terça-feira, 23 de outubro de 2012

Dosimetria republicana sustentável

Um dos muitos legados do julgamento do Mensalão foi incorporar ao vocabulário dos  brasileiros o termo “dosimetria”, que vem a ser, no caso, o cálculo da pena a ser imposta a cada um dos quadrilheiros desse escandaloso episódio. Nas TVs e rádios nossos mais abalizados âncoras e comentaristas falam em dosimetria com uma naturalidade de quem já domina há muito tempo o juridiquês básico.

É interessante como a política em geral e, em particular, os grandes eventos que mobilizam a nação, sejam escândalos ou não, tem o poder de introduzir modismos vocabulares no nosso dia a dia.  Não lembro exatamente quando,  mas acho que foi nos estertores da ditadura que surgiu o “casuísmo”, muito bradado pela oposição para denunciar as arbitrariedades e as manipulações dos militares. Não seria tão mais fácil usar “ manobras”?

Mais recentemente ganhou espaço e vários usuários o termo “republicano”, que tem a ver com a forma republicana de governo, e remete ao que é público, ao Interesse da Maioria de que trata o Princípio Republicano. Petista que se preze, na falta de outros conteúdos, adora incluir um “republicano” nas suas argumentações. Junto veio o "factóide”, que serve para desqualificar qualquer iniciativa dos adversários, numa aplicação nada republicana do termo, convenhamos.  E  “cidadania”, que surgiu fulgurante, acabou perdendo espaço ao longo do tempo e sua conotação republicana.
 Entretanto, o campeão de todos os novos vocábulos é o “sustentável”, com a variação “sustentabilidade”. Acredito que a origem  da difusão do termo remonte às pioneiras lutas  dos ecologistas, mas hoje se presta para várias atividades.  Já vi anúncio  de fábrica de cigarros garantindo que exerce uma “função sustentável na economia”.  Outro dia num dos tantos debates eleitorais assisti a um dos candidatos, com ar grave, perguntar a um opositor qual a sua posição sobre “ o desenvolvimento harmônico sustentável  aplicado às cidades”. O adversário, coitado, se embananou todo para responder uma bobagem qualquer, enquanto o questionador fazia cara de “desta vez, te peguei, babaca!”.  Mais incrível foi a cantada que flagrei num happy, numa mesa vizinha: “Quem sabe a gente parte agora para uma prática sexual sustentável”, convocou o sujeito para sua acompanhante, que devia saber do que se tratava porque logo levantou e escapuliu bem faceira com parceiro.

Isso me faz lembrar o já falecido presidente da Federação Gaúcha de Futebol,  Rubens Hofmeister, tão dinâmico como pouco letrado, que denominava os clubes que jogavam em seus estádios como "locatários”, que, na verdade, é quem aluga,ou seja, o inquilino e não o proprietário.  Mas os tais de "locatários” apareciam até nos regulamentos do campeonato.
Como não sou avesso a evolução do idioma e invisto no incremento do vocabulário pessoal, tenho adotado sem restrições todas as novidades. E até me permito a fazer variações, criando conceitos como “dosimetria republicana sustentável” ou “sustentabilidade casuística  locatária” ou ainda “factóide locatário republicano”. Êita , erudição.

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