terça-feira, 25 de agosto de 2020

Lei de Benford: um mundo conectado

*  Publicado em coletiva.net em 24/08

Nas minha  quarentena investi parte do tempo ocioso  para assistir às séries oferecidas pelas plataformas de streaming. Acabei descobrindo algumas preciosidades, como a série A Era dos Dados (Connected), recém lançada pelo Netflix. São seis episódios que tratam  desde a importância do cocô na geração de soluções às relações entre as nuvens dos céus e a nuvem que armazena nossas mensagens; ou sobre como a poeira do Saara chega à Amazônia até o lado positivo das armas nucleares.

 

A apresentação é do jornalista científico Latif Nasser, um magrão cabeludo e desajeitado que conduz os episódios com muito bom humor. Doutor em História da Ciência em Harvard, ele é diretor de pesquisa do programa Radiolab da rádio pública de Nova Iorque, e já assinou outras produções do gênero, sinal de que A Era dos Dados, ao investigar as incríveis conexões entre os humanos, nosso planeta e o universo,  está em boas mãos e ótimo cérebro.

 

De todos os episódios, o que me deixou mais intrigado e sedento de informações complementares foi o Dígitos, que me revelou a Lei de Benford e as implicações dela no nosso cotidiano. Também chamada de Lei do Primeiro Digito, Lei de Newcomb-Benford ou Lei dos Números Anômalos, ela afirma que em muitas coleções de números o primeiro dígito significativo será pequeno. Mais  ainda: a distribuição mostra que o dígito 1 tem 30,1% de chances de ser o primeiro à esquerda em qualquer lista de números tirados de um conjunto aleatório. Na sequencia, o 2 aparece com 17,6%, o 3 com 12,5%,  assim por diante[FD1] , até o 9 com apenas, 4,6%

 

Quem fez as observações iniciais sobre o fenômeno foi o astrônomo americano Simon Newcomb, por volta de 1881, ao notar que as primeiras páginas dos livros para realizar cálculos logaritmos, eram muito mais utilizadas – estavam mais sujas -  do que as últimas. A paternidade da lei, porém,  ficou com  físico Frank Benford que resgatou o fenômeno em 1938, ao coletar mais de 20 mil observações,  dentre eles áreas de superfícies de 335 rios, tamanho de populações de 3.259 cidades dos EUA, 308 números contidos na revista Seleções e 418 taxas de mortalidade. Todas seguiam a mesma distribuição, privilegiando os números mais baixos como os primeiros dígitos significativos (zero fora). Benford utilizou a escala logarítmica para interpretar o comportamento observado, só não me atrevo a explicar como isso ocorre – desde os tempos ginasiais, logaritmo não é o meu forte

 

Sabem o que tudo isso significa? Muita coisa.

 

Fraudes contábeis podem ser detectadas com a aplicação da Lei de Benford, que também já serviu de evidência em casos criminais nos EUA e em denúncias de manipulação e análise de dados eleitorais. Aplica-se, inclusive, em processos eleitorais como o brasileiro, validando os resultados da urna eletrônico. Na prática, já foi utilizada para a conferência de dados macroeconômicos, como os apresentados pela Grécia à União Europeia para entrar na Zona do Euro e  que se mostraram provavelmente fraudulentos; para análise e comprovação, na Europa, de irregularidade nos preços, antes e depois da introdução do euro; para constatação de fraude científica em artigos publicados e para análise de dados do genoma. No Brasil, de grandes e sucessivos escândalos envolvendo sobrepreço em obras públicas, a Lei pode ser utilizada  com muita eficácia pelo TCU nas análises de preços nas auditorias dessas obras. Assim, um resultado numérico manipulado, fraudado, ou antinatural  é descoberto imediatamente pela aplicação da Lei de Benford.

 

Lamento informar, entretanto, que ela não serve para acertar os resultados das loterias, porque os números são sorteados e, portanto, aleatórios. Gostaria de saber também se a Lei de Benford se aplica, para confirmação, ao conjunto de números em que se transformou a pandemia da Covid-19, mas meus conhecimentos matemáticos não chegam a tanto.

 

  para o caso das notícias falsas nas redes sociais e daqueles vídeos manipulados, mas realistas, a lei apresenta resultados surpreendentes, mas isso requer desdobramento em outra coluna.

 

Por enquanto, registro, reconhecido, o que aprendi com a Lei de Benford e o episódio Dígitos, de A Era dos Dados:

- a matemática rege o universo;

- não existe acasos na matemática;

- a matemática é o melhor antidoto contra fraudes;

- estamos mais conectados uns com os outros do que imaginamos.

- descobri, afinal, pelo menos uma utilidade para  os logaritmos, que infernizavam minha vida de estudante.

Voltaremos.


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