicos, prevê que em conjuntos de números o
primeiro digito significativo será baixo. Assim, a distribuição mostra que o
dígito 1 tem 30,1% de ser o primeiro à esquerda (zero fora) em qualquer lista
de números de um conjunto escolhido aleatoriamente, o 2 aparece com 17,6%, o 3
com 12,5% até o 9 com apenas 4,6%.
O
preceito também poderia ser conhecido como Lei Antifraudes, porque uma das suas
principais aplicações é na detecção de resultados numéricos manipulados. Por
isso, é considerada um antídoto eficaz contra a corrupção e pode ganhar
relevância neste ano de eleições municipais.
Aqui
recorremos novamente ao episódio de A Era dos Dados, para examinar os casos do
uso das redes sociais em campanhas eleitorais, que no Brasil geraram muitas
polêmicas e ações judiciais no pleito presidencial de 2018. O episódio Dígitos
mostra uma pesquisa da professora Jennifer Golbeack, da Universidade de
Maryland (EUA), realizada no Twitter e em outras redes sociais, onde todos os
perfis que não se encaixavam na Lei de Benford eram de contas falsas
(bots). Foram identificados mais de 150
mil desses perfis - de origem russa -, com fotos
de bancos de imagens e que postavam emojis, frases de livros, manuais e
outros itens, davam likes uns nos outros,
se seguiam e se retuitavam. A suposição da especialista é que essa
“movimentação” entre os perfis era para lhes dar aparência de legitimidade e
depois serem utilizados influindo em alguma campanha, como aconteceu na eleição
americana e na votação do Brexit no Reino Unido.
O
mesmo episódio revela também um efeito reverso quando a lei foi aplicada para
identificar fraudes na tecnologia deepfake, que usa inteligência
artificial para criar vídeos falsos, mas
realistas. São aqueles vídeos de pessoas, de preferência celebridades, fazendo coisas que nunca fizeram ou fariam na
vida real. É tal o “parece, mas não é”. Um
exemplo que viralizou nas redes sociais mundo a fora foi o do vídeo em que as palavras de Barack
Obama são substituídas pelas do diretor e ator Jordam Peele. Você jura que é o
Barack falando.
Existem plenas condições para mostrar que as imagens verdadeiras de
uma produção em vídeo apresentam dados
numéricos compatíveis com a lei, mas com o deepfake tudo, vídeo ou
áudio, pode ser falso. E o alerta da série veio pelo cientista da computação
Harry Farid, dos EUA, sobre o efeito reverso dessa constatação. É mais do que um alerta, passa a ser uma ameaça
quando a nossa mente não consegue mais distinguir o real do falso. E aí surge o
problema maior, que não é achar que o falso é real, mas que o real é falso. Efeito reservo e
perverso.
Os especialistas não tem ilusões de que serão capazes de acabar com a
disseminação de montagens falsas na internet, mas trabalham para aumentar o
grau de dificuldades para que circulem nas redes, ainda mais em campanhas
eleitorais, e a Lei de Benford é um instrumento eficaz nesse processo.
Tão eficaz e disponível que deveríamos rebatizá-la de Lei da Lisura
Eleitoral ou, ainda, Lei da Transparência Democrática.
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