Conheci o publicitário João Santana em 1998 na campanha para o governo
do Estado. Aquela foi uma disputa feroz, voto a voto, entre Antonio Brito e
Olívio Dutra. Brito venceu no primeiro turno por pequena diferença, mas Olívio
acabou levando no segundo, também por escassa margem, cerca de 87 mil votos, ou
1,5% num universo de 5,6 milhões de votantes.
Brito buscava a reeleição, era favorito, arrancou forte, mas foi
perdendo espaço e intenção de votos diante de uma bem sucedida campanha de
desqualificação, especialmente na TV, com programas petistas produzidos por
Carlos Gerbase e sua turma. Para comandar a sua campanha o governador contratou
a Duda Mendonça, que enviou a Porto Alegre um marqueteiro de segundo escalão, o
hoje celebrado e encarcerado João Santana. Ele veio em grande estilo, com uma
trupe de criativos, produtores, roteiristas, entre os quais sua jovem e
arrogante esposa, que volta e meia levava um corridão de outra parceira nossa.
Apesar de todo o aparato, a campanha proposta pelo esquema Duda/Santana
não engrenava. Era muito brilhareco, pouca consistência, soluções usadas em
outras campanhas, mas que aqui não funcionavam e
programas desconectados do ambiente regional. Enquanto isso, a
gurizada à serviço do PT dava lições de como chegar aos corações e mentes dos
gaúchos.
Não sei se o Brito não confiava muito em João Santana, o certo é que um
dia chamou a Bernardete Bestame e a mim, e pediu que ficássemos de olho no
trabalho do marqueteiro. Em seguida nos mudamos para a produtora, que
funcionava na rua Luzitana, bairro São João, num prédio locado a um tio do
Tarso Genro, que ironia!. Trabalhávamos no núcleo de produção de conteúdos de
grandes e pequenos temas que poderiam servir à campanha e deveríamos ser
fornecedores desses conteúdos para os programas de TV. Entretanto, quando nos
apresentamos ao publicitário, explicando que atendíamos a uma demanda do
candidato, fomos recebidos friamente e durante a campanha pouco foi utilizado
do rico material armazenado durante todo o mandato do governador.
No segundo turno, depois do susto que foi a vitória apertada no primeiro
turno, o então secretário da Fazenda, Cezar Busatto foi praticamente imposto
como interventor junto à equipe de João Santana e a campanha começou a dar uma
virada, reacendendo a esperança de vitória. Antes disso, na renovação do
contrato para o segundo turno, houve uma complicada negociação e o marqueteiro
importado acabou mantido. Apesar dos pesares, seria temerária a mudança àquela
altura do campeonato.
Mas bem que João Santana merecia um pé na bunda depois de uma
inacreditável proposta de programa para abrir a nova fase da campanha. Com
pompa e circunstância ele apresentou um piloto de vídeo em que pessoas ligadas
a vários segmentos apontavam todas as fragilidades do governo, as mesmas que a
turma do PT mostrava em seus programas. A justificativa de João Santana é de
que o momento exigia “assumir alguns problemas do governo” e a partir daí
garantir que esse quadro seria alterado no novo mandato. Ao assistir ao
programa piloto, onde apareciam um colono reclamando da falta de apoio, um
jovem clamando por emprego, um trabalhador desempregado criticando as
privatizações, todos ferrando o governo, Brito levantou-se e visivelmente
contrariado, disparou:
- Desse jeito vou entrar no segundo turno com mãos ao alto, como se já
estivesse derrotado. É isso, João Santana?
Santana gaguejou uma explicação, mas teve que mudar toda a sua
equivocada estratégia.
O terceiro e último episódio na minha rápida e desprazerosa relação com
o baiano ocorreu na antevéspera do dia da eleição. As pesquisas mostravam uma
reação da campanha de Brito e uma onda de otimismo percorreu a sede da
produtora. Uma festa foi organizada, com dancinhas e tudo. Mal sabíamos que era
uma versão moderna e gaudéria do baile da Ilha Fiscal, aquele festerê que
precedeu a deposição de dom Pedro II.
Eu havia bebido umas cervejas e resolvi peitar o João Santana, mas
procurei ser minimamente civilizado:
- Ô, João, me diz aí. Vamos ou não ganhar esta merda? Afinal, o que vai
acontecer?
- Aposto uma garrafa de uísque como a gente ganha -, garantiu ele, com
convicção.
Como não bebo destilados não aceitei a proposta, até porque preferia que
ele ganhasse a aposta.O resto da história é bem conhecido. Olívio ganhou e pro meu
discernimento quem perdeu foi o Rio Grande. Quem também ganhou – e muito – foi
o João Santana. Deve ter começado lá em 1998 a escalada rumo ao patrimônio que
hoje ostenta de mais de R$ 59 milhões.