* Reeditado a partir do original publicado em 06/11/2009, mas continua atual como nunca
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
A dor que deveras sente.
Parafraseando Fernando Pessoa, o infiel é
um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é real, o
fingimento que deveras finge. Com o perdão do poeta, submetemos a apreciação do
prezado público nosso enfoque sobre o fingimento - aqui com conotação de
mentira -, em sua relação indissociável com o adultério. E adicionamos a
oportunidade representada pelo Carnaval.
A premissa básica é que não existe adultério sem mentiras.
Entretanto, há uma tênue linha separando o exercício de enganar o próximo por
necessidade da mentira por compulsão. Conheço sujeitos que se dedicam a
infidelidade só para poder mentir, quando o correto seria mentir para continuar
traindo. Uma é arte, a outra é patologia.
Mas o que é a mentira, além de um
pecadilho venial? O celebrado Guy Durandin, autor de As Mentiras na Publicidade e na Propaganda,
sustenta que a mentira contempla quatro operações: omissão, ampliação, redução
e invenção. Todas elas revelam que o autor da mentira busca fragmentos do real,
ou seja, no fundo é um bem intencionado.
A invenção! É neste tópico que os infiéis
se consagram em busca do estado da arte em termos de explicações para suas
práticas extraconjugais. Há um clamor por exemplos. Selecionamos dois.
P., executivo de multinacional, se
esbaldou em um baile pré-carnavalesco e acabou a noitada com uma havaiana,
mulher do tipo "aprecie sem moderação". Um resultado perverso do
encontro é que ficou todo adesivado com purpurina, aquelas estrelinhas que
inventaram para atazanar os infiéis do período momesco. De quebra, nosso
executivo tinha confetes até na raiz dos cabelos.
O que fazer se no final da tarde iria se
encontrar com a família na praia? A purpurina é resistente até ao mais
caprichado banho e os confetes entranham nas roupas e se escondem nas dobras
mais complicadas. Chega a hora em que serão descobertos, você sabe por quem.
Mas o nosso executivo era um homem de sólida formação em planejamento
estratégico, com especialização em gestão de riscos, e logo montou um plano
emergencial para justificar as purpurinas e os confetes. Antes de seguir para o
litoral passou numa loja especializada e comprou dois sacos de purpurina e
outros tantos de confetes. Levou ainda três rolinhos de serpentina, máscaras de
papelão para as crianças e, num toque de safadeza, um colar de havaiana para a
mulher.
Ao chegar à casa da praia, foi recebido
com alegria pela família e ficou contagiado, quase comovido, pela recepção
tributada a um chefe de família que passara a semana ralando na Capital. E
desceu do carro extravasando as emoções que o momento exigia:
- Alegria, alegria! É Carnaval, venham,
venham, - convocava aos familiares.
Para reforçar o clima carnavalesco o som
do carro reproduzia antigas marchinhas. Tudo fora previsto. E quando a família
estava bem próxima ele começou a jogar para o alto as purpurinas e os confetes,
todos ficaram impregnados, comungaram daquela espontaneidade e ele não precisou
justificar nada. À noite, com as energias que ainda lhe restavam, foi exigido
sexualmente pela mulher que, a pedido dele, usava apenas o colar de
havaianas...Agiu como um “serial killer” que deixa sua assinatura nas vítimas.
Outro caso que demandou muita inventividade envolveu S.,
publicitário de renome, que perdeu a hora num fuzuê com a namorada e quando
acordou no apartamento dela, o dia estava clareando. Perder a hora é o terror
dos infiéis e acontece com frequência. O que diferencia cada caso é a
capacidade de superar o pânico inicial e virar o jogo a seu favor. Foi o que
fez o nosso criativo. Primeiro descartou-se do celular, despediu-se da moça e
tratou de estacionar o carro numa rua discreta. Tinha que agir rápido porque a
essa altura a família, com justa preocupação e temerosa de que ele tivesse sido
vítima de sequestro, já poderia ter acionado a Polícia. Com a cabeça
funcionando a mil, apanhou um táxi e ordenou:
- Toca o mais rápido possível para o Lami.
O Lami, como se sabe, fica no extremo sul
da cidade, a beira do Guaíba. Lá chegando ele despachou o táxi logo que
encontrou o primeiro telefone público. Ligou para casa, a cobrar e quem atendeu
foi a esposa, quase aos prantos.
- Onde tu anda, criatura? Estou aflita e
já ia ligar para o 190.
Ele lembra que um calafrio estremeceu seu
corpo, mas manteve a calma e deu continuidade ao seu plano.
- Fui abduzido por alienígenas. Não fala
pra ninguém que depois eu explico tudo. Não sei como, vim parar no Lami. Vem me
buscar.
No caminho para casa ele contou que foi
abordado à noite, depois de um jantar com amigos, por seres verdolengos, de
cabeças e olhos grandes. “Parece que falavam por telepatia”, detalhou. “Aí me
levaram para uma nave toda iluminada e é só o que eu lembro”, acrescentou.
A historia era inverossímil, mas foi
relatada com tanta dramaticidade que a mulher acreditou. Para concluir,
alegando que tinha receio de ser ridicularizado, fez a mulher jurar de pés
juntos que aquilo seria um segredo apenas entre eles e que nunca mais falariam
no assunto. E assim foi feito. Nosso publicitário, porém, providenciou um novo
celular com despertador que não falhasse e presenteou a namorada com um rádio
relógio de marca confiável.
A ousada estratégia adotada tornou-se um
clássico da invenção, merecendo o reconhecimento dos mais respeitados
especialistas. Tanto assim que ganhou variações. A mais comum é a variante do sequestro.
- Querida, fui sequestrado. Não sei como,
vim parar no Sarandi. Mas não liga pra Polícia porque os bandidos podem querer
se vingar. Vem me buscar.
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