sábado, 19 de novembro de 2016

Enfrentando o medo pânico

Das poucas coisas que me desestabilizam a principal é ter que falar em público. Beira o medo pânico, mas já foi pior. Nos tempos de ginásio no Rosário nas aulas de português o grêmio literário era uma atração para quem gostava de brilhar frente aos colegas, declamando poesia, discursando ou recitando uma redação. Todos os alunos deviam se apresentar pelo menos uma vez e quando chegava a minha era como se fosse para o patíbulo. E lá ia eu para a frente da turma gaguejando um texto, enquanto o pessoal do fundão da aula se divertia com minha timidez em público, diante do olhar reprovador do mestre.  E olha que eu era um estudante bem integrado com os outros colegas, já escrevia razoavelmente bem para aquele período escolar, fazia redações para os outros, mas no dia do malfadado grêmio literário tinha um bloqueio.

Mais tarde, essa dificuldade de me expressar em público contribuí certamente para que não tentasse falar no microfone nos tempos em que atuei em rádio, deixando de investir numa carreira que poderia me ampliar as ofertas no mercado de trabalho da comunicação.  Preferi a retaguarda, um tanto invejoso dos colegas que dominavam a arte de tagarelar  para grandes e pequenas audiências.

Quando assumi certas funções públicas que eventualmente exigiam que fizesse algum pronunciamento não tinha como escapar. Assim que o pessoal do cerimonial informava que deveria obrigatoriamente dirigir algumas palavras à assistência em determinado evento eu queria me enfiar num buraco, sair pela janela, fugar pelos bastidores ou torcer para que uma catástrofe natural qualquer interrompesse a cerimônia. Mas isso nunca aconteceu e aí tive que dominar minha timidez e o bloqueio e inventar alguns artifícios para enfrentar as situações com um mínimo de dignidade.

A primeira lição que ofereço a quem padece do mesmo mal é falar pouco e já anunciar essa disposição no início, especialmente naqueles atos de muitos discursos.  Sempre que possível, pedia ao cerimonial para ser o primeiro a falar,  na esperança de que o meu titubeante pronunciamento seria esquecido na sequência das outras participações, normalmente de cobras criadas na arte de discursar. Além disso, sendo o primeiro, poderia apresentar uma ou outra ideia original, sem o risco de ficar repetitivo.

Também fazia ´parte do meu repertório de enganação, quando representava algum figurão, abrir com o anuncio de que trazia o ¨fraterno abraço¨ e o ¨reconhecimento dele ao valoroso¨ (aqui pode haver uma variação de termos, tipo generoso, aguerrido, corajoso, etc) ¨ao trabalho desenvolvido¨ pelo segmento presente e sua inestimável (aqui também cabem variações como importante, imprescindível,  indispensável, etc) ¨contribuição ao  desenvolvimento da nossa terra¨, ou ¨para beneficiar nossa gente , ou ¨para o pleno exercício da democracia¨, e por aí vai.

Depois era só alinhar mais duas ou três ideias bem básicas, agradecer a acolhida, elogiar os organizadores, sempre olhando em rodízio para a plateia à esquerda, à direita e ao fundo. Quando estava mais seguro, até tentava fazer uma graça. Só que,  como não tinha muito jeito para bancar o engraçado, passei por saias justas, como quando tive que falar num evento promocional pré Copa do Mundo em Punta del Este, diante de representantes do corpo consular. Ao destacar o esforço dos uruguaios para realizar a Copa de 30, fiz referência ao fato de que, naquele tempo, ¨vejam vocês, nem existiam celulares ainda¨, uma bobagem que ninguém entendeu e nem sei porque inclui na peça oratória. Pelo menos me obrigou a abreviar a lengalenga.   

Por fim, sempre que era possível, acrescentava um entusiasta desejo de ¨longa vida à...¨, e customizava à atividade ou aos profissionais presentes. Funcionou sempre e, em contrapartida, até mereci aplausos mais prolongados de plateias menos exigentes.

E assim consegui sobreviver a essa provação que é enfrentar o público, mesmo admitindo que ainda não me livrei de um  incômodo ¨tᨠao final das frases, tá, que não sei quando começou, tá, mas que provavelmente incorporei como bengala, tá, para emendar a frase seguinte, tá.



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